Resumo: O autor analisa a Apelação Cível nº 1.0079.06.317157-7/001-TJMG (2016), que aparentemente, reconhece a prescrição intercorrente em processo administrativo fiscal, tendo por base o princípio constitucional da razoável duração do processo e o REsp 1138206/RS (2010) do Superior Tribunal de Justiça, para ao final concluir, com base na jurisprudência e nos princípios de direito, ser aceitável, em casos específicos, suscitar a ocorrência da prescrição intercorrente no processo administrativo, mas não no caso em análise.
Palavras-chave: Processo administrativo. intercorrente. razoável duração.
Abstract: The author analyzes the Civil Appeal nº 1.0079.06.317157-7/001-TJMG (2016), which apparently recognizes the intercurrent prescription in tax administrative process, based on the constitutional principle of reasonable duration of the process and REsp 1138206/RS (2010) of the Superior Court of Justice, in order to conclude, based on jurisprudence and principles of law, that it is acceptable, in specific cases, to raise the occurrence of intercurrent prescription in the administrative process, but not in the case under analysis.
Keywords: Administrative process. intercurrent. reasonable duration.
Sumário: Introdução. 1 Prescrição intercorrente. 1.1 Conceito. 1.2 Prescrição intercorrente na legislação brasileira e jurisprudência. 2. Apelação Cível nº 1.0079.06.317157-7/001-TJMG. 2.1 Contexto da publicação da Apelação. 2.2 Análise dos fundamentos da Apelação. Conclusão. Referências.
Introdução
Como é sabido a Apelação Cível nº 1.0079.06.317157-7/001-TJMG (2016), aparentemente, reconhece a prescrição intercorrente em processo administrativo fiscal, tendo por base o princípio constitucional da razoável duração do processo e o REsp 1138206/RS (2010) do Superior Tribunal de Justiça.
No entanto, cabe analisar se a decisão realmente se trata de prescrição intercorrente em processo administrativo fiscal? E se da fundamentação utilizada decorre logicamente a conclusão, para no final responder à pergunta do título.
Tendo por base: o pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça (AREsp 1018829/2020), sobre prescrição intercorrente, a Legislação Tributária, Legislação Processual, pesquisa bibliográfica abordando as opiniões de renomados doutrinadores e decisões jurisprudenciais, bem como a definição do termo “razoável”, será analisado o Acórdão de Apelação Cível nº 1.0079.06.317157-7/001-TJMG (2016).
1 Prescrição Intercorrente
1.1 Conceito
Um bom conceito, e bem sucinto, é o trazido por Felipe Bartolomeo Moreira (2021):
É a perda do direito de exigir um direito pela ausência de ação durante um determinado tempo no curso de um procedimento. Possui como finalidade o princípio da duração razoável do processo esculpido no art. 5º, LXXVIII da Constituição Brasileira.
O qual atende ao objetivo deste artigo, no entanto, caso haja interesse em aprofundar-se sugiro a leitura do artigo acima referenciado.
1.2 Prescrição intercorrente na legislação brasileira e jurisprudência
A prescrição intercorrente surge na legislação brasileira com o Código Penal (Decreto-Lei 2.848/1940) nos artigos 110 e seguintes.
Posteriormente, em 30 de dezembro de 2004, com a inclusão do parágrafo 4º ao artigo 40 da Lei de Execução Fiscal – LEF – (Lei 6.830/1980) pela Lei 11.051/2004, ficou formalizada a prescrição intercorrente na execução fiscal.
Já no Código de Processo Civil (CPC), tal situação só veio a ser contemplada no novo CPC de 2015, no artigo 921 que trata de execução e, em seu parágrafo quarto, praticamente transcreve o parágrafo quarto do artigo 40 da LEF.
E na CLT (Decreto-Lei 5.452/1943), tal situação só foi formalizada com a inclusão do artigo 11-A pela Lei nº 13.467/2017, publicada em 14/07/2017, com vigência 120 dias após.
Observando as leis acima pode-se concluir que a previsão de prescrição intercorrente surge no Código Penal de 1940, muito provavelmente por tutelar um bem maior para o ser humano, que é a liberdade, e só nele pode se extrair aplicação do referido instituto para outras fases processuais fora da execução, nas demais só há previsão legal para esta fase.
