Resumo: O artigo visa realizar uma breve análise acerca do direito da concorrência no âmbito da União Europeia. Para tanto, propõe-se a apresentação de um panorama geral do direito comunitário da concorrência e suas fontes. Em seguida, analisam-se o direito material (especialmente as disposições constantes do Tratado de Funcionamento da União Europeia) e a conformação dos poderes legislativo, executivo e judicial no âmbito da defesa da concorrência na União Europeia.
Palavras-chave: concorrência – União Europeia
Sumário: 1 Introdução; 2 Panorama geral do direito da concorrência na União Europeia e suas fontes; 3 O direito material referente à defesa da concorrência aplicável no âmbito da União Europeia; 3.1 O direito aplicável às empresas; 3.2 Os auxílios públicos; 4 Conformação dos poderes legislativo, executivo e judicial no âmbito da defesa da concorrência na União Europeia; 4.1 O poder legislativo; 4.2 O poder regulamentar; 4.3 O poder executivo; 4.3.1 A Comissão Européia; 4.3.2 O regulamento 17/1962 do Conselho da Comunidade Econômica Europeia; 4.3.3 O regulamento 1/2003 do Conselho da União Europeia; 4.3.4 A Rede Européia de Concorrência (REC); 4.4 O Poder Judicial; 5 Conclusão; Referências bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO
A concorrência tem por finalidade salvaguardar a permanência no mercado de diversas empresas que atuam de forma independente, produzindo e distribuindo seus bens e serviços – se eficaz, a concorrência aumenta a qualidade e permite que consumidores e utilizadores disponham de uma real e mais vasta possibilidade de escolha, além de criar ambiente propício para avanços tecnológicos. Pode-se afirmar que, garantida uma concorrência eficaz, ficam resguardados de forma mais equânime os interesses de todos os agentes econômicos presentes no mercado.
No atual contexto da realidade econômica, diante da necessidade de se enfrentar o desafio do comercio global, as normas que regulam a livre concorrência ganham ainda mais importância – especialmente se considerada a formação dos blocos de integração (social, cultural e principalmente econômica), em que se promove uma maior abertura à atividade de empresas fora das fronteiras nacionais, possibilitando maior especialização, aumento de produção e acesso à economia de escala, com a consequente redução de custos e aumento de produtividade.
Dentre esses blocos de integração, destaca-se o principal deles: a União Europeia (UE). O objetivo primeiro da constituição da União Europeia foi a implementação de um mercado comum. Mas, para que esse mercado comum fosse verdadeiramente vantajoso tanto para as empresas que nele atuassem quanto para os consumidores, verificou-se a necessidade de se criar um conjunto de regras capazes de limitar a ação das empresas e garantir um ambiente concorrencial. Assim, as regras sobre a proteção da concorrência estão presentes nos tratados referentes à formação da UE desde seu início.
Passa-se, pois, a apresentar uma breve análise sobre as normas materiais e de competência referentes à defesa da concorrência na União Europeia. Inicia-se com a apresentação de um panorama geral do direito da concorrência na União Europeia e suas fontes. Em seguida, analisam-se o direito material e as competências, delimitando-se a conformação dos poderes legislativo, executivo e judicial no âmbito da defesa da concorrência na União Europeia
2 PANORAMA GERAL DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA NA UNIÃO EUROPEIA E SUAS FONTES
É possível entender o direito de concorrência (ou direito antitruste) com um conjunto de regras que visa a proteger a concorrência nos mercados contra eventuais restrições ou distorções. Nas palavras de Marcelo Schultes, é “aquele que regula a interação de agentes econômicos no mercado, de forma a evitar o abuso de posições dominantes, práticas desleais e ajudas estatais”[1].
Como frisado, essa regulação tem especial importância no âmbito dos blocos de integração supranacional, pois garantem o ambiente propício ao desenvolvimento da integração econômica, além de permitir o fomento à inovação e ao desenvolvimento econômico dos Estados-Membros[2].
A Comissão Européia e o Tribunal de Justiça estabeleceram a integração do mercado como prioridade do Direito Comunitário da Concorrência. No entanto, José Luís Caramelo Gomes salienta que há outros objetivos, igualmente importantes, que podem (e devem) ser perseguidos por uma normação voltada à regulação do mercado:
O Direito da Concorrência pode também procurar a promoção de uma concorrência leal, a defesa das pequenas e médias empresas ou a liberdade individual, o desenvolvimento tecnológico, a defesa do meio ambiente e a promoção cultural, entre outros. É normal encontrar acumulado na formação da política da concorrência um conjunto mais ou menos vasto destes objectivos e é o trade off entre eles que determinará o conteúdo substantivo do Direito.[3]
O autor entende que tanto a definição quanto a execução da política da concorrência, que está prevista no art. 3.°, n.° 1, b do Tratado de Funcionamento da União Européia (TFUE)[4], devem ser pautadas pelos fins últimos da União Européia, previstos no art. 3° do Tratado da União Européia (TUE), especialmente pelo previsto no seu n.° 2: “A União tem por objetivo promover a paz, os seus valores e o bem estar dos seus povos”. Assim, toda a atividade desenvolvida visando à proteção da concorrência deve priorizar a promoção do bem estar do povo europeu, uma vez que o próprio mercado interno é edificado com fundamento nessa premissa. O autor também ressalta que, no plano de direito comunitário da concorrência, ainda há preocupações com a lealdade, no sentido de: “lealdade da concorrência entre as economias dos diferentes Estados-membros (…) associada à eliminação das barreiras que dividem a Europa e dos obstáculos ao equilíbrio das trocas comerciais, implicando a necessária regulação dos auxílios estatais.”[5]
Martha Asunción Enríquez Prado divide as fontes do direito concorrencial no âmbito da UE entre direito originário e direito derivado. O primeiro seria formado que tratados formadores da União Europeia (especialmente o Tratado da União Europeia e – acrescente-se – o Tratado de Funcionamento da União Europeia) e o último pelos regulamentos do Conselho e da Comissão, pelas decisões da Comissão (dirigidas individualmente a empresas ou instituições da UE, sobre práticas de acordos etc), pela jurisprudência do Tribunal de Justiça e dos tribunais nacionais dos Estados-Membros, pela prática administrativa da Comissão e dos órgãos nacionais de defesa da concorrência, pelos princípios do direito comunitário (primazia, efeito direto, subsidiariedade[6]) e pela doutrina especializada[7]. Em entendimento aproximado, Marcelo Schultes classifica as fontes do direito concorrencial da UE, em função da hierarquia, em fontes fontes primárias (textos dos tratados constitutivos, protocolos, anexos, enfim todos os atos que tenham o condão de produzir mudanças no sistema institucional da União) e fontes secundárias (regulamentos e diretivas da Comissão Europeia que sistematizam a aplicação das normas primárias).
Assim, é possível afirmar que as regras comunitárias de concorrência estão materializadas em tratados, nas diretivas e orientações expedidas pela União Europeia, e também nos atos da Comissão que, ainda que tenham apenas status de soft law, orientam os aplicadores e os destinatários das normas acerca do entendimento da Comissão nos diversos pontos da matéria. Os tratados comunitários, assim como os demais elementos normativos citados que compõem o arcabouço jurídico comunitário em defesa da concorrência, procuram assegurar não uma completa liberdade de atuação das empresas ou uma completa liberdade de escolha dos consumidores (o que ocorreria em uma concorrência perfeita, mas distante da realidade do mercado) – o que se busca é a garantia de uma concorrência praticável, ou seja, efetiva e eficaz no contexto de um mercado comunitário pouco concorrencial.
