Resumo: Este trabalho tem como objetivo, analisar as condutas de fraude em concursos públicos e em vestibulares, também conhecida por cola eletrônica, considerando a inovação da Lei n. 12.550, de 15 de dezembro de 2011, que alem de autorizar o Poder Executivo a criar a empresa pública denominada Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares - EBSERH; acrescenta dispositivos ao Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal e dá outras providências. Até então as condutas de fraude em concurso público, apesar da repressão policial, acabavam por serem julgadas improcedentes perante a os Tribunais Superiores (STF, STJ), entendendo pela atipicidade da conduta, restando apenas a reprovação social em face dos milhares de concorrentes aos certames que eram preteridos nos seus objetivos. Procurar-se-á no decorrer do trabalho, demonstrar a tipificação penal utilizados pelas polícias (civil e federal), quando da prisão de pessoas voltadas a essa prática de ilícito, bem como a nova tipificação, fazendo-se correlação com o crime de fraude em licitações previsto na Lei n. 8.666/93.
Palavras-chave: fraude em concurso público, vestibular, cola eletrônica. Estelionato. Falsidade ideológica. Proibição de inscrição em concurso público.
1. INTRODUÇÃO
É comum no dia-a-dia a divulgação nos meios midiáticos de prisões de pessoas envolvidas em fraude em concurso público ou vestibular, também conhecida por “cola eletrônica”, os quais são identificados sob o rótulo de “organização criminosa”.
Tal conduta ilícita vem sendo praticada por pessoas especializadas nessa modalidade de fraude, que movimenta grandes quantias em dinheiro, face o interesse de candidatos que, pela via mais fácil, tentam a qualquer custo uma vaga nas instituições de ensino superior ou a ocupação de vagas em cargos públicos, disputados mediante concurso.
Normalmente os editais de concursos e dos vestibulares, prevêem como punição administrativa, a eliminação do candidato que forem pegos em situação suspeita ou forem surpreendidos praticando fraude (cola) no respectivo certame.
No âmbito criminal, em regra, os envolvidos em “cola eletrônica” eram autuados em flagrante delito, na prática de estelionato, falsidade ideológica, crimes de formação de quadrilha e até na utilização de equipamentos de telecomunicações de forma criminosa.
Utilizamos a conjugação verbal “ERAM AUTUADOS”, visto que até o dia 15 de dezembro de 2011, não havia tipificação do crime de fraude em concurso público ou outro certame, o que foi suprido pela Lei n. 12.550, que alem de autorizar o Poder Executivo a criar a empresa pública denominada Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares - EBSERH; acrescenta dispositivos ao Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal e dá outras providências.
Ainda neste tópico introdutório, cabe registrar que o legislador com um técnica pouco aceitável, criou tipos penais, alterou o Código Penal, em uma Lei de natureza administrativa? E veja que esta não é a primeira vez, pois em 2009, pela Lei n. 11.922, ao tratar da dispensa de recolhimento de parte dos dividendos e juros sobre capital próprio pela Caixa Econômica Federal, acabou por prorrogar os prazos previstos nos arts. 5º e 30 da Lei n. 10/826/2003 (Estatuto do Desarmamento), misturando Lei de conteúdo de Direito Bancário/Administrativo, com conteúdo Penal, sem relação com o conteúdo majoritário da Lei.
Isto, no meu entender é péssimo, pois mitiga a publicidade do conteúdo penal, que, em regra, deve ser utilizado como ultima ratio, devendo o legislador esgotar os meios necessários no campo do direito Administrativo ou Civil, para somente após utilizar o Direito Penal, com vista inibir a prática de determinadas condutas. Ora se o Direito Penal é ultima ratio, por envolver bens jurídicos de grande relevância e pelo fato de o Direito Administrativo ou Civil não terem sido suficientes para coibir condutas ilícitas, deve-se dar maior publicidade ao conteúdo penal, visando alcançar o seu objetivo maior que é a prevenção Geral (negativa ou positiva). Dá forma como vem atuando o legislador fica a impressão que está relegando o direito penal a um segundo plano, enxertando tipos penais em leis de conteúdo administrativo.
Ademais a publicidade da norma penal é de fundamental importância, visto que tem reflexo em dois momentos: a) quando da análise do erro sobre a ilicitude do fato (art. 21 do CP); e, b) quando da analise das circunstâncias atenuantes, já na segunda fase da dosimetria da pena (art. 65, inc. II, do CP).[1]
Felizmente estamos sempre atentos a essas mudanças, pois a divulgação do conteúdo penal, em especial quanto às inovações é de suma importância à sociedade como um todo, devendo ser registrada a eficiência do nosso Ilustre Procurador Dr. ROMULO ANDRADE, que nos alerta com o artigo “Atenção: mais um crime na praça”, publicado no Portal Conteúdo Jurídico[2], tecendo suas críticas à alteração legislativa, ocorrida com a Lei n. 12.550/2011, da qual, também nos ocuparemos nas próximas poucas linhas.
2. COMO ERA ANTES DA LEI 12.550?
As polícias Civis e Federal juntamente com o Ministério Público Federal ou Estadual sempre combateram a conduta de fraude em concurso público ou vestibulares em Universidades Públicas, pois considerando a revolta social e o prejuízo causado aos candidatos, além do descrédito que levava às instituições públicas envolvidas no certame.
Normalmente o trabalho de investigação desenvolvido pelas polícias (Federal e civil), requer um esforço muito grande, onde são utilizados todos os meios à disposição dessas instituições para se colher prova da organização formada para fraudarem vestibulares e concursos públicos, tais como interceptação de comunicações telefônicas, quebra de sigilo fiscal e bancário, campanas, rastreamento de dispositivos eletrônicos utilizados para transmitir/receber mensagens, busca e apreensão em residências, escritórios ou qualquer outro lugar susceptível de busca, oitiva de pessoas, denúncias anônimas e etc. Isso leva tempo, dedicação, despesas para o Estado, além de eventuais constrangimentos comuns à atividade policial.
