Resumo: O presente artigo objetiva analisar o acórdão do STF no julgamento da ADC nº. 41/DF, em que ficou confirmada a compatibilidade da Lei nº. 12.990/2014 com a CF/88. Um dos fundamentos utilizados pela corte foi a adequação da norma a uma nova concepção do princípio da isonomia: o reconhecimento, aspecto que teria o condão de fundamentar a implantação de ações afirmativas, sobretudo no caso da população negra brasileira. As cotas para acesso aos cargos e empregos públicos federais atenderiam a imperativos de correção da exclusão historicamente verificada, sobretudo analisada sob o viés do reconhecimento.
Palavras-chave: Isonomia, Reconhecimento, Ações Afirmativas
Abstract: This paper aims to analyze the Supreme Court position in the judgment of ADC nº. 41 / DF, in which was confirmed the compatibility of Law 12.990/2014 with the CF/88. One of the reasons used by the court was the adequacy of the norm to a new conception of the principle of isonomy: the recognition, aspect that is able to justify affirmative actions, especially in the case of the Brazilian black people. The affirmative actions to promote the access to public jobs would meet historically exclusion.
Key-words: Isonomy, Recognition, Affirmative Actions
Sumário: Introdução; 1. A ADC 41/DF: a confirmação da constitucionalidade do sistema de cotas para pessoas negras em concursos públicos; 2. As dimensões tradicionais da igualdade: isonomia formal e material; 2.1 Isonomia formal; 2.2 Isonomia material; 3. A igualdade como reconhecimento; considerações finais; referências.
INTRODUÇÃO
O objeto da presente pesquisa centra-se no estudo da nova concepção do princípio da isonomia, compreendida, agora, como direito ao reconhecimento. Seria essa a solução para demandas de injustiça social e exclusão histórica de determinados segmentos sociais, objetivando introjetar nas pessoas que dele fazem parte a crença de que é possível alçar posições socialmente destacas.
Partimos do estudo do acórdão exarado pelo STF na ADC 41/DF, que confirmou a constitucionalidade da Lei nº. 12.990/2014, responsável pela implantação do sistema de cotas para acesso a cargos e empregos públicos federais. Segundo o ministro relator, Luís Roberto Barroso, o direito ao reconhecimento consubstanciaria um terceiro viés do princípio isonômico, ao lado das suas versões formais e materiais, conferindo legitimidade a mencionada ação afirmativa.
O objetivo desta produção científica orbita, por sua vez, na análise do impacto desse importante reconhecimento jurisprudencial face às denominadas ações afirmativas; mecanismos destinados à reparação de situações discriminatórias, sobretudo calcada em preconceitos, estigmas e estereótipos.
1 A ADC 41/DF: A CONFIRMAÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE DO SISTEMA DE COTAS PARA PESSOAS NEGRAS EM CONCURSOS PÚBLICOS
A Lei nº. 12.990 de 09 de junho de 2014 conta com apenas seis artigos, mas sua edição trouxe consigo uma série de discussões naquilo que concerne à dinâmica das ações afirmativas no Brasil.
Conforme estabelecido em seu art. 1º, a referida lei reserva aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União.
Ademais, de acordo com o seu art. 2º, prevalece o critério da autodeclaração como mecanismo de admissão do candidato às vagas reservadas.
Observa-se, assim, que a norma adiciona uma nova política afirmativa aos certames promovidos no âmbito federal, além da já conhecida cota para pessoas com deficiência constante do art. 5º, §2º, Lei 8.112/90 c/c art. 37, §1º, Dec. 3.298/99 (mínimo de 5% e máximo de 20%).
Em 2016, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, objetivando afastar controvérsia judicial acerca da constitucionalidade da mencionada norma, ajuizou Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC 41/DF), especialmente diante de várias decisões judiciais que, à época, afastaram a sua aplicação em controle difuso de constitucionalidade. Ademais, a ação tinha como objetivo prevenir qualquer insegurança jurídica no que tange às formas de autodeclaração quanto ao enquadramento do candidato como pessoa negra, procedimento que não gozava de uniformidade.