Antes da formalização no CPC, como bem coloca Filipe Bartolomeu Moreira (2021), em 1963 o Superior Tribunal Federal editou duas Súmulas a 150 e a 264:
“[...] Enunciado 150 de sua Súmula com o seguinte teor: “Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação”. Esta foi uma ideia do que poderia ser a prescrição intercorrente.
Isso porque, se a parte permanecesse inerte entre: A data do trânsito em julgado da sentença que concedeu/declarou o seu direito e; A propositura de ação de execução de título extrajudicial [...]. Então ocorreria a prescrição da propositura da ação executiva.
[...] no final de 1963, o Supremo Tribunal Federal editou o Enunciado 264 de sua Súmula com o seguinte teor: “Verifica-se a prescrição intercorrente pela paralisação da ação rescisória por mais de 5 anos”
Neste caso percebe-se a clara apresentação da prescrição intercorrente, posto que no curso da demanda (rescisória) e pela paralisação (inércia) da parte pelo período de mais de 5 anos.
As quais permitiam decretar a prescrição intercorrente, convém lembrar que o mesmo autor defende sua ocorrência em outras fases processuais, baseado na doutrina e jurisprudência.
Ressalte que no Código Tributário Nacional (CTN) não há previsão de tal instituto.
2. Apelação Cível nº 1.0079.06.317157-7/001-TJMG
2.1 Contexto da publicação da Apelação
Conforme se observa do acórdão, a apelação é contra uma decisão do juiz da vara de execução fundamentada no parágrafo 4º do artigo 40 da Lei 6830/1980, abaixo transcrito:
Art. 40 - O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.
[...]
§ 2º - Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos.
[...]
§ 4o Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004) (BRASIL, 1980)
Que autoriza a decretação da prescrição intercorrente, estando, portanto, o processo em fase de execução. Apesar de a decisão só citar o parágrafo 4º, para melhor entendimento de como é contado o prazo, foi transcrito também o parágrafo 2º.
Deduz-se do curto relatório, que o Município de Contagem, já com o processo em fase de execução, solicitou suspensão para resolver pendências administrativas requeridas pela executada.
Esta situação, significa que já havia sido encerrada a fase de julgamento administrativo e consequentemente sido emitida a Certidão de Dívida Ativa (CDA).
2.2 Análise dos fundamentos da Apelação
Como colocado o processo estava em fase de execução, sendo que para tal fase se faz necessário a CDA, a qual tem presunção de certeza e liquidez (art. 204 do CTN) e é emitida pela administração após verificado o auto de infração e concluído pela sua correção.
Outro ponto a ressaltar é que o CTN, em diversas oportunidades se utiliza das palavras específicas: “regular/regularmente” (arts. 141, 145, 154, 185, 201, 204 etc.) e “definitiva/definitivamente”, (arts.129, 154, 174 etc.) quando se refere ao crédito tributário.
Sendo que as primeiras palavras se referem ao crédito constituído com observância do trâmite legal, como colocado no artigo 142, quais sejam: Agente capaz; Determinação da matéria tributável; Cálculo do montante do tributo devido; Identificação do sujeito passivo; Proposição de aplicação da penalidade cabível.
Já as segundas se referem ao crédito, que não cabe mais discussão administrativa, ou seja, que já tenha completado todas as fases administrativas de constituição, estando, portanto, definitivamente constituído.
Feitas estas breves explanações temos condições de seguir com o nosso estudo.
Observa-se que o Acórdão analisado, o qual teve aprovação unânime, começa sua fundamentação concordando com a prescrição intercorrente decretada na fase de execução, com base nos artigos 174 e 156, V:
“[...]a prescrição prevista no artigo 174, do Código Tributário Nacional dispõe sobre o prazo da cobrança do crédito tributário já constituído definitivamente pela autoridade administrativa, observado os requisitos do artigo 142, do Código Tributário Nacional. (Grifo nosso)
Não sendo ajuizada a ação de execução fiscal no prazo de 05 (cinco)anos, contados da constituição do crédito tributário, ocorrerá a perda do direito de ação para cobrança, o que implicará na extinção do crédito tributário nos termos do artigo 156, inciso V, do Código Tributário Nacional (fl. 3) (MINAS GERAIS, 2016)”
E continua a fundamentação:
“Após o ajuizamento da ação e havendo a inércia da Fazenda Pública em dar andamento regular ao feito, pelo período de 05 (cinco) anos ocorre a extinção da execução, em razão da prescrição intercorrente. [...] (fl. 4)” (MINAS GERAIS, 2016)
Veja que a Desembargadora na fundamentação admite que o crédito está definitivamente constituído.
