Co-autora: Denise Heuseler, professora universitária, advogada, pós-graduada em Direito processual civil e tutora do FGV on-line.
A revolução fantasiosa faz do sambista um príncipe aonde a nobreza vive na miséria e alienação. O samba ditando o ritmo, roupas e paixões numa euforia inexplicável e no aroma incessante de um lirismo popular regado a álcool, drogas e endorfinas...
O lado bom existe do carnaval, a inocência das antigas marchinhas , as fantasias que brincavam com o povo, e o fazia rir mesmo que fosse para rir da própria tristeza.
Mas, da onde vem tanta alegria? Tanta energia incontida. E, em quatro dias há o exaurimento dos sonhos, dos delírios e de amores tão instantâneos quanto nescafé...
E, dizem que o ano só começa mesmo no Brasil depois do carnaval...
Mas o carnaval é festa da carne, do pecado, dos excessos que esgotam e registram a história com ironias e paetês. Antigamente havia mais glamour, as belezas eram mais naturais, a dança, a música e tudo enfim eram mais brasileiros, mais autênticos. Agora, tudo virou um megashow pirotécnico e americanesco... bem longe da saga tupiniquim e da intensa miscigenação que temos em nosso povo.
Ademais, é impressionante que os negros queiram mais se parecerem com os negros norte-americanos do que com seus próprios ascendentes africanos muitas vezes nobres e mais dignos do que os ianques.
O carnaval é uma festa multi-racial, e ao mesmo tempo, é quando senzala que toma de assalto a casa grande, que seduz o senhor de engenho, o capataz, o português enfim, o colonizador. Que esquece o “vira” e ensaia uns passos requebrados cheios de cintura, manejos e adornos.
Mas, donde brota tanta alegria de um povo esquecido, oprimido e pobre? De um povo onde as crianças não conseguem ler corretamente, escrever com clareza e, enfim, conhecer intimamente a velha e boa aritmética? Aonde a velhice é relegada aos parcos privilégios ou asilos infectos e homicidas.
Donde flui tanta euforia em desfile pelos sambódromos? E, a porta-bandeira e o mestre-sala? E, a rainha, princesa, duquesa ou condessa da bateria?
Suas curvas poderosas encharcadas de adrenalina expostas num corpo sem alma, sem dor, sem dó nem piedade diante realidade crua, fria e feia exposta todos dias na janela da vida.
Carnaval deve ser motivo de comemoração, além de toda a simbologia, é espontâneo, e seu lado financeiro também deve ser considerado.
Movimenta uma quantidade incalculável de recursos em todas as áreas, indústria, bares, restaurantes, hotéis, num verdadeiro encantamento, além de chegar bem na época mais quente do ano. O que por si só, favorece a amostragem de algumas partes admiráveis do corpo humano.
Há uma extraordinária valorização, não só dos atributos do corpo, mas também do artesão e do artesanato local, até mesmo a ala das baianas a mais tradicional de todas, esquecida por boa parte do ano, ressurge qual phênix com seu esplendor magnífico para sumir novamente na poeira da quarta-feira de cinzas.
Carnaval, são quatro dias de inteira e intensa folia, com exceção de alguns lugares, onde temos folia o ano inteiro, até os que não gostam de sambar ou pular, se revestem de grande animação e saem atrás trio elétrico. É, inegavelmente contagiante. E quem não se recorda do gringo com os dois dedinhos em riste tentando alcançar o ritmo. É mesmo hilário.
Ao cair na folia, há uma democracia racial, todos estão na mesma forma, quer sejam brancos, índios, orientais, negros, todos reunidos significam uma “nova raça’’ que surge durante os quatro dias, a raça dos foliões.
Não podemos esquecer daqueles animados homens e mulheres que não se abatem, não se entregam ao cansaço e, mesmo precisando empurrar, com uma força descomunal, o carro alegórico na avenida, tendo que conduzir sem acidentes e sem perder o ritmo, e ainda conseguem tirar uns ensaios de samba no pé na avenida da alegria, sem atravessar o samba.
Os bastidores das escolas de samba devem mesmo receber honrosas homenagens... e nem sempre são foco da mídia nacional.
Até hoje ainda não sabemos quantos idiomas existem no mundo, ibo, yorùbá, kimbundo, kikongo, harari , zulu, inglês, francês, hebraico, grego, os idiomas germânicos, hindi e persa, tupi, guarani, mas, durante o carnaval a nova raça que se forma esquadrinha em sintonia um só idioma, movido ao ritmo inebriante do samba e sob o brilho de paetês e lantejoulas.
Inaugura-se um a nova linguagem repleta de metáforas e lirismos. Aliás, uma curiosidade: a África é o continente que maior número de dialetos possui no mundo... daí ser tão rica em expressão e manifestações populares.
O carnaval carioca, não dura só quatro dias, é que durante o ano todo movimenta os barracões e os foliões, sua festa é curta, diante de um ano inteiro de dedicação, é nessa festa composta da alegria e o empenho onde as costureiras viram princesas, que os soldadores e operários viram reis ou príncipes, tudo isso, dentro das abóboras, castelos e varinhas mágicas que eles constroem com suas próprias mãos. É um show de criatividade.
Viva o carnaval! Não é perfeito, ainda temos tragédias, acidentes, homicídios, entre outros delitos, menores ou piores, mas é o melhor que o ser humano pode fazer! E vale mencionar: - Salve, salve todas as velhas guardas ! ( a da Portela, a da Mangueira, a do Salgueiro, do Império Serrano, da Imperatriz, da Viradouro, da Carpichoso de Pilares.) Mas, se eu esqueci de alguma me perdoem...sintam-se igualmente homenageados!
Salvem o carnaval! Tradição que precisa manter-se viva, para a sobrevivência de todos que precisam dele. Todo aquele que gosta, continue a gostar, nem precisam fazer esforço, dizem que está no sangue e na alma!
Aqui, todos são iguais durante o carnaval, a festa é para todos, o pobre, o rico, o bom, o mau, imperador da isonomia!
Brasil, país de enorme diversidade( tanto humana como natural), torna-se mais colorido e alegre nesta época do ano e, ainda consegue contagiar outros povos, outros idiomas para criar a nova raça “o folião”. É a única época do ano em que o rei é gordo e não é out fashion. Ninguém no mundo tem o carisma e a alegria do povo brasileiro!
Continua o carnaval a ser um grande enigma. De onde vem tão intensa alegria? Onde ritmicamente os símbolos, os signos e os sentidos bailam tontos ao redor da grande manifestação popular.
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