3 O DIREITO MATERIAL REFERENTE À DEFESA DA CONCORRÊNCIA APLICÁVEL NO ÂMBITO DA UNIÃO EUROPEIA
José Luís Caramelo Gomes salienta que o direito comunitário substantivo da concorrência inclui as previsões do Tratado de Funcionamento da União Europeia (Capítulo I – As regras da concorrência, do Título VII – As regras comuns relativas à concorrência, à fiscalidade e à aproximação das legislações, da Parte III – As políticas e acções internas da União) e todo o direito dele derivado: os regulamentos, as decisões da Comissão Europeia e a jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância, agora Tribunal Geral[8]. Serão analisadas, nesse artigo, especialmente as disposições do TFUE, divisadas entre o direito aplicável às empresas (que abrangerá a análise dos artigos 101º, 102º e 106º) e os auxílios públicos (no âmbito do qual será examinada a previsão do art. 107º).
3.1 O direito aplicável às empresas
Quanto às regras aplicáveis às empresas, os artigos 101.°, 102.° e 106.° TFUE delimitam a noção de práticas anticoncorrenciais. Martha Asunción Enríquez Prado ressalta que as referidas regras têm como destino todas as empresas, independentemente de seu porte, de sua nacionalidade, de serem públicas ou privadas ou de serem associação de empresas com atividades próprias ou de empresas associadas – todas estão submetidas à proibição de práticas que visem impedir, limitar ou falsear a concorrência ou de utilizar sua posição dominante para restringir a concorrência no âmbito da União Europeia. A autora destaca ainda que o conceito de empresa adotado na TFUE é amplo e funcional, sendo considerada empresa toda pessoa física ou jurídica, entidade de direito público ou privado, monopólios comerciais e financeiros (mesmo quando integrados a um ministério) que representam um conjunto uniforme, destinado a um objeto de direito determinado, com fatores pessoais, materiais e imateriais, que se destinam a alcançar um fim econômico determinado.[9]
O art. 101.° estipula uma proibição genérica de acordos, decisões ou práticas concertadas que preencham os requisitos ali estipulados (nº 1), cominando-lhes sanção (nº 2) e estabelece casos em que a regra geral proibitiva pode ser afastada (nº 3):
1. São incompatíveis com o mercado interno e proibidos todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que sejam susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-Membros e que tenham por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno, designadamente as que consistam em:
a) Fixar, de forma directa ou indirecta, os preços de compra ou de venda, ou quaisquer outras condições de transacção;
b) Limitar ou controlar a produção, a distribuição, o desenvolvimento técnico ou os investimentos;
c) Repartir os mercados ou as fontes de abastecimento;
d) Aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes colocando-os, por esse facto, em desvantagem na concorrência;
e) Subordinar a celebração de contratos à aceitação, por parte dos outros contraentes, de prestações suplementares que, pela sua natureza ou de acordo com os usos comerciais, não têm ligação com o objecto desses contratos.
2. São nulos os acordos ou decisões proibidos pelo presente artigo.
3. As disposições no nº 1 podem, todavia, ser declaradas inaplicáveis:
— a qualquer acordo, ou categoria de acordos, entre empresas,
— a qualquer decisão, ou categoria de decisões, de associações de empresas, e
— a qualquer prática concertada, ou categoria de práticas concertadas,
que contribuam para melhorar a produção ou a distribuição dos produtos ou para promover o progresso técnico ou económico, contanto que aos utilizadores se reserve uma parte equitativa do lucro daí resultante, e que:
a) Não imponham às empresas em causa quaisquer restrições que não sejam indispensáveis à consecução desses objectivos;
b) Nem dêem a essas empresas a possibilidade de eliminar a concorrência relativamente a uma parte substancial dos produtos em causa.
Esse artigo tem aplicabilidade direta nos Estados-Membros, proibindo práticas que possam impedir, restringir ou falsear a concorrência[10] - eventuais acordos ou decisões que estabeleçam os citados efeitos são, em regra, considerados nulos.
José Luís Caramelo Gomes destaca que a violação ao art. 101º, nº 1 implica o preenchimento de 3 requisitos: (i) deverá haver alguma forma de conluio entre as empresas, (ii) resultado do qual será uma possível a afetação do comércio entre os Estados-Membros, (iii) por meio da restrição da concorrência entre os intervenientes[11].
O autor ressalta ainda que a nulidade dos acordos ou decisões proibidos nos termos do nº 1 é uma sanção que tem eficácia inter partes, pouco acrescentando quanto à defesa do interesse público. Assim, destaca que a salvaguarda do interesse público nesse caso fica a cargo do poder atribuído à Comissão Europeia, nos termos do art. 23 do Regulamento nº 01/2003, de impor multas (coimas) aos intervenientes (as quais podem superar 10% do volume de vendas de cada um dos interveniente)[12].
Por fim, quanto ao regime de exceção exposto no nº 3 do art. 101º TFUE, José Luís Caramelo Gomes destaca que o Regulamento nº 01/2003 estabeleceu, em seu artigo 1º dois princípios gerais, quais sejam: que os acordos decisões e práticas concertadas incompatíveis com o nº 1 do art. 101º são proibidos sem necessidade de decisão prévia e que os acórdos, decisões e práticas concertadas abrangidos pelo nº 3 do art. 101º são permitidos sem necessidade de decisão prévia[13]. Em razão das alterações (especialmente procedimentais e de competência para a declaração da inaplicabilidade da proibição do nº 1 do art. 101º), a Comissão apresentou uma Comunicação acerca da aplicação do nº 3 do art. 101º TFUE:[14]
8. O nº 1 do artigo 81º [atual art. 101º TFUE] proíbe todos os acordos entre empresas, decisões de associações de empresas e práticas concertadas que sejam susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-Membros e que tenham por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência
9. A título de excepção a esta regra, o nº 3 do artigo 81º [atual art. 101º TFUE] prevê que a proibição estabelecida no nº 1 do mesmo artigo pode ser declarada inaplicável a acordos que contribuam para melhorar a produção ou a distribuição dos produtos ou para promover o progresso técnico ou económico, contanto que aos utilizadores se reserve uma parte equitativa do lucro daí resultante, e que não imponham às empresas restrições que não sejam indispensáveis à consecução desses objectivos nem dêem a essas empresas a possibilidade de eliminar a concorrência relativamente a uma parte substancial dos produtos em causa.
10. Nos termos do nº 1 do artigo 1º do Regulamento (CE) nº 1/2003, os acordos referidos no nº 1 do artigo 81º do Tratado [atual art. 101º TFUE] que não satisfaçam as condições previstas no nº 3 do mesmo artigo são proibidos, não sendo necessária, para o efeito, uma decisão prévia. Nos termos do nº 2 do artigo 1º do mesmo regulamento, os acordos referidos no nº 1 do artigo 81º do Tratado [atual art. 101º TFUE] que satisfaçam as condições previstas no nº 3 do mesmo artigo não são proibidos, não sendo necessária, para o efeito, uma decisão prévia. Esses acordos são válidos e aplicáveis desde que estejam satisfeitas as condições previstas no nº 3 do artigo 81º [atual art. 101º TFUE] e enquanto tal se verificar.
