RESUMO: Este artigo fala sobre a igualdade de direitos dos cidadãos homossexuais, considerando a influência da igreja na política e na sociedade. Assim, justifica a necessidade imperiosa da aplicação absoluta do princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana pelo Estado Democrático de Direito.
ABSTRACT: This article talks about equal rights for homosexuals citizens, considering the influence of the church in politics and society. This justifies the imperative of absolute application of the principle of Constitutional Human Dignity by the Democratic State.
PALAVRAS-CHAVE: Homossexualidade. Direitos Humanos. Constituição. Igreja. Dignidade Humana.
Lançando mão das explicações sucedidas pelas ciências sociais, inegável verificar – e consequentemente admitir – a força e a influência da Igreja Católica Romana[1] na política e na sociedade brasileiras.
Correto também constatar que a maioria dos indivíduos consolida referências nos costumes e tradições religiosas[2] e que, corolariamente, a política recebe forte influência desses valores.
No entanto, as minorias sociais mais distantes desses valores conceituados pela força da Igreja – e não menos cidadãs por isso – também fazem parte da sociedade constitucionalmente protegida e organizada.
Desse modo, os cidadãos homossexuais vislumbram dos mesmos direitos que a maioria social, uma vez que a Constituição Federal – não bastasse a Laicidade Estatal – não admite tratamento discriminatório em razão das diferenças humanas, tendo como um de seus principais objetivos “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (Constituição Federal, artigo 3º, IV).
Patrícia Fontanella, citando Luigi Ferrajoli, lembra que “nenhuma maioria pode decidir a supressão (e não decidir a proteção) de uma minoria ou de um só cidadão”. (Ferrajoli apud Fontanella 2006, p.26)
Assunto polemicamente tratado, principalmente a partir do fim dos regimes autoritários, a homossexualidade deixa de ser vista como algo anormal e patológico, uma vez que não é mais considerada uma perversão do ser humano desviado das regras éticas e morais. Luciana Faísca Nahas, em sua obra “União Homossexual Proteção Constitucional” cita Roger Raupp Rios, destacando que “na Classificação Internacional de Doenças (CID) já existiu a indicação da homossexualidade, que foi retirada em uma de suas revisões, ante a sua inconveniência.” (Rios apud Faísca Nahas 2009, p.113)
A Psiquiatria tratou por muito tempo a homossexualidade como doença. No entanto, esse posicionamento já foi superado, e a Psicologia não busca mais alterar a orientação sexual da pessoa, visto que não se trata do que não é doença, mas auxilia na redução de eventual sofrimento psíquico causado pela discriminação e preconceito. (Rios apud Faísca Nahas 2009, p.114)
Diante de vastas pesquisas e da importante influência da ciência, possível desde o restabelecimento da democracia no Brasil e fortemente praticada no mundo inteiro, a sociedade vive uma realidade na qual a diversidade sexual encontra oportunidade para se manifestar mais facilmente, mesmo com fatores injustamente repressores que ainda projetam ideias irracionais e inculcam falsos valores na vida dos cidadãos.[3]
Espiando alguns países europeus, como a Polônia, Dinamarca, Suécia e Reino Unido – os primeiros a assegurar a igualdade de direitos entre heterossexuais e homossexuais[4] – é possível refletir para que, empiricamente, se aprenda que numa democracia é essencial o cumprimento de princípios como da prevalência dos direitos humanos, igualdade, dignidade da pessoa humana, liberdade individual e tantos outros princípios que autorizam as pessoas a viverem como são, não permitindo qualquer ato atentatório ou discriminatório em razão das diferenças humanas e naturais.
A Dignidade da Pessoa Humana deve ser princípio absoluto e qualquer classificação em razão da diversidade sexual – tornando um cidadão menor ou maior em direitos – fere tal consideração inarredável no seio da democracia. Rizzatto Nunes (2010, p.10) afirma categoricamente que “Claro que lutar pela efetiva realização do respeito à dignidade das pessoas é mais que uma ação de boa vontade, é um dever, do qual as pessoas têm de tomar consciência”. Também considerando o respeito a tal importante princípio, Patrícia Fontanella (2006, p. 95) afirma que “nas sociedades em que a vida, a integridade física, a intimidade e a identidade das pessoas não forem respeitadas nem a igualdade jurídica garantida pelo Estado, não haverá efetivação da dignidade da Pessoa Humana”.
