RESUMO: O presente artigo tem como objetivo contribuir para o estudo da responsabilização do parecerista jurídico no âmbito da Administração Pública, pelas manifestações que subsidiam a atuação do gestor, notadamente no que se refere à manifestação prevista no artigo 38, parágrafo único, da Lei 8.666/93.
Palavras-chave: parecerista jurídico, administração pública, responsabilização.
ABSTRACT: This article aims to contribute to the study of public consultant's responsabilty in Public Administration for their legal opinios that support the manager's performance.
Keywords: public consultant, public administration, responsability.
1. O PAPEL DO PARECERISTA JURÍDICO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A Constituição Federal estabelece, em seu Capítulo IV, como função essencial à justiça, a advocacia pública de Estado, tanto da União, representada pela Advocacia-Geral da União, quanto dos Estados, representada pelas procuradorias estaduais.
A advocacia de Estado, diante da nova ordem constitucional, passou a ter um importante papel de consultoria e assessoramento do Poder Executivo, além de sua tradicional atuação contenciosa.
Essa atribuição de consultoria ganhou maior relevância em um contexto de controle dos atos públicos. Atualmente, há uma grande preocupação de que os atos emanados pelo Poder Público estejam em conformidade não apenas com a lei, mas com todas as normas constitucionais, a fim de que possam ser considerados legítimos, econômicos e eficientes.
Nesse contexto, importa observar que houve um fortalecimento dos mecanismos de controle na Administração Pública, tanto do ponto de vista externo, do qual é titular o Poder Legislativo, com auxílio técnico do Tribunal de Contas, como do ponto de vista interno, representado pelas controladorias internas e assessorias jurídicas dos órgãos do Poder Executivo, os quais devem sempre velar e verificar o cumprimento do ordenamento jurídico nas suas esferas de atuação.
Desse modo, a advocacia de Estado desempenha a relevante função de primar para que os atos emanados do Poder Executivo estejam em conformidade com as normas constitucionais e legais pertinentes.
Diante desse cenário, surgem divergências sobre a extensão da responsabilidade do advogado público, na condição de parecerista jurídico, em relação aos atos emanados pelo gestor público.
Há algumas vozes que advogam a ideia de que o parecerista jurídico, diante do seu dever constitucional de emitir manifestações técnicas em conformidade com o que dispõe o ordenamento jurídico, deveria ser responsabilizado solidariamente com o gestor que pratica de fato o ato, em uma interpretação extensiva das atribuições do parecerista jurídico.
Por outro lado, parte significativa da doutrina e jurisprudência entendem que o parecerista jurídico não poderia ser responsabilizado solidariamente com o gestor público, exceto em casos de erro grave ou culpa.
Diante dessas considerações, percebe-se que o tema é de grande relevância para o estudo do controle na Administração Pública e merece uma análise cautelosa, que demanda conhecimento da jurisprudência e de entendimentos doutrinários relacionados.
2. RESPONSABILIZAÇÃO DO PARECERISTA JURÍDICO
2.1. JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Da análise dos julgados do Supremo Tribunal Federal a respeito da matéria ora em comento, percebe-se que não há uniformidade (ao contrário, há uma oscilação) de posicionamentos sobre natureza do parecer jurídico – notadamente o parecer emitido com fulcro no art. 38 da Lei 8.666/93 – como se afere das decisões proferidas ao longo dos últimos anos.
Veja-se, inicialmente, o entendimento exarado no Mandando de Segurança nº 24.073:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE CONTAS. TOMADA DE CONTAS: ADVOGADO. PROCURADOR: PARECER. CF., art. 70, parág. único, art. 71, II, art. 133. Lei nº 8.906, de 1994, art. 2º, § 3º, art. 7º, art. 32, art. 34, IX.
I. - Advogado de empresa estatal que, chamado a opinar, oferece parecer sugerindo contratação direta, sem licitação, mediante interpretação da lei das licitações. Pretensão do Tribunal de Contas da União em responsabilizar o advogado solidariamente com o administrador que decidiu pela contratação direta: impossibilidade, dado que o parecer não é ato administrativo, sendo, quando muito, ato de administração consultiva, que visa a informar, elucidar, sugerir providências administrativas a serem estabelecidas nos atos de administração ativa. Celso Antônio Bandeira de Mello, "Curso de Direito Administrativo", Malheiros Ed., 13ª ed., p. 377.
II. - O advogado somente será civilmente responsável pelos danos causados a seus clientes ou a terceiros, se decorrentes de erro grave, inescusável, ou de ato ou omissão praticado com culpa, em sentido largo: Cód. Civil, art. 159; Lei 8.906/94, art. 32. III. - Mandado de Segurança deferido.
(STF - MS 24073 / DF - DISTRITO FEDERAL - Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO - Julgamento: 06/11/2002 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno - Publicação: DJ 31-10-2003)
Neste julgado, o Ministro Relator rechaça veementemente a hipótese de responsabilização do parecerista jurídico, sob o argumento de que o parecer não é o ato administrativo decisório em si, mas tão somente ato de administração consultiva.