11. Nestas circunstâncias, uma apreciação à luz do artigo 81º [atual art. 101º TFUE] comporta duas partes. O primeiro passo consiste em avaliar se um acordo entre empresas, susceptível de afectar o comércio entre Estados-Membros, tem um objectivo anticoncorrencial ou efeitos anticoncorrenciais reais ou potenciais. O segundo passo, que só é pertinente no caso de se concluir que o acordo restringe a concorrência, consiste em determinar quais os benefícios desse acordo para a concorrência e em avaliar se tais benefícios compensam os efeitos anticoncorrenciais. Esta análise do equilíbrio entre efeitos concorrenciais e anticoncorrenciais é efectuada exclusivamente no quadro definido pelo nº 3 do artigo 81º [atual art. 101º TFUE].
12. A avaliação de eventuais benefícios compensatórios ao abrigo do nº 3 do artigo 81º [atual art. 101º TFUE] requer, necessariamente, a determinação prévia do carácter e do impacto restritivo do acordo. (...)
Verifica-se de forma clara, a grande preocupação comunitária acerca da prevenção e repressão à formação de cartéis – um grupo de empresas semelhantes e independentes que se unem para controlar preços ou repartir mercados e, por conseqüência, controlar a concorrência –, em razão de grande prejuízo que eles podem trazer ao mercado interno comunitário. É que, havendo esse controle da concorrência, os membros de um cartel passam a uma confortável posição de poder contar com os ganhos advindos de um determinado mercado (que lhes foi reservado pelo acordo), sem esforços adicionais no sentido de manter preços competitivos ou no sentido de oferecer novos produtos ou serviços de qualidade. E a conseqüência previsível dessa situação é que os consumidores acabam arcando com um custo maior em troca de menor qualidade. Às empresas participantes de cartéis podem ser aplicadas pesadas coimas (multas), e, também como forma de estímulo à repressão, adotou-se, no âmbito europeu, a política de clemência como forma de extinguir a formação dos cartéis secretos – por meio dessa medida, as empresas participantes de cartéis secretos que os denunciarem terão imunidade total ou, ao menos, uma redução do montante das coimas que lhes seriam aplicadas.
No entanto, nem todos as concentrações de mercado são proibidos peremptoriamente – como demonstrado, que há aquelas que, por trazerem mais vantagens que efeitos negativos são excepcionalmente permitidas. Noutros termos, pode ser permitir que uma empresa detenha um monopólio em determinadas circunstâncias – no caso, por exemplo, da necessidade de se garantir um serviço público. No entanto, as empresas que detêm monopólio têm que comprovar que tratam os concorrentes de modo leal – por exemplo, os benefícios do fornecimento de um serviço público não podem ser utilizados para financiar operações comerciais que lhes permitam praticar preços mais baixos do que a concorrência.
O art. 102.° proíbe abuso de posição dominante e cita os casos em que ela ocorre:
É incompatível com o mercado interno e proibido, na medida em que tal seja susceptível de afectar o comércio entre os Estados-Membros, o facto de uma ou mais empresas explorarem de forma abusiva uma posição dominante no mercado interno ou numa parte substancial deste.
Estas práticas abusivas podem, nomeadamente, consistir em:
a) Impor, de forma directa ou indirecta, preços de compra ou de venda ou outras condições de transacção não equitativas;
b) Limitar a produção, a distribuição ou o desenvolvimento técnico em prejuízo dos consumidores;
c) Aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes colocando-os, por esse facto, em desvantagem na concorrência;
d) Subordinar a celebração de contratos à aceitação, por parte dos outros contraentes, de prestações suplementares que, pela sua natureza ou de acordo com os usos comerciais, não têm ligação com o objecto desses contratos.
De forma simples, o artigo 102º prevê que quando uma empresa de grande porte tem negócios com uma empresa de menor porte, ela não pode se valer de seu poder de negociação para dificultar as relações entre os seus fornecedores ou clientes e a concorrência. De acordo com Marcelo Schultes, o citado artigo veda a prática anticoncorrencial que uma empresa pode adotar, por meio do uso da força, para impedir a concorrência adequada, seja por praticar preços predatórios ou desiguais, realizar vendas casadas ou de bundles (pacotes de produtos), negativas de contratação ou licenciamento, com o objetivo de prejudicar concorrentes. Ainda de acordo com o autor, são necessários dois requisitos para a aplicação desse artigo: (i) a empresa deve possuir a condição de domínio de um mercado relevante, o que leva à conclusão de que é necessário investigar aquele mercado de forma a verificar o market share da empresa; (ii) é necessário que se caracterize a prática do abuso desta posição de domínio.[15] José Luís Caramelo Gomes destaca que a enumeração das práticas que podem configurar abuso de posição dominante feita no art. 102º não é exaustiva, podendo haver outras que caracterizem a exploração abusiva do poder de mercado[16].
O art. 106.°, por fim, expande a aplicação das regras de concorrência às empresas públicas, às entidades detentoras de direitos especiais ou exclusivos e às empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse econômico geral e aos monopólios fiscais:
1. No que respeita às empresas públicas e às empresas a que concedam direitos especiais ou exclusivos, os Estados-Membros não tomarão nem manterão qualquer medida contrária ao disposto nos Tratados, designadamente ao disposto nos artigos 18º e 101º a 109º, inclusive.
2. As empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral ou que tenham a natureza de monopólio fiscal ficam submetidas ao disposto nos Tratados, designadamente às regras de concorrência, na medida em que a aplicação destas regras não constitua obstáculo ao cumprimento, de direito ou de facto, da missão particular que lhes foi confiada. O desenvolvimento das trocas comerciais não deve ser afectado de maneira que contrarie os interesses da União.
3. A Comissão velará pela aplicação do disposto no presente artigo e dirigirá aos Estados Membros, quando necessário, as directivas ou decisões adequadas.
Esse artigo deixa claro a adoção, pela TFUE do conceito funcional de empresa, na medida em que estão abrangidas pelas disposições do tratado em relação ao direito da concorrência quaisquer entidades que exerçam atividades econômicas, independentemente de considerações sobre a forma jurídica da entidade ou sobre a forma de seu financiamento. Nesse sentido Martha Asunción Enríquez Prado destaca:
As condutas contra a livre concorrência, praticadas por empresas da UE, recaem sobre acordos e práticas abusivas que restringem a liberdade dos intercâmbios intracomunitários ou ameaçam o comércio comunitário, dificultando cumprir com os objetivos do mercado único.
A forma jurídica da empresa, de direito público ou privado, lugar de estabelecimento, âmbito de atividade ou relações de propriedade são pouco importantes para a defesa da concorrência. Toda pessoa física ou jurídica, coletividade na função de provedor ou comprador de mercadorias, prestações industriais e comerciais que desenvolva uma atividade econômica autônoma está inserida.[17]
3.2 Os auxílios públicos
O art. 107º trata dos auxílios estatais, os quis podem falsear a concorrência no mercado interno seja por impedirem a otimização da alocação dos recursos seja por poderem gerar efeitos semelhantes aos criados pelas barreiras aduaneiras e por outras formas de protecionismo:
1. Salvo disposição em contrário dos Tratados, são incompatíveis com o mercado interno, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados-Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.
