RESUMO: Este artigo visa analisar a constitucionalidade da lei 13.346/16, a qual tornou a vaquejada patrimônio cultural.
Palavras-Chave: Vaquejada. Inconstitucionalidade. STF. Cruel.
Introdução:
A vaquejada é uma prática com reminiscências históricas, muito comum no nordeste brasileiro, considerado, por muitos, como esporte.
Analisar-se-á, portanto, neste artigo, o conflito entre os dois direitos fundamentais: manifestação cultural (direito de segunda geração) e a proibição de maltrato aos animais (direito de terceira geração).
Clémerson Merlin Clève e Alexandre Reis Siqueira Freire definem a colisão de direitos fundamentais como: “fenômeno que emerge quando o exercício de um direito fundamental por parte de um titular impede ou embaraça o exercício de outro direito fundamental por parte de outro titular, sendo irrelevante a coincidência entre os direitos envolvidos”.
Por serem princípios, esse conflito deve ser solucionado por meio da conciliação, ponderação no caso concreto, sempre se pautando na proporcionalidade.
Desenvolvimento:
No dia 29 de dezembro de 2016 o presidente da República, Michel Temer, sancionou a lei 13.346 de 2016, elevando o rodeio, a vaquejada, bem como as respectivas expressões artístico-culturais, à condição de manifestação cultural nacional e do patrimônio cultural imaterial.
O ordenamento jurídico deve ser compreendido como um todo e nenhuma lei deve ser analisada sob o prisma individual. Nesse sentido, a lei 13.346/16 está eivada de inconstitucionalidade, pois violadora de princípios constitucionais.
Preconiza o artigo 225, VII, CF:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
Atentando sob o ponto de visto jurídico, embora seja muito difícil dissociar-se do aspecto político-social, os animais são considerados meros objetos de direito e não sujeitos. Isso não significa que os animais estejam alheios à tutela jurídica, mas tão somente que não podem ser titulares de relações jurídicas.
Embora meros objetos de direito, a Constituição Federal veda, expressamente, a submissão de animais a crueldade. Pergunta-se, então, o que é a vaquejada senão a materialização do sofrimento incutido ao animal?
Essa prática tem como espoco a derrubada, pelo vaqueiro, do boi, puxando-o pelo rabo. O boi encontra-se preso em uma área delimitada e sua derrubada é certa, porém, lenta e cruel.
A doutora Irvênia Luíza de Santis Prada, em laudo técnico oferecido à ADI 4983 afirmou que:
“Ressalta que, diferentemente do que acontecia no passado, os bovinos são hoje enclausurados, açoitados e instigados. Segundo aduz, isso faz com que o boi corra “quando aberto o portão”, sendo, então, conduzido pela dupla de vaqueiros competidores, até uma área assinalada com cal, agarrado pelo rabo, que é torcido até ele cair com as quatro patas para cima e, assim, ser finalmente dominado. Indica laudo técnico, conclusivo, subscrito pela Doutora Irvênia Luíza de Santis Prada, a demonstrar a presença de lesões traumáticas nos animais em fuga, inclusive a possibilidade de a cauda ser arrancada, com consequente comprometimento dos nervos e da medula espinhais, ocasionando dores físicas e sofrimento mental”
Inegável, portanto, que a crueldade é inerente a essa atividade. Uma prática que incita a crueldade e a inflição de medo aos animais não deveria, jamais, por meio de lei, se tornar patrimônio cultural.
O Supremo Tribunal Federal já foi provocado a se manifestar sobre a vaquejada, na ADI 4983, ajuizada pelo Procurador Geral da República contra a Lei 15.299/2013, do Estado do Ceará.
Neste julgado o STF julgou a lei inconstitucional. O relator, Ministro Marco Aurélio citou julgados precedentes, nos quais houve a declaração da inconstitucionalidade da lei de Santa Catarina que promovia a “farra do boi” e das “brigas de galos”, por se tratarem de práticas cruéis.
O relator ainda menciona que ante o conflito da proibição da crueldade dos animais e a manifestação cultural, ambos preceitos fundamenteis, necessário se faz a ponderação de direitos, devendo-se zelar pelo ambiente ecologicamente equilibrado, pensando-se nas presentes e futuras gerações.
O meio ambiente é um direito de terceira geração definido como o complexo de relações entre o mundo natural e os seres vivos, conforme leciona Nathalia Masson. A autora preconiza, ainda, que a crueldade nessas práticas não permite a qualificação como manifestação cultural.
Não há, portanto, fundamentos suficientes para elevar prática tão atroz à qualidade de patrimônio cultural. No julgado supramencionado, o ministro relator conclui:
Ante os dados empíricos evidenciados pelas pesquisas, tem-se como indiscutível o tratamento cruel dispensado às espécies animais envolvidas. O ato repentino e violento de tracionar o boi pelo rabo, assim como a verdadeira tortura prévia – inclusive por meio de estocadas de choques elétricos – à qual é submetido o animal, para que saia do estado de mansidão e dispare em fuga a fim de viabilizar a perseguição, consubstanciam atuação a implicar descompasso com o que preconizado no artigo 225, § 1º, inciso VII, da Carta da República.
O argumento em defesa da constitucionalidade da norma, no sentido de a disciplina da prática permitir seja realizada sem ameaça à saúde dos animais, não subsiste. Tendo em vista a forma como desenvolvida, a intolerável crueldade com os bovinos mostra-se inerente à vaquejada. A atividade de perseguir animal que está em movimento, em alta velocidade, puxá-lo pelo rabo e derrubá-lo, sem os quais não mereceria o rótulo de vaquejada, configura maus-tratos. Inexiste a mínima possibilidade de o boi não sofrer violência física e mental quando submetido a esse tratamento
Conclusão:
O ser-humano possui inúmeras formas de se manifestar culturalmente; não se faz necessário que uma delas seja maneira atroz. Isso demonstra apenas um retrocesso e desprezo aos animais.
Não há, portanto, diferença entre a Lei nº 15.299, de 8 de janeiro de 2013 e a lei 13.346/136. Esta está eivada de inconstitucionalidade tanto quanto a primeira.
Referências:
CLÈVE, Clémerson Merlin; FREIRE, Alexandre Reis Siqueira. Algumas notas sobre colisão de direitos fundamentais. Disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/algumas-notas-sobre-colisão-de-direitos-fundamentais
MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional, 4ª Edição. 2016.
VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil – Parte Geral. Editora Atlas, 9ª Edição. 2009.
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