Tendo como relator o ministro Luís Roberto Barroso, a suprema corte brasileira, por unanimidade, declarou a constitucionalidade da lei, fixando a seguinte tese de julgamento:
É constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa.[1]
Em sua fundamentação, o ministro relator afirma existir, na atualidade, uma nova dimensão do princípio isonômico, ao lado das já tradicionais dimensões formal e material: a igualdade como reconhecimento.
Nos tópicos a seguir buscaremos desvendar essa nova forma de compreensão do princípio da igualdade, posicionando-o ao lado das faces da isonomia há muito absorvidas pela doutrina e jurisprudência pátrias.
2 AS DIMENSÕES TRADICIONAIS DA IGUALDADE: ISONOMIA FORMAL E MATERIAL
Antes de elucidarmos o conteúdo da nova dimensão do princípio da isonomia, mister que façamos, ainda que resumidamente, um esboço acerca das formas já consagradas do postulado em referência.
Positivado na Constituição Federal em seu art. 5º, caput e I, entre outros, o princípio da isonomia consubstancia verdadeiro “princípio estruturante do sistema constitucional global”[2], presente nas primeiras declarações de direitos de matriz liberal. A norma identifica-se, inicialmente, como uma das reações às vicissitudes do denominado “antigo regime”, atendendo à pauta revolucionária burguesa.
Contudo, a sua significação acompanhou a evolução das concepções de Estado, culminando em uma verdadeira agregação das novas concepções às já consagradas, conforme veremos a seguir.
2.1 ISONOMIA FORMAL
Em um primeiro momento o princípio da isonomia identifica-se com os postulados do liberalismo que fundamentaram as Revoluções Burguesas e, portanto, com o surgimento do conhecido Estado Liberal de Direito.
A referida concepção de Estado está sumamente calcada nos princípios da legalidade, divisão de poderes, garantia dos direitos individuais e na presença mínima da máquina estatal, esta marcada por uma “limitação jurídico-legal negativa”[3].
Seu conteúdo, destarte, relaciona-se com aquilo que o jurista tcheco Karel Vasak[4] concebeu como direitos fundamentais de primeira geração, em suma
[...] direitos civis e políticos, que correspondem à fase inicial do constitucionalismo ocidental, mas que continuam a integrar os catálogos das Constituições atuais (apesar de contar com alguma variação de conteúdo), o que demonstra a cumulatividade das dimensões.[5]
Em síntese, o princípio isonômico, formalmente concebido, “exige que todos que se encontram numa mesma situação recebam idêntico tratamento (portanto, compreendida como igualdade na aplicação da lei)[...]”[6].
Nessa primeira fase do princípio da isonomia, desta forma, não há a busca pela reparação das situações específicas que colocam determinados grupos de pessoas em situação de desvantagem inicial, marcada, muitas vezes, pela existência de preconceitos, estigmas e estereótipos[7].
Há, na verdade, a imposição de que todos estejam subordinados ao império da lei, já que a intenção se centra na eliminação dos privilégios do estado absolutista e a ascensão da burguesia ao poder.
2.2 ISONOMIA MATERIAL
Conforme articulado acima, o princípio da isonomia, quando encarado no seio do Estado Liberal de Direito, traduz a subordinação dos indivíduos ao império da lei, tudo com o objetivo de anular os privilégios do antigo regime.
Contudo, a passagem do modelo liberal de Estado para o chamado “Estado Social de Direito” impôs uma agregação de uma concepção prestacionista ao sentido classicamente sedimentado de isonomia, tornando-o mais sensível às diferenças entre os cidadãos.
Essa nova modalidade de Estado preserva as conquistas do Estado Liberal (legalidade, limitação do poder estatal), mas vai além. Busca-se a superação de um individualismo que é característico dos sistemas liberais, assumindo o Estado um papel concretizador do bem-estar social (welfare state).