Em 2008, contudo, houve uma ruptura do posicionamento anterior. O Ministro Marco Aurélio, relator do Mandado de Segurança 24.584/DF, julgado em 09/08/2007, entendeu cabível a responsabilização do parecerista jurídico na hipótese do artigo 38 da Lei nº 8.666/93. Vejamos a ementa do julgado:
ADVOGADO PÚBLICO - RESPONSABILIDADE - ARTIGO 38 DA LEI Nº 8.666/93 - TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO - ESCLARECIMENTOS. Prevendo o artigo 38 da Lei nº 8.666/93 que a manifestação da assessoria jurídica quanto a editais de licitação, contratos, acordos, convênios e ajustes não se limita a simples opinião, alcançando a aprovação, ou não, descabe a recusa à convocação do Tribunal de Contas da União para serem prestados esclarecimentos.
Ainda no bojo do julgado supramencionado, o (então) Ministro Joaquim Barbosa expôs, em seu voto, referência sobre a natureza jurídica dos pareces no âmbito da administração pública. Essa doutrina ficou mais conhecida e passou a ser amplamente adotada pelos tribunais pátrios a partir de um outro mandado de segurança ( 24.631/DF), do qual ele próprio foi relator.
No referido mandamus, o Supremo Tribunal Federal teve oportunidade de manifestar-se sobre a responsabilidade do parecerista em caso concreto que envolvia, novamente, o Tribunal de Contas da União. Na hipótese, o STF analisou ato do TCU que incluiu procurador autárquico entre os responsáveis por irregularidades encontradas em auditoria realizada no Departamento Nacional de Estradas de Rodagem – DNER e determinou sua audiência, para que apresentasse razões de justificativa para o pagamento de acordo extrajudicial ocorrido em processos administrativos nos quais já havia precatório emitido, sem homologação da justiça.
Vejamos o que decidiu o STF:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONTROLE EXTERNO. AUDITORIA PELO TCU. RESPONSABILIDADE DE PROCURADOR DE AUTARQUIA POR EMISSÃO DE PARECER TÉCNICO-JURÍDICO DE NATUREZA OPINATIVA. SEGURANÇA DEFERIDA. I. Repercussões da natureza jurídico-administrativa do parecer jurídico: (i) quando a consulta é facultativa, a autoridade não se vincula ao parecer proferido, sendo que seu poder de decisão não se altera pela manifestação do órgão consultivo; (ii) quando a consulta é obrigatória, a autoridade administrativa se vincula a emitir o ato tal como submetido à consultoria, com parecer favorável ou contrário, e se pretender praticar ato de forma diversa da apresentada à consultoria, deverá submetê-lo a novo parecer; (iii) quando a lei estabelece a obrigação de decidir à luz de parecer vinculante, essa manifestação de teor jurídica deixa de ser meramente opinativa e o administrador não poderá decidir senão nos termos da conclusão do parecer ou, então, não decidir.
II. No caso de que cuidam os autos, o parecer emitido pelo impetrante não tinha caráter vinculante. Sua aprovação pelo superior hierárquico não desvirtua sua natureza opinativa, nem o torna parte de ato administrativo posterior do qual possa eventualmente decorrer dano ao erário, mas apenas incorpora sua fundamentação ao ato.
III. Controle externo: É lícito concluir que é abusiva a responsabilização do parecerista à luz de uma alargada relação de causalidade entre seu parecer e o ato administrativo do qual tenha resultado dano ao erário. Salvo demonstração de culpa ou erro grosseiro, submetida às instâncias administrativo disciplinares ou jurisdicionais próprias, não cabe a responsabilização do advogado público pelo conteúdo de seu parecer de natureza meramente opinativa. Mandado de segurança deferido.
Essa divisão dos pareceres jurídicos entre i) de consulta facultativa, ii) consulta obrigatória e iii) parecer vinculante, exposta pelo Ministro Joaquim Barbosa, foi bastante elucidativa, porquanto classificou a atividade parecerista, deixando claro que a responsabilidade do agente público está condicionada à natureza do ato que pratica. Disso se infere que, caso se entenda cabível a imputação de responsabilidade ao parecerista jurídico, esta não deve ser feita de maneira indiscriminada ou generalizada, sem a análise detida da natureza do ato que produziu e do nível de influência que tal ato poderia, em potencial, ter/tem na decisão do administrador.
Em relação ao parecer emitido por força do art. 38, parágrafo único, da Lei 8.666/93, há entendimento no Supremo Tribunal Federal no sentido de que se trata de parecer vinculante, senão vejamos:
A responsabilidade do Procurador municipal responsável pela lavratura do parecer encontra fundamento no art. 38, parágrafo único, da Lei 8.666/93, o qual dispõe que ‘As minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração’.
Conforme brilhante lição do Mestre Marçal Justen Filho: ‘a manifestação acerca da validade do edital e dos instrumentos de contratação associa o emitente do parecer ao autor dos atos. Há o dever de ofício de manifestar-se pela invalidade quando os atos contenham defeitos. Não é possível os integrantes da assessoria jurídica pretenderem escapar aos efeitos da responsabilização pessoal quando tiverem atuado defeituosamente no cumprimento de seus deveres: se havia defeito jurídico, tinham o dever de apontá-lo.’
