1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho versa sobre as sociedades em comandita por ações, origem, evolução, conceito, natureza jurídica e principais características dessa espécie societária.
Surgida no direito francês a fim de contornar as dificuldades para a instituição de sociedades anônimas, a sociedade em comandita por ações tornou-se mais acessível e de formação relativamente simples, notadamente por não exigir autorização governamental.
No nosso ordenamento jurídico encontra-se regulada pela Lei nº 6.404/76 nos artigos 280 a 284, e pelo Código Civil nos artigos 1.090 a 1.092. No entanto, boa parte da doutrina prega a extinção completa desse tipo de sociedade, dada o escasso uso do seu arcabouço societário.
2. ORIGEM E EVOLUÇÃO
Historicamente, pode-se dizer que a sociedade em comandita por ações surgiu fundada na necessidade de tornar limitada a responsabilidade de alguns sócios. Nem sempre a sociedade dominante até então, a sociedade por ações, atendia aos anseios dos comerciantes, dada a relativa dificuldade de se constituir, notadamente, a necessidade de autorização governamental.
A origem das sociedades em comandita por ações, segundo ensina a doutrina, remonta ao direito francês. Surgiram em virtude da proibição do art. 37 do Código de Comércio de se constituírem sociedades anônimas sem a já mencionada autorização governamental. Assim, para facilitar a formação de sociedades em que vários sócios poderiam ostentar a posição de acionistas, o art. 38 do mesmo código permitiu que nas sociedades em comandita os sócios comanditários pudessem dividir o seu capital em ações, mas, obedecendo ao regime das sociedades anônimas. Dessa forma, os sócios que não possuíam ações se assemelhavam aos comerciantes, e assim eram tratados, tal qual ocorria com os comanditados e os sócios coletivos das sociedades em nome coletivo. Esse fato fazia com que eles respondessem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais. Nasceu, então, um modelo hibrido de sociedade comercial, que ostentava uma mistura de sociedade em comandita simples e sociedade anônima. Do modelo das comanditas, trouxe a forma de se estabelecer a responsabilidade dos sócios e a administração da sociedade, inclusive, com a restrição de que somente os sócios podem ser administradores. Já, quanto à sua estrutura econômica, tem o seu capital dividido em ações, podendo, inclusive, emitir outros valores mobiliários.
Nos dias atuais, o Código de Sociedades francês ( Lei nº 66-537/1966) manteve a estrutura das sociedades em comanditas por ações estabelecendo em seu art. 251 que “os sócios comanditados têm a qualidade de comerciantes e respondem ilimitada e solidariamente pelas dívidas sociais”, e os sócios comanditados “têm qualidade de acionistas e não respondem por perdas senão até o total de suas contribuições.”
Segundo ensina Ricardo Negrão (2011. p. 422)
A intenção do legislador foi fazer coincidir o poder de gestão com a responsabilidade pessoal, além de favorecer, em particular, a ampliação da empresa individual permitindo-lhe obter recursos no mercado de capitais e possibilitando, por outro lado, que seu fundador conserve com segurança, uma posição de estabilidade em sua direção.
No direito brasileiro as sociedades em comanditas por ações estão regulamentadas pela Lei nº 6.404/76 e pelo Código Civil nos artigos 1.090 a 1.092. Contudo, nem sempre foi assim. Inicialmente, o Código Comercial brasileiro não tratava desse tipo de sociedade, o que não impediu a sua utilização, mesmo ao arrepio da regulamentação legal, tendo sido, por isso, editado o Decreto nº 1.487, de 13 de dezembro de 1854 que considerou essa prática ilegal. Somente em 1882, com a edição da Lei nº 3.150, que tratava das sociedades anônimas, expressamente, foi permitido que as sociedades em comanditas, tratadas nos artigos 311 a 314 do Código Comercial, dividissem em ações o capital dos sócios comanditários. Adotou-se, então, o modelo de sociedades em comandita por ações criado pelo direito francês. Tais disposições foram consolidadas e ainda mais detalhadas com a edição do Decreto nº 434 de 04 de julho de 1891. Esse diploma legislativo estabeleceu de forma explícita que “é permitido às sociedades em comandita (Código do Comércio, arts. 311 a 314) dividir em ações o capital com que entram os sócios comanditários. Não pode ser dividido em ações o capital com que entram os sócios solidariamente responsáveis. Todavia, não lhes é proibido, com seus recursos individuais, adquirir ações.”
