GUSTAVO ANTONIO NELSON BALDAN[1]
(orientador)
RESUMO: Este artigo investiga a influência da mídia no tribunal do júri, destacando como a cobertura midiática pode afetar a imparcialidade e a justiça dos julgamentos. A análise inicia com uma contextualização histórica, mencionando casos como o julgamento de Suzane von Richthofen no Brasil, que demonstra o impacto significativo da mídia na formação da opinião pública e, potencialmente, na decisão dos jurados. São explorados vários mecanismos de influência, incluindo a cobertura pré-julgamento, que pode moldar preconceitos e opiniões antes mesmo da apresentação das evidências no tribunal. O sensacionalismo midiático é outro fator crucial, pois a tendência de destacar aspectos dramáticos e polêmicos pode distorcer os fatos e criar narrativas parciais. Além disso, a pressão pública gerada pela mídia pode influenciar os jurados a tomarem decisões que reflitam a opinião pública, em vez de se basearem exclusivamente nas evidências apresentadas. Ademais, o artigo traz a importância da imparcialidade no tribunal do júri, um princípio fundamental que pode ser comprometido pela exposição midiática.
Palavras-Chave: Tribunal do Júri. Influência. Mídia. Imparcialidade. Opiniões.
ABSTRACT: This article investigates the influence of the media in the jury trial, highlighting how media coverage can affect the impartiality and fairness of trials. The analysis begins with a historical contextualization, mentioning cases such as the Suzane von Richthofen trial in Brazil, which demonstrates the significant impact of the media on the formation of public opinion and, potentially, on jurors' decisions. Various mechanisms of influence are explored, including pre-trial coverage, which can shape prejudices and opinions even before evidence is presented in court. Media sensationalism is another crucial factor, as the tendency to highlight dramatic and controversial aspects can distort facts and create partial narratives. Furthermore, public pressure generated by the media can influence jurors to make decisions that reflect public opinion rather than being based solely on the evidence presented. Furthermore, the article highlights the importance of impartiality in the jury trial, a fundamental principle that can be compromised by media exposure.
Key-words: Jury court. Influence. Media. Impartiality. Opinions.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho, abordará o Tribunal do Júri, colocando-o de frente e analisando a influência que a grande mídia detém, através de matérias infundadas e sensacionalistas, acerca das decisões proferidas pelos jurados que compõem o Conselho de Sentença.
A competência para julgamento de crimes dolosos contra a vida é do Tribunal do Júri e, portanto, sempre será um julgamento no qual a mídia já se manifestou acerca do caso criminal cometido anteriormente, haja vista que matérias na qual existem crimes e mortes atraem o público para sua leitura.
Como o Tribunal do Júri possui a competência para julgar crimes dolosos contra a vida, acaba atraindo a atenção da população de um modo geral, uma vez que notícias sobre desastres, mortes ou tentativas, despertam a curiosidade da população, fazendo com que essas notícias se espalhem de maneira rápida e sem revisões, acabando por espalhar, por algumas vezes, notícias falsas.
Com o surgimento da internet e televisões a mídia foi tomando espaço e força, trazendo informações para a população em geral, sejam de assuntos bom ou coberturas acerca de crimes, sendo assim, a mídia possui influência na maneira em que se aborda um fato e até mesmo na formação de opinião pública.
Este trabalho dispõe-se a pesquisar e analisar de maneira critica a influência da mídia no Tribunal do Júri, moldando e buscando informações no poder em que essa cobertura tem em moldar a opinião dos jurados, acarretando em suas decisões e consequentemente, afetar o andamento processual da justiça.
Nas últimas décadas, a mídia adquiriu um lugar significativo para a sociedade, pois se tornou a responsável em buscar e trazer informações acerca de casos judiciais, influenciando a percepção do público em relação aos réus e vítimas. Com o avanço tecnológico, a rápida disseminação de notícias, aumentou a facilidade em que a sociedade tem em acessar uma notícia, seja ela por redes sociais, televisões, rádios, jornais, revistas e entre outros meios.
