RESUMO: O presente artigo tem a finalidade de analisar a influência que a mídia exerce sobre o ordenamento jurídico, não focando apenas em uma determinada área jurídica, e nem para tanto apenas na ciência do Direito, deixando clara a multidisciplinaridade de temas, sendo analisado em primeiro momento a liberdade de pensamento de informação e sua função para a sociedade. Em seguida, o período histórico do período militar no Brasil, em que a liberdade de expressão e de imprensa era cerceada/controlada, e suas heranças na atualidade, bem como, rápida exposição da utilização destas heranças nos dias de hoje como forma de intimidação e repressão à oposição de pensamento. Após, será demonstrada uma breve análise do princípio da imparcialidade do juiz e sua importância e afeto a um julgamento justo ainda em conjunto com uma análise psicanalítica da visão Freudiana. Ao final será feito uma análise sobre a mídia como um “quarto poder” na sociedade e seus reflexos sobre a mesma, trazendo exemplos práticos contemporâneos de sua influência no sistema normativo.
Palavras-chave: Influência. Imparcialidade. Mídia. Ordenamento Jurídico. Liberdade Pensamento.
ABSTRACT: This article has a tax of influence that the media exerts on the legal system, not focusing only on a specific legal area, and not only on the science of Law, making clear the multidisciplinarity of themes, being analyzed in the first instance the freedom of information thinking and its function for society. Then, the historical period of the military period in Brazil, in which freedom of expression and the press was curtailed/controlled, and their inheritances today, as well as the rapid exposure of the use of these legacies today as a form of intimidation and repression of the idea of thought. Afterwards, a brief analysis of the principle of impartiality of the judge and its importance and affection to a fair trial will be demonstrated, together with a psychoanalytic analysis of the Freudian view. At the end, an analysis will be made about the media as a “fourth power” in society and its effects on it, bringing contemporary practical examples of its influence on the normative system.
Keywords: Influence. Impartiality. Media. Legal Order. Freedom Thought.
INTRODUÇÃO
Desde o início da humanidade, os indivíduos em geral, quase que sempre demonstraram interesses acerca dos problemas da criminalidade, mais do que isso, principalmente, por sua punição.
Com a globalização, expansão da mídia, das tecnologias, o acesso à informação ficou mais fácil e acessível, porém, nem sempre corretos. Consequentemente com esses avanços e mais tecnologias, as notícias chegam aos indivíduos com maior facilidade e rapidez resultando em uma maior discussão e opinião sobre qualquer tema, seja ele qual for.
É incontestável e preponderante o papel da mídia como formadora de opinião, os instrumentos e meios utilizados pela classe midiática bombardeiam notícias e informações nas pessoas diuturnamente com o escopo de (de)formar cidadãos.
A construção de determinada realidade sob a influência da mídia é inquestionável, principalmente quando o indivíduo não tem acesso às informações e/ou é leigo no determinado assunto, como é o que ocorre nos casos da justiça, principalmente quando se trata da justiça penal.
O termo mídia atualmente comporta inúmeros significados onde é feito a transmissão do emissor ao receptor sobre diversos assuntos e fatos, utilizando-se para tanto, vários instrumentos para reproduzir as ideias, sejam esses meios, os rádios, televisões, jornais impressos, cinema, e cada vez mais o meio telefônico. A mídia é um suporte de difusão da informação que constitui um meio intermediário de expressão capaz de transmitir mensagens; utilizando-se de meios de comunicação social de massas (GEBRIM, 2017).
Não foi sem razão que o sociólogo Niklas Luhmann (2005, p. 15) afirmou que “[...] aquilo que sabemos sobre nossa sociedade, ou mesmo sobre o mundo no qual vivemos, o sabemos pelos meios de comunicação”.[1]
Sendo assim, é notável que a mídia seja capaz de mobilizar seu público alvo exercendo influência sobre o seu modo de pensar e agir. Não obstante, é chamada de “Quarto Poder”, expressão originária na Inglaterra liberal em meados do século XIX influenciada pelo pensamento político inglês, utilizada para declarar que os meios de comunicação podem e exercem influência sobre a sociedade.
