Introdução
O presente estudo objetiva analisar a hipótese de interrupção da prescrição nos casos de revisão dos benefícios de auxílio doença, aposentadoria por invalidez e pensão por morte com fundamento no artigo 29, inciso II da Lei nº 8.213/91 com base no Memorando-Circular Conjunto nº 21/DIRBEN/PFEINSS, de 15 de abril de 2010, o qual, segundo entendimento consignado pela Turma Nacional de Uniformização no Pedido de Uniformização Jurisprudencial de Lei Federal nº 50000472320134047100, teve o condão de interromper o prazo prescricional para o pleito revisional dos segurados, o qual passou a correr novamente a partir da data de publicação do referido memorando.
Desenvolvimento
Dispõe o artigo 202, inciso VI, do Código Civil, abaixo transcrito, que a prescrição se interrompe por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor:
Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á:
VI - por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor.
Parágrafo único. A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper.
O Memorando-Circular Conjunto n. 21/DIRBEN/PFEINSS, de 15.04.2010 reconhece o direito dos segurados a revisão dos benefícios previdenciários com fundamento no artigo 29, inciso II da Lei nº 8.213/91, motivo pelo qual, analisando isoladamente o ato administrativo de edição desse memorando pode se levar a conclusão que realmente houve por parte da Administração Previdenciária o reconhecimento do direito à revisão dos benefícios e, consequentemente, a interrupção da prescrição em virtude do reconhecimento do direito pelo devedor.
Ocorre que a edição do Memorando-Circular Conjunto n. 21/DIRBEN/PFEINSS, de 15.04.2010 não houve por ato espontâneo da Administração no sentido de reconhecimento pleno do direito, requisito este imprescindível para a interrupção da prescrição nos termos do artigo 202, inciso VI do Código Civil, mas sim em decorrência de acordo judicial formalizado nos autos da Ação Civil Pública nº 0002320-59.2012.403.6183/SP para o reconhecimento do direito e pagamento de diferenças devidas em decorrência da revisão em questão nos termos determinados administrativamente.
Ora, o Memorando-Circular Conjunto n. 21/DIRBEN/PFEINSS, de 15.04.2010 é a tradução de um acordo judicial firmado nos autos da ação civil pública mencionada, logo não se trata de ato administrativo isolado e praticado espontaneamente com intuito de abrir mão do prazo prescricional.
A intenção da Administração Previdenciária foi operacionalizar o acordo judicial formalizado e não interromper pura e simplesmente o prazo prescricional, tanto que o referido memorando determina a forma de pagamento decorrente da revisão dos benefícios de maneira escalonada.
Ocorre que a Turma Nacional de Uniformização no Pedido de Uniformização Jurisprudencial de Lei Federal nº 50000472320134047100, decisão abaixo transcrita, entendeu que o Memorando-Circular Conjunto n. 21/DIRBEN/PFEINSS, de 15.04.2010 importou renuncia tácita por parte da Administração Previdenciária aos prazos prescricionais em curso para fins de revisão de benefícios pautada no artigo 29, inciso II da Lei nº 8.213/91:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DA RMI. ART. 29, II, DA LEI Nº 8.213/91. INÍCIO DA PRESCRIÇÃO NA DATA DA EDIÇÃO DO MEMORANDO-CIRCULAR CONJUNTO Nº 21 DIRBEN/PFE/INSS, EM 15.04.2010. PRECEDENTES DESTA TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. O INSS recorre de acórdão unânime da 3a Turma Recursal/RS confirmatório de sentença de 1o. Grau que julgou parcialmente procedente ação previdenciária movida pelo Autor para condenar o INSS a pagar-lhe o valor correspondente às diferenças vencidas, relativas ao período de 23/07/03 a 16/04/07, decorrentes da utilização dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a 80% de todo o período contributivo, de acordo com o art. 29, II, da Lei nº 8.213/91. 1.2. Ratificou aquele Colegiado a tese de que o Memorando- Circular Conjunto nº. 21/DIRBEN/PFEINSS, de 15.04.2010, constitui marco interruptivo do prazo prescricional para a revisão dos benefícios com base no artigo 29, II, da Lei 8.213/91. Divergência comprovada, subiram os autos a esta egr. Turma Nacional. 2. Sustenta o INSS que a decisão da 3a. Turma Recursal do Rio Grande do Sul diverge de decisões proferidas pela 2ª. e pela 5ª. Turmas Recursais de São Paulo, acerca do fundamento principal do recurso, vem a ser, que a publicação do Memorando-Circular Conjunto nº 21/DIRBEN/PFEINSS, de 15.04.2010, não acarretou a interrupção da prescrição das parcelas decorrentes da revisão de benefício previdenciário pelo art. 29, II, da Lei n. 8.213/91. 3. O Incidente sub judice não merece provimento. Esta Turma Nacional consolidou o entendimento segundo o qual o dies a quo da prescrição do direito à revisão da Renda Mensal Inicial (RMI) dos benefícios previdenciários, na forma do art. 29, II, da Lei nº 8.213/91, é a publicação do Memorando-Circular Conjunto n. 21/DIRBEN/PFEINSS, de 15.04.2010. Até cinco anos após a publicação desse instrumento normativo, é possível requerer a revisão da RMI, administrativa ou judicialmente, retroagindo os efeitos financeiros daí resultantes à data da concessão do benefício. (Confira-se: PEDILEF 5001752-48.2012.4.04.721. Rel. JUÍZA FEDERAL KYU SOON LEE, julgado em 13.03.2014). 4. Segundo a Juíza Federal Kyu Soon Lee, “... uniformizou-se a tese de que tal ato administrativo, o qual reconheceu o direito dos segurados à revisão pelo art. 29, II, da Lei n. 8.213/91, importou a renúncia tácita por parte do INSS aos prazos prescricionais em curso, que voltaram a correr integralmente a partir de sua publicação, e não pela metade, como pretende o recorrente. Por conseguinte, para pedidos administrativos ou judiciais formulados dentro do período de 5 (cinco) anos da publicação do referido Memorando-Circular, como é o caso dos autos, firmou-se entendimento de que não incide prescrição, retroagindo os efeitos financeiros da revisão à data de concessão do benefício revisando”. 5. Indo-se aos presentes autos, tem-se que a ação foi ajuizada em 02.01.2013. O Acórdão recorrido, portanto, está em sintonia com a jurisprudência desta Turma Nacional de Uniformização. 6. Pedido de Uniformização de jurisprudência conhecido e improvido.Acordam os membros da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais negar provimento ao Incidente de Uniformização, nos termos do voto-ementa do relator.