A seguir cita Humberto Theodoro Júnior (2000), que, resumidamente, leciona ser possível a prescrição intercorrente desde a culpa seja exclusiva da Administração e também Hely Lopes Meirelles (2007) sobre o princípio da oficialidade que dispõe sobre o compromisso do Ente Público em impulsionar o feito. E segue nos seguintes termos:
“[...] a execução fiscal foi ajuizada em 2006 [...].
Em outubro de 2007, a parte apelante requereu a suspensão do feito pelo prazo de 90(noventa) dias tendo em vista a existência de recurso administrativo.
Decorrido um período superior a 07 (sete) anos de paralisação do feito e os inúmeros pedidos de suspensão, em 07 de maio de 2015, foi intimada a parte exequente para manifestar sobre possível prescrição intercorrente. (fl. 6)” (MINAS GERAIS, 2016)
A fundamentação estaria sem reparos se parasse por aqui, mas o que vem a seguir, salvo melhor juízo, não atende as boas práticas de direito, quando afirma:
Assiste razão a parte apelante que a existência de processo administrativo no qual se discute o crédito tributário, suspende a contagem do prazo prescricional diante da suspensão de exigibilidade do referido crédito.
Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: (...)
III - as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo; (fl. 6) (MINAS GERAIS, 2016)
Deve se ter em mente que:
I - se o crédito está em fase de execução fiscal é porque foi terminada a fase administrativa e emitida a Certidão de Dívida Ativa (CDA), que é quando se tem certeza do crédito de forma a atender o preceitos da CDA, previstos no artigo 204 do CTN;
II - o processo segue seu caminho (iter processual) “sempre em frente” visando a solução da lide, ou seja, não se pode querer que um processo que esteja em fase de execução, esteja também na fase de discussão administrativa.
Portanto quando a Desembargadora afirma que: assiste razão ao apelante no tocante a suspensão da contagem do prazo prescricional em virtude de processo administrativo, ela ignora o iter processual e ainda usa como fundamento, uma norma só aplicável na fase do contencioso administrativo, o que se pode observar combinando o inciso III do artigo 151 com o 141 do próprio CTN:
Art. 141. O crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nesta Lei, fora dos quais não podem ser dispensadas, sob pena de responsabilidade funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias. (Grifo nosso) (BRASIL, 1966)
Veja que este artigo deixa claro que só o “crédito tributário regularmente constituído”, tem sua exigibilidade suspensa, em outras palavras, tal situação não se aplica ao “crédito tributário definitivamente constituído”, o que é o caso.
Não bastasse isto, segue a Desembargadora na fundamentação invocando o princípio da razoável duração do processo:
Entretanto, é cediço que o artigo 5°, inciso LXXVIII, da CR/88, prevê que é assegurado a todos, seja no âmbito judicial, seja no âmbito administrativo, a razoável duração do processo. [...]
[...] não é possível aceitar a eternização das impugnações administrativas diante do princípio da razoável duração do processo. [...] devendo ser reconhecida a prescrição intercorrente [...]:(fl. 7) (MINAS GERAIS, 2016)
Ao se usar um princípio tem que ter muita ponderação para não seguir por raciocínios incorretos. Por exemplo, qual seria o significado de “razoável”? E o que seria um prazo “razoável” no caso em questão? Vejamos primeiro o significado trazido pelo Dicionário Michaelis:
adj m+f
1 Admissível segundo a lógica; racionável.
2 Plausível pela razão; racional.
3 Que apresenta bom senso; sensato: “Naquela situação o mais razoável e o mais prudente era sem dúvida esperar!” (AA2).
4 Sem excessos: “Nunca o desejo era razoável, mas um capricho puro” (MA3).
5 Que pode ser aceito; que está acima do medíocre; sofrível: “No momento do exame de internação, seu estado geral era razoável, tanto que não foi encaminhado à UTI” (CA).
Pode-se observar que o significado que mais se adequa a situação é o de número três, podendo ser aceito também, pelo sentido dado pela Desembargadora, o de número quatro.