Atualmente, a função dos meios de comunicação não está restrita apenas em informar a sociedade sobre o que está ocorrendo, mas, além disso, está em formar sua opinião e muitas das vezes aproveitando da hipossuficiência cultural e cognitiva daqueles que estão sendo alvejados.
Entretanto, por mais que tal afirmação seja algo já internalizado e notório por parte da sociedade há que se falar e preservar também a liberdade de imprensa formalizada na Constituição Federal de 1988 e regulamentada pela Lei 5.520/97.
A realidade atual no Brasil nos demonstra que, em vários casos a influência da mídia pode trazer tanta comoção social que dificulta até mesmo os operadores do direito se manterem neutros para solucionarem tal lide, sobrecarregando em seu pensamento não somente a parte técnica, mas, também a opinião pessoal e pública, “esquecendo” por vezes as garantias processuais e constitucionais do(s) paciente(s).
Como será demonstrado no decorrer do presente artigo com exemplos reais e atuais, o operador do direito que, também como um cidadão, está predestinado a ser inundado dessas informações que chegam de todos os lados e a todo o momento. Entretanto essa realidade tem dificultado e refletido nas decisões – não sociais, mas técnicas – acarretando na influência dos julgamentos, de modo que magistrados e jurados julgam por acatar/temer o clamor social.
1 TRANSDISCIPLINARIEDADE DO TEMA
Cumpre esclarecer de antemão que, o tema abordado se diz respeito tanto à atividade de comunicação (Jornalismo), quanto à área do Direito, ou seja, aspectos jornalísticos e jurídicos serão mesclados, bem como, histórico, filosófico, antropológico e psicológico.
A metodologia que será utilizada no presente trabalho será uma compilação doutrinária acrescido de estudo de casos relevantes para o desenvolver da matéria, pois, não há muitos materiais referentes a questões que mesclam Jornalismo e Direito como diz Fábio Martins de Andrade em seu livro Mídia e Poder Judiciário: A influência dos órgãos da mídia no processo penal brasileiro, destacando que:
No Brasil, particularmente, não se encontram livros escrito sobre o tema objeto de estudo deste trabalho. Todavia, ultimamente começam a surgir seminários e congressos dedicados ao debate deste tema. Além disso, há artigos doutrinários escritos por eminentes juristas que, por vezes, se dedicaram a este estudo; algumas vezes, no entanto, trata-se de verdadeiros desabafos de profissionais cansados de assistir à interferência dos órgãos nos processos penais sob os seus patrocínios. (ANDRADE, 2007, p. 78).
Embora não haja tal comprovação científica sobre a matéria debatida, mas sim, hipóteses como “pistas”, “sintomas”, “indícios”, a sua mera possibilidade por pensamentos devidamente fundamentados, por si só já são suficientes para que a hipótese sustentada adquira o valor necessário, como tutela o professor acima mencionado.
2 DA LIBERDADE DE PENSAMENTO, INFORMAÇÃO E FUNÇÃO SOCIAL
Não se pode falar em Estado Democrático de Direito sem falar em liberdade, estes andam juntos. Logo em uma sociedade, o direito à informação é meio imprescindível para que pilares constitucionais relevantes sejam atendidos, tendo seu respaldo no direito à liberdade, expressão intelectual, científica, artística e comunicação sem qualquer censura ou licença, ressalvado excepcionalidades formais contrárias (PACHECO, 2021).
Conforme se extrai dos textos do artigo 5º, incisos, IX, XIV da Constituição Federal de 1988:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; [...] XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional; [...].[2] (BRASIL, 1988, p. s.n.).
Segundo Carvalho (2021) Antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, a era Republicana no Brasil teve nascimento no ano de 1889, com sua proclamação feita por Marechal Deodoro da Fonseca. De lá pra cá, o país passou por grandes e importantes mudanças governamentais, sendo uma delas o período militar que se perdurou por mais de vinte anos na história Brasileira.
Nesse período (1º de abr. de 1964 – 15 de mar. de 1985) ocorreram 5 mandatos militares e dos quais houve 16 atos institucionais – que sobrepunham à constituição como “mecanismos legais” – nesse período houve restrição repressão a oposição, a liberdade, e censura (CARVALHO, 2021).