Entretanto, essa acessibilidade que a mídia possui, levanta preocupações acerca da sua influência sobre o Tribunal do Júri, uma vez que os jurados, que são pessoas comuns, devem ser imparciais no momento do veredicto e por conta da mídia, podem chegar com o pré-julgamento já definido. O acumulo de matérias jornalísticas com cobertura sensacionalista, distorcem a opinião e percepção pública, indiretamente, influenciando nas suas decisões.
Portanto, este estudo pretende analisar a influência da mídia, atualmente, no Tribunal do Júri, investigando e estudando as formas que essa influência acarreta em decisões pelos jurados. Visto que, o réu tem seu direito violado, uma vez que será julgado de maneira imparcial pelos jurados, haja vista estarem alineados com opinião formada pela mídia.
Em consideração a isso, o presente trabalho analisará soluções eficazes e capazes de juntar a mídia com o poder judiciário, pois a influência que atualmente ela detém, faz com que esse veículo de informação tenha um poder de condenar ou descriminalizar uma pessoa, o que não pode ser admitido pelo Estado, haja vista, ser esse o papel do Estado.
Para tal intuito, buscando realizar as referidas pesquisas e análises, será adotada a metodologia de pesquisa pela realização de pesquisas documentais e noticiais, bem como coletar dados e fontes legislativas. Posteriormente, será realizada pesquisas bibliográficas acerca do tema, com o confronto da legislação brasileira amparando a imparcialidade do réu, bem como a liberdade de imprensa em divulgar informações.
2 CONCEITO DO TRIBUNAL DO JÚRI E A MÍDIA
O Tribunal do Júri é um sistema legal que permite aos cidadãos participarem diretamente no julgamento de crimes graves, como homicídio, infanticídio, aborto e auxílio ao suicídio. Esse tribunal é composto por um juiz e um grupo de jurados, que são cidadãos comuns escolhidos aleatoriamente. Ele representa uma forma de democracia no sistema de justiça, onde os jurados decidem se o réu é culpado ou inocente.
Com base nas informações, tem-se que o Tribunal do Júri, criado no Brasil desde 1822, tem como fundamento o julgamento de crimes dolosos contra a vida, podendo ser esses crimes consumados ou tentados, conforme previsto no artigo 74, §1º do Código de Processo Penal (CPP).
A palavra "júri" tem sua origem no latim, onde significa "fazer juramento". Isso está relacionado ao fato de que, desde os tempos antigos, pessoas comuns, sem formação jurídica, são chamadas a participar diretamente do Poder Judiciário.
Essa participação acontece através do Tribunal do Júri, onde cidadãos selecionados têm a responsabilidade de julgar crimes de grande relevância, como homicídios.
A ideia é garantir que o julgamento seja feito não apenas por especialistas em leis, mas também por pessoas que representem a sociedade, trazendo um olhar mais humano e social para as decisões judiciais. Esse sistema busca assegurar que a justiça seja acessível e compreensível para todos, refletindo os valores e as opiniões da comunidade onde o crime ocorreu.
Segundo Távora (2017, p. 1.231), sobre a origem aduz que:
Apesar das divergências sobre a origem exata do tribunal do júri, a maior parte dos estudiosos concorda em destacar dois momentos históricos como fundamentais para sua formação. O primeiro é a Magna Carta, assinada na Inglaterra em 1215, que estabeleceu importantes princípios de justiça, como o julgamento por pares. O segundo é a Revolução Francesa de 1789, que trouxe mudanças profundas nos sistemas judiciais ao reforçar valores como igualdade e participação popular. Ambos os eventos são amplamente reconhecidos por terem influenciado a criação do modelo de julgamento por júri, no qual cidadãos comuns desempenham um papel essencial na decisão sobre casos criminais importantes.
No Brasil, o Tribunal do Júri é regulado pelo Código de Processo Penal. Ele funciona com um juiz presidente e sete jurados que formam o Conselho de Sentença. Os jurados ouvem os argumentos da acusação e da defesa, além dos depoimentos das testemunhas e do réu, se ele quiser falar. Depois de deliberarem em uma sala secreta, os jurados decidem por maioria simples se o réu é culpado, e o juiz dá a sentença com base nessa decisão.