No caso específico dos autos, a natureza do parecer emitido pelo requerido é vinculante, ou seja, a manifestação exarada não é meramente opinativa, revés disso, é determinante para a decisão do administrador, que dele não poderia divergir, se o mesmo apontasse que não era o caso de licitação inexigível.
Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou pela possibilidade de responsabilização solidária do parecerista, já que o administrador decide apoiado na manifestação do setor técnico competente, no julgamento do MS 24584/DF, vejamos: ‘Não há o envolvimento de simples peça opiniativa, mas de aprovação, pelo setor técnico da autarquia, de convênios e aditivos, bem como de ratificações. Portanto, a hipótese sugere a responsabilidade solidária, considerando não só o crivo técnico implementado, como também o ato mediante o qual o administrador sufragou o exame e o endosso procedidos.’
Para ter agido de forma correta, o Procurador deveria ter reprovado, em sua peça, o procedimento de inexigibilidade, pois que incabível na situação fática ou, pelo menos, demonstrado a presença dos requisitos de inexigibilidade. Resta claro, portanto, que o parecer formulado foi fundamental para a contratação da empresa, resultando em grave infração à norma legal. (Inquérito 3.077/AL, Relator: Ministro Dias Toffoli, Julado em 29.03.2012).
Contudo, apesar dessa linha decisória adotada pela Suprema Corte, ainda há severas divergências doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema, sobretudo em razão da dificuldade de se distinguir, nos casos concretos, pareceres obrigatórios dos vinculantes, aspecto o qual será tratado a seguir.
De toda sorte, vale notar que, ainda que se trate de parecer vinculante, a responsabilização não poderá ser objetiva e automática, deve-se perquirir a existência de dolo, culpa grave ou erro grosseiro. Isso porque, ainda nos casos em que o administrador está vinculado às razões do parecer, sempre terá a opção de decidir não praticar o ato, isto é, ainda haverá uma margem, embora pequena, de discricionariedade do gestor.
2.2 JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
O Tribunal de Contas da União, por sua vez, tem adotado uma tese ainda mais ampliativa de responsabilização do parecerista.
Julgados mais antigos daquela Corte de Contas já rechaçavam o argumento de que a responsabilização dos advogados (inclusive os públicos) estaria a cargo tão somente da própria Ordem dos Advogados do Brasil, por força do art. 32 da Lei 8.906/1994.
Uma das principais teses do TCU centra-se no fato de que os pareceristas jurídicos são agentes públicos, de modo que estão submetidos tanto às suas próprias regras disciplinares como também às regras impostas aos servidores públicos, inclusive aquelas atinentes à boa gestão.
Ademais, na visão dessa Corte de Contas, existe um nexo, um liame entre o parecer jurídico feito de forma omissa, desarrazoada (note-se que, mesmo para as teses ampliativas, há sempre necessidade da culpa em sentido amplo ou do erro grosseiro) e o ato praticado pelo gestor com fundamento naquele ato. Nesse sentido, vejamos os seguintes trechos do voto do Ministro Benjamin Zymler, proferido no ano de 2004:
“20. Quanto à suposta impossibilidade de serem os procuradores responsabilizados pelo conteúdo de seus pareceres, cumpre tecer algumas considerações. Entendo que esta Corte não deve excluir, a priori, a responsabilidade de todo e qualquer advogado de entidade fiscalizada pelo TCU, devendo as nuanças e circunstâncias existentes em cada caso concreto serem devidamente examinadas.
21. A responsabilidade do autor de um parecer jurídico deve ser desdobrada em, pelo menos, duas esferas distintas. Na primeira, cuida-se da responsabilidade do advogado pelo exercício profissional da advocacia, cabendo ao Conselho Seccional da OAB, nos termos do art. 32 da Lei nº 8.906/1994, decidir sobre a aplicação de eventuais sanções disciplinares, nas hipóteses discriminadas no Estatuto da Advocacia. Essa apuração não exclui o exercício da jurisdição comum, que ficará a cargo das autoridades judiciais competentes.
22. É importante salientar que, em consonância com o disposto nos incisos IV e XIV do art. 34 do Estatuto da Advocacia, advogar contra literal disposição de lei e deturpar o teor de dispositivo de lei, de citação doutrinária ou de julgado constituem infrações disciplinares.
23. Já na segunda esfera, trata-se da eventual responsabilidade imputada ao autor de parecer jurídico que esteja relacionada com a regularidade da gestão pública federal. Em conformidade com o disposto na Lei nº 8.443/1992, a apuração dessa responsabilidade competirá ao Tribunal de Contas da União.
24. É certo que a atividade de controle externo contempla, entre outros aspectos, a verificação da legalidade, da legitimidade e da economicidade dos atos relacionados com a gestão de recursos públicos no âmbito da fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades federais. O parecer jurídico emitido por consultoria ou assessoria jurídica de órgão ou entidade, via de regra acatado pelo ordenador de despesas, fundamenta e integra a motivação da decisão adotada, estando, por isso, inserido no âmbito de verificação da legalidade, da legitimidade e da economicidade dos atos acima relacionados. Conclui-se que o fato de o autor de parecer jurídico não exercer função de execução administrativa, não ordenar despesas e não utilizar, gerenciar, arrecadar, guardar ou administrar bens, dinheiros ou valores públicos não significa que ele se encontra excluído do rol de agentes que estão sob a jurisdição deste Tribunal.
