Recentemete publiquei neste portal um artigo de minha autoria intitulado "O despertar do crime de posse ilegal de arma de fogo diante do prazo final previsto no art. 30 da Lei 10.826/03, com as alterações promovidas pela Lei 11.706/08 "
Na ocasião tratava da Abolitio Criminis Termporalis para o crime de posse ilegal de arma de fogo, visto que com as sucessivas alterações legislativas ocorridas em face da Lei n. 10.826, que trata do Estatuto do Desarmamento, o crime de posse ilegal de arma de fogo estava "adormecido" até 31 de dezembro de 2008, ou seja, em outras palavras, até a referida data, as autoridades policiais não poderia prender em flagrante quem fosse encontrado na posse da arma de fogo, tendo em vista que apesar da existência do crime de posse ilegal de arma de fogo no artigo 12 do estatuto, com punição de pena de reclusão de 1 a 3 anos e multa, o art. 30 do Estatuto, lhe autorizava a posse até 31 de dezembro, inclusive podendo regularizá-la, perante Poder Público, fato este, intitulado pela doutrina de abolitio criminis temporalis. Vejamos os dispositivos mencionados:
Posse irregular de arma de fogo de uso permitido
Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
[...]
Art. 30. Os possuidores e proprietários de arma de fogo de uso permitido ainda não registrada deverão solicitar seu registro até o dia 31 de dezembro de 2008, mediante apresentação de documento de identificação pessoal e comprovante de residência fixa, acompanhados de nota fiscal de compra ou comprovação da origem lícita da posse, pelos meios de prova admitidos em direito, ou declaração firmada na qual constem as características da arma e a sua condição de proprietário, ficando este dispensado do pagamento de taxas e do cumprimento das demais exigências constantes dos incisos I a III do caput do art. 4o desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008) (Prorrogação de prazo)
Parágrafo único. Para fins do cumprimento do disposto no caput deste artigo, o proprietário de arma de fogo poderá obter, no Departamento de Polícia Federal, certificado de registro provisório, expedido na forma do § 4o do art. 5o desta Lei. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008)
Ocorre que referido prazo havia acabado, ou seja, o crime de posse de arma de fogo que estava "adormecido", aguardando o fim do prazo para entrar em vigência, superou a data da abolitio criminis, autorizando as Autoridades Policiais ou qualquer do povo prender quem quer que fosse encontrado na posse ilegal de arma de fogo, a partir de primeiro de janeiro de 2009.
Certamente, muitos já foram autuados por posse ilegal de arma de fogo a partir da referida data.
Ocorre que para nossa surpresa, o legislador utilizando-se de um técnica não muito aceitável, criou a Lei 11.922, de 13 de abril de 2009, que trata da dispensa de recolhimento de parte dos dividendos e juros sobre capital próprio pela Caixa Econômica Federal, entretanto, aproveitou para alterar as Leis nos 11.124, de 16 de junho de 2005 ( Lei que dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social – SNHIS, cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS e institui o Conselho Gestor do FNHIS), 8.427, de 27 de maio de 1992 (Lei que dispõe sobre a concessão de subvenção econômica nas operações de crédito rural), Lei n. 11.322, de 13 de julho de 2006 ( Lei que dispõe sobre a renegociação de dívidas oriundas de operações de crédito rural contratadas na área de atuação da Agência de Desenvolvimento do Nordeste - ADENE e dá outras providências), 11.775, de 17 de setembro de 2008 (Lei que instituiu medidas de estímulo à liquidação ou regularização de dívidas originárias de operações de crédito rural e de crédito fundiário) e a Medida Provisória no 2.185-35, de 24 de agosto de 2001; prorroga os prazos previstos nos arts. 5o e 30 da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003.
Veja que o pacote de alterações promovidas pela Lei n. 11.922, de 13 de abril de 2009, teve o condão de no seu art. 20, estabelecer que: Art. 20. Ficam prorrogados para 31 de dezembro de 2009 os prazos de que tratam o § 3o do art. 5o e o art. 30, ambos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003.
Com isso, voltamos à estaca zero, ou seja, devem as autoridades policiais abster-se de prender quem quer que seja encontrado em flagrante na posse da arma de fogo nos termos do art. 12 do Estatuto do Desarmamento.