(PEDILEF 50000472320134047100, JUIZ FEDERAL BRUNO LEONARDO CÂMARA CARRÁ, TNU, DOU 16/05/2014 PÁG. 125/165.)
Todavia, entendemos que o Memorando-Circular Conjunto n. 21/DIRBEN/PFEINSS, de 15.04.2010 não teve o condão de interromper indistintamente a prescrição para fins de revisão de benefícios previdenciários com base no artigo 29, II da Lei nº 8.213/91, posto que o citado memorando foi editado e apenas é válido para os segurados que aceitarem o reconhecimento dos seus direitos nos termos da mencionada ação civil pública.
Assim, os termos do memorando em estudo não se aplicam aos segurados que optaram por propor ação individual e, consequentemente, não se submetem ao acordo homologado na ação coletiva, nos termos do artigo 104 do Código de Defesa do Consumidor abaixo transcrito:
Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva. grifamos
Em decorrência, o acordo judicial firmado nos autos de ação civil pública não atende indistintamente ao universo de segurados, mas apenas aqueles que optaram por se submeter aos termos do acordo firmado judicialmente, excluindo-se, portanto, os segurados que optaram por promover ação individual.
Como é sabido, não fosse os termos do acordo formalizado nos autos da Ação Civil Pública nº0002320-59.2012.403.6183/SP, caberia a cada segurado, valendo-se do título executivo formado na ação coletiva, promover judicialmente a revisão e a cobrança das diferenças devidas em decorrência da mesma em ação individual. Todavia, o acordo dispensou a execução individual do título, pois operacionalizou o pagamento das diferenças devidas a todos os segurados que possuem direito a revisão em tela.
Ocorre que, inconformados com os prazos de pagamentos fixados no memorando em estudo, diversos segurados optaram por propor ação individual na defesa de seus interesses e, consequentemente, o pagamento imediato das diferenças devidas em decorrência da revisão de seus benefícios
Entretanto, entendemos que aqueles segurados que se valeram de ação individual pleiteando a revisão e pagamento de diferenças decorrentes da revisão do artigo 29, inciso II da Lei nº 8.213/91, pleiteando, assim, o pagamento imediato das diferenças, não podem se valer da data de publicação do Memorando-Circular Conjunto n. 21/DIRBEN/PFEINSS, de 15.04.2010 como data de início do prazo prescricional para revisão e pagamento de diferenças, posto que ao optarem por propor ação individual se institui relação jurídico processual diversa àquela estabelecida na Ação Civil Pública nº0002320-59.2012.403.6183/SP e, portanto, em nada se aproveitam de eventual interrupção da prescrição, nos termos do artigo 104 do Código de Defesa do Consumidor, posto que, conforme já afirmado, o memorando é a tradução do acordo judicial formalizado nos autos da ação coletiva.
Conclusão
Dessa forma, em consonância com o artigo 104 do Código de Defesa do Consumidor, entendemos que os segurados que propuseram ação individual para revisão e cobrança das diferenças devidas em decorrência da revisão do artigo 29, inciso II da Lei nº 8.213/91, renunciaram aos temos do Memorando-Circular Conjunto n. 21/DIRBEN/PFEINSS, de 15.04.2010 que é a tradução do acordo judicial formalizado nos autos da Ação Civil Pública nº0002320-59.2012.403.6183/SP e, portanto, em nada aproveitam a interrupção da prescrição decorrente da propositura da ação civil pública ou decorrente da edição do memorando, posto que a interrupção da prescrição se trata de fenômeno endoprocessual e, assim, só aproveita o universo de segurados que optaram por aceitar os termos e resultado da ação coletiva.
Procurador Federal e Especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MICCHELUCCI, Alvaro. Análise da hipótese de interrupção da prescrição em decorrência de ato administrativo do INSS que viabiliza na esfera administrativa a revisão de benefícios em casos pacificados pela jurisprudência e o consequente pagamento de diferenças decorrentes Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 jul 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40268/analise-da-hipotese-de-interrupcao-da-prescricao-em-decorrencia-de-ato-administrativo-do-inss-que-viabiliza-na-esfera-administrativa-a-revisao-de-beneficios-em-casos-pacificados-pela-jurisprudencia-e-o-consequente-pagamento-de-diferencas-decorrentes. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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