2. São compatíveis com o mercado interno:
a) Os auxílios de natureza social atribuídos a consumidores individuais com a condição de serem concedidos sem qualquer discriminação relacionada com a origem dos produtos;
b) Os auxílios destinados a remediar os danos causados por calamidades naturais ou por outros acontecimentos extraordinários;
c) Os auxílios atribuídos à economia de certas regiões da República Federal da Alemanha afectadas pela divisão da Alemanha, desde que sejam necessários para compensar as desvantagens económicas causadas por esta divisão. Cinco anos após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, o Conselho, sob proposta da Comissão, pode adoptar uma decisão que revogue a presente alínea.
3. Podem ser considerados compatíveis com o mercado interno:
a) Os auxílios destinados a promover o desenvolvimento económico de regiões em que o nível de vida seja anormalmente baixo ou em que exista grave situação de subemprego, bem como o desenvolvimento das regiões referidas no artigo 349.o, tendo em conta a sua situação estrutural, económica e social;
b) Os auxílios destinados a fomentar a realização de um projecto importante de interesse europeu comum, ou a sanar uma perturbação grave da economia de um Estado-Membro;
c) Os auxílios destinados a facilitar o desenvolvimento de certas actividades ou regiões económicas, quando não alterem as condições das trocas comerciais de maneira que contrariem o interesse comum;
d) Os auxílios destinados a promover a cultura e a conservação do património, quando não alterem as condições das trocas comerciais e da concorrência na União num sentido contrário ao interesse comum;
e) As outras categorias de auxílios determinadas por decisão do Conselho, sob proposta da Comissão.
Essa previsão do art. 107º demonstra que a Comissão acompanha de perto a intervenção que pode ser promovida pelos Estados no ambiente de concorrência, por meio dos auxílios estatais. Estes auxílios podem assumir diversas formas: empréstimos e subvenções, desagravamentos fiscais, fornecimento de bens e serviços a preços preferenciais e garantias públicas que permitam melhorar a notação de crédito de uma empresa face aos seus concorrentes. Em regra não são permitidos quaisquer auxílios (assumam eles a forma que assumirem) a empresas que estejam em dificuldades financeiras e que não tenham perspectivas de viabilidade econômica.
Mas essa regra têm algumas exceções, concebidas tendo em mente a inexistência de grandes prejuízos para os consumidores ou para as empresas – assim, os auxílios estatais podem ser admitidos se existirem reais perspectivas de que uma empresa em dificuldade (ou mesmo uma nova empresa) se torne rentável ou se a concessão desses auxílios se der no interesse da União Européia (por exemplo, se ajudarem a manter ou a criar postos de trabalho). Nesse sentido, Marcelo Schultes destaca:
“Os auxílios estatais, no entanto, podem assumir um caráter importante para a manutenção da estabilidade do mercado, especialmente em momentos de crise econômica como os vividos por alguns Estados europeus nos últimos anos. Interessante notar que o próprio Tratado traz as soluções para estes casos, no item 3 do artigo 107 do TFUE, no qual enumeram-se ocasiões em que os auxílios estatais podem ser permitidos, a critério da Comissão Europeia, por exemplo: os auxílios destinados a fomentar a realização de um projecto importante de interesse europeu comum, ou a sanar uma perturbação grave da economia de um Estado-membro.”[18]
4 CONFORMAÇÃO DOS PODERES LEGISLATIVO, EXECUTIVO E JUDICIAL NO ÂMBITO DA DEFESA DA CONCORRÊNCIA NA UNIÃO EUROPEIA
Como demonstrado, as bases do direito da concorrência encontram-se disciplinadas no Tratado de Funcionamento da União Europeia (Capítulo I – As regras da concorrência, do Título VII – As regras comuns relativas à concorrência, à fiscalidade e à aproximação das legislações, da Parte III – As políticas e acções internas da União). Apresentado brevemente o direito material aplicável, passa-se a analisar a conformação dos poderes legisltivo, executivo e judicial comunitário no que respeita à defesa da concorrência.
4.1 O poder legislativo
Como exposto, a primeira parte o capítulo 1, que trata sobre as regras da concorrência no TFUE, dispõe sobre as regras aplicáveis às empresas (art. 101º, art. 102º e art. 106º). Serão analisados neste ponto as bases jurídicas para o exercício do poder legislativo comunitário nesta matéria.
O artigo 103.° n.° 1 prevê a competência da União para aprovar os regulamentos e diretivas necessários para a execução dos princípios previstos nos artigos 101.° e 102.°[19] – esses regulamentos e diretivas deverão obedecer os objetivos previstos no n.° 2 do mesmo artigo, quais sejam:
a) Garantir o respeito das proibições referidas no n.° 1 do artigo 101.° e no artigo 102.°, pela cominação de multas e adstrições;
b) Determinar as modalidades de aplicação do n.° 3 do artigo 101.°, tendo em conta a necessidade, por um lado, de garantir uma fiscalização eficaz e, por outro, de simplificar o mais possível o controlo administrativo;
c) Definir, quando necessário, o âmbito de aplicação do disposto nos artigos 101.° e 102.°, relativamente aos diversos sectores económicos;
d) Definir as funções respectivas da Comissão e do Tribunal de Justiça da União Européia quanto à aplicação do disposto no presente número;
e) Definir as relações entre as legislações nacionais e as disposições constantes da presente secção ou as adoptadas em execução do presente artigo.
A aprovação dos citados regulamentos e diretivas é feita por meio de processo de consulta: havendo proposta da Comissão, após consulta ao Parlamento Europeu, o Conselho delibera[20], sendo necessária maioria qualificada para aprovação (nos termos do art. 16.° Tratado da União Europeia).
Quanto à segunda seção, que trata dos auxílios concedidos pelos Estados (art. 107°), o art. 108.°[21] prevê as regras processuais para aplicação e execução do art. 107.° e o art. 109.°[22] prevê a competência legislativa do Conselho na matéria, segundo processo de consulta.
4.2 O poder regulamentar
Segundo José Luís Caramelo Gomes, o poder legislativo em direito da concorrência pode ser exercido pela Comissão Europeia no que respeita à criação das chamadas isenções por categoria referidas no nº 3 do art. 101º TFUE, nos termos do art. 105, nº 3 TFUE – é o que se pode denominar de poder regulamentar, na medida em que o que está em causa é a produção de regulamentos da Comissão executando regulamentos de base do Conselho[23] (o Conselho faz os regulamentos nos termos do art. 103.°, b e a Comissão regulamenta-os nos termos do art. 105.°, 3):
A Comissão pode adoptar regulamentos relativos às categorias de acordos a respeito dos quais o Conselho tenha adoptado um regulamento ou uma directiva em conformidade com a alínea b) do nº 2 do artigo 103º.