Este Tribunal está previsto na Constituição Federal de 1988, conceituando que o Juri julga crimes dolosos contra vida, consagrando a contraditório da defesa, sigilo dos votos e a soberania do acusado.
A origem do Tribunal do Júri até o momento possui incertezas, nota-se que o Tribunal do Júri vem dos primórdios da sociedade, haja vista que antes, não existia fóruns ou leis promulgadas, a própria população decidia o destino de uma pessoa que cometia os crimes.
Nesse contexto, vale ressaltar que a sociedade avançou muito nesses últimos anos e o avanço da tecnologia esteve presente, gerando várias mudanças significativas no judiciário. Uma delas fica caracterizado pela mídia, uma vez que casos dolosos contra a vida gera repercussões e, consequentemente notícias rapidamente se espalham quanto a um crime.
A mídia possui um papel importante na sociedade, informando o público sobre eventos importantes, incluindo julgamentos criminais de grande interesse. Porém, a relação entre a mídia e o Tribunal do Júri é complicada, podendo ajudar ou atrapalhar o processo judicial.
Ainda, de acordo com o doutrinador Aury Lopes Junior (2017, p. 821):
A competência dos jurados do Conselho de Sentença, é analisar as provas que estão nos autos/processo e os argumentos trazidos pela defesa e pela acusação nos debates orais/memoriais, chegar em um convencimento acerca da culpa ou não do réu.
Notícias e manchetes relacionadas a crimes, geram interesse na população, fazendo com que as pessoas busquem mais sobre isto.
Os jornalistas, escritores e redatores que redijam uma notícia, são os principais responsáveis para a formação pública da sociedade, uma vez que grande parte da população baseia suas opiniões e convicções de jornais, revistas, manchetes, blogs, entre outros divulgados nas mídias eletrônicas.
Portanto, a mídia detém do poder de gerar convicções na sociedade, consequentemente, jurados que são escolhidos e já tiveram acesso à alguma notícia do caso que será julgado, possuirão suas opiniões formadas, ferindo completamente ao princípio da imparcialidade que rege um Tribunal do Júri.
Vale ressaltar que, a mídia possui benefícios ao processo judicial, sejam eles a cobertura da mídia, podendo aumentar a transparência dos processos judiciais, permitindo que a sociedade acompanhe os casos e desenvolva maior confiança no sistema de justiça. Ademais, a mídia possui o potencial de educar a sociedade acerca do funcionamento do Tribunal do Júri, promovendo uma compreensão mais ampla das leis e dos procedimentos judiciais.
O texto traz uma análise importante sobre o impacto da cobertura midiática sensacionalista nos julgamentos, especialmente no Tribunal do Júri. Contudo, essa cobertura frequentemente sensacionalista pode influenciar os jurados, comprometendo sua imparcialidade e pressionando-os a alinhar suas decisões com a opinião pública.
A mídia, muitas vezes em busca de audiência, constrói narrativas que resultam no prejulgamento do réu, criando percepções de culpabilidade ou inocência antes mesmo que o veredicto oficial seja dado, baseando-se em informações frequentemente incompletas ou tendenciosas.
Além do impacto direto sobre os jurados, essa exposição midiática pode comprometer a privacidade das vítimas, dos réus e de suas famílias, ocasionando danos emocionais e sociais significativos. As famílias envolvidas no processo se tornam alvos do julgamento da sociedade, e a cobertura excessiva invade a intimidade dessas pessoas, que, além de lidarem com as consequências legais do caso, enfrentam a pressão e o escrutínio público. Em muitos casos, a exposição midiática transforma a vida dessas famílias em um espetáculo, ignorando os traumas e sofrimentos que elas enfrentam, tornando o processo judicial ainda mais doloroso.