Mas ainda resta saber o que seria um prazo “razoável” no caso em questão. Vejamos, se considerarmos que:
I - o processo se encontra em fase de execução, aí não há dúvidas, aplica-se o parágrafo quarto do artigo 40, da Lei 6.830/1980 e decreta-se a prescrição intercorrente;
II - por hipótese, o processo esteja em fase de contencioso administrativo, temos que levar em conta que nesta fase, diferente da execução, a impugnação válida, suspende a exigibilidade do crédito tributário pelo inciso III do artigo 151 do CTN e, nesta hipótese, o que seria um prazo “sensato” ou “sem excessos”? Deve-se ter em mente que o contribuinte, muitas vezes, não tem interesse que o processo administrativo seja célere, visto que está utilizando o dinheiro do Estado e, depois do julgamento, provavelmente pagará uma taxa bem menor que aquela que conseguiria se buscasse o recurso no mercado.
Portanto, ao decretar a prescrição intercorrente no processo administrativo, como no caso em questão, simplesmente pelo decurso de prazo, estaríamos a ferir de morte outro princípio de direito: “o direito não socorre aos que dormem”, visto que para caracterizar a mora do estado, independentemente do princípio do impulso oficial, necessitaria ficar caracterizado que houve interesse, por parte do contribuinte, em uma solução célere da lide administrativa, o que, salvo melhor juízo, não é o caso.
Ademais, em pronunciamento recente (05/08/2020), no Agravo em Recurso Especial 1018829 – PR, o Ministro Sérgio Kukina do STJ, em decisão monocrática, baseada em jurisprudências do próprio tribunal, posteriores a alteração constitucional que introduziu princípio da “razoável duração do processo”, reafirmou a inexistência de prescrição intercorrente no Processo Administrativo:
[...] o prazo prescricional para a cobrança do crédito tributário fica suspenso, nos termos do artigo 151, III, do CTN, só retornando seu curso, após a ciência pelo contribuinte do julgamento recursal.
Este, aliás, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. RECURSO ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE E DO PRAZO PRESCRICIONAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. DEMORA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7/STJ.
(...)
3. Ademais, nos termos da jurisprudência do STJ, o recurso administrativo suspende a exigibilidade do crédito tributário [...]. Assim, somente a partir da notificação do resultado do recurso tem início a contagem do prazo prescricional, afastando-se a incidência da prescrição intercorrente em sede de processo administrativo fiscal, pela ausência de previsão normativa específica. Agravo regimental improvido. (Grifou-se).
(STJ AgRg no AREsp 173621/RS Min. Humberto Martins - Segunda Turma -J. 18.09.2012 - DJ 25.09.2012).
[...]
TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. 'PRESCRIÇÃO. RECURSO ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. TEMA SUBMETIDO AO RITO DO ART. 543-C DO CPC. RESP 1.113.959/RJ. IMPOSSIBILIDADE DE PREQUESTIONAMENTO, EM RECURSO ESPECIAL, DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
I. [...] firmou o entendimento de que "o recurso administrativo suspende a exigibilidade do crédito tributário, enquanto perdurar o contencioso administrativo, nos termos do art. 151, III do CTN, [...] momento em que não se cogita do prazo decadencial, até seu julgamento ou a revisão ex officio, sendo certo que somente a partir da notificação do resultado do recurso ou da sua revisão, tem início a contagem do prazo prescricional, afastando-se a incidência da prescrição intercorrente em sede de processo' administrativo fiscal, pela ausência de previsão normativa especifica" (REsp 1.1 13.959/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, DJe de 11/03/2010). (...) (Grifou-se.) III. Agravo Regimental improvido. (STJ AgRg no AREsp 519222/RS1 - Rel. Min. Assusete Magalhães - Segunda Turma J. 24.03.2015 - DJ 07.04.2015). (BRASIL, 2020)
Conforme se observa das jurisprudências acima, o posicionamento do STJ, não foi alterado com a inclusão do princípio da razoável duração do processo pela Emenda Constitucional nº 45, de 31 de dez. 2004. Devendo ser ressaltado que o caso em análise no AREsp 1018829 – PR é ainda uma situação de demora maior que o acórdão ora discutido, conforme se pode ver no relatório:
[...] o processo administrativo fiscal ficou paralisado há mais de 10 (dez) anos ante a inércia da Administração Pública [...] (BRASIL, 2020)
Mas se o processo não está na fase de contencioso administrativo o que pode ter induzido a Desembargadora ao erro? A resposta pode estar em duas passagens do acórdão no voto:
[...] o apelante aduz em suas razões recursais que não há que se falar em prescrição, uma vez que foi requerida a suspensão do feito tendo em vista a pendência de recurso administrativo (fl. 2) [...]
