Essa orientação racista (de revista prioritária em pretos e pardos), dada por um policial militar do Estado de São Paulo, na cidade de Campinas (SP), causou repúdio de vários movimentos sociais e de defesa dos direitos humanos. O policial foi afastado do comando da 2ª Companhia do 8º Batalhão.
Na verdade, a Justiça criminal brasileira (tanto quanto a dos demais países) sempre funcionou seletivamente. Aqui o diferente é, além da seletividade, o racismo e a etnia. Para a cadeia, tradicionalmente, sempre mandou (e manda) gente dos 5 pês: pobres, pardos, pretos, prostitutas e policiais. Cruzando os dados do IBGE (Censo de 2010) com os do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias de 2011, Alberto Carlos Almeida (Valor Econômico de 30, 01 e 02 de dezembro) evidenciou o seguinte: a população branca no Brasil é de 48%; a população branca na prisão (em 2011) é de 35%; pessoas de cor preta são 8%; nos presídios os pretos são 16%. Pretos e brancos são criminosos, mas para a cadeia preferencialmente vão os pretos. Assim sempre funcionou a Justiça criminal brasileira.
Em 2012 (primeiro semestre) a situação discriminatória descrita se agravou:
Quantidade de presos por cor da pele/etnia:
Fonte: Ministério da Justiça/ Departamento Penitenciário Nacional (junho de 2012).
Em junho de 2012 os brancos presos representavam 33,9% do total; os negros 16,5%; pardos: 41,3%; amarelos: 0,48%; indígenas: 0,19%; outras: 1,78%.
É impossível a qualquer país se transformar em racista, injusto e desigual da noite para o dia. A história do nosso país está marcada, desde seu início, pelo “extremismo étnico, pela cegueira religiosa e pelo fanatismo político”. Nada disso, em 1.500, era desconhecido dos povos ibero-americanos. Nossas matrizes culturais (violência, fraude e uma peculiar maneira de exercer a fé – Weffort) são bem conhecidas. O nevrálgico (diz Luis Mir), “não é agrupar indivíduos que acreditam em discriminação [e que a praticam], mas organizar a vida dos homens num baseamento de postulados eugenistas cada vez mais rígidos”.
E como chegamos ao descalabro total?
Por meio do colapso das instituições culturais, intelectuais, religiosas, jurídicas etc. Todas sabem da gravidade da situação do Brasil (85º no rankong do IDH; 18º país mais violento do mundo, com 53 mil assassinatos anuais), conhecem o problema, mas se contentam com as armações discursivas do poder. Estão sedadas, numa espécie de trivialização do mal (Arendt).
Há um esvaziamento de conteúdo ético nas nossas instituições, em outras palavras, não há o compartilhamento de uma experiência moral comum (Luís Mir). Não denunciam nem tentam impedir, de forma coerente e séria, a banalização do mal. Contam com dificuldade para distinguir o bem do mal. Contentam-se com a aparência de normalidade, quando se sabe que está rompida a linha ética da convivência. A carência da exemplaridade pública constitui a marca indelével da nossa nunca vivida emancipação moral. Esse é o milagre que deveria ocorrer: milagre do fim da nossa vulgaridade existencial.
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