3 A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NO CONVENCIMENTO DOS JURADOS
A influência exercida pela mídia sobre a opinião dos jurados constitui uma temática de relevância considerável no âmbito do sistema jurídico. A cobertura da mídia em casos judiciais, particularmente aqueles que geram grande repercussão, é capaz de moldar a opinião pública e, por conseguinte, impactar a percepção dos jurados acerca da culpabilidade ou inocência de um acusado.
O doutrinador Mirault (2020, p. 62) esclarece que:
A mídia alcança o poder mediante a construção da opinião pública, apresentando sua própria verdade. Não existe um contradiscurso, uma forma ativa de inconformidade com as informações divulgadas, e por este fato, torna-se impossível qualquer medida de combate às verdades apresentadas pela mídia.
Portanto, é mais comum que jurados, sendo membros comuns da sociedade, possam ser influenciados, dada sua natureza e simplicidade em relação ao sistema legal.
Tal influência pode se manifestar de múltiplas formas. A mídia, frequentemente, veicula informações com viés sensacionalista ou especulativo, gerando a formação de pré-julgamentos por parte dos jurados. Mesmo durante o transcurso do julgamento, a cobertura da mídia pode exercer influência indireta sobre os jurados, dificultando para que estes mantenham a imparcialidade e concentração exclusiva nas provas apresentadas em juízo.
Apesar de deter muito poder sobre o público, a mídia por algumas vezes traz a verdade. Geralmente, as informações são limitadas e refletem apenas o ponto de vista do jornalista ou da fonte que está reportando.
Além disso, percebe-se que as informações são divulgadas de forma ampla e geralmente sem imparcialidade, graças à liberdade que a imprensa possui. Isso leva a um sensacionalismo de muitos assuntos, às vezes possuindo um exagero e afirmações de uma suposta verdade sobre o caso.
Assim, as notícias são usadas como uma mercadoria para lucro, onde os meios de comunicação usam uma linguagem persuasiva, para atrair os consumidores. Isso muitas vezes choca o público, fazendo com que sintam a necessidade de consumir o que está sendo divulgado. Essa estratégia visa não apenas atrair a atenção do público, mas também garantir a lucratividade dos veículos de comunicação, que se beneficiam do aumento do engajamento e da audiência.
A mídia ao publicar uma notícia crime, tende a garantir um culpado dentre todos os envolvidos, causando um dano irreversível antes mesmo do trânsito em julgado da sentença.
Ainda, a Constituição Federal estabelece princípios específicos relacionados ao Tribunal do Júri em seu artigo 5º, inciso XXXVIII, alíneas a, b, c e d. Nesse sentido, o texto constitucional assegura ao réu a plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos vereditos e a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
Esses princípios fundamentais determinam os pilares do sistema de justiça criminal no contexto do Tribunal do Júri, visando garantir a proteção dos direitos individuais e a imparcialidade dos julgamentos.
Adentrando aos princípios, a plenitude de defesa é um princípio essencial que garante ao réu o direito a um julgamento justo. Este princípio abarca a ampla possibilidade de o acusado exercer seu direito de defesa, através da apresentação de provas, testemunhas e argumentos em sua própria defesa, assegurando, assim, a igualdade de armas entre acusação e defesa, sendo da contradição.
O sigilo das votações, visa resguardar a independência dos jurados durante o processo. Este princípio busca proteger os jurados de influências externas ou pressões, permitindo que possam exercer sua função de forma imparcial.
A soberania dos vereditos é outro princípio que confere aos jurados a autoridade final para decidir sobre a culpa ou inocência do acusado. Essa soberania reflete a confiança na sabedoria do corpo de jurados, reconhecendo sua capacidade de julgar os fatos e aplicar a justiça de acordo com os valores e princípios da sociedade.
Por fim, a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida estabelece a exclusividade do Tribunal do Júri para apreciar casos de crimes contra a vida, tais como homicídio, feminicídio e outros delitos dolosos que resultem em morte. Essa competência especializada visa assegurar uma justiça mais próxima da comunidade, garantindo a participação popular na administração da justiça em casos de extrema gravidade.