Cite-se os seguintes Regulamentos de base do Conselho, que permitem a Comissão Europeia exercer seu poder regulamentar:
a) Regulamento 19 do Conselho, de 2 de março de 1965 – permite Comissão Europeia regulamentar isenções por categoria à proibição estabelecida no art. 101º, nº 1 TFUE;
b) Regulamento (CEE) n.° 2821/71 do Conselho de 20 de dezembro de 1971 – também habilita a Comissão Europeia a regulamentar isenções por categoria;
c) Regulamento (CEE) n.° 3976/87 do Conselho de 14 de dezembro de 1987, substituído pelo Regulamento (CE) n.° 487/2009 do Conselho de 25 de maio de 2009 – permitem à Comissão estabelecer isenções por categoria no setor de transporte aéreo;
d) Regulamento (CEE) n.° 1534/91 do Conselho de 31 de maio de 1991 – habilita a Comissão a estabelecer isenções por categoria na atividade seguradora;
e) Regulamento (CE) n.° 246/2009 do Conselho de 26 de fevereiro de 2009 – permite à Comissão a estabelecer isenções por categoria na atividade de transporte marítimo.
4.3 O poder executivo
4.3.1 A Comissão Européia
Compete à Comissão a aplicação e a fiscalização das regras relativas à defesa da concorrência, seja quanto a acordos, práticas concertadas e decisões de associações de empresas (art. 101.°, art. 106º c/c art. 105.° TFUE), seja quanto ao abuso de posição dominante (art. 102.°, art. 106º c/c 105.° TFUE) seja em relação aos auxílios públicos (art. 107.° c/c 108.° TFUE).
Conforme art. 105.°, em caso de violação dos art. 101.° (práticas concertadas e decisões de associações de empresas) ou 102.° (abuso de posição dominante), a Comissão deverá instruir os processos em que haja indícios de infração. Verificando a ocorrência da infração, a Comissão deverá adotar meios adequados para fazê-la cessar. Se persistir, a Comissão declarará, em decisão fundamentada, que foi verificada a infração aos princípios dos art. 101.° ou 102.°, podendo publicar essa decisão e autorizar os Estados-membros a tomarem as medidas necessárias para sanar a situação (a Comissão fixará as condições e modalidades dessas medidas):
1. Sem prejuízo do disposto no artigo 104º, a Comissão velará pela aplicação dos princípios enunciados nos artigos 101º e 102º. A pedido de um Estado-Membro, ou oficiosamente, e em cooperação com as autoridades competentes dos Estados-Membros, que lhe prestarão assistência, a Comissão instruirá os casos de presumível infracção a estes princípios. Se a Comissão verificar que houve infracção, proporá os meios adequados para se lhe pôr termo.
2. Se a infracção não tiver cessado, a Comissão declarará verificada essa infracção aos princípios, em decisão devidamente fundamentada. A Comissão pode publicar a sua decisão e autorizar os Estados-Membros a tomarem as medidas, de que fixará as condições e modalidades, necessárias para sanar a situação.
3. A Comissão pode adoptar regulamentos relativos às categorias de acordos a respeito dos quais o Conselho tenha adoptado um regulamento ou uma directiva em conformidade com a alínea b) do nº 2 do artigo 103º.
4.3.2 O Regulamento 17/1962 do Conselho da Comunidade Econômica Europeia
Até o ano de 2004, a defesa da concorrência era realizada pela Direção Geral da Concorrência da Comissão Européia, com poder centralizado para aplicar as normas relativas ao tema diretamente às empresas e aos Estados-membros. A atuação do Conselho em sede de política de concorrência era mais restrita[24], de forma que a política de defesa da concorrência ligava-se mais à defesa de interesses comunitários do que aos interesses estritamente estaduais[25].
Os poderes da Comissão na matéria de defesa da concorrência foram delineados pela primeira vez no Regulamento 17/1962, primeiro regulamento para execução dos artigos 85 e 86 do Tratado da Comunidade Européia. Esse regulamento trazia os seguintes objetivos: promover a aplicação equilibrada dos, então, artigos 85.° e 86.°, de maneira uniforme nos Estados-membros e assegurar uma eficaz aplicação das regras de execução do então artigo 85.° n.° 3 (artigo 101.°. n.° 3 TFUE actualmente), sem sobrecarregar as empresas com um controle administrativo demasiado pesado.[26]
Para atingir esses objetivos, o Regulamento 17/1992 previu as seguintes regras:
a) A desnecessidade da declaração prévia da proibição dos acordos, decisões, práticas e abusos previstos nos artigos 85.° (artigo 101.° TFUE actualmente) e 86.° (artigo 102.° TFUE actualmente);
b) Um sistema de notificações prévias à Comissão dos acordos, decisões e práticas concertadas potencialmente abrangidos pelos artigos 85.° (artigo 101.° TFUE actualmente) e 86.° (artigo 102.° TFUE actualmente) do Tratado, dotando esta Instituição do poder de emitir as chamadas comfort letters ou certificados negativos;
c) O poder da Comissão dirigir às empresas ou associações de empresas recomendações e decisões tendentes a fazer cessar as infrações aos artigos 85.° (artigo 101.° TFUE actualmente) e 86.° (artigo 102.° TFUE actualmente), bem como o poder de lhes aplicar multas e adstrições;
d) Um contencioso de plena jurisdição junto do Tribunal de Justiça relativamente às decisões da Comissão que aplicassem multas ou adstrições.[27]
No exercícios dos poderes disciplinados pelo Regulamento 17/1962, a Comissão adotou vasta prática de decisões referentes à matéria, que lhe permitiram, após a aprovação do Regulamento 19/1965 adotar o conjunto das isenções por categoria vistas acima.
4.3.3 O Regulamento 1/2003 do Conselho da União Europeia
O Regulamento 1/2003 trata da aplicação das regras de concorrência previstas nos art. 101.° e 102.° do TFUE. Revogou quase todo o Regulamento 17/1962 – só permaneceu em vigor o art. 8°, n.° 3, que trata do poder de revogação ou alteração das decisões da Comissão relativas ao art. 85.° n.° 3 CE (hoje artigo 101.°, n.° 3 TFUE).
O citado regulamento trouxe grande inovação: previu competência para que as autoridades de concorrência dos Estados-membros aplicassem, paralelamente com a Comissão Européia, as normas de concorrência constantes dos artigos 101.° e 102.° da TFUE, sob o controle do Tribunal de Justiça e dos Tribunais nacionais. Com isso, verificou-se a necessidade de definição de regras quanto ao arranjo das competências das diversas entidades envolvidas – dessa articulação, nasceu a Rede Européia de Concorrência.
Tanto o Regulamento 1/2003 quanto o Regulamento 17/1962 adotaram a mesma sistemática, segundo a qual não é necessária decisão prévia para os efeitos de se considerar:
a) Proibidos os acordos, decisões e práticas concertadas referidos no n.° 1 do art. 101.° TFUE (n.° 1 do art. 81.° TCE), que não se enquadrarem nas condições de afastamento da proibição previstas no n.° 3 do mesmo artigo, bem como a exploração abusiva de uma posição dominante nos termos do art. 102.° TFUE;
b) Permitidos os acordos, decisões e práticas concertadas referidos no n.° 1 do art. 101.° TFUE (n.° 1 do art. 81.° TCE), que se enquadrarem nas condições de afastamento da proibição previstas no n.° 3 do mesmo artigo.