Em 1940, com a edição do Decreto-Lei 2.627 foi modificada a concepção de sociedade em comandita por ações, tendo sido aperfeiçoada a formação desse tipo societário. Aboliu-se a natureza contratual, deixando de existir sócios comanditados e acionistas, para passar a existir apenas sócios acionistas com responsabilidade, via de regra, limitada, somente possuindo responsabilidade ilimitada quando assumirem cargos de direção ou gerência. Na prática, a nova legislação permitiu que fossem constituídas sociedades com as mesmas formalidades das sociedades anônimas, contudo, com a diferença de que existiam sócios que respondiam subsidiária e ilimitadamente pelas obrigações sociais e acionistas que respondiam apenas de forma limitada ao capital com que entravam para a sociedade. Na verdade, ao final das contas, todos eram acionistas porque, mesmo os diretores e gerentes, também gozavam dos mesmos benefícios que a lei outorgava aos sócios das sociedades anônimas.
Atualmente, contrariando boa parte da doutrina que prega a extinção desse tipo de estrutura societária dado o seu desuso, o direito brasileiro não só manteve como refinou o tratamento dado às sociedades em comandita por ações. Fran Martins, por exemplo, (2010. p. 1156) informa que em todo o território nacional não existem mais que dez sociedades em comandita por ações ainda em atividade. O diploma legal mais moderno a tratar do assunto é o Código Civil de 2002 que no art. 1.090 estabelece que “a sociedade em comandita por ações tem o capital divido em ações, regendo-se pelas normas relativas à sociedade anônima, sem prejuízo das modificações constantes deste Capítulo, e opera sob firma ou denominação”. Tanto a estrutura básica como as principais características da sociedade foram mantidas, sendo que sua regulamentação se encontra, além do Código Civil, como mencionado, também, e principalmente, nos artigos 280 a 282 da Lei nº 6.404/76.
3. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA
A sociedade em comandita por ações é uma sociedade empresária que tem natureza híbrida com características tanto das sociedades em comandita simples como das sociedades anônimas. Não tem natureza contratual, mas sim institucional. A sua característica principal é o fato de ter o seu capital divido em ações como acontece com as sociedades anônimas, porém, têm responsabilidade ilimitada os acionistas que ocupam as funções de administradores ou gerentes.
O direito aplicável às sociedades anônimas é aplicável às sociedades em comandita por ações de forma subsidiária; assim, por exemplo, elas podem operar sob firma ou denominação, sendo que, caso se utilize da firma, dela somente poderão fazer parte os nomes dos acionistas com responsabilidade ilimitada e sempre, seja firma ou denominação, deverão vir acompanhadas da expressão “em comandita por ações” ou “sociedade em comandita por ações”.
As sociedades em comandita por ações não possuem Conselho de Administração, assim, somente os acionistas poderão ser administradores ou gerentes; e em virtude da responsabilidade ilimitada deles, nenhuma modificação no estatuto social em relação a alguns assuntos como aumento ou diminuição do capital social, prorrogação do prazo de duração da sociedade ou mudança do seu objeto, a criação de debêntures ou partes beneficiárias poderão ser implementadas sem que haja o consentimento expresso dos administradores. Além disso, é de se ressaltar que os administradores serão nomeados no estatuto e por tempo indeterminado e somente poderão ser destituídos por deliberação dos administradores que somarem no mínimo dois terços do capital social.
Fábio Ulhoa Coelho (2004. p. 478) ensina que
O regime de comandita por ações é o das anônimas. São ambas sociedades de capital e institucionais. Assim, exceção feita às regras próprias, justificáveis pela especial responsabilização dos seus acionistas-diretores, aplica-se às comanditas por ações as preceituadas para as companhias. Desse modo, as ações da comandita podem ser ordinárias ou preferenciais; os titulares dessas últimas devem ter vantagens estatutárias na distribuição do resultado e podem sofrer restrições ou supressão do direito de voto; a sociedade pode ser aberta para fins de captação de recursos junto ao mercado de capitais, ou fechada; os sócios têm direito ao dividendo mínimo definido nos estatutos, etc.