Uma das notícias de grande exploração midiática sobre fraude em concurso ocorreu no Distrito Federal, em 22.05.2005, na ocasião da realização do concurso público para agente penitenciário federal, promovido pelo CESPE/UNB, oportunidade em que a Polícia Civil do Distrito Federal, através da Divisão de Crimes Organizado – DECO, em uma percuciente investigação que durou seis meses aproximadamente, logrou êxito em identificar e prender por força de mandado de prisão preventiva, expedido pela justiça do Distrito Federal, cerca de 74 pessoas envolvidas na fraude do referido concurso.
Além dos líderes da “organização criminosa”, foram presos os recrutadores (pessoas responsáveis pela cooptação de candidatos) e os candidatos que aderiram à fraude mediante pagamento de 20 vezes o valor do salário do cargo pretendido, ou seja, cerca de 30 mil reais. As prisões desses candidatos ocorreram no momento em que estavam realizando as provas, inclusive alguns deles foram pegos com os respectivos gabaritos. A tipificação legal que em regra se utilizava na imputação era as de estelionato, falsificação de documento público, falsidade ideológica, uso de documento falso e formação de quadrilha, (artigos 171, § 3º, 297, 299, 304 e 288, todos do Código Penal).
A preocupação com a fraude em concursos públicos ou vestibulares é antiga podendo aqui ser mencionado que já em 1998, a quatorze anos atrás, o professor e Ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça Luiz Vicente Cernicchiaro, em sua obra Questões Penais, se manifestou sobre o tema da “cola eletrônica”, nos seguintes termos:
O fato é complexo. Envolve também o modo como, antes de encerrado o exame, pessoa não inscrita obteve o texto da prova. Fico restrito, porém, à referida comunicação. Parece, poder-se-á denominar – cola eletrônica. Sem dúvida, forma sofisticada de fraude. Transmitente e destinatário simulam a autoria das resposatas. Simular é dar a aparência de existente a fato inexistente.
[...]
A prova, juridicamente, é documento, no sentido de texto de autor conhecido e de conteúdo juridicamente relevante. Conhecido porque o candidato, mesmo resguardado o sigilo, após a correção, será identificado. Relevante, dado a nota traduzir critério de classificação.
É curial, no caso de transmissão das respostas, l candidato, na verdade, limitou-se a fazer a anotação ditada por outrem. Este, sim, foi o autor da prova. Aqui, a fraude. Relevante porque vai influir na nota. Logicamente, na classificação. Esta decorre do conhecimento do candidato. Não se admite que outrem compareça em seu lugar. A procuração é inadmitida. O recurso da (cola) eletrônica conduz à mesma situação. Logo, os efeitos são os mesmos.
Há duas espécies de falsidade documental. Falsidade material quando exibido (materialmente) um documento por outro. Assim, se apresento uma folha com a assinatura de Chopin, simulando ser original. Falsidade ideológica se, em documento verdadeiro, introduzo declaração que não devia constar, ou omito declaração que deveria ser registrada.
A cola eletrônica é falsidade ideológica. No documento (o texto recebido pelo candidato é autêntico) só é admitida a anotação (declaração) do próprio candidato, o que é certo, não se confunde com a mensagem transmitida por outrem à distância. O candidato, dessa forma, apresenta prova de terceiro como sua. A prova é classificatória, o número de vagas é menor do que postulantes. Logo, se influir na classificação, um dos candidatos (ou mais) será preterido. Aqui está a relevância jurídica[3].
Em verdade, pode-se afirmar que a cola eletrônica, a fraude em vestibular, ultrapassa os lindes do folclore estudantil, não pode ficar somente no campo da reprovação social, no campo do pecado, especialmente quando se trata de concurso público, cujo número de vagas é menor do que o número de candidatos. Interessa sim ao Direito Penal, visto que o resultado não se restringe a obter, indevidamente, nota ou índice de rendimento. Vai além, atinge direito de terceiro, ou seja, causa prejuízo a outrem.
Ocorre que os Tribunais Superiores, iniciando-se pelo Supremo Tribunal Federal, além do Superior Tribunal de Justiça, bem como os TRF’S, em várias decisões vêm entendendo pela atipicidade da conduta de fraude em vestibulares ou concurso público, apelidado de “cola eletrônica”, daí a razão de se utilizar no título deste artigo a expressão “Crime ou Pecado?”, pois se não é crime, só pode ser pecado, pois a conduta é de grande reprovação social.