2.1 Leis da censura prévia
O Decreto-Lei nº 1.077 de 21 de janeiro de 1970 instituiu a censura prévia, que era exercida de duas formas conforme demonstra Oliveiri (2014, p. s.n.).
Os veículos eram obrigados a enviar antecipadamente o que pretendiam publicar para a divisão de censura do Departamento de Polícia Federal em Brasília ou uma equipe de censores instalava-se na redação de jornais e revistas para decidirem o que poderia ou não ser publicado, porém o controle sobre os meios de comunicação já haviam sido regulamentados pela Lei 5.520/67 (Lei de Imprensa) que restringia a liberdade de expressão, ocorre, no entanto que, com a edição do famoso AI-5 sancionada pelo então presidente Artur da Costa e Silva em 13 de dezembro de 1968 a situação tornou-se mais crítica. A grande atuação do AI-5 para a imprensa é o fato de que, a partir dele, a censura se tornou explícita fazendo com que profissionais não só da imprensa, mas também da música, cinema, teatro e televisão aprendessem a lidar com os limites, impossibilitando o uso de qualquer mídia de comunicação para propagar notícias, acontecimentos, críticas, sugestões ou qualquer tipo de informação social.
Por sinal, como já exposto anteriormente, o Decreto-lei nº1077 tratava de questões morais, para revistas, rádio, TV e livros. Não é plausível, portanto, supor que a censura da imprensa tenha sido realizada com base no decreto. De fato, a censura das diversões públicas tinha caráter em sua maioria prévio, ou seja, programas de TV, filmes, teatro, alguns livros e revistas, eram barrados antes mesmo de serem liberados, sendo inclusive totalmente admitida pelos militares. Após tempos sombrios de censura e usurpação de direitos fundamentais e sociais, o país democratizou-se com o advento da Constituição Federal de 1988 (OLIVIERI, 2014).
Nesta Carta Constitucional o direito de manifestação, criação, expressão e informação veio ser garantido através do dispositivo 220 garantindo a publicidade dos conteúdos informativos sem qualquer interferência estatal, vejamos:
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. § 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. § 6º A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade. (BRASIL, 1988, p. s.n.).
Posto isso, da simples leitura do texto constitucional em seu artigo 5º, uma expressiva e gigantesca conquista social e democrática foi alcançada, demonstrando a importância dos meios de comunicação para o desenvolvimento crítico-social, deixando claro o quão essencial é a atividade jornalística para o desenvolvimento de um país, através da propagação de informação e o acesso ao conhecimento, além de realçar e garantir o direito à liberdade, livre manifestação e exercício profissional.
2.2 Da censura na atualidade
Apesar das várias conquistas formais e constitucionais, falarei brevemente aqui sobre censuras que vem ocorrendo em pleno século XXI. Em um mundo totalmente globalizado ao qual vivemos, ainda assim existem censuras à liberdade de manifestação de pensamento.
Após anos de luta e censuras feitas durante o regime militar, o atual Presidente da República do Brasil (Jair Bolsonaro) vem usando através da Advocacia Geral da União (AGU) o Decreto-Lei nº 898 (AI-5), denominado Lei de Segurança Nacional (LSN), de 29 de setembro de 1969, complementada no ano seguinte pelo Decreto-Lei nº 1.077 para invocar processos contra críticas a ele direcionadas, inclusive contra opositores políticos como Guilherme Boulous[3], influenciadores digitais de grandes alcances como Felipe Neto[4], e até mesmo cidadãos que o criticaram em redes sociais por sua conduta referente ao enfrentamento a pandemia COVID-19 que se instaurou ao redor do mundo no ano de 2020/2021.
Como demostrado até aqui, a Lei de Segurança Nacional (LSN) não deveria nem ser objeto de trabalho da Polícia Federal, mas, sim pauta para historiadores. Parece-nos que nada foi aprendido no passado recente. Tal lei deveria dar lugar à outra lei que não trate críticos como inimigos.