25. Na esfera da responsabilidade pela regularidade da gestão, é fundamental aquilatar a existência do nexo de causalidade existente entre um parecer desarrazoado, omisso ou tendencioso e atos irregulares praticados pelos gestores públicos. Havendo esse liame, a conduta do autor do parecer poderá ser avaliada pelo TCU, não para fins de fiscalização do exercício profissional, mas com a finalidade de assegurar a regularidade das atividades desenvolvidas pela Administração Pública.
26. Do acima exposto, depreende-se que a mera inscrição de servidor ou empregado público na Ordem dos Advogados do Brasil não serve de passaporte para a impunidade por condutas que tenham desempenhado papel determinante na ocorrência de danos ao Erário ou de atos praticados com grave violação à ordem jurídica.
27. Aduzo que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Mandado de Segurança nº 24.073-DF, decidiu que o advogado somente será civilmente responsável pelos danos causados a seus clientes ou a terceiros que decorrerem de erro grave, inescusável, ou de ato ou omissão praticado com culpa em sentido largo.
28. Compulsando os presentes autos, verifico que as condutas dos procuradores configuram as hipóteses acima mencionadas. Com efeito, eles emitiram parecer contrário à literal disposição de lei, pois atestaram a legalidade de contratação de serviços cujo valor demandava a realização de concorrência pública, apesar de estarem cientes de que havia sido realizado certame licitatório na modalidade convite.
29. Além disso, deturparam o teor da legislação ao afirmarem que as contratações diretas para supervisionar as obras estariam autorizadas por disposição contida nos editais de licitação para contratação do projeto de engenharia. Finalmente, deturparam o teor de julgado quando asseveraram que a contratação, sem prévia licitação, do autor do projeto para realizar a supervisão da obra estaria respaldada na Súmula 185 do TCU, a qual afirma exatamente o contrário. Note-se que a gravidade desse último ato é incrementada pelo fato de esta Corte já haver determinado ao DNER que evitasse a contratação direta, o que, em princípio, elidiria qualquer dúvida porventura existente sobre esse tema.
30. Constata-se nestes autos que os procuradores tiveram participação decisiva no processo que levou à contratação irregular da empresa Strata para rever e atualizar os projetos de engenharia e realizar os serviços de controle e supervisão das obras sob comento, haja vista que essa contratação foi realizada com espeque nos pareceres emitidos por esses advogados públicos. Essa constatação impede que os pareceres desses procuradores sejam considerados meramente opinativos e confirma a responsabilidade desses agentes públicos, pois comprova a existência do nexo causal existente entre a emissão desses pareceres e a prática dos atos irregulares condenados por esta Corte.
31. Firmada a convicção de que os procuradores devem ser responsabilizados pela emissão de pareceres que fundamentaram a prática de atos irregulares, cabe, agora, delimitar os diversos graus dessa responsabilidade. Considero adequado o procedimento adotado por este Plenário, que, ao prolatar o Acórdão vergastado, aquilatou esses graus a partir do nível hierárquico dos procuradores. Assim sendo, avalio não ser o caso de alterar o valor das multas imputadas aos recorrentes.
(Trecho do voto do Ministro Relator Benjamin Zymler, Processo 009.580/1999-9, julgado em 06/10/2004).”
Com a evolução do debate, alguns julgados do TCU passaram a preocupar-se com a delimitação de requisitos para a imputação de responsabilidade aos pareceristas jurídicos. Em caso concreto julgado em 2011 (Processo 014.275/2004-7), v.g., o Ministro Augusto Sherman ratificou a posição do Tribunal, destacando que a responsabilização do parecerista tem como pressupostos i) o cometimento de ato danoso ao erário, ii) grave ofensa à ordem jurídica e iii) relevância causal para a prática do ato do administrador. Ademais, desenvolveu argumentação de modo a elencar pressupostos também para a verificação de responsabilidade do próprio gestor, quando este age baseado nas teses esposadas em parecer jurídico. Vejamos trecho do voto:
"24. No tocante à decisão do STF, proferida no Mandado de Segurança 24.073-3 em 6/11/2002, na qual a Suprema Corte deliberou no sentido de excluir os advogados da Petrobras de processo em que foram responsabilizados no âmbito do TCU, solidariamente com o administrador, está assentado o entendimento neste Tribunal de que a mencionada decisão foi prolatada nos autos de mandado de segurança individual, à luz das particulares circunstâncias do caso concreto, produzindo efeitos apenas em relação aos impetrantes, em hipótese de específica extração, e não erga omnes. Dessa forma o precedente do STF impõe-se apenas no caso concreto, não vinculando esta Corte de Contas (Acórdãos 462/2003,512/2003 e 1.116/2004, todas do Plenário).
25. O TCU já firmou entendimento de que a sua jurisdição alcança o autor do parecer sempre que ele pugnar para o cometimento de ato danoso ao Erário ou com grave ofensa à ordem jurídica, figurando com relevância causal para a prática do ato.