A lei que, no liberalismo, assume um altíssimo grau de abstração; no Estado Social de Direito é cada vez mais específica e concreta, dada à ampliação do papel do Estado na vida social. O momento histórico em que se dá essa transição é, justamente, o pós-segunda guerra mundial, período de profícua afirmação e positivação dos direitos humanos como reação aos horrores há pouco assistidos.
Nesse cenário, o princípio da isonomia toma novo corpo e passa a abarcar uma concepção dita material. Muitos sintetizam o significado desse novo enfoque na construção de Aristóteles em sua obra “Ética a Nicômaco”: “tratar os iguais de maneira igual, e os desiguais na medida de sua desigualdade”.
Essa nova forma de compreender a isonomia promove aquilo que se denomina de “igualdade na lei”, ou seja, a própria norma deve trazer em seu conteúdo um mandamento de desconstrução de elementos de desequiparação, por assim dizer. Referido conceito contrapõe-se ao de “igualdade perante a lei”, este afeto à concepção formal acima delineada, ou seja, indicando que a mera subordinação uniforme dos indivíduos aos mandamentos legais seria suficiente.
Resultados dessa nova dimensão do princípio isonômico podem ser observados em várias normas no nosso sistema jurídico, sobretudo em nossa Constituição Federal, a saber: art. 7º, XX[8]; art. 37, VIII[9], entre outros.
No tópico seguinte trataremos dessa novíssima face do princípio isonômico reconhecida no julgamento da ADC 41/DF, fundamentando a compatibilidade material da norma que introduziu o sistema de cotas raciais em nosso ordenamento jurídico com o plexo principiológico da CRFB/88.
3. A IGUALDADE COMO RECONHECIMENTO
No decorrer de todo o trabalho, realizamos um cotejo entre a evolução das modalidades de Estado e as concepções sobre o princípio da isonomia; deixando certo que, ao passo em que se compreende a modificação no papel estatal na dinâmica da sociedade, agregam-se à concepção de igualdade outras importantes concepções.
Nesse contexto, observamos que o entendimento da igualdade como reconhecimento aproxima-se daquilo que nós compreendemos como Estado Democrático de Direito.
Fruto das garantias democráticas, a modalidade atual de compreensão da estrutura estatal está relacionada, sobretudo, à contínua “transformação do status quo”[10]. Trata-se de uma revolução mais profunda nas estruturas sociais existentes, sobretudo guiada pela prevalência dos direitos fundamentais, em especial pelo princípio da isonomia dita “procedimental”[11], voltada à garantia de participação dos cidadãos na tomada de decisões estatais.
O reconhecimento dessa modalidade de Estado não representa, portanto, uma agregação entre os modelos Estatais acima expostos (Liberal e Social), mas uma nova forma de enxergar a legitimação do poder político, fundamentada na construção de procedimentos que possibilitem a participação plena dos cidadãos na dinâmica política.
Nesse espaço, adquirem relevância os chamados procedimentos de diferenciação, ou de discriminações positivas que, ao reconhecerem a necessidade de inserção das minorias no espaço de tomada de decisões socialmente relevantes, objetivam corrigir esse déficit de representatividade.
Exemplo dessa conduta reside nas chamadas “ações afirmativas”, medidas compensatórias cuja origem deriva de um processo histórico de exclusão de determinados segmentos.
As ações afirmativas foram originalmente pensadas nos EUA como forma de superação da doutrina do “separate but equal”, consagrada no caso Plessy vs Fergusson[12], que validava o sistema segregacionista presente à época, após a abolição da escravidão negra com a 13ª emenda.
Com o julgamento do caso Brown vs Board of Education há o reconhecimento da invalidade dessa conduta racista, momento em que a Suprema Corte autoriza que alunos negros fossem matriculados e frequentassem a Universidade do Alabama. Em seguida, a Executive Order nº 109252 e o Civil Rights Act (em 1961 e 1964, respectivamente) invalidam essa conduta, fazendo referência ao termo “ação afirmativa”[13].
Em suma, ação afirmativa consubstancia procedimentos discriminatórios lícitos que objetivam a concretização de uma justiça social e, sobretudo, a materialização do princípio da isonomia.
