Na aplicação do Direito Previdenciário em Juízo, seja na defesa dos direitos dos segurados ou na tutela dos interesses da Autarquia Federal competente – o INSS -, inúmeros são os princípios processuais aplicáveis.
Aqui, abordar-se-ão sucintamente aqueles de mais incidem sobre as relações previdenciárias na esfera judicial, em especial no que toca à coisa julgada e a possibilidade de renovação do pedido quando da alteração da situação fática nos benefícios por incapacidade.
A doutrina não possui um rol taxativo acerca destes princípios, porém são unânimes quanto à aplicação dos que seguem no direito processual civil.
De acordo com CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO (2011), surge na doutrina moderna a proposta de classificar os princípios em: a) estruturantes, assim considerados aqueles consistentes nas ideias diretivas básicas do processo, de índole constitucional (juiz natural, imparcialidade, igualdade, contraditório, publicidade, etc); b) fundamentais, que seriam aqueles mesmos princípios, quando especificados e aplicados pelos estatutos processuais, em suas particularidades; c) instrumentais, os que servem como garantia do atingimento dos princípios fundamentais, como são o princípio da demanda, o do impulso oficial, o da oralidade, etc.
Do Princípio da Ação
De acordo com CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO (2011), princípio da ação, ou da demanda, indica a atribuição à parte da iniciativa de provocar o exercício da função jurisdicional. A jurisdição é inerte e, para sua movimentação, exige a provocação do interessado – nemo judex sine actore.
Aqui há que se fazer uma distinção entre as espécies de processo, quanto à iniciativa. Primeiramente, há o processo inquisitivo, onde as funções de acusar, defender e julgar encontram-se concentradas em um único órgão, é o juiz que inicia de ofício o processo, que recolhe as provas e que, ao final, profere a decisão.
De outro lado, há o processo acusatório, adotado pelo processo penal no ordenamento brasileiro. Este é um processo de partes, em que acusador e acusado se encontram em pé de igualdade; é, ainda, um processo de ação, com as garantias da imparcialidade do juiz, do contraditório e da publicidade.
DIDIER JR. (2009) fala em princípio dispositivo e inquisitivo. Para ele, esta dicotomia está intimamente relacionada à atribuição de poderes ao juiz: sempre que o legislador atribuir um poder ao magistrado, independentemente da vontade das partes, vê-se manifestação de inquisitoriedade; sempre que se deixe ao alvedrio dos litigantes a opção, aparece a dispositividade.
BEDAQUE apud DIDIER JR. (2009) aponta a divergência doutrinária sobre o real conteúdo do chamado princípio dispositivo. O exame deste princípio passa, sobretudo, pela análise dos poderes processuais do Juiz. Fala-se, por exemplo, que tal princípio significa, em sentido amplo, deixar para as partes os ônus de iniciação, determinação do objeto, impulso do processo e produção de provas. É fundamental visualizar o problema sob dois aspectos: a) propositura da demanda: delimitação do objeto do processo; b) estrutura interna do processo: impulso processual, produção de provas, efeito devolutivo do recurso, etc.
MOREIRA e BEDAQUE apud DIDIER JR. (2009) defendem uma outra acepção do princípio dispositivo: é preferível que a denominação princípio dispositivo seja reservada tão somente aos reflexos que a relação de direito material disponível possa produzir no processo. E tais reflexos referem-se apenas à própria relação jurídico-substancial. Assim, tratando-se de direito disponível, as partes têm ampla liberdade para dele dispor, através de atos processuais. Trata-se de princípio relativo à relação material, não à processual.
Do Contraditório e da Ampla Defesa
A Constituição Federal de 1988 prevê expressamente ambos os princípios no artigo 5º, inciso LV, aplicável expressamente aos litigantes em qualquer processo, judicial ou administrativo, e aos acusados em geral.
Decorre de tais princípios a necessidade de que se dê ciência a cada litigante dos atos praticados pelo juiz e pelo adversário. Somente conhecendo-os, poderá ele efetivar o contraditório. De acordo com GRINOVER, CINTRA e DINAMARCO (2011), o contraditório é constituído por dois elementos: a) informação; b) reação (esta, meramente possibilitada nos casos de direitos disponíveis).