[...] os autos foram encaminhados à diretoria de legislação tributária em 09/01/2009, sem data de retorno. (fl. 7)
[...] Dessa feita, não é razoável que a Administração Pública demore prazo superior a 09 (nove) anos para julgar de forma definitiva a constituição do crédito [...].(fl. 8) (Grifo nosso) (MINAS GERAIS, 2016)
Veja que no relatório (fl. 2) diz que o processo de execução foi suspenso a pedido da apelante para resolver pendência administrativa, até aí, tudo normal visto que a CDA, mesmo gozando de certeza e liquidez pode ser revista pela administração conforme dispõe o parágrafo oitavo, artigo 2º, da LEF:
Art. 2º [...]
§ 8º - Até a decisão de primeira instância, a Certidão de Dívida Ativa poderá ser emendada ou substituída, assegurada ao executado a devolução do prazo para embargos. (BRASIL, 1980)
E, apesar de suspenso, o processo segue na fase de execução, aguardando a resolução da pendência administrativa, sem que isto impeça que o prazo prescricional continue a fluir, após um ano de suspensão do processo, parágrafo quarto, do artigo 40 da LEF.
O que pode ter confundido a Desembargadora é o fato de constar documentos afirmando que o processo foi encaminhado à administração (fl. 7).
No entanto, a execução é instruída com a CDA e, se for o caso, cópias e certidões do processo administrativo, o qual não sai da Administração Pública, salvo em situações especiais, conforme dispõe o artigo 41 e seu parágrafo único da LEF:
Art. 41 - O processo administrativo correspondente à inscrição de Dívida Ativa, à execução fiscal ou à ação proposta contra a Fazenda Pública será mantido na repartição competente, dele se extraindo as cópias autenticadas ou certidões, que forem requeridas pelas partes ou requisitadas pelo Juiz ou pelo Ministério Público.
Parágrafo Único - Mediante requisição do Juiz à repartição competente, com dia e hora previamente marcados, poderá o processo administrativo ser exibido na sede do Juízo, pelo funcionário para esse fim designado, lavrando o serventuário termo da ocorrência, com indicação, se for o caso, das peças a serem trasladadas. (BRASIL, 1980)
O Acórdão, ora combatido, ainda tem por fundamento o REsp 1138206/RS, de 01 de setembro de 2010, (fls. 8 e 9) o qual, segundo a Desembargadora, permite declarar a prescrição intercorrente em Processo Administrativo.
Estaria tal acórdão em desacordo com a jurisprudência do STJ? Ou o entendimento jurisprudencial expresso no AREsp 1018829 – PR (2020) foi mudado após tal data? Para responder estas perguntas só mesmo analisando o referido acórdão:
[...] DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO. PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL FEDERAL. PEDIDO ADMINISTRATIVO DE RESTITUIÇÃO. PRAZO PARA DECISÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. APLICAÇÃO DA LEI 9.784/99. IMPOSSIBILIDADE. NORMA GERAL. LEI DO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. DECRETO 70.235/72. ART. 24 DA LEI 11.457/07. NORMA DE NATUREZA PROCESSUAL. APLICAÇÃO IMEDIATA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. (BRASIL, 2010)
Primeiro ponto a destacar é que o REsp 1138206/RS (2010), trata de processo de restituição de crédito tributário, situação em que o contribuinte tem interesse na sua celeridade.
Segundo ponto a ser destacado é que o referido acórdão apesar de tratar do princípio da “razoável duração do processo” não trata de prescrição.
