A controvérsia principal está em definir se há legitimidade ativa para apresentar pedido de recuperação judicial das associações civis sem fins lucrativos, porém com finalidade e atividades econômicas.
A possibilidade da recuperação judicial das associações civis é tema latente e que vem dividindo o entendimento tanto da doutrina especializada como da jurisprudência.
Deveras, apesar de não se enquadrarem literalmente nos conceitos de empresário e sociedade empresária do art. 1º da Lei n. 11.101/2005 para fins de recuperação judicial, as associações civis também não estão inseridas no rol dos agentes econômicos excluídos de sua sujeição (art. 2º).
Em diversas circunstâncias as associações civis sem fins lucrativos acabam se estruturando como verdadeiras empresas do ponto de vista econômico, em que, apesar de não distribuírem o lucro entre os sócios, exercem atividade econômica organizada para a produção e/ou a circulação de bens ou serviços, empenhando-se em obter superávit financeiro e crescimento patrimonial a ser revertido em prol da própria entidade e mantença de todas as benesses sociais das quais vinculada.
Exatamente por isso é que o Enunciado n. 534 do CJF/STJ, da VI Jornada de Direito Civil (2013) dispõe que "as associações podem desenvolver atividade econômica, desde que não haja finalidade lucrativa".
Não se pode olvidar, por outro lado, que não é o registro/inscrição no Registro de Empresas que confere a qualidade empresária àquela atividade. Conforme já difundido na doutrina e consolidado nos enunciados 198 e 199 Jornadas de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal, "a inscrição do empresário na Junta Comercial não é requisito para a sua caracterização, admitindo-se o exercício da empresa sem tal providência. O empresário irregular reúne os requisitos do art. 966, sujeitando-se às normas do Código Civil e da legislação comercial, salvo naquilo em que forem incompatíveis com a sua condição ou diante de expressa disposição em contrário" e "a inscrição do empresário ou sociedade empresária é requisito delineador de sua regularidade, e não de sua caracterização.
Na sequência, a outra questão que se impõe é: a Lei Recuperação Judicial e Falência não seria aplicável às pessoas jurídicas que, apesar de não terem o fim lucrativo (espécie), teriam finalidade econômica (gênero)? Tal indagação surge justamente porque as associações civis podem ter como desiderato a atividade econômica, ainda que não realizem a distribuição de lucros entre os associados.
Realmente, muitas associações civis, apesar de não ser sociedade empresária propriamente dita, possuem imenso relevo econômico e social, seja em razão de seu objeto, seja pelo desempenho de atividades, perfazendo direitos sociais e fundamentais onde muitas vezes o estado é omisso e ineficiente, criando empregos, tributos, renda e benefícios econômicos e sociais.
É justamente em razão de sua relevância econômica e social que se tem autorizado a recuperação judicial de diversas associações civis sem fins lucrativos e com fins econômicos, garantindo a manutenção da fonte produtiva, dos empregos, da renda, o pagamento de tributos e todos os benefícios sociais e econômicos decorrentes de sua exploração.
Portanto, apesar de realmente haver posicionamentos doutrinários em sentido contrário, assinalo que também há diversas doutrinas especializadas defendendo, com substrato nos princípios e objetivos insculpidos no art. 47 da LREF, a possibilidade de se efetivar uma leitura sistêmica dos arts. 1º e 2º de modo que, em interpretação finalística da norma fulcrada nos princípios da preservação da empresa e de sua função social, reconhecem como possível a extensão do instituto da recuperação judicial a entidades que também exerçam atividade econômica, gerando riqueza e, na maioria das vezes, bem-estar social, apesar de não se enquadrarem literalmente no conceito de empresa.
Deveras, a questão jurídica em comento já foi apreciada por esta Corte. Em 2006, reconheceu-se a possibilidade de uma associação civil valer-se da recuperação judicial com fundamento, entre outras razões, na relevância do papel social desempenhado, na teoria do fato consumado e nos princípios da segurança jurídica e da estabilidade das relações. (REsp 1004910/RJ, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, Quarta Turma, julgado em 18/03/2008, DJe 04/08/2008)
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