Em virtude da natureza constitucional do contraditório, deve ele ser observado não apenas formalmente, mas sobretudo pelo aspecto substancial, sendo de se considerar inconstitucionais as normas que não o respeitem.
Para CÂMARA (2003), o contraditório, entendido em seus aspectos jurídico e político, é essencial para que haja um processo justo, sendo de extrema relevância para a efetivação prática da garantia processual do devido processo legal. O contraditório é tão relevante para o processo que chega a integrar seu conceito, sendo lícito afirmar que não existe processo, onde não existir contraditório.
Quanto à ampla defesa, MENDONÇA JR. apud DIDIER JR. (2009) afirma que ainda que constem no mesmo dispositivo constitucional, ampla defesa e contraditório são figuras conexas, sendo que a ampla defesa qualifica o contraditório. Não há defesa sem contraditório, assim como não há contraditório sem defesa. O contraditório funciona como instrumento de atuação do direito de defesa, ou seja, esta se realiza através do contraditório.
Por fim, de acordo com DIDIER JR. (2009), convém lembrar que a ampla defesa é direito fundamental de ambas as partes, consistindo no conjunto de meios adequados para o exercício do adequado contraditório. Trata-se do aspecto substancial do contraditório.
Da Persuasão Racional do Juiz
Tal princípio regula a apreciação e a avaliação das provas existentes nos autos, indicando que o juiz deve formar livremente sua convicção. De acordo com CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO (2011), situa-se entre o sistema da prova legal e o do julgamento secundum conscientiam.
O primeiro (prova legal) significa atribuir aos elementos probatórios valor inalterável e prefixado, que o juiz aplica mecanicamente. O segundo coloca-se no polo oposto: o juiz pode decidir com base na prova dos autos, mas também sem provas e até mesmo contra a prova (é notado, embora com certa atenuação, pelos tribunais do júri, compostos por juízes populares).
No processo brasileiro vige o princípio da persuasão racional: o juiz não é desvinculado da prova e dos elementos existentes nos autos, mas a sua apreciação não depende de critérios legais determinados a priori. O juiz só decide com base nos elementos existentes no processo, mas os avalia segundo critérios críticos e racionais (p. ex., art. 131 e 436 do CPC).
Em recente decisão, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça (AgRg no REsp 1261985 / MG. 1ª T. j. 28.08.2012. rel. Min. Arnaldo Esteves Lima) decidiu que:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SISTEMA BACEN JUD. BLOQUEIO ON LINE DE CONTAS BANCÁRIAS. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE ADOTOU FUNDAMENTO EXCLUSIVAMENTE FÁTICO. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. Tendo o Tribunal de origem firmado a compreensão no sentido de que a utilização do sistema Bacen Jud seria uma faculdade do Juiz, diante da insegurança intrínseca existente nesse sistema tecnológico, rever tal entendimento demandaria o exame de matéria fático-probatória. Súmula 7/STJ.
2. A questão jurídica decidida pelo Tribunal de origem – concernente à insegurança do sistema Bacen Jud e, portanto, à sua não compulsoriedade - é totalmente diversa daquela examinada pela Corte especial no julgamento do REsp 1.112.943/MA (Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJe 23/11/10), pela sistemática do art. 543-C do CPC - impossibilidade de o Juiz exigir a prova, por parte do credor, de exaurimento de vias extrajudiciais na busca de bens a serem penhorados, após o advento da Lei 11.382/2006, que instituiu a penhora on line.
3. A questão envolvendo o princípio da persuasão racional ou da livre convicção motivada do juiz, segundo o qual cabe ao magistrado apreciar livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, é matéria que se encontra disciplinada no art. 131 do CPC.
4. Considerando-se que o agravante, nas razões do recurso especial, limitou-se a alegar afronta ao art. 655-A do CPC, a tese deduzida nas razões do agravo regimental - que "o entendimento de que a penhora 'on line' não seria segura com base única e exclusivamente na opinião pessoal do Desembargador Revisor, que restou acompanhado pelo Vogal" -, além de não ter sido prequestionada, revela-se indevida inovação recursal, o que é vedado em agravo regimental.
5. Agravo regimental não provido.
O novo Código de Processo Civil prevê, em seu artigo 355, que “o juiz apreciará livremente a prova, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na sentença as que lhe formaram o convencimento”.
