A controvérsia consiste em definir se o imóvel adquirido no curso da demanda executiva pode ser considerado bem de família, para os fins de impenhorabilidade.
O bem de família legal (Lei n. 8.009/1990) e o convencional (Código Civil) coexistem no ordenamento jurídico, harmoniosamente. A disciplina legal tem como instituidor o próprio Estado e volta-se para o sujeito de direito - entidade familiar -, pretendendo resguardar-lhe a dignidade, por meio da proteção do imóvel que lhe sirva de residência. O bem de família convencional, decorrente da vontade do instituidor, objetiva, primordialmente, a proteção do patrimônio contra eventual execução forçada de dívidas do proprietário do bem.
O bem de família legal dispensa a realização de ato jurídico, bastando para sua formalização que o imóvel se destine à residência familiar. Por sua vez, para o voluntário, o Código Civil condiciona a validade da escolha do imóvel à formalização por escritura pública e à circunstância de que seu valor não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente no momento da afetação.
Nos termos da Lei n. 8.009/1990, para que a impenhorabilidade tenha validade, além de ser utilizado como residência pela entidade familiar, o imóvel será sempre o de menor valor, caso o beneficiário possua outros. Já na hipótese convencional esse requisito é dispensável e o valor do imóvel é considerado apenas em relação ao patrimônio total em que inserido o bem.
Nas situações em que o sujeito possua mais de um bem imóvel em que resida, a impenhorabilidade poderá incidir sobre imóvel de maior valor, caso tenha sido instituído, formalmente, como bem de família, no Registro de Imóveis (art. 1711, CC/2002) ou, caso não haja instituição voluntária formal, automaticamente, a impenhorabilidade recairá sobre o imóvel de menor valor (art. 5°, parágrafo único, da Lei n. 8.009/1990).
Com efeito, diz-se que o destaque da instituição voluntária será percebida na realidade de múltiplas propriedades, pela simples razão de que, sendo o executado proprietário de apenas um imóvel, utilizado para residência, a condição de bem de família já recaía sobre ele, antes mesmo de registrada a opção. Ou seja, mesmo que exista apenas um bem sob o domínio do instituidor, este poderá, sim, oficializar sua vontade de que, verdadeiramente, recaia sobre ele a característica de bem família, situação em que serão coincidentes as vontades Estatal e privada.
No que se refere às dívidas sobre as quais o escudo protetivo incidirá, para o bem de família instituído nos moldes da Lei n. 8.009/1990, a proteção conferida pelo instituto alcançará todas as obrigações do devedor, indistintamente, ainda que o imóvel tenha sido adquirido no curso de uma demanda executiva. Por sua vez, a impenhorabilidade convencional é relativa, uma vez que o imóvel apenas estará protegido da execução por dívidas subsequentes à sua constituição, não servindo às obrigações existentes no momento de seu gravame.
Ressalte-se que a indistinta proteção, no que respeita ao momento em que a obrigação fora contraída, legitima-se tão somente num cenário em que se evidenciado o uso regular do direito. É que, independentemente do regime legal a que está submetido o instituto, não se admitirá a proteção irrestrita se isso significar o alijamento da garantia, contrariando a ética e a boa-fé, indispensáveis em todas as relações negociais. Exatamente esse o comando do art. 4° da Lei n. 8.009/1990.
Nessa linha, mister reconhecer que só o fato de ser o imóvel residencial bem único do executado, sobre ele, necessariamente, incidirão as normas da Lei n. 8.009/1990, mormente a impenhorabilidade questionada.
De fato, ainda que se tratasse de imóvel voluntariamente instituído como bem de família (regime do Código Civil), conforme demonstrado alhures, tendo em vista tratar-se de único bem imóvel do executado, a proteção conferida pela Lei n. 8.009/1990 subsistiria, de maneira coincidente e simultânea, e, nessa extensão, seria capaz de preservar o bem da penhora de dívidas constituídas anteriormente à instituição voluntária. É que a proteção viria do regime legal e não do regime convencional.
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