4. CARACTERÍSTICAS
Como já adiantado alhures, as sociedades em comandita por ações, encontram sua regulamentação atual tanto no Código Civil, quanto na Lei das Sociedades por ações. Os dois diplomas legais devem ser estudados em harmonia, de forma a se completarem. Aliás é o que diz o art. 1090 do Código Civil, ao estabelecer que a essas sociedades dever-se-ia aplicar as regras das sociedades anônimas, sem prejuízo das modificações perpetradas pelo Código Civil. Diz o artigo:
Art. 1090 – A sociedade em comandita por ações tem o capital dividido em ações, regendo-se pelas normas relativas à sociedade anônima, sem prejuízo das modificações constantes desse capítulo, e opera sob firma ou denominação
Quanto ao nome, o dispositivo é complementado pelo art. 1161 que estabelece que a sociedade em comandita por ações pode, em lugar de firma, adotar denominação designativa do objeto social, aditada da expressão “comandita por ações”. De fato, o art. 281 da Lei 6.404 explica de forma mais detalhada. A sociedade em comandita por ações, segundo o dispositivo, poderá utilizar tanto a firma quanto a razão social, da qual somente fará parte os nomes dos sócios diretores ou gerentes; e nesse caso, ficam ilimitada e solidariamente, responsáveis pelas obrigações sociais. Em qualquer caso, a denominação ou firma deverá vir acompanhada das palavras “Comandita por ações”, por extenso ou abreviadamente.
A firma é o nome a ser utilizado pelas sociedades comerciais que possuem sócios com responsabilidade ilimitada, e é exatamente por isso que as sociedades em comandita por ações pode utilizá-lo, pois possuem responsabilidade ilimitada os sócios que exercem funções de diretores ou gerentes.
Já a denominação é uma expressão qualquer que as sociedades podem utilizar; contudo, no presente caso, essa expressão deve ser designativa do objeto social e da expressão “comandita por ações”. Poderá ser um simples nome fantasia ou se constituir com o nome de alguns dos sócios ou de pessoas outras que se queira homenagear, como por exemplo, aquelas que trabalharam para o sucesso da empresa ou de eventuais fundadores.
Em resumo, segundo explica Fran Martins (2010:1160)
A sociedade em comandita por ações pode usar como nome social uma firma ou uma denominação ou nome de fantasia. Em qualquer caso, o nome social deve ser acrescido da expressão “sociedade em comandita por ações” ou simplesmente “comandita por ações”. E quando o nome social for uma firma, isto é, contiver nome de pessoas, seguido da expressão “comandita por ações”, esses nomes deverão ser apenas de sócios ou acionistas que sejam diretores ou gerentes. Tais acionistas, exercendo aquelas funções, assumiram, por disposição legal, responsabilidade subsidiária e ilimitada pelas obrigações sociais.
Em relação à nomeação dos administradores ou gerentes, trata do assunto, os artigos 1091 do Código Civil e 282 da Lei 4.604. Tais dispositivos afasta a possibilidade de um terceiro, estranho à sociedade, ser nomeado como administrador. Ambos estabelecem que apenas o acionista pode ser administrador da sociedade, e como diretor, conforme já mencionado em diversas passagens desse trabalho, responde solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais. Havendo mais de um diretor, serão solidariamente responsáveis. Os diretores devem ser nomeados no ato constitutivo da sociedade, sem limitação de tempo, e somente poderão ser destituídos por deliberação de acionistas que representem no mínimo dois terços do capital social, devendo, nesse caso, a deliberação, ser tomada em assembléia geral extraordinária. Ressalte-se que como entende a maioria da doutrina, poderão participar da deliberação para destituição dos diretores todos os acionistas, tenham eles ou não o direito ao exercício ordinário do voto, e não apenas aqueles que tenham ações nominativas.