Da Motivação das Decisões Judiciais
Este princípio constitucional está previsto no artigo 93, inciso IX, da Carta Magna. Trata-se de regra responsável por afirmar que toda decisão judicial será motivada, sob pena de nulidade. A exigência da motivação se dá por duas razões: em primeiro lugar, protege-se um interesse das partes e, em segundo, um interesse público.
Este raciocínio é elaborado por CÂMARA (2003), segundo o qual o primeiro interesse que se quer proteger com a obrigatoriedade da motivação das decisões é o das partes, que não só precisam saber o motivo que levou o juiz a decidir as questões da maneira como decidiu, como também têm necessidade de conhecer os motivos da decisão para que possam adequadamente fundamentar seus recursos.
O segundo fundamento tem razão de ordem pública, embora também ligado a interesse particular das partes. A motivação é essencial para se verificar se o juiz prolator da decisão era ou não imparcial, ou seja, é instrumento para realização do controle difuso da legitimidade da atuação dos magistrados.
CÂMARA (2003) ainda aborda o alcance de tal princípio. Para ele, é certo que as decisões judiciais desprovidas de fundamentação são nulas. Ocorre que há decisões mal fundamentadas, além de decisões aparentemente fundamentadas, que também padecem do mesmo vício.
Exemplos como “presentes os requisitos, defiro” ou “indefiro por falta de amparo legal”, não podem ser considerados como adequadamente fundamentados. Para o processualista carioca, a decisão mal fundamentada é equiparada à não fundamentada no que se refere à sua legitimidade constitucional, sendo assim tão eivada de nulidade quanto esta.
Isto porque, tanto quanto a decisão não fundamentada, a decisão mal fundamentada impede a adequada fundamentação do recurso que a parte eventualmente queira interpor, além de ser inadequada para permitir a verificação da legitimidade da atuação do juiz, tonando impossível o controle difuso da atividade jurisdicional. Assim sendo, tais decisões devem ser consideradas nulas.
Do Devido Processo Legal
De acordo com NERY JR. apud DIDER JR. (2009), trata-se do princípio base, sobre o qual todos os outros se sustentam. Origina-se da expressão inglesa due process of Law e teve sua primeira previsão na Magna Carta de João Sem Terra, em 1215.
No presente trabalho, importa abordar o devido processo legal em sentido material, ou chamado de princípio da proporcionalidade, bem como em seu sentido formal. As decisões jurídicas hão de ser devidas. Não basta sua regularidade formal: é necessário que a decisão seja substancialmente razoável e correta.
Daí, fala-se em um princípio do devido processo legal substantivo, aplicável a todos os tipos de processo. ASSIS apud DIDIER JR. (2009) ensina que:
Essa semelhança entre proporcionalidade e devido processo legal substancial é, a nosso ver, muito interessante para nossa análise, por vários motivos: a) como adiantado acima, ajuda a esclarecer o conteúdo do devido processo legal substancial, que, abstratamente considerado, é vago e impreciso; b) ajuda a desfazer a ideia equivocada de que a acepção substancial do due process of Law não seria aplicável em países do sistema romano-germânico, com menor liberdade para o julgador do que os do tipo judge makes Law...; c) reforça a ideia de equilíbrio que permeia todo o processo civil, como no clássico dilema entre celeridade e segurança.
Este raciocínio surgiu a partir das conclusões tiradas a partir da experiência da jurisdição constitucional do Supremo Tribunal Federal. Para exemplificar, o processualista baiano traz decisão proferida pelo Ministro Celso de Mello no RE n. 374.981, de 28.03.2005:
Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, em face do conteúdo evidentemente arbitrário da exigência estatal ora questionada na presente sede recursal, o fato de que, especialmente quando se tratar de matéria tributária, impõe-se, ao Estado, no processo de elaboração das leis, a observância do necessário coeficiente de razoabilidade, pois, como se sabe, todas as normas emanadas do Poder Público devem ajustar-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do ´substantive due process of law´ (CF, art. 5º, LV), eis que, no tema em questão, o postulado da proporcionalidade qualifica-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais, consoante tem proclamado a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 160/140-141 – RTJ 178/22-24, v.g.): “O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental, que, encontrando suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público. O princípio da proporcionalidade – que extrai a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula a garantia do substantive due process of law – acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. A norma estatal, que não veicula qualquer conteúdo de irrazoabilidade, presta obséquio ao postulado da proporcionalidade, ajustando-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do substantive due process of Law (CF, art. 5º, LIV). Essa cláusula tutelar, ao inibir os efeitos prejudiciais decorrentes do abuso de poder legislativo, enfatiza a noção de que a prerrogativa de legislar outorgada ao Estado constitui atribuição jurídica essencialmente limitada, ainda que o momento de abstrata instauração normativa possa repousar em juízo meramente político ou discricionário do legislador” (RTJ 176/578-580, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno).”
