O ministro Francisco Falcão determinou aos presidentes dos tribunais de Justiça de 14 estados e do DF que iniciem, em três meses, a abertura de concurso público para os cartórios extrajudiciais. A não realização do concurso exigido pela Constituição Federal constitui uma situação insustentável. O concurso é exigido não só pela CF como também pela Resolução 81/2009 do CNJ.
Nas origens do Brasil e da América Latina (que foram conquistados, não descobertos) residem as mesmas matrizes culturais das origens da Europa: a violência (espada), a fraude (cobiça) e uma determinada maneira de se exercer a fé (F. Weffort: 2012, p. 64 e ss.). Essas três matrizes culturais confluem para a uma única síntese: a da vulgaridade, que se caracteriza pela ausência de emancipação moral.
Quando os TJs descumprem todo o ordenamento jurídico vigente (a Constituição, as resoluções do CNJ etc.), protelando quanto podem a abertura de concursos para os cartórios extrajudiciais, é preciso ver o que está por trás de tudo isso, para explicar a cultura do “jeitinho”: uma das nossas marcas culturais seculares é a “valorização das pessoas”, ou seja, aqui damos “menor importância ‘à verdade das coisas, fundada em uma lógica impessoal’ (...) Encontra-se aí [o que importa é a pessoa e não tanto a moralidade ou a ética] a raiz fundamental da subvaloração das normas e das leis, típica da cultura brasileira e hispano-americana em geral” (Weffort).
A frase atribuída a Getúlio Vargas, “Aos amigos, tudo, aos inimigos, a lei”, simboliza, em grande parte, nossa vulgaridade (fundada na violência, na fraude e em algumas formas de exercer a fé). O Estado está privatizado nas suas distribuições de renda, o governo legisla e governa para os amigos do poder e a democracia não significa o exercício do poder pelo povo, sim, o uso do povo para exercer e se beneficiar do poder.
A mudança nesse cenário secular depende de um milagre, que consiste em o ser humano aceitar reformar a sua vulgaridade de origem e assumir as consequências morais da sua urbanização (Gomá Lanzon: 2009, p. 13). Para que isso aconteça são necessárias três coisas: (a) a inibição dos instintos [sexuais, de vingança etc.], (b) a postergação da gratificação imediata dos seus desejos [gerada pela corrupção, por exemplo; pelo enriquecimento ilícito] e (c) a alienação da sua liberdade. É nisso que consiste a nossa equidistante emancipação moral, em todo momento atrapalhada pelas promíscuas relações pessoais (ou seja: pela hipervalorização das relações pessoais e a correspondente subvaloração das normas e das leis).
Não vamos nunca, no Brasil, edificar uma nova cultura enquanto continuarmos regidos pelas areias movediças da vulgaridade [disso sendo exemplo o não cumprimento das normas e das leis válidas]. Como sublinha Gomá Lanzón (2012, p. 12), “nenhum projeto ético coletivo é sustentável se está baseado na barbárie de cidadãos liberados, porém ainda não emancipados, nas personalidades incompletas, não evoluídas, instintivamente autoafirmadas e desinibidas do dever”.
Enquanto não pensarmos seriamente na nossa emancipação moral, como projeto individual e coletivo (a cobrança do Corregedor e a fixação de prazo para a abertura dos concursos são exemplos disso), os TJs vão continuar protelando (quanto puderem) a abertura dos concursos dos cartórios extraoficiais. Quanta falta faz para nossa cultura republicana a exemplaridade pública!
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