Como bem disse o ilustríssimo Lenio Luiz Streck (2021, p. s.n.), que
[...] o melhor seria se essa lei (LSN) fosse varrida, que ela é um entulho e no lugar dela fosse colocada uma lei de defesa do Estado Democrático de Direito, que é uma lei nova, que nós estamos fazendo, que não trata os adversários políticos ou os críticos do regime como inimigos.[5]
Indo mais a fundo, continua ainda Lenio Streck (2021, p. s.n.), expondo sua opinião sobre a recepção ou não da Constituição de 1988 frente à Lei de Segurança Nacional, vejamos:
Eu penso que esta lei não está recepcionada [pela Constituição Federal de 1988] porque ela tem uma péssima filiação, a origem é viciada, o fundamento que é a ditadura militar, a própria lei diz defesa do regime, daquele regime. Então, tem uma série de problemas. O correto é tirar essa lei fora do sistema, evidente. Mas provavelmente o Supremo não o fará.
Ou seja, ter que debater ainda, algo que já era pra estar fora do ordenamento jurídico, discutir uma herança tóxica deixada pelo entulho da ditadura, ou que, no mínimo deveria já ter sido substituída por lei voltada a real proteção das instituições democráticas além de ser um atraso ao nosso ordenamento, é uma afronta à mídia, democracia e a constituição cidadã, configurando ainda a reciclagem, ou seja, a ressureição de leis da ditadura para a perseguição de desafetos políticos como desvio de finalidade.
3 PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE DO JUIZ E INDEPENDÊNCIA DO JUDICIÁRIO
Existem vários segmentos que fortalecem os dispositivos constitucionais que não sejam somente a liberdade de expressão individual ou de imprensa, o Poder Judiciário, por exemplo, é uma instituição de grande relevância nesse cenário, entretanto para garantir os direitos fundamentais e resolverem os litígios, se faz necessário um judiciário totalmente independente e imparcial nas demandas judiciais (SOUZA).
Correia (2014) explica que a autonomia do juiz quando confrontado com determinadas situações e acrescenta que o juiz observa as leis e as aplica a partir das regras que constrói regras de interpretação, processuais e de aplicação.
Conforme Cavalli (2016) discorre, o princípio do livre convencimento está implícito quando o magistrando observando a formalidade constrói regras para o determinado caso contrato interpretando-as de sua forma, sendo este princípio essencial para garantir ao magistrado a possibilidade de decidir sobre determinado caso de forma imparcial e independente.
Entretanto Vidal (2017, p. 190) alerta que
[...] o magistrado não se pauta em sua liberdade individual ou autonomia negocial, mas em poderes que relacionados ao interesse do Estado no exercício eficaz da jurisdição, isto é, poderes de gerenciamento do processo.[6]
Já o princípio da imparcialidade do juiz trata-se deum dos princípios mais importantes que regem nosso processo, é através dele que os outros princípios e regras são cumpridos, sendo uma garantia para as partes saberem que, o magistrado não julgará conforme sua opinião ou entendimento subjetivo, mas, sim que prevalecerão as leis formais para fundamentar suas decisões. Como consta em vários dispositivos legais, a imparcialidade é uma peça do devido processo legal, sendo imprescindível para o Estado Democrático de Direito. O princípio supracitado é tão fundamental ao devido processo legal que, tanto o impedimento quanto a suspeição deverão ser reconhecidas ex officio pelo juiz, caso em que, o magistrado voluntariamente se afasta do processo que passará ao seu substituto legal como leciona (PACHECO, 2019).
De acordo com Dinamarco (2004, p. 189):
Assegurar a imparcialidade nos julgamentos mediante o prestígio ao princípio do juiz natural significa preservar a impessoalidade no exercício do poder estatal pelos juízes, agentes públicos que não podem atuar em proveito de interesses particulares, mas para a obtenção dos fins do próprio Estado.