Pode ocorrer, entretanto, de os diretores deixarem o encargo por outros motivos que não a destituição, como no caso de renúncia (deixar o cargo voluntariamente) ou incapacidade civil. Nesses casos ocorrerá a substituição dos diretores, cuja decisão poderá ser tomada com a maioria simples dos votos em assembléia geral extraordinária.
Em qualquer caso, sendo destituídos, ou por outra causa, exonerados, os diretores continuam, durante dois anos, responsáveis pelas obrigações sociais contraídas sob sua administração. Ressalte-se que a limitação de dois anos foi introduzida pelo § 3º do art. 1091 do Código Civil, já que o § 2º do art. 282 da lei 6.404 não estabelece limitação temporal dessa responsabilidade.
Pelo fato dos administradores possuírem responsabilidade ilimitada e solidária, a assembléia geral não pode, sem o consentimento deles, mudar o objeto social, prorrogar o prazo de duração da sociedade, aumentar ou diminuir o capital social, criar debêntures ou partes beneficiárias. Justifica-se essa exigência pois tais alterações significa a ampliação da responsabilidade dos diretores ou gerentes, e por evidente, esse alargamento da responsabilidade pelas obrigações sociais não pode ocorrer sem o expresso consentimento dos obrigados.
Por fim, ressalte-se que por expressa vedação do art. 284 da lei 6.404 não se aplica às sociedades em comandita por ações o disposto naquela lei sobre Conselho de Administração, autorização estatutária sobre aumento de capital e emissão de bônus de subscrição.
5. CONCLUSÃO
A origem das sociedades em comandita por ações, segundo ensina a doutrina, remonta ao direito francês. Surgiram em virtude da proibição do art. 37 do Código de Comércio de se constituírem sociedades anônimas sem a já mencionada autorização governamental e da necessidade de se restringir a responsabilidade de alguns sócios, o que fez surgir a figura do sócio comanditário, com responsabilidade limitada à sua participação na sociedade.
No direito brasileiro essa espécie societária encontra sua regulamentação legal na Lei 6.404/76, com alterações introduzidas pelo Código Civil.
De natureza institucional, a sociedade em comandita por ações pode operar adotando como nome empresarial a firma que será formada pelo nome de um, alguns ou todos os sócios diretores. Poderá utilizar, também a denominação social; no entanto, em ambos os casos o nome empresarial deverá vir acompanhado da expressão “comandita por ações” por extenso ou de forma abreviada.
Os diretores ou gerentes somente poderão ser acionistas, que nessa qualidade respondem de forma ilimitada e solidária pelas obrigações da sociedade. Essa responsabilidade estende-se até dois anos após a destituição ou exoneração.
Em relação aos poderes da assembléia geral existem certas limitações e não pode, sem o consentimento dos diretores, mudar o objeto essencial da sociedade, prorrogar o prazo de duração da mesma, aumentar ou diminuir o capital social, criar debêntures ou partes beneficiárias e nem aprovar a participação em grupos de sociedades. Além disso, por expressa vedação legal, não se aplica às sociedades em comandita por ações o disposto na Lei 6.404/76 sobre Conselho de Administração, autorização estatutária sobre aumento de capital e emissão de bônus de subscrição.
7. BIBLIOGRAFIA
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DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 14 ed. Saraiva. São Paulo: 2009.
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MAMEDE, Gladston. Direito societário: Sociedades Simples e Empresárias. 5 ed. Atlas. São Paulo: 2011.
MARTINS, Fran. Comentários à lei das Sociedades Anônimas. 4 ed. Forense. São Paulo: 2010.
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Teoria Geral da Empresa e Direito Societário. 8 ed. Saraiva. São Paulo: 2011.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 18 ed. v. 1. Forense. Rio de Janeiro: 1997
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 8 ed. v. 1 e 2. Saraiva. São Paulo: 1977
Advogada. Mestra em Educação pela Universidade de Uberaba - Uniube.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALMEIDA, Elizangela Santos de. Sociedades em comandita por ações, origem, evolução, conceito, natureza jurídica e principais características dessa espécie societária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jan 2012, 09:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/27569/sociedades-em-comandita-por-acoes-origem-evolucao-conceito-natureza-juridica-e-principais-caracteristicas-dessa-especie-societaria. Acesso em: 22 nov 2024.
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