Assim, referido dispositivo trata-se da ressucitação da abolitio criminis temporalis, ou melhor, trata-se de novatio legis im melliu, que deve ser aplicada imediatamente pelas autoridades judiciais e demais "operadores do direito", visto que no direito penal, a lei que de qualquer forma favorecer o réu, deverá ser aplicada imediatamente, é o que reza o art. 2. do Código Penal, senão vejamos:
Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Tal dispositivo, também encontra ampara nos direitos e garantias fundamentais elencados no artigo quinto da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 dispôs em seu inc. XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.
Sendo assim, aqueles que estão sendo processados, ou que já foram condenados (com ou sem trânsito em julgado), deverão ser beneficiados com a abolitio criminis temporalis do crime de posse ilegal de arma de fogo, devendo as autoridades judiciais assim o proceder, suspendendo-se qualquer medida penal que foi imposta em face da prática do referido crime, tais como suspensão do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/95), pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos. Já em relação às autoridades policiais ou quem quer que seja, não poderão, até 31 de dezembro de 2009, prender aqueles que encontram-se na posse ilegal de arma de fogo.
Não é demais mencionar que a abolitio criminis temporalis só pode ser aplicada aqueles que possuem armas de calibres de uso permitidos, pois as de uso restritos não podem ser regularizadas. O Decreto 3.665/2000 (R-105), em seus artigos 16 e 17, vem regulando respectivamente o que é arma de uso restrito e de uso permitido, senão vejamos:
Art. 16. São de uso restrito:
I - armas, munições, acessórios e equipamentos iguais ou que possuam alguma característica no que diz respeito aos empregos tático, estratégico e técnico do material bélico usado pelas Forças Armadas nacionais;
II - armas, munições, acessórios e equipamentos que, não sendo iguais ou similares ao material bélico usado pelas Forças Armadas nacionais, possuam características que só as tornem aptas para emprego militar ou policial;
III - armas de fogo curtas, cuja munição comum tenha, na saída do cano, energia superior a (trezentas libras-pé ou quatrocentos e sete Joules e suas munições, como por exemplo, os calibres .357 Magnum, 9 Luger, .38 Super Auto, .40 S&W, .44 SPL, .44 Magnum, .45 Colt e .45 Auto;
IV - armas de fogo longas raiadas, cuja munição comum tenha, na saída do cano, energia superior a mil libras-pé ou mil trezentos e cinqüenta e cinco Joules e suas munições, como por exemplo, .22-250, .223 Remington, .243 Winchester, .270 Winchester, 7 Mauser, .30-06, .308 Winchester, 7,62 x 39, .357 Magnum, .375 Winchester e .44 Magnum;
V - armas de fogo automáticas de qualquer calibre;
VI - armas de fogo de alma lisa de calibre doze ou maior com comprimento de cano menor que vinte e quatro polegadas ou seiscentos e dez milímetros;
VII - armas de fogo de alma lisa de calibre superior ao doze e suas munições;
VIII - armas de pressão por ação de gás comprimido ou por ação de mola, com calibre superior a seis milímetros, que disparem projéteis de qualquer natureza;
IX - armas de fogo dissimuladas, conceituadas como tais os dispositivos com aparência de objetos inofensivos, mas que escondem uma arma, tais como bengalas-pistola, canetas-revólver e semelhantes;
X - arma a ar comprimido, simulacro do Fz 7,62mm, M964, FAL;
XI - armas e dispositivos que lancem agentes de guerra química ou gás agressivo e suas munições;
XII - dispositivos que constituam acessórios de armas e que tenham por objetivo dificultar a localização da arma, como os silenciadores de tiro, os quebra-chamas e outros, que servem para amortecer o estampido ou a chama do tiro e também os que modificam as condições de emprego, tais como os bocais lança-granadas e outros;
XIII - munições ou dispositivos com efeitos pirotécnicos, ou dispositivos similares capazes de provocar incêndios ou explosões;
XIV - munições com projéteis que contenham elementos químicos agressivos, cujos efeitos sobre a pessoa atingida sejam de aumentar consideravelmente os danos, tais como projéteis explosivos ou venenosos;
XV – espadas e espadins utilizados pelas Forças Armadas e Forças Auxiliares;
XVI - equipamentos para visão noturna, tais como óculos, periscópios, lunetas, etc;
XVII - dispositivos ópticos de pontaria com aumento igual ou maior que seis vezes ou diâmetro da objetiva igual ou maior que trinta e seis milímetros;
XVIII - dispositivos de pontaria que empregam luz ou outro meio de marcar o alvo;
XIX - blindagens balísticas para munições de uso restrito;
XX - equipamentos de proteção balística contra armas de fogo portáteis de uso restrito, tais como coletes, escudos, capacetes, etc; e
XXI - veículos blindados de emprego civil ou militar.