A imparcialidade aqui mencionada se refere à vontade própria do julgador legal e os meios externos (mídia) que influenciam na decisão do magistrado, que deve(ria) julgar sem ser influenciado por suas convicções passionais, pessoal, políticas ou religiosas como nos revela o código de ética da magistratura nacional em seu artigo 4º que exige-se do magistrado que seja eticamente independente e que não interfira, de qualquer modo, na atuação jurisdicional. Ou seja, um juiz munido do poder de decisão pode sim ser afetado com a inflamação da mídia e repercussões/comoção social, sentindo-se pressionado a aplicar penas mais ou menos rígidas a acusados X ou Y (PACHECO, 2019).
No entanto, alguns estudiosos questionam o comportamento do poder judiciário quando este é confrontado pelo poder que a mídia exerce em determinados casos de grande repercussão.
Ricardo Vieira de Carvalho Fernandes (2013) nos diz que, os fatores que decidem a tomada de certa decisão judicial não são estritamente jurídicos, ou seja, os magistrados usam situações fora do contexto jurídico para usar o seu livre convencimento motivado. Assim, Fernandes (2013, p. 13) destaca, in verbis:
A presença destas razões extrajurídicas, citadas expressamente ou não, é notoriamente perceptível em algumas situações: (i) casos difíceis (hard cases), como os que tratam de desacordos morais razoáveis, como aborto, homossexualidade, transgênicos, início da vida, suicídio assistido, entre outros; (ii) julgamentos tributários; (iii) matéria previdenciária no tocante à aposentadoria etc.
Nessa toada, Camponez (2018, p. 115) destaca que, “[...] na medida em que ganha os holofotes, as decisões do sistema de justiça passam a sofrer influência fora dos muros institucionais que tem impactos no seu funcionamento”.[7]
Já em uma análise antropológica e psicológica, Freud (2011) em estudo minucioso do polímata francês Gustave Le Blon, chegou à conclusão de que a massa conhece sua força mesmo admitindo ser ignorante:
Como a massa não tem dúvidas quanto ao que é verdadeiro ou falso, e tem consciência da sua enorme força, ela é, ao mesmo tempo, intolerante e crente na autoridade. Ela respeita a força, e deixa-se influenciar apenas moderadamente pela bondade, que para ela é uma espécie de fraqueza. O que ela exige de seus heróis é fortaleza, até mesmo violência. Quer ser dominada e oprimida, quer temer os seus senhores. No fundo inteiramente conservadora, tem profunda aversão a todos os progressos e inovações, e ilimitada reverência pela tradição (p. 37). (FREUD, 2011, p. 27).
Assim da pra se extrair que os casos de maiores complexidades e que ganham maiores proporções de interesse público, é possível compreender a sensitividade da massa e a facilidade de dominá-la utilizando técnicas que ela desconhece, assim é a imprensa. Com isso, levam o corpo do campo jurídico a sair de sua independência – já que juristas também são dotados de sentimentos – e realizar debates que ultrapassam a ciência do direito, chegando aos costumes da sociedade que, quase sempre é massificada e “doutrinada” pelo campo midiático, percebendo que os elementos extrajudiciais podem estar presentes em várias situações sem que sejam tacitamente citados, ou seja, eles estariam presentes, porém de forma indireta ou subjetiva (SOUZA, 2021).
Portanto Freud (2011) trabalha nessa linha, de que, na possibilidade de que, partindo da psicanálise, seria possível a influência de um campo em qualquer outro campo, quiçá jurídico.
Com as intervenções da imprensa, e sendo esta o “olho da sociedade”, acaba-se por findar nada mais do que um tribunal popular repleto de lesões constitucionais e processuais além de penas arbitrárias.
4 MÍDIA COMO QUARTO PODER
Até hoje não há um consentimento entre os estudiosos sobre quando a denominação de “quarto poder” foi dada aos veículos de comunicação. Fábio Martins de Andrade citando Daniel Corlu (2007, p. 78) dispõe que
foi sob a influência do pensamento liberal e da reflexão sobre a separação dos poderes que nasceu, para qualificar o papel da imprensa, a expressão hoje aviltada de ‘quarto poder’. A sua atribuição é incerta. Thomas Carlyle atribuiu a sua paternidade a Edmund Burke, mas ninguém encontrou vestígios da mesma na sua obra impressa. Seja como for, a propagação das ideias liberais abre uma era de tensão intensa entre a esfera do poder e a esfera pública, doravante ocupada por uma imprensa com meios mais poderosos e uma audiência mais vasta.
