A mais difícil tarefa com a qual se defronta o juiz é a aplicação do Direito.
O legislador produz as leis no mundo das abstrações. Fixa, por exemplo, uma pena para o aborto mas não tem diante de si o caso concreto de uma mulher que abortou.
O professor, que dá lições na Faculdade de Direito, ensina aos alunos a distinção entre crime consumado e crime tentado, mas não é tarefa sua decidir se um determinado episódio criminal noticiado pela imprensa caracterizou uma tentativa de homicídio.
O doutrinador escreve páginas e mais páginas de um livro a respeito do divórcio, mas se vive bem com sua esposa, não cogita de divorciar-se.
Resumindo: os diversos atores do mundo jurídico tratam das questões à distância, não estão envolvidos por elas.
Somente o juiz “diz o Direito” rente às pessoas julgadas. Defronta-se com casos concretos, sofrimentos, destinos. Não tem diante de si teoremas, doutrinas e premissas, mas sim “o homem e suas circunstâncias” (Ortega y Gasset). Cabe-lhe usar a lei como argila para construir ou desconstruir vidas.
A dicção do Direito pelo magistrado não é apenas uma tarefa técnica. É muito mais que isto.
Quando se pretende o julgamento frio dos atos e dos fatos, sob a luz teórica de princípios, sem atinência às circunstâncias às vezes dramáticas que envolvem os casos, homenageia-se a lei, coloca-se a lei como referencial básico, quando, na verdade, o referencial básico é o ser humano.
O humanismo, na aplicação do Direito, não é uma decisão sentimental ou emanada do arbítrio judicial. O humanismo é um critério hermenêutico amparado por vasta doutrina.
Se em todas as profissões deve haver traço humano, em algumas profissões o traço humano deve ser a estrela-guia. Coloco a Magistratura, ao lado da Medicina, como tarefas nas quais o Humanismo é condição sine qua non do exercício profissional.
Desumaniza-se o Direito sempre que se estabeleça um abismo separando juízes e jurisdicionados, advogados e cidadãos comuns. Os jurisdicionados devem poder falar com o juiz diretamente e não apenas através do advogado. Os advogados devem estar sempre com os ouvidos abertos para ouvir o clamor dos que querem obter Justiça.
Lembro-me de um dialogo que ouvi entre um cliente e seu brilhantíssimo advogado. O cliente, que gostava de usar palavras difíceis, disse ao causídico para elogiá-lo: doutor, eu admiro sua petulância senil. O advogado respondeu: muito obrigado, preclaro amigo Santiago, muito obrigado por sua nobilíssima intenção.
Com extrema frequência a aplicação impiedosa da lei é classista. Disse-o com extrema felicidade, não um jurista, mas um escritor: “Para os pobres, é dura lex, sed lex. A lei é dura, mas é a lei. Para os ricos, é dura lex, sed latex. A lei é dura, mas estica”. (Fernando Sabino).
Precisa estar logado para fazer comentários.