Em várias nações latinas, tanto quanto nas europeias, poder-se-ia afirmar que o Estado laico torna-se cada vez mais prático do que no Estado Brasileiro, visto que no Brasil há linha muito tênue entre o Estado e a Igreja Católica Romana, forte influenciadora das condutas políticas e individuais. E naquelas nações, mesmo com a influência da igreja, tanto o conceito quanto a realidade da homossexualidade são tratados de forma mais humana, com caráter emergente.[5]
No Brasil, os grupos militantes homossexuais vêm travando grandes lutas a favor do reconhecimento dos direitos dessa classe minoritária e muitas vezes marginalizada pela igreja. Uma das lutas mais importantes é a favor da aprovação do Projeto de Lei da Câmara nº 122/2006, que propõe a criminalização da homofobia, porquanto não há proteção específica na legislação federal contra a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero.
Outra importante luta travada no Poder Judiciário e no Poder Legislativo é a respeito da união civil e casamento entre pessoas do mesmo sexo. Em maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal, em decisão histórica, reconheceu por unanimidade de votos a união estável para casais do mesmo sexo.
Para o ministro Ayres Britto, (...) da mesma forma que a Constituição proíbe a discriminação das pessoas em razão da sua espécie masculina ou feminina, o faz em função da respectiva preferência sexual. O ministro enfatizou, na ocasião, que a liberdade para dispor da própria sexualidade está no rol dos direitos fundamentais do indivíduo.
A decisão do STF reconhecendo a igualdade de direitos entre os casais heteroafetivos e os parceiros homoafetivos, ressalta o presidente do STF, “confirma que o valor do pluralismo é rechaçante do desvalor do preconceito. Confirma a verdade científica de que a nossa Constituição Federal é humanista e por isso mesmo civilizada. Somos um país juridicamente primeiro-mundista”.
“Consignado que a nossa Constituição vedou às expressas o preconceito em razão do sexo e intencionalmente nem obrigou nem proibiu o concreto uso da sexualidade humana, o que se tem como resultado dessa conjugada técnica de normação é o reconhecimento de que tal uso faz parte da autonomia de vontade das pessoas naturais, constituindo-se em direito subjetivo ou situação jurídica ativa”, afirmou o ministro em seu voto. (Supremo Tribunal Federal, stf.jus.br, acesso em 22/10/2012).
Nesse diapasão, o Estado, cujo poder emana do povo e existe para resguardar a vida, a felicidade e a realização de cada indivíduo, não pode negar o cumprimento de seus próprios princípios. Todos são iguais perante a lei. Pois, como doutrinou Fontanella (2006, p. 96): “A proteção e garantia das liberdades individuais, dos direitos sociais e coletivos são, respeitadas as diferenças existentes entre as pessoas decorrentes da multiplicidade de personalidades, a base do Estado Democrático de Direito”.
Embora muitas religiões fundamentalistas espalhem a aversão quanto à homossexualidade, é preciso que cada pessoa use a razão para perceber a realidade da vida, vislumbrando sem hipocrisia as situações que não são novidades para nenhuma pessoa e existem desde os primórdios da história humana.[6]
O Brasil ainda tem muito que amadurecer a respeito dos direitos humanos e da liberdade individual das pessoas. No entanto, após breves constatações aqui expostas, não resta outra conclusão a ser encontrada, qual seja, afirmar que, a despeito de toda influência da igreja na sociedade e na política brasileiras, o princípio da Dignidade da Pessoa Humana se impõe de tal forma nesse Estado Democrático de Direito que sua efetivação exige ser absoluta.
Assim, vislumbrar as diferenças humanas como algo natural e encarar a homossexualidade – uma das vertentes da sexualidade humana – como direito fundamental do indivíduo, pode ser o primeiro passo para a consolidação de uma sociedade mais solidária e igualitária.
É o que indica o Supremo Tribunal Federal. O que se espera, com certa ansiedade, é que o legislativo brasileiro possa acompanhar o pensamento e a hermenêutica da Suprema Corte, posicionando-se acima das crenças da religião, sendo capaz de legislar naquilo que não é possível mais ceder para a igreja: a modernidade e o futuro tendem a humanizar ainda mais nossos cidadãos, que têm os mesmos direitos, em que pesem as diferenças, sejam estas humanas, naturais ou religiosas.
REFERÊNCIAS
CASTRO, Celso Antônio Pinheiro de. Sociologia Geral, São Paulo: Atlas, 2000.
FONTANELLA, Patrícia. União Homossexual no Direito Brasileiro: enfoque a partir do garantismo jurídico. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2006.
NAHAS, Luciana Faísca. União Homossexual. Curitiba: Juruá, 2009.
NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. 3ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010.