A razão dos tribunais superiores entenderem pela atipicidade das condutas (antes da Lei 12.550/2011) é simples. É que no direito penal não se admite analogia in malam partem, ou seja, fazer uma interpretação ampliativa para alcançar condutas que não estejam tipificadas em leis, em detrimento do princípio da legalidade que prevê que não há crime sem lei anterior que o defina, não há pena sem prévia cominação legal. Por mais reprovável que seja a lamentável prática da "cola eletrônica", a persecução penal não pode ser legitimamente instaurada sem o atendimento mínimo dos direitos e garantias constitucionais vigentes em nosso Estado Democrático de Direito. Neste sentido se manifestou o Supremo Tribunal Federal antes da Lei n. 12550/11, senão vejamos:
EMENTA: Inquérito. 1. Denúncia originariamente oferecida pela Procuradoria-Regional da República da 5ª Região contra deputado estadual. 2. Remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal (STF) em face da eleição do denunciado como deputado federal. 3. Parlamentar denunciado pela suposta prática do crime de estelionato (CP, art. 171, § 3o). Peça acusatória que descreve a suposta conduta de facilitação do uso de "cola eletrônica" em concurso vestibular (utilização de escuta eletrônica pelo qual alguns candidatos - entre outros, a filha do denunciado - teriam recebido as respostas das questões da prova do vestibular de professores contratados para tal fim). 4. O Ministério Público Federal (MPF) manifestou-se pela configuração da conduta delitiva como falsidade ideológica (CP, art. 299) e não mais como estelionato. 5. A tese vencedora, sistematizada no voto do Min. Gilmar Mendes, apresentou os seguintes elementos: i) impossibilidade de enquadramento da conduta do denunciado no delito de falsidade ideológica, mesmo sob a modalidade de "inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante"; ii) embora seja evidente que a declaração fora obtida por meio reprovável, não há como classificar o ato declaratório como falso; iii) o tipo penal constitui importante mecanismo de garantia do acusado. Não é possível abranger como criminosas condutas que não tenham pertinência em relação à conformação estrita do enunciado penal. Não se pode pretender a aplicação da analogia para abarcar hipótese não mencionada no dispositivo legal (analogia in malam partem). Deve-se adotar o fundamento constitucional do princípio da legalidade na esfera penal. Por mais reprovável que seja a lamentável prática da "cola eletrônica", a persecução penal não pode ser legitimamente instaurada sem o atendimento mínimo dos direitos e garantias constitucionais vigentes em nosso Estado Democrático de Direito. 6. A tese vencida, iniciada pelo Min. Carlos Britto, e acompanhada pelos Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, baseou-se nos seguintes argumentos: i) o acusado se defende de fatos, e não da respectiva capitulação jurídica. É indiferente à defesa do acusado a circunstância de a denúncia haver inicialmente falado de estelionato, enquanto sua ratificação, pelo Procurador-Geral da República, redefiniu a questão para focá-la na perspectiva da falsidade ideológica. Para a tese vencida, os fatos narrados não passaram por nenhuma outra versão, permitindo, assim, o desembaraçado manejo das garantias do contraditório e da ampla defesa; ii) o caso tem potencialidade de acarretar prejuízo patrimonial de dupla face: à Universidade Federal da Paraíba, relativamente ao custeio dos estudos de alunos despreparados para o curso a que se habilitariam por modo desonesto, de parelha com o eventual dever de anular provas já realizadas, e, assim instaurar novo certame público; e àqueles alunos que, no número exato dos "fraudadores", deixariam de ser aprovados no vestibular; iii) incidência de todos os elementos conceituais do crime de estelionato: obtenção de vantagem ilícita, que, diante do silêncio da legislação penal, pode ser de natureza patrimonial, ou pessoal; infligência de prejuízo alheio, que há de ser de índole patrimonial ou por qualquer forma redutível a pecúnia, pois o crime de estelionato insere-se no Título do Código Penal destinado à proteção do patrimônio; utilização de meio fraudulento; e induzimento ou manutenção de alguém em erro; iv) seja no delito de estelionato, ou no de falso, a denúncia parece robusta o suficiente para instaurar a ação penal; e, por fim, v) a tramitação de projeto de lei no Congresso Nacional para instituir um tipo criminal específico para a cola eletrônica não se traduz no reconhecimento da atipicidade da conduta do acusado. 7. Denúncia rejeitada, por maioria, por reconhecimento da atipicidade da conduta descrita nos autos como "cola eletrônica". (Inq 1145, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 19/12/2006, DJe-060 DIVULG 03-04-2008 PUBLIC 04-04-2008 EMENT VOL-02313-01 PP-00026 RTJ VOL-00204-01 PP-00055) [4]
Antes de se indagar o porquê da atuação policial em fatos que em tese os Tribunais Superiores se posicionavam pela atipicidade das condutas, é importante frisar que a fraude em concurso público ou vestibulares, intitulada “cola eletrônica” é tão complexa, que mesmo no Supremo Tribunal Federal, conforme acima demonstrado, houve divergência de votos, o que justificava a atuação policial, visando reprimir e coibir a conduta, sendo que a tese vencida, utilizava 05 pontos relevantes, dos quais fazemos questão de repeti-los isoladamente:
I) o acusado se defende de fatos, e não da respectiva capitulação jurídica. É indiferente à defesa do acusado a circunstância de a denúncia haver inicialmente falado de estelionato, enquanto sua ratificação, pelo Procurador-Geral da República, redefiniu a questão para focá-la na perspectiva da falsidade ideológica. Para a tese vencida, os fatos narrados não passaram por nenhuma outra versão, permitindo, assim, o desembaraçado manejo das garantias do contraditório e da ampla defesa;
II) o caso tem potencialidade de acarretar prejuízo patrimonial de dupla face: à Universidade Federal da Paraíba, relativamente ao custeio dos estudos de alunos despreparados para o curso a que se habilitariam por modo desonesto, de parelha com o eventual dever de anular provas já realizadas, e, assim instaurar novo certame público; e àqueles alunos que, no número exato dos "fraudadores", deixariam de ser aprovados no vestibular;
III) incidência de todos os elementos conceituais do crime de estelionato: obtenção de vantagem ilícita, que, diante do silêncio da legislação penal, pode ser de natureza patrimonial, ou pessoal; infligência de prejuízo alheio, que há de ser de índole patrimonial ou por qualquer forma redutível a pecúnia, pois o crime de estelionato insere-se no Título do Código Penal destinado à proteção do patrimônio; utilização de meio fraudulento; e induzimento ou manutenção de alguém em erro;
IV) seja no delito de estelionato, ou no de falso, a denúncia parece robusta o suficiente para instaurar a ação penal; e, por fim.
V) a tramitação de projeto de lei no Congresso Nacional para instituir um tipo criminal específico para a cola eletrônica não se traduz no reconhecimento da atipicidade da conduta do acusado.