Uma sentença baseada em pré-julgamentos viola os princípios fundamentais da Constituição Federal. Julgar com base em preconceitos não apenas compromete a justiça, mas também causa danos irreparáveis às pessoas estigmatizadas e segregadas socialmente. Essas práticas prejudicam a integridade do sistema judicial, minando a confiança do público nas instituições legais.
Assim, sempre que esse tipo de julgamento ocorrer, haverá uma inversão do verdadeiro objetivo do sistema penal, que é aplicar a lei de maneira igual para todos, sem considerar a classe social da pessoa. Quando os direitos fundamentais do acusado são violados, isso só aumenta a violência, já que uma condenação nem sempre significa que foi feita justiça.
Ademais, pessoas que já possuem preconceitos sobre si, tende a ser julgado sem qualquer análise do corpo de jurados, uma vez que já possuem o estigma de como um criminoso se porta ou se veste, basta uma pessoa ser de classe social baixa, morar em favelas, ser negro ou possuir algum antecedente criminal.
Esses fatos fazem com que o Conselho de Sentença, que deveria analisar o caso de forma justa e objetiva, julgando uma pessoa sem ao menos verificar a real situação dos fatos e baseando-se apenas em uma opinião pré-formada pela influência da mídia. Isso está ferindo diretamente um dos direitos fundamentais do réu, sendo o direito à imparcialidade e à ampla defesa. Quando os jurados já possuem uma visão distorcida antes mesmo de ouvir a defesa, a possibilidade de um julgamento justo é comprometida.
Nesse contexto, a defesa do réu perde relevância, pois, independentemente das evidências ou argumentos apresentados em seu favor, a decisão final pode ser influenciada pela opinião pública, e não pelos fatos apresentados durante o julgamento.
4 LIBERDADE DE IMPRENSA E JURI
A informação é um direito fundamental para a sociedade, os meios de comunicação, desde que surgiram, tinham o objetivo de cumprir sua função social de informar a população. Porém, atualmente, a busca por lucro está se sobrepondo ao dever de fornecer conteúdo de qualidade e baseado em fatos reais.
Isso acontece porque, entre todas as notícias divulgadas diariamente, as que mais atraem a atenção e audiência são aquelas que causam grande comoção social, geralmente relacionadas a crimes dolosos contra a vida.
Nesse sentido, Freitas (2016, p. 150) em síntese, afirma:
A mídia, como visto, exerce um papel preponderante na dinamização dos sistema penal pós-moderno. E parte desse papel consiste justamente em disseminar a insegurança, explorando o fenômeno crime de forma a incutir na crença popular um medo do crime que não necessariamente corresponde à realidade da violência. A mídia reforça e dramatiza a experiência pública do crime, colocando o fenômeno criminal na ordem do dia de qualquer cidadão.
O princípio da presunção da inocência é ferido, pois a partir do momento em que a mídia realiza notícias acerca de um caso especifico, os pré-julgamentos das pessoas já irão elaborar sua convicção.
A mídia pode comprometer a imparcialidade dos jurados ao exercer seu forte poder, prejudicando o princípio fundamental da presunção de inocência. Isso cria um conflito entre essa garantia e a liberdade de imprensa.
Para divulgar informações, a mídia utiliza vários meios de comunicação, como celulares, jornais, revistas, rádio, televisão e internet. A liberdade de expressão defende essa transmissão de notícias.
É essencial analisar a tensão entre a liberdade de imprensa e o princípio da presunção de inocência, pois quando uma é exercida de forma ilimitada, a outra tem sua garantia constitucional ameaçada.
A respeito do conflito existente entre os entendimentos da liberdade de imprensa e a presunção da inocência, Jorge D’Augustin Cruz (2013, p. 146) explica:
Ainda, é imperioso lembrar que tanto um quanto outro são direitos fundamentais ligados às liberdades públicas, e têm como premissa fundante clara limitação de poder. Independentemente da Carta que os tenha garantido, estavam insculpidos como direitos subjetivos públicos, ou seja, determinam conduta negativa do Estado, extensiva aos particulares. São princípios ligados ao Estado Democrático de Direito de forma indissolúvel. Chega-se ao limite de afirmar que não existe democracia sem liberdade de imprensa ou presunção de inocência.
