De pronto, deve-se afastar qualquer interpretação da lei que transfira às entidades públicas os poderes do titular do direito, emasculando-o. Mesmo quando atua por meio da substituição processual, o MPF não usurpa nem anula a titularidade dos índios sobre seus direitos.
Tal conclusão decorre do art. 232 da CF, "os índios, suas comunidades e organizações, são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo."
A norma é taxativa: os índios e suas comunidades são os legitimados para as causas, pelo motivo mais elementar de também serem os titulares dos direitos nelas discutidas. É evidentemente a lógica que informa todo o sistema jurídico brasileiro.
Como proteção adicional dos direitos dos indígenas, a Constituição exige a presença do MPF, nas causas em que se debaterem seus direitos. A imposição constitucional atende ao imperativo de que os índios nem sempre estão em condições sociológicas de aquilatar as implicações de processos em seus direitos, e nisso não diferem tanto dos demais leigos em direito, malgrado disponham das condições intelectuais, morais e psicológicas para se inteirar do assunto, se devidamente esclarecidos a respeito.
O problema está em que todo o processo judicial se desenvolve no universo de sentido europeu, que muitas vezes é estranho ou apenas superficialmente conhecido pelas comunidades indígenas. Caso as relações fossem inversas, isto é, se nossa sociedade ainda se pautasse pelo código de sentido indígena, seríamos nós, os especialistas no direito nos demais ramos do conhecimento europeu, que necessitaríamos de explicações antropológicas e sociológicas para a compreensão do País.
Outro problema parece facilmente identificável na tese contrária e consiste numa leitura, data venia, apressada das normas legais de regência do caso. Assim, do fato de o MPF ser o titular de função teleologicamente preordenada à defesa dos direitos dos índios, rigorosamente nada se segue acerca da legitimidade deles para a defesa de seus próprios direitos. Do fato de "A" ter o direito ao aforamento de certa ação não se pode afirmar nada a respeito da prerrogativa de "B" fazê-lo.
O contrário só encontraria base caso a norma atribuísse competência "exclusiva" ao MPF, com o consequente alijamento dos índios. Mas, como visto, o art. 232 da CF adotou a solução inversa, ao fazer coincidir a titularidade do direito material com a legitimação e a capacidade processuais dos índios.
Portanto, o fato de o MPF participar de demanda nada diz sobre o pressuposto básico de validade de qualquer processo: citar-se o titular do direito cuja existência se quer negar.
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