26. A propósito, trazemos à colação excerto do voto do Ministro Benjamin Zymler que fundamentou o Acórdão 19/2002-Plenário, de 6/2/2002:
(...)
27. Ainda sobre ao tema, cabe transcrever o trecho do Voto do Ministro Walton Alencar Rodrigues que fundamentou o Acórdão 462/2003-Plenário:
(...)
28. Registre-se, também, que resta pacificado nesta Corte entendimento quanto à responsabilização do administrador público, quando age baseado em parecer jurídico. A responsabilização do gestor deve ser admitida a partir da análise de cada caso, isto é, deve ser verificado se o parecer está devidamente fundamentado, se defende tese aceitável e se está alicerçado em lição de doutrina ou de jurisprudência (Acórdãos 374/99-TCU-1ª Câmara, in Ata 36/99; 451/2000-TCU-1ª Câmara, in Ata 36/2000; 475/2001-TCU-1ª Câmara, in Ata 27/2001; Decisões nºs 289/96-TCU-Plenário, in Ata 19/96; 728/98-TCU-Plenário, in Ata 43/98; 074/97-TCU-Plenário, in Ata 06/97; e 240/2001-TCU-1ª Câmara, in Ata 27/2001).
(Trecho do voto do Ministro Relator Augusto Sherman, Processo 014.275/2004-7, julgado em 15/06/2011).
Não obstante tratar-se de entendimento pacífico no âmbito do TCU, a possibilidade de responsabilização do parecerista jurídico continuou a ser objeto de discussão, sobretudo após a decisão do Supremo Tribunal Federal em que se tratou da natureza jurídica dos pareceres, em relação a consulta do administrador ao parecerista. Nesse sentido, veja-se trecho de voto recente da Ministra Ana Arraes:
9. Conforme excertos a seguir, o acórdão embargado considerou adequada a penalidade aplicada ao subprocurador administrativo do município de Ipameri/GO porque se trata de parecer jurídico (peça 93) vinculante, nos termos do art. 38, inciso VI, da Lei 8.666/1993:
“8. O entendimento deste Tribunal é de que o parecerista jurídico pode ser responsabilizado solidariamente com gestores por irregularidades na aplicação dos recursos públicos. O parecer jurídico, via de regra acatado pelo ordenador de despesas, é peça com fundamentação jurídica que integra e motiva a decisão a ser adotada. No presente caso concreto, trata-se de parecer vinculante nos termos do art. 38, inciso VI, da Lei 8.666/1993.
9. O STF, ao tratar da responsabilização de procurador de autarquia por emissão de parecer técnico-jurídico, admitiu a responsabilidade solidária do parecerista em conjunto com o gestor, conforme voto condutor proferido em julgamento do Plenário (MS 24631/DF, de 9/8/2007, Rel.Ministro Joaquim Barbosa).”
10. Ressalto que a jurisprudência deste Tribunal dispõe que, embora nem exerça função de execução administrativa, nem ordene despesas ou utilize, gerencie, arrecade, guarde e administre bens, dinheiros ou valores públicos, o parecerista jurídico pode ser arrolado como responsável.
11. Ademais, o parágrafo único do artigo 38 da Lei 8.666/1993 prescreve que as "minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração" (parecer obrigatório).
12. O aludido artigo aponta a necessidade de manifestação da assessoria jurídica, a qual, por sua vez, assume responsabilidade pessoal solidária pelo ato que foi praticado. A manifestação acerca da validade do edital e de instrumentos de contratação associa o emitente do parecer ao autor dos atos.
13. A ordem jurídica estabelece deveres e direitos para todos os profissionais. Assim, não cabe interpretação sempre favorável aos advogados das disposições do art. 133 da Constituição Federal e das prerrogativas da Lei 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e da OAB).
14. Mais um precedente do STF acerca da possibilidade de responsabilizar parecerista jurídico foi tratado no MS 24.584-1. No referido processo, o relator Marco Aurélio defendeu que “o parecer não seria mera peça opinativa. Haveria a aprovação de convênio e aditivos. Portanto, seria hipótese de responsabilidade solidária.”
15. Após pedido de vista, o ministro Joaquim Barbosa distinguiu três situações distintas em relação a consulta do administrador ao parecerista:
“1) consulta facultativa (ausência de vinculação da autoridade às conclusões do parecer);
2) consulta obrigatória e obrigação da autoridade “a emitir o ato tal qual submetido à consultoria, com parecer favorável ou contrário”;
3) consulta obrigatória e o administrador não poderá decidir senão nos termos da conclusão do parecer, ou, então, não decidir.”
16. Essa terceira espécie denominou-se de parecer vinculante, no qual há partilha do poder decisório.
17. O ministro Joaquim Barbosa afirmou que o caso do parágrafo único do art. 38 da Lei 8.666/1993 caracteriza a vinculação do ato administrativo ao parecer jurídico favorável. Ao final, acompanhou o relator para denegar a segurança.
18. No caso concreto, conforme destacado no voto do acórdão recorrido, “o parecer favorável emitido pelo recorrente implicou prosseguimento do pregão presencial e contratação do único licitante participante, em certame marcado por total falta de competitividade”.