Entretanto, esses princípios geram divergências. Observa-se que, devido à forma difusa e não imparcial com que as informações são propagadas, a liberdade de imprensa muitas vezes acaba exacerbando e destacando muitos assuntos de maneira sensacionalista e até excessiva, afirmando uma suposta veracidade sobre o caso.
Um dos casos que obteve repercussão midiática nacional e internacional, trata-se o caso do Incêndio na Boate Kiss, é o que descreve Santos (2013, p. 2):
O incêndio na boate Kiss, no centro de Santa Maria, ocorreu às 2h30 de 27 de janeiro de 2013, quando, de acordo com o resultado das investigações, a banda Gurizada Fandangueira, uma das atrações da noite, teria usado efeitos pirotécnicos durante a apresentação. O fogo teria iniciado na espuma do isolamento acústico, no teto da casa noturna. Devido ao grande número de vítimas, o fato teve repercussão internacional. Logo após a tragédia, a Promotoria de Justiça pediu a prisão preventiva dos donos da boate e dos integrantes da banda. O processo está em andamento na Justiça do Rio Grande do Sul e responsabiliza também autoridades municipais, estaduais e policiais bombeiros.
Ademais, outro caso com bastante repercussão midiática foi o caso da Daniela Perez, onde foi assassinada de forma brutal. O doutrinador Freitas (2016, p. 2.013), sobre esse crime ocorrido, expôs que:
Um caso que trouxe repercussão mundial nos veículos midiáticos foi o da atriz Daniela Perez, crime ocorrido em 1992, onde a atriz recebeu 18 golpes de tesoura, crime este que teve grande comoção social. O assassinato foi premeditado por seus colegas de trabalho, Guilherme de Pádua e Paula Thomaz, e chocou o país, tornando-se um dos crimes mais comentados da década.
A mídia, com o avanço da internet, se tornou um meio jurídico ao noticiar reportagens de cunhos criminais.
De um lado, temos os jurados, pessoas comuns sem formação em Direito Penal, decidindo sobre a vida de alguém. Do outro lado, a imprensa condena o suposto criminoso, atropelando seus direitos e fazendo um julgamento antecipado.
Ainda, notadamente é possível perceber a relevância da liberdade de imprensa, juntamente com o dever e o direito de informar, assim como o acesso à informação da população.
No entanto, esses aspectos não podem ter prioridade em relação a outros princípios constitucionais, como o do devido processo legal e os demais que o abrangem, conforme demonstrado anteriormente. A prevalência indevida desses direitos pode comprometer a realização de um julgamento justo realizado pelos Tribunais.
Ainda, nesse sentido, a mídia ao se referir a uma pessoa com o estereótipo de "bandido", contribui para a formação de uma narrativa que reforça a ideia de punição como única solução, sendo que as notícias frequentemente adotam um discurso voltado para o castigo, ignorando a complexidade da situação e a possibilidade de ressocialização do réu.
Essa abordagem acaba transmitindo a ideia de que a indenização ou as declarações do réu são insuficientes, sem levar em conta a possibilidade de reabilitação e reintegração à sociedade.
Além disso, esse discurso sensacionalista e punitivo facilita a condenação antecipada do réu e prejudica gravemente seu direito ao contraditório e à ampla defesa. Isso se torna ainda mais evidente quando o acusado se enquadra em estereótipos de preconceito, como ser homem, gay, negro, pobre, jovem, sem estudo, entre outros.
A combinação desses fatores alimenta o preconceito social, levando a julgamentos errados onde o foco não está na análise justa e equilibrada dos fatos, mas na reafirmação de estigmas sociais que colocam determinados grupos em desvantagem frente ao sistema de justiça.