Supremo Tribunal FEDERAL. Decisão sobre casais homoafetivos completa um ano e está entre as notícias mais acessadas do site do STF. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=206647>. Acesso em: 22 out. 2012.
[1] O presente trabalho leva em consideração a influência das diversas igrejas – ditas como instituições religiosas – na política e na sociedade. No desenvolvimento da dissertação, no entanto, emprega-se a expressão igreja ou Igreja, justamente com o propósito de remeter o leitor à imagem da Igreja Católica Romana.
[2] “[...] é inegável a influência da condenação cristã na formação da mentalidade sexual ocidental, sem se falar dos períodos de perseguição e condenações atrozes pela Inquisição.” (Foucault apud Fontanella, 2006, p. 63).
[3] No plano moral-religioso a homossexualidade ainda é vista como uma conduta reprovável e pecaminosa. Conforme destaca Rios (2002, p.100-101): “Toda prática sexual não reprodutiva é qualificada negativamente, importando em transgressão no plano divino e afastamento da vida espiritual. A censura aqui decorrente a atos homossexuais é de todo lógica, pois esses carecem de finalidade reprodutiva e são havidos fora do espaço matrimonial. São tidos como ofensa ao Criador e à natureza, decorrentes da luxúria e concupiscência.” (Faísca Nahas, 2009, p. 114).
[4] Segundo a enciclopédia eletrônica ‘Wikipédia’, Polônia, Dinamarca, Suécia e Reino Unido foram cronologicamente os primeiros países nos quais a homossexualidade deixou de ser considerada crime.
[5] “A Cidade do México também legalizou o casamento gay e foi a primeira da América Latina a fazê-lo. A "A Lei do Casamento Igualitário" na Argentina, pela qual foi reformado o Código Civil, foi aprovada pelo Senado em 15 de julho, após mais de 15 horas de acalorados debates. A Argentina virou o primeiro país latino-americano que concede aos gays e lésbicas todos os direitos legais, responsabilidades e proteções que contempla aos casais heterossexuais, como a possibilidade de herdar bens e a adoção conjunta de crianças. A Igreja Católica Romana na Argentina rechaçou a aprovação da lei e mobilizou os fiéis a rejeitá-la. Mesmo assim, em vários registros civis argentinos já existem pedidos de casamentos entre homossexuais.” (grifo nosso) (estadao.com.br, acesso em 22/10/2012). “Depois de passar na Câmara dos Deputados no dia 5 de maio, a lei foi sancionada no Senado por 33 votos a favor, 3 abstenções e 23 votos contrários. O debate entre os parlamentares durou 14 horas. Fora do Legislativo, grupos que se opunham à proposta (formados por católicos) e de apoio aos homossexuais fizeram protestos. Diferentemente de países como Uruguai e Colômbia, que somente autorizam as uniões civis de casais gays, a nova legislação argentina reconhece também direitos e benefícios jurídicos e sociais. Para isso, ela substituiu, no Código Civil, os termos "marido e mulher" por "contratantes", igualando os direitos de casais gays e heterossexuais.” (educacao. uol.com.br, acesso em 22/10/2012).
[6] A questão da homossexualidade não é um tema novo na história da humanidade, porém ainda bem carregado de preconceitos e alcunhas pejorativas. Há notícias de relacionamentos homossexuais desde culturas primitivas, e civilizações antigas, como o Egito, em que existem relatos de uniões entre faraós e jovens rapazes. Na Grécia e Roma antigas, civilizações que influenciaram diretamente a cultura ocidental atual, (...) há notícias de incentivo à prática homossexual militar, inclusive fazendo parte da educação dos jovens em algumas cidades, como Esparta. Ainda alguns dos grandes personagens da época mantinham relações homossexuais, como filósofos, políticos e soldados. Na Idade Média, no mundo ocidental, especialmente em razão da forte influência da Igreja Católica, as relações entre pessoas do mesmo sexo passaram a ser totalmente contrárias à civilização e punidas severamente, inclusive pela Inquisição, que se formou nesse período (Dagnese apud Faísca Nahas, 2009, p. 113).
Acadêmico de Direito na FADIVA - Faculdade de Direito de Varginha.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNIOR, Luiz Regis da Costa. Homossexualidade: influência da igreja na política e na sociedade e a imperiosidade da aplicação absoluta do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana pelo Estado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jul 2013, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35931/homossexualidade-influencia-da-igreja-na-politica-e-na-sociedade-e-a-imperiosidade-da-aplicacao-absoluta-do-principio-constitucional-da-dignidade-da-pessoa-humana-pelo-estado. Acesso em: 23 dez 2024.
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