Crime de redução a condição análoga à de escravo e competência - 3
O Plenário retomou julgamento de recurso extraordinário, afetado pela 2ª Turma, em que se discute a competência para processar e julgar ação penal por crime de “reduzir alguém a condição análoga à de escravo” (CP, art. 149), se da justiça estadual ou federal — v. Informativos 556 e 573. Em voto-vista, o Ministro Joaquim Barbosa (Presidente) divergiu do entendimento do Ministro Cezar Peluso (relator) e proveu o recurso, para reconhecer a competência da justiça federal. Aduziu que esse caso seria similar ao tratado no RE 398.041/PA (DJe de 19.12.2008) , oportunidade em que o STF teria firmado a competência da justiça federal para processar e julgar ação penal referente ao crime do art. 149 do CP. Ressaltou que, após aquele julgamento, teria se aprofundado o combate ao trabalho escravo no País, a indicar que a manutenção da competência da justiça federal na matéria seria essencial para a segurança jurídica e para o desenvolvimento social brasileiro. Asseverou que a Constituição traria robusto conjunto normativo voltado à proteção e à implementação dos direitos fundamentais, caracterizado pela preocupação com a dignidade humana e com a construção de uma sociedade livre, democrática, igualitária e plural. Assinalou que o constituinte teria dado importância especial à valorização da pessoa humana e de seus direitos fundamentais, de maneira que a existência comprovada de trabalhadores submetidos à escravidão afrontaria não apenas os princípios constitucionais do art. 5º da CF, mas toda a sociedade, em seu aspecto moral e ético.
RE 459510/MT, rel. Min. Cezar Peluso, 1º.7.2014. (RE-459510)
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O Ministro Joaquim Barbosa consignou que os crimes contra a organização do trabalho comportariam outras dimensões, para além de aspectos puramente orgânicos. Nesse sentido, não se cuidaria apenas de velar pela preservação de um sistema institucional voltado à proteção coletiva dos direitos e deveres dos trabalhadores. Reputou que a tutela da organização do trabalho deveria necessariamente englobar outro elemento: o homem, abarcados aspectos atinentes à sua liberdade, autodeterminação e dignidade. Assim, quaisquer condutas violadoras não somente do sistema voltado à proteção dos direitos e deveres dos trabalhadores, mas também do homem trabalhador, seriam enquadráveis na categoria dos crimes contra a organização do trabalho, se praticadas no contexto de relações de trabalho. Anotou que a Constituição teria considerado o ser humano como um dos componentes axiológicos aptos a dar sentido a todo o arcabouço jurídico-constitucional pátrio. Ademais, teria atribuído à dignidade humana a condição de centro de gravidade de toda a ordem jurídica. Acresceu que o constituinte teria outorgado aos princípios fundamentais a qualidade de normas embasadoras e informativas de toda a ordem constitucional, inclusive dos direitos fundamentais, que integrariam o núcleo essencial da Constituição. Salientou, nesse sentido, o art. 170 da CF (“A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”). Ponderou que, diante da opção constitucional pela tutela da dignidade intrínseca do homem, seria inadmissível pensar que o sistema de organização do trabalho pudesse ser concebido unicamente à luz de órgãos e instituições, excluído dessa relação o próprio ser humano.
RE 459510/MT, rel. Min. Cezar Peluso, 1º.7.2014. (RE-459510)
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O Ministro Joaquim Barbosa registrou que o art. 109, VI, da CF estabelece competir à justiça federal processar e julgar os crimes contra a organização do trabalho, sem explicitar quais delitos estariam nessa categoria. Ressalvou que, embora houvesse um capítulo destinado a esses crimes no Código Penal, inexistiria correspondência taxativa entre os delitos capitulados naquele diploma e os crimes indicados na Constituição, e caberia ao intérprete verificar em quais casos se estaria diante de delitos contra a organização do trabalho. Reputou que o bem jurídico protegido no tipo penal do art. 149 do CP seria a liberdade individual, compreendida sob o enfoque ético-social e da dignidade, no sentido de evitar que a pessoa humana fosse transformada em “res”. Frisou que a conduta criminosa contra a organização do trabalho atingiria interesse de ordem geral, que seria a manutenção dos princípios básicos sobre os quais estruturado o trabalho em todo o País. Concluiu que o tipo previsto no art. 149 do CP se caracterizaria como crime contra a organização do trabalho, e atrairia a competência da justiça federal. Afastou tese no sentido de que a extensão normativa do crime teria como resultado o processamento e a condenação de pessoas inocentes pelo simples fato de se valerem de trabalho prestado em condições ambientais adversas. Sob esse aspecto, um tipo aberto ou fechado deveria ser interpretado pela justiça considerada competente nos termos da Constituição. Sublinhou que a má redação ou a contrariedade diante da disciplina penal de determinado tema não desautorizaria a escolha do constituinte. Em seguida, pediu vista o Ministro Dias Toffoli.
RE 459510/MT, rel. Min. Cezar Peluso, 1º.7.2014. (RE-459510)
Decisão publicada no Informativo 752 do STF - 2014
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