O presente artigo visa objetivamente analisar o verdadeiro alcance e conteúdo da Súmula nº 7 do STJ que assim prescreve:
“A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”.
Essa Súmula foi editada para evitar que a instância extraordinária se transforme em uma terceira instância judicial.
Ela tem servido de base para contornar o exame do mérito, desconhecendo grande parte dos recursos especiais em que os jurisdicionados clamam pela realização da Justiça.
Se de um lado, é preciso uma filtragem para evitar o congestionamento do Superior Tribunal de Justiça, por outro lado, a Súmula em questão não pode se tornar um obstáculo intransponível para a aplicação do direito ao caso concreto, isto é, dar o direito a quem o tem, sob pena de não justificar a sua existência.
Proibir o reexame dos fatos e provas, como prescreve a súmula, não significa proibir o conhecimento de fato incontroverso reconhecido nas instâncias ordinárias, pois não é possível a aplicação da norma sem o exame do respectivo suporte fático. A lei sempre incide, e infalivelmente, sobre determinado fato concreto que não pode ser ignorado pelo Juiz de qualquer instância Judiciária. A decisão há de versar sobre determinado caso submetido à apreciação do Tribunal, nunca ser proferida em caráter abstrato, no nível hipotético. O Tribunal há de aplicar a lei ao fato concreto e não simplesmente transpor a ementa de um determinado acórdão para outro processo instaurado em face de fato diverso.
Assim, a Súmula nº 7 não veda a revaloração da prova para o efeito de conferir nova qualificação jurídica à prova incontroversa mencionada no acórdão de Tribunal local. O error in judicando, assim como o error em procedendo devem ser objeto de conhecimento no recurso especial. A revaloração da prova significa atribuir ao fato incontroverso proclamado pelas instâncias ordinárias a qualificação jurídica correta, o que se insere no âmbito de competência do STJ.
Dessa forma, se o Acórdão recorrido sustenta, por exemplo, que o réu cometeu o crime de receptação dolosa (§ 1º, do art. 180 do CP), porque adquiriu por R$ 3.000,00 um determinado equipamento usado, colocando-o a venda por R$5.000,00, ao passo que o mesmo equipamento novo, incluindo encargos tributários, está avaliado em cerca de R$ 6.000,00, como aconteceu em caso sob nosso patrocínio, essa prova ou essa situação fática que serviu de base para a condenação do acusado há de ser reavaliada para reverter a decisão condenatória, por falta de tipicidade da conduta imputada, que exige a aquisição por preço vil, consoante indiscrepante doutrina. A pergunta que se impõe é a seguinte: ao adquirir um equipamento usado por R$3.000,00, enquanto um idêntico equipamento novo custaria R$6.000,00 no mercado comum, essa aquisição teria ocorrido por um preço vil? E mais, nessa hipótese, é presumível o dolo do adquirente? O adquirente deveria saber que se tratava de um bem roubado? Se não sabia e nem tinha como saber, não seria o caso de desqualificar a conduta para receptação culposa (art. 180 caput do CP)?
Em tal hipótese não pode o julgador desconhecer o recurso especial a pretexto de que envolve o reexame de prova, proibido pela Súmula nº 7. O que não é possível discutir em instância especial é se o preço realmente pago pelo adquirente foi de R$ 3.000,00, de R$ 3.500,00 ou de R$ 4.000,00. Isso, sim seria reexaminar matéria fática, envolvendo exame de documentos, depoimentos etc. Mas, diferente a hipótese de avaliar se o preço de R$ 3.000,00 por um equipamento usado, admitido pela decisão recorrida, no caso, configura ou não preço vil em confronto com valor de um idêntico equipamento novo avaliado no mercado, no importe de R$ 6.000,00. E mais, o julgador de instância especial deve perquirir se é razoável supor que, no caso, o adquirente sabia ou deveria saber que se tratava de objeto roubado para, se for o caso, desqualificar a conduta do réu para a receptação culposa.
Casos há em que não é possível ao Tribunal aplicar a lei sem exame da documentação acordada nos autos. Examinar, ver, olhar o documento não significa revolver a matéria fática, o que é proibido pela Súmula nº 7.
É o caso, por exemplo, da alegação de nulidade da CDA por ausência dos requisitos enumerados no art. 202 do CTN.
Ora, para saber se a CDA que embasa a execução fiscal é válida ou é nula o julgador deve necessariamente examinar o documento respectivo que instrui a execução fiscal.
Daí porque o STJ retirou, recentemente, o tema pertinente à validade ou não da CDA do rol de recursos repetitivos, por ser impossível fixar uma tese jurídica que sirva de orientação aos tribunais estaduais e federais.
Ainda que a decisão recorrida afirme que os requisitos legais estão presentes, ante a afirmativa em contrário do recorrente, nada impede o julgador, em grau de recurso especial, examinar a CDA acostada aos autos. E se o julgador se deparou com a CDA nos autos, ainda que por acaso, e vislumbrou, acidentalmente, pelo seu exame ocular, que faltou a indicação do nome do executado, não se pode negar conhecimento ao recurso especial a pretexto de que isso contraria a Súmula nº 7. A operação mental de adequação dos fatos à hipótese legal prevista não significa rediscussão de matéria fática. Não é possível cogitar de controvérsia fática sobre os requisitos legais da CDA: ou ela preenche os requisitos enumerados no art. 202 do CTN ou ela não preenche esses requisitos.
A controvérsia sobre essa matéria só pode ser de natureza jurídica. O que é possível, em tese, é o julgador de instância especial dispensar este ou aquele requisito da CDA por entender que não se trata de requisito essencial ao teor do art. 202 do CTN. Não há no caso possibilidade de cogitar-se de erro de fato, mas apenas do erro de direito em face da peremptória prescrição do CTN determinando a presença obrigatória dos requisitos aí previstos que constituem matéria de ordem pública de conhecimento oficial. Descabe, na hipótese, a cogitação de reapreciação de matéria fática proibida pela Súmula 7.
Concluindo, a recente decisão da 1ª Seção do STJ de retirar do rol de recursos repetitivos os processos que versam sobre a validade das CDAs abre uma perspectiva na alteração de entendimento majoritário do Tribunal de que o exame da CDA esbarra na questão de fato vedada pela Súmula nº 7.
SP, 20-3-13.
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