19. O parecer exarado pelo subprocurador do município (peça 93), se deu nos seguintes termos “a licitação indicada para o presente processo é ‘Pregão Presencial’, considerando os valores estabelecidos pela Lei Federal nº 8.666/93)”.
20. Assim, ao apresentar esses embargos, o interessado não indicou vícios no julgado limitou-se a se insurgir, demonstrando seu inconformismo com as conclusões que culminaram com a aplicação da sanção do art. 58 da Lei 8.443/1992. ( Trecho do voto da Ministra Relatora Ana Arraes, Processo TC 030.745/2011-0, julgado em 11/06/2014).
Veja-se que, no voto, há expressa menção de que o parecer jurídico previsto no parágrafo único do art. 38 da Lei 8666/93 é obrigatório (ponto 11). Essa classificação é usada como premissa para o argumento exposto no parágrafo seguinte (ponto 12), de que haveria responsabilidade solidária entre o administrador e o parecerista, em razão da necessidade de manifestação da assessoria jurídica.
Por outro lado, vale relembrar que o Supremo Tribunal Federal tem decisão na qual classifica o parecer previsto no parágrafo único do art. 38 da Lei 8666/93 como vinculante (decisão transcrita no tópico anterior).
Essa divergência de entendimentos jurisprudenciais acerca da natureza desse parecer, longe de ser uma questão meramente conceitual, implica consequências diversas a respeito da responsabilização do parecerista jurídico. É que, quando se afirma que o parecer é obrigatório, está-se querendo dizer que o gestor é obrigado a solicitar o parecer antes de decidir, mas não de acatar as razões expostas nesse instrumento. De outro lado, se se afirma que o parecer é vinculante, significa que o administrador não tem margem para decidir de forma diversa daquela exposta no parecer: ou decide nos termos do referido instrumento ou não decide.
Note-se que, até mesmo quando o parecer é vinculante, ao administrador ainda é dada uma opção: não decidir.
3. CONSIDERAÇÕES DOUTRINÁRIAS
Sobre a responsabilização do parecerista jurídico, a doutrina é tão ou mais divergente que a jurisprudência. Apesar de haver considerável consenso sobre a classificação dos pareceres jurídicos em facultativos, obrigatórios e vinculantes, existe significativa divergência quanto ao enquadramento dos pareceres nessa classificação, nos casos concretos.
Há doutrinadores, por outro lado, que entendem a responsabilização direta, em razão da emissão de pareceres vinculantes, incompatível com a própria natureza jurídica do parecer. Veja-se o magistério de Celso Antônio Bandeira de Mello (2011):
Os pareceres se alocam entre os atos qualificáveis como pertinentes à administração consultiva, ainda que aqueles denominados “vinculantes”, espécie da mais extrema raridade e adiante referidos, devessem, segundo a opinião de alguns autores, ser excluídos do gênero parecer, conforme registra Giulio Getthi. A finalidade dos pareceres “é a de iluminar e aconselhar o órgão da administração ativa”, como disse Pietro Virga. (…) Os pareceres costumam ser classificados em (a) facultativos; (b) obrigatórios e (c) vinculantes. Facultativos, são os que a autoridade pode solicitar, mas não está obrigada a demandá-los; obrigatórios são aqueles que a autoridade está juridicamente adstrita a solicitar antes de decidir, mas tanto quanto em relação aos anteriores, não está obrigada a seguir; vinculantes são aqueles que a autoridade não apenas deve pedir, mas estará obrigada a seguir. Segue-se que, no caso dos pareceres obrigatórios, e, assim, pois, dos técnico-jurídicos desta tipologia, se não for solicitado o parecer, o ato decisório será, ipso facto, inválido. No caso dos vinculantes, sê-lo-á tanto na hipótese de não ser solicitado, quanto na de ser praticado ato decisório em desconformidade com ele (…) Cabe responsabilização do parecerista – e é obrigatória quando o ato haja sido praticado com base nele – sempre que haja incorrido em imperícia, negligência ou dolo. Em suma, a ilegalidade consistirá precisamente na culpa ou dolo com que tenha agido o parecerista ao emitir seu juízo. Cumpre que o parecer seja tecnicamente categorizável como positivamente errôneo, intolerável, por estampar manifestação expressiva de visível despreparo profissional, isto é imperícia, ou negligência em relação aos deveres que a estava obrigado no exame da questão ou imprudência, vale dizer afoiteza incompatível com o zelo e cautela requeridos ou, finalmente, e pior de tudo, dolo, malícia, intenção deliberada de fraudar as conclusões que a ciência ou a técnica iniludivelmente impunham no caso. (MELLO, 2011).
José dos Santos Carvalho Filho (2012) parece compartilhar deste entendimento. Para o doutrinador, a opinião pessoal do parecerista não poderia ser entendida como ato dotado de conteúdo decisório, sob pena de haver um desvio de qualificação jurídica desses atos. É que os pareceres têm natureza opinativa. Sendo assim, ao afirmar que determinado parecer tem conteúdo decisório, diz-se que é um ato de conteúdo decisório, o que, sem dúvidas, subverte a própria natureza jurídica do parecer. Nas palavras do jurista:
Refletindo um juízo de valor, uma opinião pessoal do parecerista, o parecer não vincula a autoridade que tem competência decisória, ou seja, aquela a quem cabe praticar o ato administrativo final. Trata-se de atos diversos – o parecer e o ato que o aprova ou rejeita. Como tais atos têm conteúdos antagônicos, o agente que opina nunca poderá ser o que decide.