5 CONCLUSÃO
Quando se trata de crimes dolosos contra a vida, é essencial respeitar os direitos individuais fundamentais, como o direito à informação, honra, imagem, privacidade e da dignidade da pessoa humana. O Poder Judiciário, em casos de grande repercussão, deve acompanhar rapidamente o Conselho de Sentença do Tribunal do Júri para evitar influências externas que possam prejudicar o julgamento.
A imprensa, muitas vezes, é sem ética, causando danos irreparáveis na vida social das vítimas e da população em geral. Ela, por sua vez, gera sensacionalismo para aumentar a audiência, sem considerar as consequências e mudanças apenas no interesse econômico, em detrimento da busca pela verdade real.
Embora a imprensa possua o direito fundamental de liberdade para o Estado Democrático de Direito, a mídia essencial à Democracia é aquela que reflete a realidade, sem distorcer os fatos. Com os avanços tecnológicos, o acesso aos meios de comunicação tornou-se mais fácil, principalmente na área penal, aumentando a influência da opinião pública.
Esse fenômeno é alarmante, considerando que as mídias estão presentes em todos os lugares e sempre se inclinam para um sistema penal orientado por punir alguém. Isso pode influenciar as pessoas que compõem o Conselho de Sentença, comprometendo a sua imparcialidade ao julgar os casos no Tribunal do Júri.
Além disso, levanta-se a questão sobre a qualidade das notícias divulgadas e o dever da mídia de informar, assim como a capacidade de interpretação do receptor e a cautela que ele deve ter ao verificar se a informação não é uma Fake News.
A verdade do ocorrido causa grande desconforto na população, que busca uma resposta rápida do Judiciário, exigindo a notificação imediata do acusado. Nesse contexto, a mídia forma a opinião de pessoas que poderão compor o corpo de jurados e concluiu que a influência nos jurados através da mídia sobre esses casos de grande repercussão é indiscutível e interfere na opinião dos jurados e consequentemente, na decisão final (sentença), ferindo assim grandes princípios fundamentais aos réus que serão julgados pelos jurados que deveriam ser imparciais e não vierem com uma opinião formada.
Posto isso, essa liberdade de imprensa tem que recuar para não acabar ferindo os direitos fundamentais na Constituição, isso permite que a defesa seja aplicada e efetivada fazendo com que os jurados formem sua opinião com base nas provas apresentadas durante os debates orais da sessão do júri e não foram demonstradas pela mídia, sendo assim, a mídia deve propagar fiscalizações severas para evitar os veículos de notícias falsas e até mesmo sensacionalistas.
REFERÊNCIAS
BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal, 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2009.
Comentários a Constituição do Brasil. 1.ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
FREITAS, Paulo Cesar. Criminologia Midiática e Tribunal Do Júri. São Paulo: Lumen Juris 2016.
FREITAS, C.R. A influência da mídia nos casos de grande repercussão no Brasil. Jusbrasil. 2018. Disponível em: https://crisrocha80.jusbrasil.com.br/artigos/549048825/a-influencia-damidia-nos-casos-de-grande-repercussao-no-brasil. Acesso em 26 abril. 2024.
JÚNIOR, Aury Lopes, Direito processual penal. 2016.
LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 6. Ed. Ver. Atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista do Tribunais, 2010.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. 2016
SANTOS, Susana Branco de Araújo. A tragédia na boate Kiss: fotografia, interação comunicacional e relações contagiosas. Disponível em: https://repositorio.ucs.br/xmlui/bitstream/handle/11338/4906/TCC%20Tamara%20Valentina%20Sacon.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 28 maio 2024.
[1] Professor orientador. Mestre em Direito pela Universidade de Camilo Castelo Branco. Especialista em Direito Penal e Processo Penal com Capacitação para o Ensino no Magistério Superior pela Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus. Membro da Comissão de Dados - Estudos Jurídicos da 63ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional de São Paulo. Professor universitário. E-mail: [email protected]
Graduanda em Direito pelo Centro Universitário de Jales – UNIJALES.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GASQUES, Gabriele Stefane. A influência da mídia no Tribunal do Júri Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 out 2024, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/66610/a-influncia-da-mdia-no-tribunal-do-jri. Acesso em: 30 dez 2024.
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