Cinge-se a controvérsia devolvida ao STJ, entre outras questões, a verificar se é devida a indenização prevista em contrato de seguro de RC D&O no caso de ocorrência de insider trading. O referido seguro tem por objetivo garantir o risco de eventuais prejuízos causados por atos de gestão de diretores, administradores e conselheiros que, na atividade profissional, agiram com culpa. Como cediço, cabe aos administradores atuarem no interesse da empresa que representam, com zelo e lealdade, respeitando, entre outros, os deveres de sigilo e de informação, principalmente para com o mercado. Esse tipo de seguro constitui instrumento de preservação do patrimônio individual dos que atuam em cargos de direção (segurados), o que acaba por incentivar gestões corporativas inovadoras e mais flexíveis, as quais ficariam comprometidas ou engessadas com a possibilidade sempre reinante de responsabilização civil ou de abertura de processo administrativo sancionador na CVM. Além disso, a natureza dúplice desse seguro também favorece a própria empresa tomadora do seguro e seus acionistas, pois o patrimônio social poderá ser ressarcido de eventuais prejuízos sofridos em razão de condutas faltosas de seus administradores. Ocorre que, para não haver forte redução do grau de diligência ou a assunção de riscos excessivos pelo gestor, o que comprometeria tanto a atividade de compliance da empresa quanto as boas práticas de governança corporativa, a apólice do seguro de RC D&O não pode cobrir atos dolosos, principalmente se cometidos para favorecer a própria pessoa do administrador. De fato, a garantia securitária do risco não pode induzir a irresponsabilidade. Em outra via, considera-se insider trading qualquer operação realizada por um insider (diretor, administrador, conselheiro e pessoas equiparadas) com valores mobiliários de emissão da companhia, em proveito próprio ou de terceiro, com base em informação relevante ainda não revelada ao público. Por sua vez, informação relevante, segundo doutrina, é aquela que pode "influir de modo ponderável na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia, afetando a decisão dos investidores de vender, comprar ou reter esses valores". O dirigente deve observar os deveres de cuidado e de lealdade, buscando sempre o melhor interesse da sociedade anônima, nos limites de seus poderes. Ele, deve "guardar sigilo sobre qualquer informação que ainda não tenha sido divulgada para conhecimento do mercado, obtida em razão do cargo e capaz de influir de modo ponderável na cotação de valores mobiliários, sendo-lhe vedado valer-se da informação para obter, para si ou para outrem, vantagem mediante compra ou venda de valores mobiliários" (dever de sigilo - art. 155, § 1º, da Lei n. 6.404/1976). Impende asseverar também que o insider trading é tão prejudicial à dinâmica e à credibilidade do mercado de capitais, que tal figura passou a ser tipo penal com o advento da Lei n. 10.303/2001, que acrescentou o art. 27-D na Lei n. 6.385/1976. Assim, essa prática configura ato doloso do segurado, vedado pela lei civil, e não advém de ato de gestão, ou seja, da prerrogativa do cargo de administrador, mas de ato pessoal, na condição de acionista, a gerar proveitos financeiros próprios, em detrimento dos interesses da companhia. Conclui-se, assim, que o seguro de RC D&O somente possui cobertura para (i) atos culposos de diretores, administradores e conselheiros (ii) praticados no exercício de suas funções (atos de gestão). Em outras palavras, atos fraudulentos e desonestos de favorecimento pessoal e práticas dolosas lesivas à companhia e ao mercado de capitais, a exemplo do insider trading, não estão abrangidos na garantia securitária.
Decisão publicada no Informativo 598 do STJ - 2017
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