4.3.4 A rede européia de concorrência (REC)
A REC é uma rede dirigida pela Direção Geral de Concorrência da União Européia. Considerando a possibilidade de atuação integrada da Comissão Européia e as autoridades nacionais de defesa de concorrência, a idéia de criação da rede foi possibilitar a troca de informações acerca da aplicação das regras de defesa de concorrência (art. 101.° e 102.° TFUE) bem como a divisão de processos dessa matéria quando exista possibilidade de sobreposição de jurisdição entre as autoridades que a integram.
A Comissão editou Comunicação sobre a cooperação no âmbito da rede de autoridades de concorrência[28], estabelecendo alguns princípios para a atuação conjunta e em cooperação entre a Comissão e as autoridades nacionais responsáveis pela defesa da concorrência, e entre as próprias entidades nacionais. Essas autoridades formam a Rede Europeia de Concorrência (REC) – fundada na proteção do interesse público, a rede atua na defesa da concorrência; o objetivo é que a rede se constitua um ambiente de debate e cooperação para a aplicação e execução da política comunitária em matéria de concorrência, criando uma cultura comum de concorrência na União Europeia.[29]
A estrutura das autoridades nacionais competentes para aplicação das normas de defesa de concorrência varia entre os Estados-membros. Em alguns, uma mesma entidade instrui e decide os processos; em outros, essas funções estão divididas entre entidades diferentes. Por fim, em alguns Estados, as decisões proibitivas e/ou sancionatórias só podem ser tomadas por um tribunal. Mas todos os Estados-membros têm a obrigação de estipular um sistema de sanções efetivas, proporcionais e dissuadoras para as infrações às normas comunitárias. Embora os sistemas de execução dos Estados-membros sejam diferentes, eles reconhecem mutuamente as normas dos sistemas uns dos outros como base de cooperação.
Como a REC baseia-se em um sistema de competências paralelas previsto no Regulamento 1/2003, deve ser assegurada a repartição eficiente do trabalho e a aplicação eficaz e harmônica das normas comunitárias sobre concorrência. Os eventuais conflitos de competências são resolvidos de acordo com o princípio da atribuição. As competências podem ser articuladas de formas diversas: uma autoridade de concorrência desenvolve o processo (sozinha ou com a colaboração de outras); várias autoridades trabalham em paralelo; ou a própria Comissão Europeia assume o processo.
4.4 O poder judicial
O direito comunitário da concorrência é aplicado às empresas pela Comissão e pelas autoridades nacionais de concorrência de acordo com as regras e competências estatuídas nos Tratados e no Regulamento 1/2003. Como a União Européia está fundeada em uma ordem jurídica de fins gerais ancorada no princípio do Estado de Direito, todas as decisões são baseadas no princípio da legalidade, e, por conseqüência, submetem-se ao controle judiciário.
O Tribunal Geral é o competente para analisar as decisões tomadas pela Comissão Européia (art. 256 e 263 TFUE) – o recurso de anulação, destinado ao tribunal, pode estar embasado em incompetência, violação de formalidades essenciais, violação do Tratado ou de qualquer norma adotada pelas Instituições em sua execução ou em desvio de poder.
Já as jurisdições nacionais podem ser acionadas para aplicação dos artigos 101.° e 102.° TFUE em processos cíveis, administrativos e penais. Caso a aplicação do direito comunitário seja acompanhada da aplicação simultânea do direito nacional de concorrência, o emprego desse último deve submeter-se à solução prevista pelo direito comunitário, obedecendo, assim, ao princípio do primado[30].
O princípio de cooperação entre os tribunais está disposto no n.° 3 do artigo 4° Tratado da União Europeia e o Regulamento 1/2003 prevê três tipos de cooperação: que os tribunais nacionais enviem à Comissão documentos necessários para a emissão de pareceres ou informações, relativos aos processos pendentes nas jurisdições nacionais; que os tribunais transmitam as sentenças em que apliquem os artigos 101.° e 102.° TFUE; e que as autoridades jurisdicionais dos Estados membros cumpram seu dever de cooperação no exercício dos poderes fiscalizatórios da União Européia.
5 CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto, é possível concluir que a proteção à concorrência tem sido considerada, desde o início do processo de integração, como ponto sensível e essencial ao ordenamento jurídico geral da União Europeia. É que as normas comunitárias que regulam a livre concorrência e a livre iniciativa asseguram a integração do mercado comum, inibindo formas diretas ou indiretas de discriminação ou de proteção nacional, seja de ordem legal, privada ou por parte do Estado-Membro que imponham condições aos concorrentes. Assim, permite-se o livre desenvolvimento do mercado europeu, o que influencia também em todos os demais setores da UE, facilitando a circulação de bens, de pessoas, os avanços tecnológicos e buscando proporcionar o desenvolvimento da economia dos Estados-Membros.
Verificou-se que à Comissão Européia foram concedidos poderes para garantir o respeito das regras comunitárias de concorrência. Dentre suas atribuições, pode-se citar: a adoção de medidas contra práticas comerciais restritivas da concorrência, o exame de concentrações para averiguar seu impacto sobre a concorrência, o implemento de práticas de concorrência em setores anteriormente controlados por monopólios estatais, o controle de apoios financeiros concedidos às empresas pelos Estados-membros da União Europeia e a cooperação com outras autoridades da concorrência em todo o mundo. Esses poderes, por outro lado, estão sujeitos a controle jurisdicional do Tribunal Geral.
Assim, evidenciou-se que as empresas que se submetem às regras da União Européia não têm completa liberdade de agir: não têm ampla faculdade, por exemplo, de fixar preços aleatoriamente ou de repartir os mercados entre si; se uma delas desfruta de posição dominante em determinado mercado, não pode adotar práticas que levem à exclusão de seus concorrentes; não podem realizar fusões que lhes confiram, na prática, posição dominante no mercado. Todas essas atividades que possam prejudicar ou falsear a concorrência serão submetidas análise da Comissão, e, além de poderem ser consideradas nulas, poderão receber pesadas sanções pecuniárias.
Pode se concluir, por fim, que as atividades referentes à defesa da concorrência na União Europeia buscam alcançar os objetivos de garantir a eficiência dos mercados por meio da livre concorrência e de promover e garantir a realização do mercado interno, pela integração das economias, mas sem se descuidarem do objetivo maior da UE, que é a promoção do bem estar dos seus povos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SCHULTES, Marcelo. O controle concorrencial: Regulador do Mercado Interno na União Europeia. In Direito em Debate – Revista do Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais da Unijuí. Ano XXII nº 39, jan.-jun. 2013, p. 24-40. Disponível em <https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/revistadireitoemdebate/article/viewFile/503/1494> Acesso em 17 out 2014.
[1] SCHULTES, Marcelo. O controle concorrencial: Regulador do Mercado Interno na União Europeia. In Direito em Debate – Revista do Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais da Unijuí. Ano XXII nº 39, jan.-jun. 2013, p. 24-40. Disponível em <https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/revistadireitoemdebate/article/viewFile/503/1494> Acesso em 17 out 2014. O autor ainda destaca a importância da regulação dos auxílios estatais no âmbito da União Europeia, em virtude das últimas crises econômicas e das tentativas dos Estados de ajudarem a erguer suas economias.