Continuando o pensamento acima e conforme mencionado na introdução do presente trabalho, segundo Uchôa, tal ideia surgiu no início do século XX na Inglaterra clássica-liberal, ficando a expressão popularizada nas democracias até serem relacionadas com os três poderes (BRITO, 2009).
Prosseguindo com o conceito de mídia como quarto poder, Betch Cleinman (1999, p. 22) expõe que:
A mídia, pouco a pouco, busca ocupar o espaço central das sociedades democráticas, com o pretexto de ser o potente instrumento capaz de iluminar os cantinhos mais obscuros da vida econômica, política e social. [...] em nome da informação devida ao público, tenta impor-se como o Quarto Poder da República.[8]
A mídia é responsável por expandir notícias em tempo real, sendo notório que os diversos meios de comunicação existentes na atualidade são dotados de grande poder, que, por muitas vezes podem ser usados de maneira errônea no intuito de distorcer informações e criar uma falsa realidade (PACHECO).
Face ao exposto, penso que, a força da mídia influencia pensamentos e as ações das pessoas há anos, entretanto, a liberdade de imprensa, que, sempre deverá prevalecer sobre censuras, jamais pode ser confundida com libertinagem, onde se tem como escopo condenações rápidas e imediatas sem o zelo ao devido processo legal (PACHECO).
Como exemplo do que seria uma interferência de fato da mídia no código processual (principalmente penal) extraiamos do belo reflexo da promotora de Justiça Ana Lúcia Menezes Vieira (2003, p. 52-53), que diz que
[...] a linguagem sensacionalista, caracterizada por ausência de moderação, busca chocar o público, causar impacto, exigindo envolvimento emocional, ou seja, os meios de veiculação midiáticos constroem um modelo informativo que difusa os limites do real (técnico) e do imaginário.[9]
Há correntes que negam este papel de “Quarto Poder” por motivos de falta de legitimidade e pela falta de controle existente nos órgãos de comunicação, mas, será que a falta de pressupostos formais diminuem ou, tornam “ilegítimos” esse poder subjetivo que detêm a mídia? Pois bem, diante dos fatos, entendimentos doutrinários e principalmente o nosso dia a dia nos mostram que isso não se faz necessário (CLEIMAN, 1999).
5 RESULTADOS DE FATOS DA INTERFERÊNCIA MIDIÁTICA, E A LEI 8.072/90
Como confirmação das ideias expostas, passemos aos exemplos fáticos e práticos da influência do “quarto poder” no ordenamento jurídico, destacando nesse estudo a Lei 8.072/90, fruto de uma intensa pressão da mídia diante da criminalidade ocorrida nos meios urbanos e que foi promulgada com o célebre caso do sequestro do empresário Roberto Medina (TARTAGLIA, 2021).
Faz se necessário aqui mencionar que até então o delito de extorsão mediante sequestro ainda não estava incluso no rol dos crimes hediondos, o clamor dos veículos de comunicação antes e depois dos fatos ocorridos com os empresários, associado com a onda de criminalidade urbana resultaram na promulgação da Lei 8.072/90 que é seguramente uma das leis mais midiáticas produzidas no Brasil (MASCARENHAS, 2010).
Como bem coloca Zaffaroni e Pierangeli (2002, p. 522):
Menos de 2 anos após a Constituição Federal de 1988, o legislador ordinário, pressionado por uma arquitetada atuação dos meios de comunicação social, formulava a lei 8072/90. Um sentimento de pânico e de insegurança – muito mais produto de comunicação do que realidade – tinha tomado conta do meio social e acarretava como consequência imediatas a dramatização da violência e sua politização.
Conforme narra Mascarenhas (2010) a velocidade de tramitação do projeto no congresso não foi acompanhada da segurança necessária do congresso nacional (parlamentares) quanto à matéria nos momentos de votação, porém, a sociedade não podia esperar e a mídia estava impaciente.
Então, no dia 25 de julho de 1990 os misturados substitutivos da Câmara juntamente com os diversos projetos de leis se tornaram a lei 8.072/90 (MASCARENHAS, 2010).