De tudo isso resulta que o agente que emite o parecer não pode ser considerado solidariamente responsável com o agente que produziu o ato administrativo final, decidindo pela aprovação do parecer. A responsabilidade do parecerista pelo fato de ter sugerido mal somente lhe pode ser atribuída se houver comprovação indiscutível de que agiu dolosamente, vale dizer, com o intuito predeterminado de cometer improbidade administrativa. Semelhante comprovação, entretanto, não dimana do parecer em si, mas, ao revés, constitui ônus daquele que impugna a validade do ato em função da conduta de seu autor.
Não nos parece correto, portanto, atribuir, a priori, responsabilidade solidária a servidores pareceristas quando opinam, sobre o aspecto formal ou substancial (em tese), pela aprovação ou ratificação de contratos e convênios, tal como exigido no art. 38 da Lei 8.666/93, e isso porque o conteúdo dos ajustes depende de outras autoridades administrativas, e não dos pareceristas. Essa responsabilidade não pode ser atribuída por presunção e só se legitima no caso de conduta dolosa, como já afirmado, ou por erro grosseiro injustificável. (CARVALHO FILHO, 2012)
Por outro lado, Marçal Justen Filho, ao tratar especificamente do parecer previsto no artigo 38, parágrafo único, da Lei 8.666/93, entende que, ao examinar atos de licitação, o parecerista jurídico assume responsabilidade solidária pelo fato praticado, ou seja, considera que o parecer previsto neste dispositivo é enquadrado na classificação de parecer vinculante. Veja-se:
Ao examinar e aprovar os atos da licitação, a assessoria jurídica assume responsabilidade pessoal solidária pelo que foi praticado. Ou seja, a manifestação acerca da validade do edital e dos instrumentos de contratação associa o emitente do parecer ao autor dos atos. Há dever de ofício de manifestar-se pela invalidade, quando os atos contenham defeitos. Não é possível os integrantes da assessoria jurídica pretenderem escapar dos efeitos da responsabilização pessoal quando tiverem atuado defeituosamente no cumprimento de seus deveres: se havia defeito jurídico, tinham o dever de apontá-lo.
A afirmativa se mantém inclusive em face de questões duvidosas ou controvertidas. Havendo discordância doutrinária ou jurisprudencial acerca de certos temas, a assessoria jurídica tem o dever de consignar essas variações, para possibilitar às autoridades executivas pleno conhecimento dos riscos de determinadas decisões. Mas, se há duas teses jurídicas igualmente defensáveis, a opção por uma delas não pode acarretar punição. Entendimento similar pode pôr-se quanto à avaliação de fatos relevantes para uma decisão. Por isso, poderá (deverá) punir-se o servidor público que adota posição contrária ao Direito, aberrante, ou se o prolator do parecer desvirtuar os fatos ocorridos, adotando versão não fundada em documentos ou outras provas. Se a decisão administrativa for entranhada de defeito desconhecido do agente que forneceu o parecer, não há cabimento em sua responsabilização. Tanto mais por ser inadmissível impor uma espécie de “responsabilidade política” ao sujeito que desempenha função de assessoramento, sancionando-o apenas em virtude da consumação de um resultado reputado incompatível com valores protegidos pelo Direito. Aquele que desempenha atividade de assessoramento jurídico ou técnico sujeita-se ao regime jurídico genérico: a responsabilização civil, penal ou administrativa depende da culpabilidade. Enfim, é essencial preservar a autonomia da função de assessoramento jurídico ou técnico. (JUSTEN FILHO, 2012)
Dos trechos colacionados, depreende-se que a doutrina diverge quanto ao tema da responsabilização do parecerista. Para Celso Antônio Bandeiro de Mello, o parecer, por definição, é ato de administração consultiva, que não se confunde com a decisória. Por outro lado, reconhece que em caso de culpa (em sentido amplo) poderá haver a responsabilização do servidor que emite o parecer.
José dos Santos Carvalho Filho tem uma posição ainda mais restritiva. Para o autor, a classificação do parecer como “vinculante” é uma contradição em seus próprios termos, um “desvio de qualificação desses atos”, porquanto a natureza jurídica do parecer é eminentemente opinativo. Assim, na hipótese de um parecer ser vinculante, o ato deixaria a sua natureza de parecer (opinativo) para tornar-se um ato decisório (o que, diga-se, é raro). Carvalho Filho admite, contudo, que, caso se admita essa hipótese (de parecer vinculante), o parecerista poderia ser responsabilizado, em razão do seu poder de decisão, nos casos expressamente admitidos em lei.
Marçal Justen Filho, ao contrário dos outros administrativistas supracitados, entende que o parecerista jurídico deve ser responsabilizado por sua atuação errônea, contrária ao Direito, como todos os servidores públicos, em razão da sua própria atuação e não do conteúdo decisório (ou a falta dele) do parecer que emite.
