Imunidade recíproca e sociedade de economia mista - 1
O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a aplicação da imunidade tributária (CF, art. 150, VI, a) a empresa de saneamento básico, constituída sob a forma de empresa pública, cuja composição acionária seja negociada em bolsa de valores. No caso, o acórdão recorrido entendera que a empresa recorrente, não poderia gozar de benefícios fiscais não extensivos ao setor privado. O Ministro Joaquim Barbosa (relator e Presidente) negou provimento ao recurso, no que foi acompanhado pelos Ministros Teori Zavascki e Luiz Fux. Afirmou que o Estado-membro optara por prestar serviços de esgoto e de fornecimento de água por meio da administração indireta, sob a forma de sociedade de economia mista. Frisou que essa empresa teria o capital aberto e suas ações seriam negociadas em bolsa de valores. Registrou, ademais, que a recorrente obtivera significativo lucro nos últimos anos e que fora classificada como investimento viável de rentabilidade por agência de classificação de risco. Ressaltou que os investidores da recorrente seriam beneficiados com a distribuição de lucros, sob as formas legais admissíveis, como dividendos, juros sobre capital próprio, debêntures, partes negociáveis, entre outros. Não obstante, ponderou não existir reprovação no desiderato e na realização de lucros. Pelo contrário: a Constituição expressamente teria reservado à iniciativa privada o exercício de atividades econômicas. Mencionou que a intervenção direta do Estado na economia e no mercado seria expressamente subsidiária. Contudo, realçou que consistiria em desvio sistêmico assegurar garantias indissociáveis do Estado e do interesse público a empreendimentos dotados de capacidade contributiva e cuja função seria distribuir os resultados dessa atividade ao patrimônio dos empreendedores. O Presidente salientou que a circunstância de o sócio majoritário ser um ente federado não impressionaria, pois não seria função primária do Estado participar nos lucros de qualquer pessoa jurídica, nem de auferir quaisquer outros tipos de receita. Explicou que as receitas primárias e secundárias não seriam uma finalidade em si. Asseverou que, se o Estado-membro optara por prestar serviços essenciais por meio de uma pessoa jurídica capaz de distribuir lucros, haveria capacidade contributiva. Consequentemente, não existiria qualquer risco ao pacto federativo. Afiançou que a imunidade tributária recíproca se daria em detrimento da competência tributária de outros entes federados. Destacou que não faria sentido desprover municípios e a própria União de recursos legítimos, a pretexto de assegurar à pessoa jurídica distribuidora de lucros vantagem econômica incipiente em termos de harmonia federativa. Avaliou que, se a carga tributária realmente fosse proibitiva, bastaria ao Estado escolher outra forma de regência de personalidade jurídica, que não envolvesse a possibilidade de acumulação e de distribuição de lucros. Assim, sempre que um ente federado criasse uma instrumentalidade estatal dotada de capacidade contributiva, capaz de acumular e de distribuir lucros, de contratar pelo regime geral das leis trabalhistas, não haveria ameaça ao pacto federativo a justificar a incidência da imunidade recíproca.
RE 600867/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 5.6.2014. (RE-600867)
Imunidade recíproca e sociedade de economia mista - 2
Em divergência, o Ministro Roberto Barroso deu provimento ao recurso. Lembrou que o tema da extensão da imunidade recíproca às sociedades de economia mista suscitara inúmeras discussões no âmbito do STF com a identificação de diversos cenários específicos que poderiam exigir tratamento próprio. Recordou que a hipótese mais singela teria sido objeto de acórdão específico do Plenário a envolver a prestação de serviço público em regime de exclusividade e sem intuito de lucro. Naquele caso prevalecera o entendimento de que a imunidade deveria ser reconhecida. Da mesma forma, a 2ª Turma teria reconhecido a salvaguarda nas situações em houvesse intuito de lucro, desde que se tratasse de serviço público em ambiente não concorrencial. Destacou que o art. 150, VI, a, da CF estabelece a imunidade recíproca sobre os serviços de cada um dos entes políticos, assim como os respectivos patrimônios e rendas. Nesses termos, a prestação do serviço público pela administração direta de determinado ente geraria a incidência da imunidade. Consignou que esse seria o elemento central que deveria induzir a interpretação teleológica das demais hipóteses. Assinalou que o fato de o Poder Público optar pela delegação de determinado serviço público não deveria onerar a sua prestação por ser em regime não concorrencial. Aduziu que a Constituição pretendera desonerar o próprio serviço, notadamente para fins de promoção da modicidade tarifária. Enfatizou que a prestação por agentes privados, teoricamente justificada pela busca da eficiência, não deveria ter o efeito adverso de fazer incidir uma obrigação tributária sobre o serviço ou sobre bens que estivessem a ele diretamente afetos. Considerou que a negociação de participação acionária em bolsa não afastaria esse interesse legítimo. Registrou que seria pouco provável que a tributação produzisse impacto sobre as margens de lucro da equação econômico-financeira da concessão. Em vez disso, o impacto tributário tenderia a ser repassado no preço da tarifa. Sublinhou que não haveria razão para estender a imunidade ao patrimônio que não estivesse afetado ao serviço ou mesmo à renda auferida pela sociedade de economia mista. Essa seria uma renda própria da entidade personalizada, sujeita normalmente aos efeitos da tributação. Aludiu que a distribuição de dividendos ao Poder Público, se tributáveis, poderia ser objeto de eventual imunização. Por fim, reiterou que a imunidade recairia sobre o serviço e que a maior preocupação do constituinte seria com a questão da modicidade tarifária. Em seguida, o julgamento foi suspenso.
RE 600867/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 5.6.2014. (RE-600867)
Decisão publicada no Informativo 749 do STF - 2014
Precisa estar logado para fazer comentários.