A incerteza das tramitações e do que seria votado pode ser comprovado com falas dos congressistas, que não tinham a menor ideia do que estavam fazendo, como pode se ver abaixo:
Eu estou com graves dúvidas sobre a parte técnica desta matéria. Pergunto a V. Exª, Sr. Presidente, não pode haver uma pausa, pelo menos de cinco minutos, para examinarmos isso? Porque, do contrário, vou me negar a votar. – Senador Cid Sabóia de Carvalho”. (PMDB). (FIGUEIREDO, 2006, p. s.n.).
Seguindo a ciência psicanalítica, diante de uma visão social baseada em uma teoria psicológica (considerando a sociedade como uma massa homogênea de pessoas que precisa(va) ser controlada, pode-se considerar os meios de comunicação uma gigante e importante ferramenta para o alcance desses objetivos para tanto, Freud (2011, p. 235) diz que “[...] se os indivíduos da massa estão ligados numa unidade, tem de haver algo que os une entre si, e este meio de ligação poderia ser justamente o que é característico da massa”.[10]
Extraindo das lições freudianas e da declaração do Senador Cid Sabóia, claramente podemos ver a interferência dos meios de comunicação no ordenamento jurídico, de forma clara e (in)direta, passando por cima dos termos técnicos e procedimentos formais que regem o nosso sistema normativo, assim como ocorreu com a Lei de execuções penais 10.792/03, que, foi mais uma aberração jurídica e violadora de direitos e que ainda nos mostra que o agravamento da lei penal supracitada não reduziu a criminalidade, apenas trouxe mais consequências perversas já deixadas pela Lei dos Crimes Hediondos, como a superpopulação carcerária. (MASCARENHAS, 2010).
Com isso da para se chegar à conclusão de que a Lei nº 8.072/90 foi mais um atropelo do legislador na sua pressa irrefreada em punir para atender ao apelo midiático reflexionado na população, porém mais do que “apenas” a celeridade informal para o cumprimento das vontades e pressões externas, o grande problema aqui está na usurpação e esquecimento dos operadores e legisladores do direito acerca das matérias constitucionais, formais e materiais por causado clamor sociais apenas para satisfazerem o interesse subjetivo social-punitivo destes (MASCARENHA, 2010).
5.1 Influência da interferência midiática no caso Lava Jato
Falaremos brevemente aqui sobre senão o maior caso de influência direta dos meios de comunicações no judiciário, que impactaram diretamente no Estado Democrático de Direito, principalmente no seu principalmente pilar que é o devido processo legal, que é o caso da Lava Jato.
O julgamento segundo os princípios de existência de um juiz natural e imparcial em Estados do Direito, como o é – ou pretende ser – o brasileiro, se vê, atualmente, enfraquecido pelo amplo acesso dos meios de comunicação aos processos criminais, tornando cada vez mais frequente à existência de julgamentos pela mídia, nos quais os acusados são destituídos de sua presunção de inocência, ainda mais quando figuram no banco dos réus agentes políticos, a condenação quase sempre já está proferida: a condenação sumária dos acusados. A operação Lava-Jat, sempre estará a nos lembrar disso (GOLAMBIUK, 2020).
De “maior operação anticorrupção da história” ao maior escândalo judicial, é o que afirma Gaspard Estrada, diretor-executivo do Observatório Político da América Latina e do Caribe (Opalc) da universidade Sciences Po de Paris, em artigo publicado no The New York Times (ESTRADA, 2021).
A operação Lava-Jato trouxe elementos jurídico-objetivos que violam o Estado Democrático de Direito e suas legalidades e que mais tarde veio a ser confirmado pela operação “spoofing” que ficou mais conhecida vulgarmente como “Vaza-Jato”, vejamos em síntese algumas irregularidades: “- Juiz orientando atuação da acusação - Juiz cobrando denúncia - Juiz e MP reunindo com autoridades exteriores - Juiz cobrando manifestação nos autos.[11]
Essas são algumas das ilegalidades ocorridas durante a operação Lava-Jato que confirmam a que o Estado-Juiz e Acusação (MPF) agiram de forma absolutamente arbitrária, praticando um agir estratégico, quebrando leis, contrariando a Constituição e os acordos internacionais e além, quebrando até mesmo a confiança no Direito, no poder judiciário (LIMA, 2015).