Podemos ainda asseverar que as ações afirmativas estariam calcadas naquilo que se convencionou chamar de “direito à diferença”, resultado da evolução da proteção dos direitos humanos em âmbito internacional:
A primeira fase de proteção dos direitos humanos foi marcada pela tônica da proteção geral, que expressava o temor da diferença (que no nazismo havia sido orientada para o extermínio) com base na igualdade formal. A título de exemplo, basta avaliar quem é o destinatário da Declaração de 1948, bem como basta atentar para a Convenção para a Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio, também de 1948, que pune a lógica da intolerância pautada na destruição do “outro” em razão de sua nacionalidade, etnia, raça ou religião.
Torna-se, contudo, insuficiente tratar o indivíduo de forma genérica, geral e abstrata. Faz-se necessária a especificação do sujeito de direito, que passa a ser visto em sua peculiaridade e particularidade. Nessa ótica determinados sujeitos de direito ou determinadas violações de direitos exigem uma resposta específica e diferenciada. Vale dizer, na esfera internacional, se uma primeira vertente de instrumentos internacionais nasce com a vocação de proporcionar uma proteção geral, genérica e abstrata, refletindo o próprio temor da diferença, percebe-se, posteriormente, a necessidade de conferir a determinados grupos uma proteção especial e particularizada, em face de sua própria vulnerabilidade. Isso significa que a diferença não mais seria utilizada para a aniquilação de direitos, mas, ao revés, para sua promoção.[14]
Ademais, fundam-se nos mandamentos da chamada “justiça distributiva”, em especial na concepção de John Rawls. Baseado na compreensão do conceito de justiça como equidade, o autor apresenta uma alternativa ao neoliberalismo, marcadamente utilitarista, fazendo clara alusão ao imperativo categórico kantiano[15]. Nesse sentido, a equidade compreende a existência de diferenças (situações de desvantagens) como condicionantes para que se atinja um estado final de igualdade. Não seria suficiente, assim, o mero oferecimento de oportunidades, já que a distribuição inicial dos bens primários não é equânime[16].
Não obstante a importância do fundamento distributivo como justificador da validade das ações afirmativas, a doutrina especializada o considera insuficiente, isoladamente considerado. Nesse momento é que toma corpo a questão da igualdade como reconhecimento.
O ministro Luís Roberto Barroso, em seu voto, assim define a nova compreensão do princípio isonômico:
Por fim, na questão da igualdade como reconhecimento, ela identifica a igualdade no que se refere ao respeito às minorias e ao tratamento da diferença de uma maneira geral. Assim, igualdade como reconhecimento significa respeitar as pessoas nas suas diferenças, mas procurar aproximá-las, igualando as oportunidades.
A política afirmativa instituída pela Lei nº 12.990, de 2014, tem esse papel da igualdade como reconhecimento. [...].
Além desse papel simbólico, há um efeito importante sobre a autoestima das pessoas. Eu insisto nessa questão da autoestima, porque, quando ela existe, ela cria uma resistência ao preconceito dos outros.
Passa a ser uma realidade que vem de dentro, e as coisas verdadeiras na vida são as que vêm de dentro. Se você não introjeta o preconceito dos outros, você não o absorve também. Portanto, a ideia de ter símbolos de sucesso, ascensão e acesso a cargos importantes para as pessoas pretas e pardas tem esse papel de influenciar a autoestima das comunidades negras. Por fim, evidentemente, há o papel de que o pluralismo e a diversidade tornam qualquer ambiente melhor e mais rico.
Portanto, penso que a Lei supera com facilidade o teste da igualdade, quer na sua dimensão de igualdade formal, quer na sua dimensão de igualdade material, quer na sua dimensão de igualdade como reconhecimento.[17]
A dimensão da igualdade como reconhecimento assume, assim, um papel verdadeiramente psicológico: autoriza os diversos segmentos sociais a acreditarem que é possível alçar posições socialmente destacadas.