Curiosamente, após a decisão do plenário do STF, acima colacionada, nova possibilidade de manifestação ocorreu quando do julgamento do HC 94852/GO, quando o caso versava sobre a venda de questões de concurso para o curso de formação de sargentos da PM/GO ocasião em que julgou-se pela improcedência do writ, nos seguintes termos:
EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL MILITAR. HABEAS CORPUS. VENDA DE GABARITOS DE PROVA DE CONCURSO PARA O CURSO DE FORMAÇÃO DE SARGENTOS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA POR ATIPICIDADE DA CONDUTA. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA. I - O caso em espécie versa sobre a venda das questões do exame antes da respectiva prova, em diversas unidades da Federação, o que não guarda semelhança com os precedentes indicados, INQ 1.145/PB e HC 88.967/AC, em que a matéria de fundo centrava-se sobre a atipicidade da denominada "cola eletrônica". II - É firme a jurisprudência desta Corte na linha de que "a concessão de habeas corpus com a finalidade de trancamento de ação penal em curso só é possível em situações excepcionais, quando estiverem comprovadas, de plano, a atipicidade da conduta, causa extintiva da punibilidade ou ausência de indícios de autoria" (HC 94852/GO, Rel. Min. MENEZES DIREITO). III - Ordem denegada. (HC 93720, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 16/06/2009, DJe-121 DIVULG 30-06-2009 PUBLIC 01-07-2009 EMENT VOL-02367-03 PP-00482 RT v. 98, n. 888, 2009, p. 489-492 LEXSTF v. 31, n. 367, 2009, p. 371-376)[5]
No entanto a tese que vinha prevalecendo no Tribunais era pela atipicidade da conduta, sendo que no Superior Tribunal de Justiça, ao se analisar Habeas Corpus n. 39.592/PI, relativo à processo crime por estelionato, falsificação de documento público, falsidade ideológica, uso de documento falso e formação de quadrilha, (artigos 171, § 3º, 297, 299, 304 e 288, todos do Código Penal), em concurso material, na conduta de FRAUDE A VESTIBULAR “COLA ELETRÔNICA”, decidiu-se no mesmo sentido:
STJ HABEAS CORPUS. FRAUDE A VESTIBULAR. "COLA ELETRÔNICA". ESTELIONATO. FALSIDADE IDEOLÓGICA. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. USO DE DOCUMENTO FALSO. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. TRANCAMENTO DA AÇÃO. ATIPICIDADE E PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1 - Paciente denunciado por estelionato, falsificação de documento público, falsidade ideológica, uso de documento falso e formação de quadrilha, (artigos 171, § 3º, 297, 299, 304 e 288, todos do Código Penal), em concurso material. 2 - "Fraudar vestibular, utilizando-se de cola eletrônica (aparelhos transmissor e receptor), malgrado contenha alto grau de reprovação social, ainda não possui em nosso ordenamento penal qualquer norma sancionadora" (INQ 1145/STF).
3 - Writ concedido para reconhecer a atipicidade da "cola eletrônica" e trancar a ação penal no que diz respeito às condutas tipificadas nos artigos 171, § 3º e 299 do Código Penal, mantida a persecução penal em relação as demais condutas típicas e autônomas. 4 - Exordial acusatória que descreve a prática de reiteradas e diversas condutas criminosas, que, em tese, adequam-se perfeitamente aos crimes de falsificação de documento público, uso de documento falso e formação de quadrilha, apontando o paciente como chefe da organização criminosa. 5 - Denúncia que preenche todos os requisitos do art. 41 do CPP, descrevendo, com os elementos indispensáveis, a prática, em tese, dos delitos que menciona, com suas circunstâncias, permitindo ao acusado o conhecimento do que lhe é imputado, viabilizada, assim, a ampla defesa, inexistindo qualquer motivo para o trancamento da ação penal. 6 - "O princípio da consunção pressupõe a existência de um nexo de dependência das condutas ilícitas, para que se verifique a possibilidade de absorção daquela menos grave pela mais danosa." (REsp nº 890.515/ES, Relator o Ministro GILSON DIPP, DJU de 4/6/2007). Sendo a "cola eletrônica" conduta atípica, não pode ela absorver outras condutas típicas e autônomas, afastado, assim, o princípio da consunção. 7 - Habeas corpus parcialmente concedido. (HC 39.592/PI, Rel. Ministro HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE), SEXTA TURMA, julgado em 19/11/2009, DJe 14/12/2009)[6]
Em outra ocasião (RHC 22.898/RS) em que se imputada aos denunciados as condutas de estelionato, falsidade ideológica e formação de quadrilha, decidiu a Quinta Turma do STJ, no seguinte sentido:
PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ARTS. 288, 299 E 171 C/C 69, TODOS DO CP. COLA ELETRÔNICA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. I - O trancamento de ação por falta de justa causa, na via estreita do writ, somente é viável desde que se comprove, de plano, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito (Precedentes). II - "(...). Peça acusatória que descreve a suposta conduta de facilitação do uso de "cola eletrônica" em concurso vestibular (utilização de escuta eletrônica pelo qual alguns candidatos - entre outros, a filha do denunciado - teriam recebido as respostas das questões da prova do vestibular de professores contratados para tal fim). 4. O Ministério Público Federal (MPF) manifestou-se pela configuração da conduta delitiva como falsidade ideológica (CP, art. 299) e não mais como estelionato. 5. A tese vencedora, sistematizada no voto do Min. Gilmar Mendes, apresentou os seguintes elementos: i) impossibilidade de enquadramento da conduta do denunciado no delito de falsidade ideológica, mesmo sob a modalidade de "inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante"; ii) embora seja evidente que a declaração fora obtida por meio reprovável, não há como classificar o ato declaratório como falso; iii) o tipo penal constitui importante mecanismo de garantia do acusado. Não é possível abranger como criminosas condutas que não tenham pertinência em relação à conformação estrita do enunciado penal. Não se pode pretender a aplicação da analogia para abarcar hipótese não mencionada no dispositivo legal (analogia in malam partem). Deve-se adotar o fundamento constitucional do princípio da legalidade na esfera penal. Por mais reprovável que seja a lamentável prática da "cola eletrônica", a persecução penal não pode ser legitimamente instaurada sem o atendimento mínimo dos direitos e garantias constitucionais vigentes em nosso Estado Democrático de Direito. (...) 7. Denúncia rejeitada, por maioria, por reconhecimento da atipicidade da conduta descrita nos autos como "cola eletrônica" (STF, Inq 1145/PA, Tribunal Pleno, Rel. Orig.: Maurício Corrêa, Rel. p/ acórdão: Gilmar Mendes, DJU de 04/04/08). III - In casu, com a ressalva pessoal do relator, verifica-se de plano a atipicidade da conduta da paciente. Recurso provido. (RHC 22.898/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 20/05/2008, DJe 04/08/2008)[7]