De outro lado, falando em devido processo legal em sentido formal. Segundo DIDIER JR. (2009), é, basicamente, o direito a ser processado e a processar de acordo com as normas previamente estabelecidas para tanto, normas estas cujo processo de produção também deve respeitar aquele princípio (aspecto material). CRUZ E TUCCI apud DIDIER JR. (2009), leciona que:
Em síntese, a garantia constitucional do devido processo legal deve ser uma realidade durante as múltiplas etapas do processo judicial, de sorte que ninguém seja privado de seus direitos, a não ser que no procedimento em que este se materializa se constatem todas as formalidades e exigências em lei previstas.
Desdobram-se estas nas garantias: a) de acesso à justiça; b) do juiz natural ou preconstituído; c) de tratamento paritário dos sujeitos parciais do processo; d) da plenitude de defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes; e) da publicidade dos atos processuais e da motivação das decisões jurisdicionais; e f) da tutela jurisdicional dentro de um lapso temporal razoável.
Conclui-se, portanto, que, também em nosso país, o direito ao processo sem dilações indevidas, como corolário do devido processo legal, vem expressamente assegurado ao membro da comunhão social por normal de aplicação imediata (art. 5º, §1º, CF).
Concluindo, o devido processo legal é um direito fundamental de conteúdo complexo. Trata-se de uma cláusula geral e, portanto, aberta, que a experiência histórica cuida de preencher. Nesse sentido, tanto se pode referir ao direito fundamental ao processo devido, como um direito fundamental dotado de um conteúdo complexo, como também é possível referir-se a cada uma das exigências aninhadas nesse conteúdo complexo como constituindo um direito fundamental. A vantagem em se identificar cada uma dessas exigências e denominá-las individualmente é a de facilitar a sua operacionalização pelo intérprete, isto é, auxiliá-lo na solução de questões relacionadas com a concretização de tais valores.
Da Segurança Jurídica
De acordo com MEDINA (2011), o princípio da segurança jurídica é elemento essencial do Estado Democrático de Direito e desenvolve-se em torno de dois conceitos basilares: o da estabilidade das decisões dos poderes públicos, que não podem ser alteradas senão quando concorrerem fundamentos relevantes, através de procedimentos legalmente exigidos; o da previsibilidade, que “se reconduz à exigência de certeza e calculabilidade, por parte dos cidadãos” (cf. José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional, p. 259-260).
Para que se possa dizer, efetivamente, esteja plenamente configurado o Estado Democrático de Direito, é imprescindível a garantia de estabilidade jurídica, de segurança de orientação e realização do Direito (cf. José Joaquim Gomes Canotilho, op. cit., p. 252).
Assim considerado o princípio, nota-se que é irrelevante a menção expressa, na Constituição Federal, acerca da coisa julgada (muito embora a Constituição brasileira o faça no artigo 5º, inciso XXXVI, no sentido de não permitir que a lei retroaja para atingir à coisa julgada).
