Protestos populares não são novidade em nenhuma parte do mundo. Somente nos últimos anos podemos recordar a batalha de Seattle (1999), os movimentos contestatórios de Davos contra a globalização (2000) e de Toronto contra o G20 (2010), os universitários de Londres (2010), o movimento “Occupy Wall Street” nos Estados Unidos (2011), os indignados na Espanha (2012), a Primavera Árabe (2011-2012), os protestos de Istambul (2013) etc. Trata-se de uma fenomenologia mundial. O ser humano, por natureza, é insatisfeito. Quando satisfeito, costuma não tolerar a injustiça, o autoritarismo ou o desmando. Para tudo, sobretudo para a opressão, há limite.
Também no Brasil os protestos são frequentes, porém, menores. Nenhum talvez tenha alcançado, depois da redemocratização (1985), as proporções (centenas de detidos) dos que aconteceram recentemente.
De imediato, dois desafios:
1º) como devemos lidar com esses protestos sociais sem excessos, sem abusos, reforçando, não destruindo, a democracia? (voltarei a esse tema em outro artigo);
2º) quais seriam as verdadeiras razões dos recentes protestos convocados pelo Movimento Passe Livre (MPL), que defende a gratuidade do transporte público.
Constituiriam esses protestos (a) puros atos de vandalismo, (b) insurreição sincera contra o aumento na passagem dos ônibus (aumento de R$ 0,20 centavos em SP) ou se trataria (c) de uma juventude lúcida que, distanciando-se da massa do “rebanho bovino” (a expressão é de Nietzsche), teria conseguido vislumbrar a profunda crise (e injustiça) do modelo capitalista globalizado e neoliberal, que se aliou, em países periféricos como o Brasil, com o capitalismo de tradição aristocrata-escravagista?
O Movimento Passe Livre (MPL) adotou como pretexto inicial o aumento da tarifa dos ônibus. Mas ele mesmo confessou que não conta com controle de todos os participantes. É patente a heterogeneidade dos grupos que estão participando das passeatas (O Estado de S. Paulo de 15.06.13, p. A24), que vão desde sindicatos (dos metroviários, ferroviários etc.), agremiações partidárias (juventude do PT etc.), entes coletivos pós-modernos, anarquistas, incontáveis universitários, até a “tropa de choque” violenta, conhecida como “black blocks” (que, com panos ou lenços no rosto, máscaras de gás, roupas pretas e estética punk, foi o grande responsável pelas destruições materiais dos protestos do dia 11.06.13).
Não há como deixar de concluir que alguns estão participando do movimento (só) para promover o vandalismo (grupos radicais e irresponsáveis, inimigos da democracia, eventualmente contratados por alguns partidos políticos - Folha de S. Paulo, 16.06.13, p. C6 - ou, em tese, pela própria polícia), enquanto outros participam em razão do aumento na passagem dos ônibus. Mas existem mais motivos que também devem ser investigados. Muita gente (aqui residiria a juventude lúcida) está querendo, para além do preço dos bilhetes dos ônibus, protestar contra a corrupção generalizada no país, contra os desmandos das autoridades, contra os políticos, contra a política, contra a economia, a inflação, a falta de perspectiva futura, ou seja, contra o modelo capitalista atual.
As verdadeiras causas (motivos) dos protestos ainda precisam ser apuradas (nada há ainda de seguro nesse pantanoso horizonte). Aparentemente não é ideológica nem (necessariamente) política (partidária). Não se protesta contra a democracia (ao contrário, o protesto só existe porque ela o permite) nem contra uma específica “ditadura”. O eixo comum da indignação, portanto, diante das múltiplas manifestações até aqui reveladas, poderia residir, em última análise, no modelo capitalista atual, que está esgotado (sobretudo depois da roubalheira e trapaças financeiras de 2008 – subprime -, nos EUA).
Para evitar equívocos (especialmente porque eu pretendo escrever vários artigos sobre os protestos recentes), esclareço, desde logo, que, ao adotar postura crítica contra o atual modelo capitalista, eu o faço como cidadão, que nunca deveria ser um idiota, no sentido grego (idiotes significava, na antiga Grécia, não participar da vida pública, da vida da polis).
Minha crítica ao capitalismo selvagem, no entanto, não significa postular o retorno ao socialismo real (stalinista) ou ao marxismo. Parafraseando Churchill, penso que o capitalismo vigente é o pior dos regimes econômicos, com exceção de todos os demais. De acordo com minha opinião, o capitalismo necessita de urgentes reformas e correções. É chegado o momento de a burguesia opulenta e acomodada pensar seriamente em mais justiça social, antes que lhe sejam levados os dedos!
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