No mesmo sentido, decidiu a Sexta Turma do STJ, ao julgar o RHC 7.376/SC, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES:
RHC. RECURSO ORDINÁRIO OFERECIDO A DESTEMPO. VESTIBULAR. "COLA ELETRÔNICA". NÃO CARACTERIZAÇÃO DE CRIME. 1. Não obstante oferecido a destempo o recurso ordinário, a teor da letra do art. 30, da Lei 8.038/90, não há impedimento, sendo, inclusive, recomendado pela jurisprudência, que dele se conheça como ordem de "habeas corpus". 2. O preenchimento, através de "cola eletrônica", de gabaritos em concurso vestibular não tipifica crime de falsidade ideológica. É que nos gabaritos não foi omitida, inserida ou feita declaração falsa diversa daquela que devia ser escrita. As declarações ou inserções feitas nos cartões de resposta por meio de sinais eram verdadeiras e apenas foram obtidas por meio não convencional. 3. A eventual fraude mostra-se insuficiente para caracterizar o estelionato que não existe "in incertam personam". 4. Recurso conhecido como "habeas corpus". Ordem concedida para trancar a ação penal. (RHC 7.376/SC, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, SEXTA TURMA, julgado em 01/07/1998, DJ 14/09/1998, p. 136)[8]
Ressalte-se que quando as condutas de fraude em concurso público são desenvolvidas em concurso com outras condutas criminosas previstas no Código Penal ou em leis penais extravagantes, a exemplo dos crimes de extorsão, porte ilegal de arma de fogo, sonegação fiscal, lavagem de dinheiro, não há motivos para absolvição dos acusados em relação a estes crimes, que por si só caracterizam condutas penais autônomas, conforme se posicionou o Superior Tribunal de Justiça ao analisar o HC 41.590/AC:
HABEAS CORPUS. FRAUDE A VESTIBULAR POR MEIO DA CHAMADA "COLA ELETRÔNICA". PACIENTE DENUNCIADO POR VIOLAÇÃO DOS ARTS. 158, 171, 288 E 299, TODOS DO CÓDIGO PENAL; ARTS. 1º, I, E 2º, I, AMBOS DA LEI Nº 8.137/90; ART. 1º, V E VII, DA LEI Nº 9.613/98; ART. 70 DA LEI Nº 4.117/62; ARTS. 12 E 16, AMBOS DA LEI Nº 10.826/2003; E ART. 125, XIII, DA LEI Nº 6.815/80. PEDIDOS DE TRANCAMENTO DA AÇÃO E DE REVOGAÇÃO DA CUSTÓDIA CAUTELAR. WRIT JULGADO PARCIALMENTE PREJUDICADO E DENEGADO. 1 - Em razão do advento de sentença que absolve o paciente das acusações da prática dos delitos descritos nos artigos 299 do Código Penal, 70 da Lei nº 4.117/62, 1º, I, da Lei nº 8.137/90, e 125, XIII, da Lei nº 6.812/80, com trânsito em julgado para o Ministério Público, resta prejudicado, relativamente a esses crimes, o pleito de trancamento da ação. 2 - Paciente condenado por estelionato e formação de quadrilha por ter liderado gigantesco esquema de fraude ao vestibular de medicina da Universidade Federal do Acre - UFAC, realizado em junho de 2002, em que fornecera a diversos candidatos, mediante pagamento de elevadas quantias em dinheiro, gabaritos das provas por meio de micro-transmissores, fraude conhecida como "cola eletrônica". 3 - Inviável o trancamento da ação em relação a esses delitos, ao argumento de que o fornecimento de "cola eletrônica" é conduta atípica, tendo em conta a complexidade fática do caso, que não versa pura e simplesmente sobre a conduta de quem se utiliza desse tipo de fraude para lograr aprovação em vestibular, tratando-se, na verdade, de organização criminosa, encabeçada pelo paciente, que já atua no ramo da venda de gabaritos, inclusive em âmbito nacional, há mais de 18 anos, tendo já fraudado cerca de 32 instituições de ensino superior nesse período. 4 - Nesse sentido, o argumento de que não teria existido vítima certa ou prejuízo determinado não pode subsistir, tendo em conta que ao menos a Universidade Federal do Acre teve um prejuízo, como se vê da sentença condenatória, de aproximadamente R$ 450.000,00 (quatrocentos e cinqüenta mil reais), resultante dos dois anos em que os 28 alunos aprovados ilicitamente ali cursaram, até o advento de decisão, proferida em ação civil pública, que os afastou das cadeiras universitárias, integrando, em seu lugar, os candidatos classificados idoneamente. 5 - Correta a competência da Seção Judiciária do Acre para o julgamento dos crimes de extorsão, porte irregular de arma de fogo de uso permitido e posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, lavagem de dinheiro e sonegação fiscal em razão da conexão probatória com o estelionato e a formação de quadrilha. 6 - Encontra-se o presente habeas corpus prejudicado no tocante ao pleito de revogação da custódia cautelar do paciente, já que o Tribunal de origem, no HC nº 2005.01.00.013876-3/AC, julgado em 3/5/2005, concedeu-lhe o direito de apelar em liberdade. 7 - Habeas corpus julgado parcialmente prejudicado e denegado. (HC 41.590/AC, Rel. Ministro PAULO GALLOTTI, SEXTA TURMA, julgado em 04/05/2006, DJ 12/06/2006, p. 544)
A ocorrência de fraude em concurso público ou vestibular, além do prejuízo dado aos candidatos, tem reflexo no Direito Administrativo e no Direito Civil, pois traz prejuízos ao Estado, na medida em que se vê necessário a anulação do concurso, levando muitos candidatos a ingressarem com ações judiciais acreditando em uma possível indenização por eventual expectativa de direitos, conforme se verifica a decisão abaixo:
RESPONSABILIDADE CIVIL. CONCURSO PÚBLICO VICIADO. FRAUDE. COLA ELETRÔNICA. AUTOTUTELA ADMINISTRATIVA. DANOS MATERIAIS E MORAIS. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. NEXO DE CAUSALIDADE. REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. 1. A Administração pode rever e anular os seus próprios atos, no exercício da autotutela dos princípios norteadores encartados no artigo 37 da Constituição Federal (Súmulas 346 e 473 do STF). 2. Ação indenizatória por supostos danos materiais e morais decorrente de anulação administrativa de concurso público fraudado. 3. In casu, assentou o Tribunal a quo, verbis:"(...) não se pode atribuir ilicitude à prerrogativa da Administração de rever seus próprios atos, pois que o poder-dever de reexaminá-los tem origem na própria natureza da atividade prestada, em homenagem ao princípio da autotutela. (...)No caso dos autos, a anulação decorreu da prática de indícios de fraude, face à prática de cola eletrônica, via celular, que levou à coincidência de muitos resultados, o que justifica a conduta do Poder Público, posto que a mesma teve o desiderato, justamente, de restaurar a legalidade do exame de seleção.Assim sendo, ausente um dos requisitos do dever de indenizar, qual seja, a conduta indevida, inexiste tal obrigação para o Município de Natal.Aliás, quanto ao dano material, apesar de ter o Apelante colacionado recibos de pagamentos de certidões negativas, estas não ensejam ressarcimento, pois podem ser utilizadas para outros fins.No que diz respeito à indenização por dano moral, para sua caracterização, exige-se que o aborrecimento tenha decorrido de um ato ilegal, o que conforme já mencionado não se realizou, posto que o ente público atuou dentro dos limites legais, utilizando o seu poder de autotutela." (fls. 133) 4. É inviável a apreciação, em sede de Recurso Especial, de matéria sobre a qual não se pronunciou o tribunal de origem, acerca dos artigos 186 e 187 do CCB, porquanto indispensável o requisito do prequestionamento. Ademais, como de sabença, "é inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada na decisão recorrida, a questão federal suscitada" (Súmula 282/STF), e "o ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento" (Súmula N.º 356/STJ). 5. O dano assim considerado pelo Direito, o dano ensanchador de responsabilidade, é mais que simples dano econômico. Pressupõe sua existência, mas reclama, além disso, que consista em agravo a algo que a ordem jurídica reconhece como garantido em favor de um sujeito.(...) 73. Há ainda outro traço necessário à qualificação do dano.(b) Para ser indenizável cumpre que o dano, ademais de incidente sobre um direito, seja certo, vale dizer, não apenas eventual, possível. Tanto poderá ser atual como futuro, desde que certo, real.Nele se engloba o que se perdeu e o que se deixou de ganhar (e se ganharia, caso não houvesse ocorrido o evento lesivo). (...)Assim, também, não configurariam dano moral providências legítimas, embora às vezes constrangedoras, como a revista, desde que efetuada sem excessos vexatórios, por agentes policiais ou alfandegários em alguma pessoa, seja por cautela, seja por suspeita de que porta consigo arma, bem ou produto que não poderia portar ou que, na circunstância, ser-lhe-ia defeso trazer consigo. (In Curso de Direito Administrativo, 18ª Edição, Editora Malheiros, páginas 944/947) 6. Ad argumentandum tantum, uma vez constatada fraude em concurso público impõe-se a aplicação do verbete da Súmula 473, do Colendo Supremo Tribunal Federal, que assegura à Administração Pública o poder de anular seus próprios atos, de ofício, quando eivados de ilegalidade, sem a necessidade de instauração do procedimento administrativo próprio. Precedentes: REsp 239.303/BA, DJ 15.05.2000; REsp 243.971/BA, DJ 29.05.2000; RMS 7.688/RS, DJ 30.06.1997. 7. O direito à nomeação no prazo de validade do concurso pressupõe a higidez do certame, hipótese diversa da que ocorre quando anulado o concurso. 8. A anulação do concurso fraudado é "conduta devida" et pour cause não gera o dever de indenizar. 9. Há ainda outro traço necessário à qualificação do dano. (b) Para ser indenizável cumpre que o dano, ademais de incidente sobre um direito, seja certo, vale dizer, não apenas eventual, possível. Tanto poderá ser atual como futuro, desde que certo, real. Nele se engloba o que se perdeu e o que se deixou de ganhar (e se ganharia, caso não houvesse ocorrido o evento lesivo). (...) Assim, também, não configurariam dano moral providências legítimas, embora às vezes constrangedoras, como a revista, desde que efetuada sem excessos vexatórios, por agentes policiais ou alfandegários em alguma pessoa, seja por cautela, seja por suspeita de que porta consigo arma, bem ou produto que não poderia portar ou que, na circunstância, ser-lhe-ia defeso trazer consigo." (In Curso de Direito Administrativo, 18ª Edição, Editora Malheiros, páginas 946/947) 10. Não há direito à pleiteada indenização em face da anulação de concurso público eivado de vícios, máxime quando os efeitos gerados pela nulidade atingiram mera expectativa de direito de candidatos, situação diversa caso versasse hipótese de servidores já empossados, cuja exclusão não dispensaria a observância da ampla defesa e do contraditório (súmulas 20 e 21/STF). 11. Recurso especial não conhecido. (REsp 910.260/RN, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/11/2008, DJe 18/12/2008)[9]
Assim, em que pese os posicionamentos contrários no sentido de que o Direito Penal não seja a melhor solução para combater a fraude em concurso público ou vestibular (fraude eletrônica), sob o fundamento de que somente deva ser utilizado em ultima ratio, finalizamos esta primeira parte deste artigo nos posicionando positivamente pela tipificação da conduta, visando uma maior proteção aos milhares de candidatos que despendem várias horas de estudos, se despojam de valores adquirindo livros, apostilas, em cursinhos preparatórios e pré-vestibulares, com o único objetivo de alcançar resultados positivos sejam preteridos por artifícios maliciosos e pecaminosos, por parte dos fraudadores.