[2] O Guia Prático do CADE (CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA – CADE. Guia Prático do CADE: a defesa da concorrência no Brasil. 3ª ed. revista, ampliada e bilíngue. São Paulo: CIEE, 2007) ressalta a importância da concorrência: “A livre concorrência disciplina os ofertantes de bens e serviços de forma a manterem os seus preços nos menores níveis possíveis, sob o risco de que outras empresas conquistem seus clientes. Em tal ambiente, a única maneira de obter lucros adicionais é a introdução de novas formas de produzir que reduzam custos em relação aos concorrentes. Além disso, as empresas atuantes em um mercado de livre concorrência tendem a ficar afinadas com os desejos e expectativas dos consumidores, porque estão permanentemente ameaçadas por produtos de qualidade superior ou por novos produtos. Portanto, a livre concorrência, além de garantir os menores preços para o consumidor e maior leque de escolha de produtos, também estimula a criatividade e a inovação. Nas economias de mercado, baseadas na livre concorrência, os preços refletem a escassez relativa de bens e serviços e sinalizam a necessidade de investimentos e a melhor aplicação dos recursos da sociedade.” No mesmo sentido, Eugênio Battesini (Direito e economia da concorrência: concentração vertical na União Européia. In Publicações da Escola da AGU - Debates em Direito da Concorrência. Brasília: Advocacia-Geral da União, 2011, p. 177) ressalta: “a percepção de que a competição entre os agentes econômicos conduz à melhoria do bem-estar social por aumentar a eficiência alocativa (produzindo o que os consumidores querem, conforme demonstrado por sua disposição a pagar), por aumentar a eficiência produtiva (produzindo bens e serviços ao menor custo, usando o mínimo de recursos) e por encorajar o progresso técnico (recompensando inovações) conduz a livre concorrência à posição de fundamento da ordem econômica no Estado democrático contemporâneo.”
[3] GOMES, José Luís Caramelo. Lições de direito da concorrência. 1ª ed. Coimbra: Almedina, 2010, p. 111 e 112.
[4] “A União dispõe de competência exclusiva nos seguintes domínios: (…) b) estabelecimento das regras de concorrência necessárias ao funcionamento do mercado interno”.
[5] GOMES, José Luís Caramelo. Lições de direito da concorrência. 1ª ed. Coimbra: Almedina, 2010, p. 117.
[6] Hélio Rigor Rodrigues (Direito Comunitário da concorrência - proibição estabelecida no artigo 81.º, n.º 1 TCE e acordos permitidos pela excepção do artigo 81.º, n.º 3 TCE. Verbo jurídico, 2008. Disponível em <http://www.verbojuridico.com/doutrina/outros/direitocomunitarioconcorrencia.pdf> Acesso 19 out 2014) destaca que o princípio da subsidiariedade se aplica-se naqueles casos em que exista uma competência partilhada entre os Estados Membros e a união Europeia, casos em que deve ser observada a regra prevista no artigo 5º, nº 3 do Tratado da União Europeia: segundo o qual “em virtude do princípio da subsidiariedade, nos domínios que não sejam da sua competência exclusiva, a União intervém apenas se e na medida em que os objectivos da acção considerada não possam ser suficientemente alcançados pelos Estados-Membros, tanto ao nível central como ao nível regional e local, podendo contudo, devido às dimensões ou aos efeitos da acção considerada, ser mais bem alcançados ao nível da União.” O autor relembra que especificamente em relação ao direito da concorrência, embora em uma primeira fase a Comissão tenha defendido que se tratava de competência exclusiva da Comunidade, passou posteriormente a entender que se tratava de uma competência compartilhada. Mas adverte: “contudo, o princípio da subsidiariedade não pode ser aplicável nestes casos sem mais, na medida em que se estabelecem proibições com efeito directo, podendo por isso surgir apenas a questão de saber a quem compete aplicar as sanções resultantes das infracções aos artigos 81º e 82º”.
[7] PRADO, Martha Asunción Enríquez. Aplicação do Direito da Concorrência na União Europeia e o Protocolo de Fortaleza para o Mercosul. SCIENTIA IURIS, Londrina, v. 12, p. 117-138, 2008. Disponível em http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/iuris/article/view/4157/3610. Acesso em 16 out 2014. A autora ainda acrescenta: “Além das fontes mencionadas, as autoridades de órgãos administrativos, tribunais de defesa da concorrência e órgãos jurisdicionais obtêm informações necessárias da Comissão, e no âmbito processual, os órgãos jurisdicionais nacionais dos Estados-Membros contam com o Procedimento Prejudicial, previsto no artigo 234 do TCE, que permite ao juiz nacional submeter o caso perante o Tribunal de Justiça das Comunidades Européias–TJCE, que decidirá o acórdão interpretativo e vinculante para ambas as partes. O juiz nacional dispõe do procedimento, previamente tramitado na Comissão, que lhe permite avaliar a posição da Comissão no mesmo assunto, podendo o juiz confirmar a opinião da Comissão ou expor a questão ao TJCE para sua interpretação, em caráter prejudicial e, não havendo dúvidas quanto à aplicabilidade ou inaplicabilidade das disposições comunitárias, o juiz nacional deve dar andamento ao processo e decidir sem interrupção. A Comissão e o TJCE elaboraram, também, orientações gerais destinadas a facilitar a tarefa dos tribunais, mas não interferem na independência dos órgãos jurisdicionais nacionais.”
[8] GOMES, José Luís Caramelo. Lições de direito da concorrência. 1ª ed. Coimbra: Almedina, 2010, p. 149.
[9] PRADO, Martha Asunción Enríquez. Aplicação do Direito da Concorrência na União Europeia e o Protocolo de Fortaleza para o Mercosul. SCIENTIA IURIS, Londrina, v. 12, p. 117-138, 2008. Disponível em http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/iuris/article/view/4157/3610. Acesso em 16 out 2014.
[10] Marcelo Schultes (O controle concorrencial: Regulador do Mercado Interno na União Europeia. In Direito em Debate – Revista do Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais da Unijuí. Ano XXII nº 39, jan.-jun. 2013, p. 24-40. Disponível em <https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/revistadireitoemdebate/article/viewFile/503/1494> Acesso em 17 out 2014) exemplifica algumas dessas práticas passíveis de falsear ou restringir a concorrência: “fixação de preços ou condições de transação, limitação ou controle de produção, distribuição, desenvolvimento técnico ou investimentos, repartição de mercados ou de fontes de matéria-prima, oferecimento de condições desiguais a parceiros comerciais e subordinação de contratações ao aceite de prestações em desacordo com as boas práticas comerciais”.
[11] GOMES, José Luís Caramelo. Lições de direito da concorrência. 1ª ed. Coimbra: Almedina, 2010, p. 152.
[12] GOMES, José Luís Caramelo. Lições de direito da concorrência. 1ª ed. Coimbra: Almedina, 2010, p. 165 e 166.
[13] GOMES, José Luís Caramelo. Lições de direito da concorrência. 1ª ed. Coimbra: Almedina, 2010, p. 167.