Art. 17. São de uso permitido:
I - armas de fogo curtas, de repetição ou semi-automáticas, cuja munição comum tenha, na saída do cano, energia de até trezentas libras-pé ou quatrocentos e sete Joules e suas munições, como por exemplo, os calibres .22 LR, .25 Auto, .32 Auto, .32 S&W, .38 SPL e .380 Auto;
II - armas de fogo longas raiadas, de repetição ou semi-automáticas, cuja munição comum tenha, na saída do cano, energia de até mil libras-pé ou mil trezentos e cinqüenta e cinco Joules e suas munições, como por exemplo, os calibres .22 LR, .32-20, .38-40 e .44-40;
III - armas de fogo de alma lisa, de repetição ou semi-automáticas, calibre doze ou inferior, com comprimento de cano igual ou maior do que vinte e quatro polegadas ou seiscentos e dez milímetros; as de menor calibre, com qualquer comprimento de cano, e suas munições de uso permitido;
IV - armas de pressão por ação de gás comprimido ou por ação de mola, com calibre igual ou inferior a seis milímetros e suas munições de uso permitido;
V - armas que tenham por finalidade dar partida em competições desportivas, que utilizem cartuchos contendo exclusivamente pólvora;
VI - armas para uso industrial ou que utilizem projéteis anestésicos para uso veterinário;
VII - dispositivos óticos de pontaria com aumento menor que seis vezes e diâmetro da objetiva menor que trinta e seis milímetros;
VIII - cartuchos vazios, semi-carregados ou carregados a chumbo granulado, conhecidos como "cartuchos de caça", destinados a armas de fogo de alma lisa de calibre permitido;
IX - blindagens balísticas para munições de uso permitido;
X - equipamentos de proteção balística contra armas de fogo de porte de uso permitido, tais como coletes, escudos, capacetes, etc; e
XI - veículo de passeio blindado. (negrito nosso)
Para concluirmos, é importante lembrar que o Estatuto do Desarmamento é datado de 22 de dezembro de 2003, ou seja, já contamos com mais de 5 anos com essa novela da abolitio criminis temporalis. Creio que seria melhor o legislador abolir de vez o crime de posse ilegal de arma de fogo, pois só assim teriamos uma estabilização no ordenamento jurídico.
Mestre em Direito Penal Internacional pela Universidade de Granada - Espanha. Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo UNICEUB. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo ICAT/UDF. Pós-graduado em Gestão Policial Judiciária pela ACP/PCDF-FORTIUM. Professor Universitário de Direito Penal e Orientação de Monografia. Advogado. Delegado de Polícia da PCDF (aposentado). Já exerceu os cargos de Coordenador da Polícia Legislativa da Câmara Legislativa do Distrito Federal (COPOL/CLDF), Advogado exercendo o cargo de Assessor de Procurador-Geral da CLDF. Chefe de Gabinete da Administração do Varjão-DF. Chefe da Assessoria para Assuntos Especiais da PCDF. Chefe da Assessoria Técnica da Cidade do Varjão - DF; Presidente da CPD/CGP/PCDF. Assessor Institucional da PCDF. Secretário Executivo da PCDF. Diretor da DRCCP/CGP/PCDF. Diretor-adjunto da Divisão de Sequestros. Chefe-adjunto da 1ª Delegacia de Polícia. Assessor do Departamento de Polícia Especializada - DPE/PCDF. Chefe-adjunto da DRR/PCDF. Analista Judiciário do TJDF. Agente de Polícia Civil do DF. Agente Penitenciário do DF. Policial Militar do DF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COIMBRA, Valdinei Cordeiro. Mais uma vez, ressucitou-se a ABOLITIO CRIMINIS TEMPORALIS da posse ilegal de arma de fogo através da Lei n. 11.922, de 13.04.2009 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 abr 2009, 08:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/256/mais-uma-vez-ressucitou-se-a-abolitio-criminis-temporalis-da-posse-ilegal-de-arma-de-fogo-atraves-da-lei-n-11-922-de-13-04-2009. Acesso em: 23 nov 2024.
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