4. CONCLUSÕES
No plano jurisprudencial, percebe-se que, embora tenha utilizado a classificação doutrinária de pareceres jurídicos que os divide entre facultativos, obrigatórios e vinculantes, o Supremo Tribunal Federal o fez de maneira incidental, para concluir que o parecerista jurídico não pode ser furtar ao dever prestar informações aos órgãos de controle, notadamente os Tribunais de Contas.
Extrai-se dessas considerações que a questão sobre o enquadramento dos pareceres jurídicos em facultativos, obrigatórios e vinculantes, notadamente o parecer do artigo 38, parágrafo único, da Lei 8.666/93, ainda é questão não pacificada na Suprema Corte.
Contudo, não se olvida que a classificação dos pareceres entre facultativos, obrigatórios e vinculantes tem sido bastante utilizada quando se procura aferir a responsabilidade do parecerista no caso concreto. Existe, portanto, posicionamento jurisprudencial e doutrinário no sentido de que o grau de responsabilidade o do parecerista está atrelada à natureza do parecer. Assim, caso se trate de parecer vinculante, estar-se-á diante de uma ato decisório e não meramente opinativo (como são geralmente os pareceres), de modo que haveria responsabilidade solidária do parecerista com o gestor na prática do ato.
No âmbito do controle externo, o Tribunal de Contas da União parece se inclinar no sentido de que, quanto aos pareceres de um modo geral, para imputação de responsabilidade ao agente público, deve-se aferir a culpa (em sentido amplo) e o nexo de causalidade entre as razões esposadas no parecer e a prática do ato decisório. Quanto ao parecer previsto no parágrafo único do art. 8.666/93, percebe-se há decisões que o consideram como obrigatório (exemplo: TC 030.745/2011-0) e outras que o consideram vinculante (exemplo: TC 014.153/2013-0).
Na doutrina, também há significativas divergências. Há posicionamentos, como os de Celso Antônio Bandeira de Mello e José dos Santos Carvalho Filho que mantém-se firme no entendimento de que a atividade parecerista é eminentemente opinativa, ainda que admitam a responsabilização em alguns casos. Há outra corrente, contudo, que conta com vozes como a de Marçal Justen Filho, os quais admitem de forma mais tranquila a responsabilização do parecerista jurídico.
Nesse contexto, importa observar que, mesmo aqueles que admitem a existência de pareceres vinculantes, em que se imputa a responsabilidade pela prática do ato do gestor também ao parecerista jurídico, não consideram que há, no caso, responsabilidade objetiva. Portanto, prevalece o entendimento de que a responsabilidade do parecerista não prescinde de aferição da culpabilidade (negligência, imperícia, imprudência, dolo, erro grosseiro, fraude etc);
Assim, diante de todas essas constatações, entende-se que ter em que o Direito é uma ciência interpretativa e que existem situações, mormente no âmbito do direito público, em que os fatores fáticos, sejam eles sociais, econômicos, geográficos são capazes de influenciar em decisões técnicas.
Desse modo, deve existir um grau de aceitabilidade em relação às manifestações do parecerista jurídico, isto é, uma moldura de possibilidades em que se aceita determinada opinião técnica, ainda que não se apresente, posteriormente como a melhor solução para o caso concreto. Essa prerrogativa é indispensável para que não haja diminuição da autonomia intelectual inerente a atividade jurídica de consultoria.
A responsabilização do parecerista jurídico em solidariedade com o administrador público, por um ato gestão, ainda que admissível, não dispensa a análise da culpabilidade do agente, de modo que deve ser rechaçada qualquer interpretação que implique responsabilização objetiva ao parecerista jurídico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inq. 3077/AL. Ministro Dias Toffoli. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4025482>. Acesso em 22/06/2015.
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Processo nº 009.580/1999-9. Relator Ministro Benjamin Zymler. Jurisprudência. Disponível em <https://contas.tcu.gov.br/juris/SvlHighLight> . Acesso em 23/06/2015.
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BRASIL. Tribunal de Contas da União. Processo nº 030.745/2011-0. Relatora Ministra Ana Arraes. Jurisprudência. Disponível em <https://contas.tcu.gov.br/juris/SvlHighLight>. Acesso em 23/06/2015.
BRASIL. Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso. Disponível em <http://www.tce.mt.gov.br/arquivos/downloads/00036221/Bruno%20Anselmo%20Bandeira%20-%2012.Respons%C3%A1vel%20pelo%20Aplic.pdf>. Acesso em 24/06/2015.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25ª Edição. São Paulo: Atlas, 2012.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentário à Lei de Licitações e Contratos. 15ª Edição. São Paulo: Dialética, 2012.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2011.
Bacharela em direito pela Universidade Federal do Piauí (UFPI) em 2013. Analista de Contas - Especialidade Direito do Ministério Público de Contas do Estado de Mato Grosso.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SARA MENDES CARCARá, . A responsabilização do parecerista jurídico no âmbito da Administração Pública: análise jurisprudencial e doutrinária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 maio 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46625/a-responsabilizacao-do-parecerista-juridico-no-ambito-da-administracao-publica-analise-jurisprudencial-e-doutrinaria. Acesso em: 23 dez 2024.
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