Segundo Nancy Fraser, o reconhecimento seria a solução para situações de injustiça cultural. De acordo com a autora, o conjunto de medidas que promovem esse reconhecimento:
[...] Pode envolver a revalorização das identidades desrespeitadas e dos produtos culturais dos grupos difamados. Pode envolver, também, o reconhecimento e a valorização positiva da diversidade cultural. Mais radicalmente ainda, pode envolver uma transformação abrangente dos padrões sociais de representação, interpretação e comunicação, de modo a transformar o sentido do eu de todas as pessoas.[18]
Observa-se, assim, a importância do sentido da igualdade como reconhecimento para a recomposição da relevância social de determinados grupos historicamente excluídos.
No caso da Lei nº. 12.990/2014, a utilização do sistema de cotas para pessoas negras em concursos públicos assume um papel nevrálgico no combate ao denominado “racismo estrutural”[19] que existe na sociedade brasileira. Igualmente, funciona como mecanismo de justiça e reparação às violações históricas aos direitos da população negra diante de anos de exploração via institucionalização de um sistema escravagista de produção, o que impõe, até a atualidade, uma estigmatização do negro no Brasil.
Contudo, a implantação do sistema de cotas raciais em concursos públicos atende não apenas a demandas de reconhecimento. Na esteira do pensamento de Nancy Fraser[20] e Boaventura de Sousa Santos[21], ao reconhecimento devem estar aliados os imperativos da justiça distributiva, nos moldes do quanto exposto acima.
Assim sendo, muito embora esse terceiro viés do princípio isonômico adquira relevância, o reconhecimento isoladamente considerado não tem o condão de recompor as disparidades de caráter meramente econômico, de repartição dos bens sociais. Na grande maioria dos casos, a materialização do princípio isonômico deve conjugar aspectos de reconhecimento e justiça distributiva, sob pena de não se justificar, eficazmente, medidas de ação afirmativa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa centra sua análise na análise da constitucionalidade realizada pelo STF na ADC nº. 41/DF, da Lei nº. 12.990/2014, que instituiu o sistema de cotas raciais nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União.
Entre os argumentos utilizados pelo ministro relator para a confirmação da compatibilidade material da norma com a Lei Fundamental, está a elucidação de um terceiro viés de compreensão do princípio da isonomia.
Segundo o STF, além das faces formal e material, a isonomia poderia ser enxergada como direito ao reconhecimento. Essa concepção tem o condão de fundamentar com profundidade as denominadas “ações afirmativas”, sobretudo em casos de injustiça cultural, como é, em parte, a questão da exclusão da população negra dos postos de relevância social.
O reconhecimento assumiria um verdadeiro papel psicológico em relação aos segmentos excluídos, apontando para a real possibilidade de inserção desses indivíduos na dinâmica decisória estatal.
Alguns autores, ademais, entendem ser inafastável a questão da justiça distributiva quando da instituição de ações afirmativas. Isso, porque o reconhecimento seria o remédio adequado para situações de injustiça cultural, enquanto que a redistribuição, a solução para questões afetas ao acesso aos bens primários.
REFERÊNCIAS
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______. Lei nº 12.990/2014, de 09 de junho de 2014. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12990.htm>. Acesso em 10 de março de 2018.
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[1] BRASIL. STF. ADC nº. 41/DF. Relator: Min. Luís Roberto Barroso, p. 185
[2] CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa anotada. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 336-337
[3] STRECK, Lênio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria do Estado. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 96
[4] VASAK, Karel. Las Dimensiones Internacionales de los Derechos Humanos. Barcelona: Serbal/unesco, 1984.