Cabe ainda ressaltar que às fls. 11 e 12 do seu voto, o relator considerou a situação um “procedimento fiscal” aplicando-se lhe o art. 7º, § 2º do Decreto 70.235/1972, no entanto, como tal parágrafo permite a prorrogação do prazo sem limites, foi utilizado o art. 24 da lei 11457/2007, nos seguintes termos:
A Lei n.° 11.457/07, com o escopo de suprir a lacuna legislativa existente, em seu art. 24, preceituou a obrigatoriedade de ser proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias [...] (BRASIL, 2010)
Ou seja, somente para suprir a lacuna legal.
Outro ponto de dubiedade é a conclusão do voto da Desembargadora, nos seguintes termos:
Assim, diante do exposto, nego provimento ao recursos, mantendo a sentença que reconheceu a inexigibilidade do título que embasa a presente execução. (MINAS GERAIS, 2016) (SIC)
Ora, se mantém a sentença não se pode mudar seu fundamento, (§ 4º do art. 40 da LEF) pois assim fazendo estaria reformando-a.
Conclusão
Por todo exposto, entende-se estar o Acórdão combatido:
I - em desacordo com a jurisprudência do STJ, que prega a inexistência de prescrição intercorrente em Processo Administrativo fiscal;
II - em sua fundamentação, privilegiando em demasia um princípio (razoável duração do processo) em detrimento de outros dentre os quais o de que o “direito não socorre aos que dormem”;
III - confuso, por ter se utilizado de legislação aplicável a determinada fase processual (crédito não definitivamente constituído) na fase de execução;
IV - contraditório, visto na conclusão do voto, diz manter a sentença, no entanto, muda, radicalmente, os fundamentos, reformando-a;
V - carente de comprovação do interesse do contribuinte na celeridade do processo, de forma a justificar a "razoável duração", o que, porventura, poderia justificar a aplicação do princípio da razoável duração do processo;
Resta ainda responder, como um acórdão com tantas dubiedades teve aprovação unânime dos demais desembargadores? Conjecturando, a hipótese mais plausível é que os demais desembargadores foram guiados pela conclusão do voto da Relatora “mantendo a sentença recorrida” e seguiram-na, não se atentando às citadas dubiedades da fundamentação, as quais, muito provavelmente, seriam corrigidas se tivessem elaborado seus votos.
REFERÊNCIAS
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. AC: 10079063171577001 MG, Relator: Ângela de Lourdes Rodrigues, Data de Julgamento: 12/08/2016, Data de Publicação: 23/08/2016. Disponível em: https://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/894948631/apelacao-civel-ac-10079063171577001-mg/inteiro-teor-894948736. Acesso em: 31 mai. 2021.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.138.206 - RS (2009/0084733-0), Relator: Ministro Luiz Fux, Data de Julgamento: 09/08/2010, Data de Publicação: 01/09/2010. Disponível em: https://www.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/ITA?seq=991470&tipo=0&nreg=200900847330&SeqCgrmaSessao=&CodOrgaoJgdr=&dt=20100901&formato=PDF&salvar=false. Acesso em: 31 mai. 2021.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo em Recurso Especial nº 1018829 - PR (2016/0304391-7), Relator: Ministro Sérgio Kukina, Data de Julgamento: 03/08/2020, Data de Publicação: 05/08/2020. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/decisoes/toc.jsp?livre=1018829&b=DTXT&p=true. Acesso em: 31 mai. 2021.
MOREIRA, Felipe Bartolomeo. Prescrição intercorrente no Novo CPC: tudo o que você precisa saber. 21 de abr. 2021. Disponível em: https://www.aurum.com.br/blog/prescricao-intercorrente/. Acesso em: 01 jun. 2021.
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Michaelis Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. Verbete: “razoável”. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/razo%C3%A1vel/. Acesso em: 18 mai. 2021.
Ex-Auditor-fiscal da Receita do Distrito Federal, tendo trabalhado diversos anos na Gerência de Julgamento. Advogado. Pós-graduado em Advocacia Tributária pela Escola Superior de Advocacia da OAB/MG. Engenheiro Eletrônico pela Universidade Federal do Pará.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, WANDUIL ANTONIO DA. Prescrição intercorrente em processo administrativo fiscal existe: uma análise do Acórdão da Apelação Cível nº 1.0079.06.317157-7/001-TJMG Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 dez 2022, 04:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60540/prescrio-intercorrente-em-processo-administrativo-fiscal-existe-uma-anlise-do-acrdo-da-apelao-cvel-n-1-0079-06-317157-7-001-tjmg. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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