Ademais, os exemplos apontados acima são suficientes para demonstrar que o Direito Administrativo (em especial as regras dos editais), assim como o Direito Civil, não foram suficientes para inibir a prática de fraude em concurso público ou vestibulares, merecendo atuação do Estado, no campo do Direito Penal, agora sim, como ultima ratio. Este é um anseio social.
3. COMO FICA APÓS A LEI N. 12.550/2011?
Como mencionado anteriormente, até o dia 15 de dezembro de 2011, não havia tipificação do crime de fraude em concurso público ou outro certame, o que foi suprido pela Lei n. 12.550/11, que alem de autorizar o Poder Executivo a criar a empresa pública denominada Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares - EBSERH; acrescentou dispositivos ao Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, nos seguintes termos:
Art. 18. O art. 47 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso V:
“Art. 47. [...]
V - proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos.” (NR)
Art. 19. O Título X da Parte Especial do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte Capítulo V: “CAPÍTULO V - Das fraudes em certames de interesse público.
Fraudes em certames de interesse público
‘Art. 311 - A. Utilizar ou divulgar, indevidamente, com o fim de beneficiar a si ou a outrem, ou de comprometer a credibilidade do certame, conteúdo sigiloso de:
I - concurso público;
II - avaliação ou exame públicos;
III - processo seletivo para ingresso no ensino superior; ou
IV - exame ou processo seletivo previstos em lei:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem permite ou facilita, por qualquer meio, o acesso de pessoas não autorizadas às informações mencionadas no caput.
§ 2o Se da ação ou omissão resulta dano à administração pública:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
§ 3o Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se o fato é cometido por funcionário público.’ (NR)” (Negritamos)
Verifica-se que o Código Penal, além de receber a tipificação do crime de “fraude em certames de interesse público”, acrescentando-se no Título X da Parte Especial, o Capítulo V, com um único artigo, o “Art. 311 – A”, foi acrescido na Parte Geral, mais especificamente no art. 47, o inc. V, ampliando o rol das penas de interdição temporárias de direito, com a inserção da “proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos”.
Inicialmente cabe uma crítica à pena restritiva de direito acrescentada ao art. 47, visto que a “proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos” deveria ter sido colocada como efeito específicos da condenação, no art. 92 do CP, ao lado das demais existentes, e não como pena substitutiva da privativa de liberdade.
Digo isso, considerando que uma das finalidades do Direito Penal é incutir na sociedade a intimidação geral, para que se abstenham da pratica da eventual conduta criminosa. Ora se o tipo penal de fraude em concurso público tem pena de prisão entre 1 (um) a 4 (quatro) anos de reclusão e o art. 44 do Código Penal prevê a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade de até 4 por uma restritiva de direitos que no caso será a “ proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos” e que a duração da proibição será no prazo máximo da pena privativa de liberdade substituída, ou seja, não passará de quatro anos, qual o efeito intimidatório desta sanção? Nenhum!
Ademais é de se registrar a existência dos crimes previsto na Lei n. 8666/93 (art. 89 a 99), cujas penas são próximas à do crime que ora se analisa, sendo que naquela Lei existe um tipo penal bastante similar ao novo crime de fraude em concurso publico, no seu art. 90, senão vejamos:
Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação: Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
As condenações por crimes previstos na Lei n. 8.666/93, além das penas privativas de liberdades cominadas nos respectivos delitos, as combinações dos arts. 87 e 88, podem ensejar as seguintes sanções de natureza administrativas:
III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;
IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.
Isto por si só, demonstra que caminhou mal o legislador ao ter optado por colocar a “proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos”, como pena substitutiva da privativa de liberdade e não como efeito específico da condenação.
O argumento de que as “cadeias estão lotadas” para justificar mais uma pena restritiva de direitos em substituição à privativa de liberdade não é fundamento lógico, pois mitiga a função do direito penal (a intimidação geral), para justificar uma falha do Poder Executivo em estruturar o Sistema Prisional e a forma de Execução das Penas, de modo a alcançar a prevenção especial, no sentido de que os condenados não voltem a delinqüir. Não se quer afirmar que todas penas restritivas de direito não tem efeito pedagógico, mas é possível afirmar que algumas delas não tem nenhuma eficácia, e certamente a "proibição de inscrever-se em concurs, avaliação ou exame público", será uma delas. Ora, porque não aplicar a restritiva de direitos na modalidade de prestação de serviço à comunidade? Esta sim, é a restritiva de direitos de maior aplicação e de maior eficácia. Da forma como ficou colocado na norma, o juiz ficará limitado na sua escolha quando da substituição da pena de prisão por restritiva de direitos.
De qualquer forma, a tipificação do crime de Fraudes em certames de interesse público, chegou em boa ora, pois conforme demonstrado, os precedentes judiciais, com o fundamento na proibição da analogia in malam partem, visando reafirmar o princípio da legalidade, consideravam como atípicas as famosas fraudes em concurso público, de grande repercussão social e de grandes prejuízos ao erário público e à comunidade de concursandos e vestibulandos.