[6] SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 596
[7] BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Discriminação no Trabalho. São Paulo: Ltr, 2002, p. 37 e ss
[8] XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;
[9] VIII - a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão;
[10] STRECK, Lênio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria do Estado. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 97
[11] CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. O Direito à Diferença: As Ações Afirmativas como Mecanismo de Inclusão Social de Mulheres, Negros, Homossexuais e Pessoas Portadoras de Deficiência. 3. ed. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2009, p. 15
[12] “Em 1892, um afro-americano chamado Homer Plessy rejeitou oferecer seu assento em um trem para um homem branco, em New Orleans, sendo preso como consequência. Plessy alegou judicialmente que sua prisão infringia a décima quarta emenda. Ainda assim, a Suprema Corte decidiu contra o réu, por 8 votos a 1, alegando: The object of the [Fourteenth] amendment was undoubtedly to enforce the equality of the two races before the law, but in the nature of things it could not have been intended to abolish distinctions based upon color... If one race be inferior to the other socially, the Constitution of the United States cannot put them upon the same plane. (DUARTE, A. C. A Constitucionalidade das Políticas de Ações Afirmativas. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado, abril/2014 (Texto para Discussão nº 147). Disponível em: www.senado.leg.br/estudos. p.09)
[13] CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza; CABRAL, Maria Walkíria de Faro Coelho G.. AÇÕES AFIRMATIVAS NO BRASIL: O TRABALHO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA TORNÁ-LAS POSSÍVEIS. Mpmg Jurídico, Belo Horizonte, v. 11, p.41-45, 2014.
[14] PIOVESAN, Flavia. Ações afirmativas da perspectiva dos direitos humanos. Cad. Pesqui. [online]. 2005, vol.35, n.124, pp.43-55., p. 46
[15] Rawls chega a se utilizar da estrutura do imperativo categórico kantiano para afirmar seus princípios de justiça: “a) cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas que seja compatível com um sistema semelhante de liberdade para as outras. b) as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo (b1)consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável, e (b2) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos.” RAWLS, John. O direito dos povos. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 64
[16] RISCAL, Sandra Aparecida. Política educacional, justiça distributiva e equidade: considerações sobre as políticas compensatórias para a educação. Revista HISTEDBR On-Line, v. 11, n. 44, p. 248-261, 2011.
[17] BRASIL. STF. ADC nº. 41/DF. Relator: Min. Luís Roberto Barroso, p. 09 e 10.
[18] FRASER, Nancy. Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas da justiça numa era “pós-socialista”. Cadernos de Campo (São Paulo, 1991), v. 15, n. 14-15, p. 231-239, 2006.
[19] BRASIL. STF. ADC nº. 41/DF. Relator: Min. Luís Roberto Barroso, p. 07
[20] “Insistirei em distinguir analiticamente injustiça econômica e injustiça cultural, em que pese seu mútuo entrelaçamento. O remédio para a injustiça econômica é alguma espécie de reestruturação político-econômica. Pode envolver redistribuição de renda, reorganização da divisão do trabalho, controles democráticos do investimento ou a transformação de outras estruturas econômicas básicas. O remédio para a injustiça cultural, em contraste, é alguma espécie de mudança cultural ou simbólica. Pode envolver a revalorização das identidades desrespeitadas e dos produtos culturais dos grupos difamados. Pode envolver, também, o reconhecimento e a valorização positiva da diversidade cultural. Mais radicalmente ainda, pode envolver uma transformação abrangente dos padrões sociais de representação, interpretação e comunicação, de modo a transformar o sentido do eu de todas as pessoas. Embora esses remédios divirjam significativamente entre si, doravante vou me referir a todo esse grupo pelo termo genérico “reconhecimento””. FRASER, Nancy. Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas da justiça numa era “pós-socialista”. Cadernos de Campo (São Paulo, 1991), v. 15, n. 14-15, p. 231-239, 2006.
[21] SANTOS, B. de S. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitanismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. Introdução: para ampliar o cânone do reconhecimento, da diferença e da igualdade, p.56.
Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Especialista em Direito Processual Civil pelo IBDP e Universidade Anhanguera - SP. Advogado licenciado. Assessor Jurídico do 3° Ofício da Procuradoria Regional do Trabalho da 6ª Região.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Hantony Cassio Ferreira da. A igualdade como reconhecimento: a nova dimensão do princípio isonômico segundo o STF na ADC 41/DF Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jun 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51843/a-igualdade-como-reconhecimento-a-nova-dimensao-do-principio-isonomico-segundo-o-stf-na-adc-41-df. Acesso em: 23 dez 2024.
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