“A Enasp - Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública, com representantes no CNJ, estuda recomendar à Corregedoria Nacional de Justiça que investigue o TJ/PE por não ter informado o número de processos por homicídio doloso, distribuídos no fim de 2007, mas que ainda não foram julgados... Eram metas do Enasp que os tribunais estaduais superassem até o fim de 2012 a fase de pronúncia em todas as ações penais por crime de homicídio ajuizadas até 31/12/2008. A outra exigência era o julgamento de todas as ações penais relativas a homicídios dolosos distribuídas até 31/12/07”.
Nota oficial do TJ-PE: “O Tribunal de Justiça de Pernambuco afirma não ter sonegado informações ao CNJ...
Nossos comentários: quando nem sequer sabemos o tamanho de um problema, claro que nunca resolveremos esse problema. Continuamos, no Brasil, com sérias dificuldades para quantificar o número de pessoas que são trituradas diariamente (intencional ou acidentalmente). Os números são conquistados com muita dificuldade, quando o são. Eles são protelados, dificultados, escamoteados, camuflados, adulterados ou, simplesmente, sonegados. A capacidade da nossa máquina (estatal e privada) de triturar carne, ossos e sangue humanos não é eficiente apenas no momento do extermínio, senão também no da negação dele. O escopo não é só o de exterminar, senão, sobretudo, de ocultar. Por que funciona assim?
Zaffaroni (2012, p. 311/312) sugere a seguinte metáfora biologista: “Essas mortes, e muitas outras que deixam cadáveres mudos, são produto da necessidade de purificar, de limpar, de eliminar os germes patogênicos do corpo social, a escória social. A criminologia midiática assume o discurso dos leucócitos sociais. A metáfora biologista costuma ser expressa na comunicação social, apesar de, ultimamente, não ser de bom tom, mas desde o positivismo e mesmo antes, a linguagem da higiene social é bem expressa. A metáfora escatológica é bem clara: eles são para a criminologia midiática as fezes do corpo social. Continuando o raciocínio, que aqui costuma ser interrompido, resultaria que este produto normal de descarte deve ser canalizado através de uma cloaca, que seria o sistema penal. Nenhum operador do sistema penal deveria esquivar-se dessa reflexão: para essa criminologia, nossa função seria a de limpadores de fezes e o código penal um regulamento para escoar os esgotos das cloacas. Policiais, juízes, magistrados, fiscais, catedráticos, juristas, criminólogos, poderíamos todos despojar-nos dos uniformes e togas e imaginar a vestimenta com a qual esta criminologia que nos amedronta pretende nos vestir”.
A razão última dessa escatologia biologista é o estado de guerra permanente que vivemos, implantada desde a origem (1500) e mantida por um regime econômico injusto e brutalmente egoísta bem como por um sistema político corrupto e imoral, que fabricou favelas pelos quatro cantos, que demarcou as periferias assim como seu desigual estilo de vida, que fez as masmorras e desenvolveu a maquinaria de explorar e/ou triturar seres humanos, que industrializou o descarte étnico e social, ou seja, a escória, os “germes patogênicos”, as “fezes do corpo social”, que não são mais do que braços e pernas (sem nenhum valor de mercado).
O que nos falta? De plano, uma postura ética, compreendida como “a arte de viver bem humanamente” (Savater). Grande parcela da nossa população não enxerga o outro como um ser humano frágil e vulnerável, sim, como “fezes do corpo social”. Basta ver o nível de educação que nós lhes damos para se comprovar a premissa de que a escória deve sempre ser tratada como tal, ou seja, como puros “braços e pernas” (e nada mais que isso). O Brasil, visto em sua globalidade, não é um país feito para a “arte de viver bem humanamente”. Aliás, jamais viveremos civilizadamente enquanto nossas condições estruturais não mudarem. Esse é o preço que temos que pagar pelo país que muitos de nós (falo da elite, sobretudo) estamos ajudando a edificar. Quem constrói cloacas humanas, não pode nunca ter certeza de que possa desfrutar, com tranquilidade, dos perfumes dos coloridos jardins.
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