Em recente decisão acerca dos efeitos da sentença que reconhece a paternidade com base em exame de DNA, o Egrégio Supremo Tribunal Federal entendeu que (RE 363889/DF, j. 02.06.2011, rel. Min. Dias Toffoli):
EMENTA RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE DECLARADA EXTINTA, COM FUNDAMENTO EM COISA JULGADA, EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE ANTERIOR DEMANDA EM QUE NÃO FOI POSSÍVEL A REALIZAÇÃO DE EXAME DE DNA, POR SER O AUTOR BENEFICÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA E POR NÃO TER O ESTADO PROVIDENCIADO A SUA REALIZAÇÃO. REPROPOSITURA DA AÇÃO. POSSIBILIDADE, EM RESPEITO À PREVALÊNCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL À BUSCA DA IDENTIDADE GENÉTICA DO SER, COMO EMANAÇÃO DE SEU DIREITO DE PERSONALIDADE. 1. É dotada de repercussão geral a matéria atinente à possibilidade da repropositura de ação de investigação de paternidade, quando anterior demanda idêntica, entre as mesmas partes, foi julgada improcedente, por falta de provas, em razão da parte interessada não dispor de condições econômicas para realizar o exame de DNA e o Estado não ter custeado a produção dessa prova. 2. Deve ser relativizada a coisa julgada estabelecida em ações de investigação de paternidade em que não foi possível determinar-se a efetiva existência de vínculo genético a unir as partes, em decorrência da não realização do exame de DNA, meio de prova que pode fornecer segurança quase absoluta quanto à existência de tal vínculo. 3. Não devem ser impostos óbices de natureza processual ao exercício do direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um ser, de forma a tornar-se igualmente efetivo o direito à igualdade entre os filhos, inclusive de qualificações, bem assim o princípio da paternidade responsável. 4. Hipótese em que não há disputa de paternidade de cunho biológico, em confronto com outra, de cunho afetivo. Busca-se o reconhecimento de paternidade com relação a pessoa identificada. 5. Recursos extraordinários conhecidos e providos.
E no corpo do acórdão, leia-se:
Nessa conformidade, além de esparsas menções em precedentes já mencionados, transcreve-se o seguinte trecho de decisão monocrática, assim dispondo, da lavra do eminente Ministro Cezar Peluso, proferido nos autos da AC nº 2.182/DF, na qual, depois de dissertar sobre o respeito à garantia constitucional da coisa julgada, que entre nós consubstancia “conspícuo direito fundamental (art. 5.º, inc. XXXVI)”, asseverou Sua Excelência, que “[e]sse direito fundamental à segurança jurídica não é, como todos os demais, absoluto, podendo ceder em caso de conflito concreto com outros direitos de igual importância teórica. Ora, somente em hipótese nítida de colisão entre direitos fundamentais é que se pode admitir, em tese, a chamada "relativização da coisa julgada", mediante ponderação dos respectivos bens jurídicos, com vistas à solução do conflito” (DJ-e de 12/11/08).
Embora esse decisum aluda à técnica de colisão de princípios, a respeito da qual guardo reservas e só a tenho utilizado para demonstrar que, mesmo por essa via, se pode chegar a resultados simétricos, é evidente que a ideia de coisa julgada como topos argumentativo isolado não se presta a resolver o problema do direito fundamental à identidade genética. Dito de outro modo, argumentar com a invocação pura e simples da coisa julgada, especialmente em matéria de suma relevância para a definição da personalidade, é o mesmo que se valer das antigas ficções jurídicas, tão úteis em tempos avoengos, de parcos recursos técnicos no campo das Ciências Naturais.
Pois bem. No caso ora em análise por esta Corte, entendo que, da forma como então destacada pelo eminente Ministro Cezar Peluso, há de se proceder à relativização da coisa julgada formada ao cabo da primeira ação de investigação de paternidade ajuizada contra o ora recorrido, para permitir que se prossiga no julgamento da segunda demanda com esse fito contra ele proposta, para que, agora, com a ampla possibilidade de realização da prova técnica que assegura, com um grau de certeza que se pode qualificar de absoluto, obter-se uma comprovação cabal acerca da eventual relação paterno-filial, que se alega existir entre as partes.
Como se vê, no acórdão citado o E. Tribunal, em situação excepcionalíssima, afastou a alegação de segurança jurídica para fazer valer o direito fundamental de que toda pessoa tem de conhecer as suas origens (princípio da busca da identidade genética), especialmente se, à época da decisão que se procura rescindir, não se pôde fazer o exame de DNA.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 27ª edição. Malheiros Editores.
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Volume 1. 11ª edição. Editora Juspodivm.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 9ª edição. Editora Lumen Juris.
MEDINA, José Miguel Garcia. Código de Processo Civil Comentado. 1ª edição. Editora Revista dos Tribunais.
Procurador Federal, membro da Advocacia-Geral da União. Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARANDA, Alexandre Lundgren Rodrigues. Dos princípios informativos do direito processual civil aplicáveis ao direito previdenciário em juízo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 jul 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40108/dos-principios-informativos-do-direito-processual-civil-aplicaveis-ao-direito-previdenciario-em-juizo. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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