[14] COMISSÃO EUROPEIA – Comunicação da Comissão sobre as Orientações relativas à aplicação do n.º 3 do artigo 101.º do TFUE (antigo n.º 3 do artigo 81.º do TCE). Disponível em <http://europa.eu/legislation_summaries/competition/firms/l26114_pt.htm> Acesso 19 out 2014.
[15] SCHULTES, Marcelo. O controle concorrencial: Regulador do Mercado Interno na União Europeia. In Direito em Debate – Revista do Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais da Unijuí. Ano XXII nº 39, jan.-jun. 2013, p. 24-40. Disponível em <https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/revistadireitoemdebate/article/viewFile/503/1494> Acesso em 17 out 2014.
[16] GOMES, José Luís Caramelo. Lições de direito da concorrência. 1ª ed. Coimbra: Almedina, 2010, p. 169.
[17] PRADO, Martha Asunción Enríquez. Aplicação do Direito da Concorrência na União Europeia e o Protocolo de Fortaleza para o Mercosul. SCIENTIA IURIS, Londrina, v. 12, p. 117-138, 2008. Disponível em http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/iuris/article/view/4157/3610. Acesso em 16 out 2014.
[18] SCHULTES, Marcelo. O controle concorrencial: Regulador do Mercado Interno na União Europeia. In Direito em Debate – Revista do Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais da Unijuí. Ano XXII nº 39, jan.-jun. 2013, p. 24-40. Disponível em <https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/revistadireitoemdebate/article/viewFile/503/1494> Acesso em 17 out 2014.
[19] GOMES, José Luís Caramelo. Lições de direito da concorrência. 1ª ed. Coimbra: Almedina, 2010, p. 120.
[20] “Os regulamentos ou directivas necessários à aplicação dos princípios constantes dos artigos 101º e 102º serão estabelecidos pelo Conselho, sob proposta da Comissão, após consulta do Parlamento Europeu.”
[21] “1. A Comissão procederá, em cooperação com os Estados-Membros, ao exame permanente dos regimes de auxílios existentes nesses Estados. A Comissão proporá também aos Estados-Membros as medidas adequadas, que sejam exigidas pelo desenvolvimento progressivo ou pelo funcionamento do mercado interno.
2. Se a Comissão, depois de ter notificado os interessados para apresentarem as suas observações, verificar que um auxílio concedido por um Estado ou proveniente de recursos estatais não é compatível com o mercado interno nos termos do artigo 107º, ou que esse auxílio está a ser aplicado de forma abusiva, decidirá que o Estado em causa deve suprimir ou modificar esse auxílio no prazo que ela fixar.
Se o Estado em causa não der cumprimento a esta decisão no prazo fixado, a Comissão ou qualquer outro Estado interessado podem recorrer directamente ao Tribunal de Justiça da União Europeia, em derrogação do disposto nos artigos 258º e 259º.
A pedido de qualquer Estado-Membro, o Conselho, deliberando por unanimidade, pode decidir que um auxílio, instituído ou a instituir por esse Estado, deve considerar-se compatível com o mercado interno, em derrogação do disposto no artigo 107º ou nos regulamentos previstos no artigo 109º, se circunstâncias excepcionais justificarem tal decisão. Se, em relação a este auxílio, a Comissão tiver dado início ao procedimento previsto no primeiro parágrafo deste número, o pedido do Estado interessado dirigido ao Conselho terá por efeito suspender o referido procedimento até que o Conselho se pronuncie sobre a questão.
Todavia, se o Conselho não se pronunciar no prazo de três meses a contar da data do pedido, a Comissão decidirá.
3. Para que possa apresentar as suas observações, deve a Comissão ser informada atempadamente dos projectos relativos à instituição ou alteração de quaisquer auxílios. Se a Comissão considerar que determinado projecto de auxílio não é compatível com o mercado interno nos termos do artigo 107º, deve sem demora dar início ao procedimento previsto no número anterior. O Estado-Membro em causa não pode pôr em execução as medidas projectadas antes de tal procedimento haver sido objecto de uma decisão final.
4. A Comissão pode adoptar regulamentos relativos às categorias de auxílios estatais que, conforme determinado pelo Conselho nos termos do artigo 109º, podem ficar dispensadas do procedimento previsto no nº 3 do presente artigo.”
[22] “O Conselho, sob proposta da Comissão, e após consulta do Parlamento Europeu, pode adoptar todos os regulamentos adequados à execução dos artigos 107º e 108º e fixar, designadamente, as condições de aplicação do nº 3 do artigo 108º e as categorias de auxílios que ficam dispensadas desse procedimento.”
[23] GOMES, José Luís Caramelo. Lições de direito da concorrência. 1ª ed. Coimbra: Almedina, 2010, p. 122.
[24] Ao que parece, a situação vem se modificando – veja-se a respeito, apenas a título ilustrativo, a reportagem do The Wall Street Journal, de 04.07.2014, intitulada “Órgão antitruste da UE expande sua alçada e gera receios”, disponível em <http://br.wsj.com/articles/SB10001424052702303674604580007730696545768>.
[25] GOMES, José Luís Caramelo. Lições de direito da concorrência. 1ª ed. Coimbra: Almedina, 2010, p. 132 e 133.
[26] GOMES, José Luís Caramelo. Lições de direito da concorrência. 1ª ed. Coimbra: Almedina, 2010, p. 133.
[27] GOMES, José Luís Caramelo. Lições de direito da concorrência. 1ª ed. Coimbra: Almedina, 2010, 133 e 134
[28] COMISSÃO EUROPEIA – Comunicação da Comissão sobre a cooperação no âmbito da rede de autoridades de concorrência (2004/C 101/3). Disponível em: <http://eurlex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2004:101:0043:0053:PT:PDF>. Acesso em 18 out 2014.
[29] GOMES, José Luís Caramelo. Lições de direito da concorrência. 1ª ed. Coimbra: Almedina, 2010, p. 138 e 139.
[30] Nesse sentido, Joaquim Caimoto Duarte e Tânia Luísa Faria (A aplicação do direito da concorrência da União Europeia pelos tribunais comuns em Portugal (Ac. Relação do Porto de 12.04.2010). In Actualidad Jurídica Uría Menéndez 26-2010. Disponível em <http://www.uria.com/documentos/publicaciones/2592/documento/articuloUM.pdf?id=3022> Acesso 22 out 2014): Em face deste enquadramento normativo, os tribunais nacionais podem decidir em sede dos Artigos 101.º e 102.º do TFUE, sem que seja necessário aplicar paralelamente o direito nacional da concorrência. Em caso de disposições contraditórias, o princípio geral da primazia do direito comunitário exige que os tribunais nacionais não apliquem qualquer disposição do direito nacional que seja contrária às regras primeiramente referidas, seja esta disposição nacional anterior ou posterior à disposição comunitária.”
Procuradora Federal; Procuradora-Chefe substituta da Divisão de Assuntos Disciplinares da PGF. Mestra em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto/Portugal. Doutoranda em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto/Portugal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GONTIJO, Danielly Cristina Araújo. Breves notas sobre a defesa da concorrência na União Europeia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42525/breves-notas-sobre-a-defesa-da-concorrencia-na-uniao-europeia. Acesso em: 23 dez 2024.
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