Ressalte-se que normalmente as condutas de Fraude em Certames de Interesse Público, agora tipificado como crime, justificará, também a incursão dos autores no crime de formação de quadrilha, previsto no art. 288 do CP, quando envolver mais de 3 pessoas, sem excluir a possibilidade de caracterização dos crimes de extorsão, porte de arma, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, dentre outros, tudo dependerá das condutas praticadas, o que certamente ensejará um somatório de penas superior a 4 anos, que impedirá a substituição pena privativa de liberdade por restritiva de direito, nos termos do art. 44 do CP.
4. CONCLUSÃO
Assim, sem adentrar na analise do tipo penal do art. 311-A, do Código Penal, podemos trazer as seguintes conclusões:
a) As Polícias Civis e Federal, assim como o Ministério Público Federal e Estadual, antes da Lei n. 12.550/2011, visando atender os anseios sociais e buscando evitar a prática da “cola eletrônica”, da fraude em concurso público ou vestibulares, enquadravam os autores de tais condutas nos crimes de estelionato, falsidade ideológica, formação de quadrilha, sendo que nos Tribunais Superiores, referidos autores eram absolvidos pela atipicidade da conduta de fraude em concurso público ou vestibular;
b) Apesar do posicionamento dos Tribunais Superiores a conduta de fraudar concurso público ou vestibular trás prejuízo a outrem interessando ao Direito Penal, o que justificava a atuação do Estado, no campo penal.
c) Com a nova Lei, toda a discussão sobre o tema, deixou de existir, pois a tipificação da conduta de fraude em concurso público ou certame de interesse publico trás a possibilidade de autuação dos autores no crime do art. 311-A, do Código Penal, sendo que eventual condenação poderá ensejar a substituição da pena por restritiva de direitos, na modalidade de proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos pelo período da pena fixada.
d) Andou mal o legislador ao tipificar o crime em uma lei estritamente administrativa, o que, em tese, fere o princípio da publicidade da lei penal.
e) Havendo concurso de crimes do art. 311 – A com outros delitos, tais como a formação de quadrilha (art. 288), o constrangimento ilegal (art. 146), a ameaça (art. 147) a extorsão (art. 158), porte ilegal de arma de fogo (Lei n. 10.826/03), certamente a pena privativa de liberdade ultrapassará 4 anos, o que impedirá a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
f) Apesar do equivoco do legislador em não ter colocado a proibição de se inscrever em concursos como efeito específico da condenação criminal, e sim, ter utilizado esta proibição com substituição da pena privativa de liberdade, tem-se como positiva a tipificação da fraude em concurso público como crime, pois a sociedade ansiava por isto.
g) Por fim, a resposta à pergunta do título do nosso artigo (crime ou pecado?) não pode ser outra: Além de pecado, agora passou a ser crime, que se não preenchidos os requisitos legais do art. 44 do CP, ensejará a prisão.
Parabéns ao legislador, parabéns à comunidade concurseira e vestibulandos, pois agora conta com maior proteção da sua vaga nos concursos, nos vestibulares e demais certames de interesse público.
[1] BRASIL, Presidência da República Federativa. Código Penal - CP - Decreto-Lei nº 2.848, 7.12.1940. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 ago. 2008. Disponivel em: < http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=712.20073 >. Acesso em: 03 jan. 2012.
[2] MOREIRA, Rômulo de Andrade. Atenção: mais um crime na praça!. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 03 jan. 2012. Disponível em: < http://www.conteudojuridico.com.br/?colunas&colunista=228_Romulo_Moreira&ver=1134 >. Acesso em: 03 jan. 2012.
[3] CERNICCHIARO. Luiz Vicente. Questões Penais. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p. 103-104
[4] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inq 1145, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 19/12/2006. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000089571&base=baseAcordaos >. Acesso em 03 de jan. 2012.
[5] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 94852/GO. Relator Ministro Menezes Direito. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000000036&base=baseAcordaos >. Acesso em 03 jan. 2012.
[6] Disponível em < http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=cola+eletr%F4nica&b=ACOR#DOC1 > . Acesso em: 03 jan. 2012
[7] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RHC 22.898/RS. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=cola+eletr%F4nica&b=ACOR#DOC3 > . Acesso em: 03 jan. 2012.
[8] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RHC 7.376/SC. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=cola+eletr%F4nica&b=ACOR#DOC5 >. Acesso em: 03. Jan. 2012.
[9] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 910.260/RN. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=cola+eletr%F4nica&b=ACOR#DOC2 >. Acesso em: 03 jan. 2012.
Mestre em Direito Penal Internacional pela Universidade de Granada - Espanha. Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo UNICEUB. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo ICAT/UDF. Pós-graduado em Gestão Policial Judiciária pela ACP/PCDF-FORTIUM. Professor Universitário de Direito Penal e Orientação de Monografia. Advogado. Delegado de Polícia da PCDF (aposentado). Já exerceu os cargos de Coordenador da Polícia Legislativa da Câmara Legislativa do Distrito Federal (COPOL/CLDF), Advogado exercendo o cargo de Assessor de Procurador-Geral da CLDF. Chefe de Gabinete da Administração do Varjão-DF. Chefe da Assessoria para Assuntos Especiais da PCDF. Chefe da Assessoria Técnica da Cidade do Varjão - DF; Presidente da CPD/CGP/PCDF. Assessor Institucional da PCDF. Secretário Executivo da PCDF. Diretor da DRCCP/CGP/PCDF. Diretor-adjunto da Divisão de Sequestros. Chefe-adjunto da 1ª Delegacia de Polícia. Assessor do Departamento de Polícia Especializada - DPE/PCDF. Chefe-adjunto da DRR/PCDF. Analista Judiciário do TJDF. Agente de Polícia Civil do DF. Agente Penitenciário do DF. Policial Militar do DF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COIMBRA, Valdinei Cordeiro. Fraude em Concurso Público ou Vestibular, Cola Eletrônica: Crime ou Pecado? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 jun 2013, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/1101/fraude-em-concurso-publico-ou-vestibular-cola-eletronica-crime-ou-pecado. Acesso em: 29 nov 2024.
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