Segundo o sociólogo e professor da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP) a mídia tem um comportamento em relação aos governos Lula e Dilma constante e regular de apresentar de uma maneira seletiva os dados eventualmente negativos (LIMA, 2015).
A forma que a mídia abordava o ex-presidente Lula foi seletiva-negativa, assim, pela lógica, Lula foi preso através da relação com chamadas, manchetes e imagens. Considerando o caráter parcial da mídia e sua influência na opinião pública, e, levando em conta que tal euforia da sociedade reflete diretamente no Poder Judiciário e Legislativo, pode-se considerar que o ex-presidente não teve um julgamento justo, ou seja, imparcial, com base nesses fatores externos que está legalmente fora das interpretações dos tribunais, o que mais tarde, veio a ser confirmado pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do HC 193.726 (COELHO, 2021).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme abordado ao longo do presente artigo, a imprensa possui um papel fundamental na sociedade, visto que de fato contribuem para o acesso à informação conscientização e para a evolução social. O objetivo do trabalho não foi desmerecer a função que exerce os meios de comunicação, mas, de esclarecer que a sociedade em geral pode e geralmente é influenciada por opiniões distorcidas e imparciais de forma (in)direta sem que perceba. Como demonstrado a relação, mídia, política e judiciário estão sempre no paralelo, parece-nos mais ainda quando se fala da atuação da imprensa no campo jurídico. A liberdade de expressão é uma sustentação da liberdade democrática. Mas só poderá subsistir se feita com responsabilidade. Se nenhum poder pode tudo, logo a imprensa também tem que ter seus limites.
A pressão exercida pela mídia em determinados casos, busca a aproximação da população para conduzir o apelo social no corpo do campo jurídico, entretanto por muitas vezes tal ação foge do objetivo principal que é o de emitir informações.
Conforme corroborado, temos que proteger não somente os direitos e garantias constitucionais previstos à imprensa, mas, lembrarmo-nos de garantir os direitos das outras partes.
Ressalte-se também que, os casos mencionados neste artigo, ratificam para fortalecer o prisma influenciado, podendo observar que os exemplos adotados levam a realmente crer que todos eles sofreram certa influência do campo midiático.
Antigamente a censura funcionava bloqueando o fluxo de informações às pessoas, já no século atual ela faz o contrário, ela as inunde de informações irrelevantes, fazendo com que não saibamos mais o que prestar atenção, e, frequentemente passamos o tempo debatendo questões secundárias e/ou irrelevantes. Ou seja, num tempo remoto, ter poder significava ter acesso a dados, hoje, ter poder significa o que saber ignorar, portanto, de tudo que acontece em um mundo caótico como o nosso, no que devemos nos concentrar?
REFERÊNCIAS
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[1] Supressão nossa.
[2] Supressões nossas.
¹ AGUIAR, Plínio. PF intima Boulos para depor com base na Lei da Segurança Nacional. 2021. Disponível em: https://noticias.r7.com/prisma/r7-planalto/pf-intima-boulos-para-depor-com-base-na-lei-da-seguranca-nacional-21042021.
[5] Supressão nossa.
[6] Supressão nossa.
[7] Supressão nossa.
[8] Supressão nossa.
[9] Supressão nossa.
[10] Supressão nossa.
[11] CONJUR. Moro Orientou Deltan e consórcio manteve conversas clandestinas com EUA e Suíça. 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jan-28/moro-orienta-deltan-consorcio-mantem-conversas-clandestinas.
Artigo publicado nesse portal em 08/11/2021 e republicado em 15/03/2024.
Advogado. OAB/MG - 214.240. Justiça Federal. Justiça Eleitora
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SATIL, Felipe Eduardo Heringer. A influência da mídia no ordenamento jurídico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 mar 2024, 04:47. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57383/a-influncia-da-mdia-no-ordenamento-jurdico. Acesso em: 23 dez 2024.
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