RMS: demarcação de terra indígena e análise de requisitos - 1
A 2ª Turma retomou julgamento de recurso ordinário em mandado de segurança em que se impugna portaria que declarara a posse permanente de terra indígena em área situada no Mato Grosso do Sul. Na espécie, o impetrante alega violação a direito líquido e certo, uma vez que o ato teria transformado em indígenas as terras cujo domínio e posse lhe pertenceriam. Argumenta que: a) a declaração de posse indígena pretérita não corresponderia à realidade; b) o processo demarcatório teria sido produzido unilateralmente pela Funai; c) o Decreto 1.775/1994 seria inconstitucional; e d) a ele teria sido negado o direito à ampla defesa no processo administrativo. Na sessão de 29.11.2013, o Ministro Ricardo Lewandowski (relator) negou provimento ao recurso. Consignou que o impetrante não teria trazido qualquer prova pré-constituída que pudesse infirmar o laudo elaborado pela Funai, uma vez que a ocupação da terra pelos índios transcenderia a mera posse, no conceito do direito civil. Nesse sentido, aduziu que para apurar se a área demarcada guardaria ligação anímica com a comunidade indígena e ilidir as conclusões obtidas pela Funai seria necessária a produção de prova, o que — de acordo com a jurisprudência consolidada do Tribunal — não poderia ser feito no presente “writ” ante seus estreitos limites. Por fim, asseverou que o caso Raposa Serra do Sol teria sido atípico, em que se reivindicavam, praticamente, dois terços de um Estado-membro da Federação brasileira, razão pela qual esse precedente, à vista de suas peculiaridades, não poderia ser estendido para além daquele caso. Ademais, não teria nenhum efeito vinculante.
RMS 29087/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 24.6.2014. (RMS-29087)
RMS: demarcação de terra indígena e análise de requisitos - 2
Na presente assentada, o Ministro Gilmar Mendes, em voto-vista, proveu o recurso. Ressaltou que apenas se reconheceriam aos índios os direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupassem se a área estivesse habitada por eles na data da promulgação da Constituição Federal (marco temporal) e, complementarmente, se houvesse a efetiva relação dos índios com a terra (marco da tradicionalidade da ocupação). No caso em análise, salientou que o relatório de identificação e delimitação da terra indígena, elaborado pela Funai, indicaria que há mais de 70 anos não existiria comunidade indígena ou posse indígena no local em disputa. Logo, o marco objetivo temporal insubstituível não estaria preenchido, e se mostraria desnecessário averiguar a tradicionalidade da posse dos índios, bem como impossível reconhecer a posse indígena daquelas terras. Por outro lado, aduziu ser viável analisar, em recurso ordinário em mandado de segurança, se os requisitos do procedimento demarcatório teriam sido corretamente seguidos, bem como sobre a eventual prova da efetiva e formal presença indígena, no local, em 5.10.1988. Nesse sentido, consignou que, na situação dos autos, a questão posta seria própria do mandado de segurança, pois o laudo da Funai atestaria a inexistência, no local, de posse indígena na data da promulgação da Constituição. Ademais, frisou que o relatório da autarquia mencionada teria adotado como fundamento para a declaração da terra indígena o mero fato de ter havido, em momento pretérito, ocupação indígena no local. Assentou que esse argumento seria insuficiente para legitimar a demarcação pretendida e invocou o Enunciado 650 da Súmula do STF (“Os incisos I e XI do art. 20 da Constituição Federal não alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto”). Além disso, aduziu que, após o caso Raposa Serra do Sol, o procedimento de demarcação de terras indígenas deveria contar com mais um pressuposto: a observância das salvaguardas institucionais reafirmadas pelo STF. Assentou que essas orientações não seriam apenas direcionadas àquele feito específico, mas a todos os processos sobre o mesmo tema, de forma que o entendimento da Corte firmado naquela ocasião deveria servir de apoio moral e persuasivo a todas as demandas sobre demarcação de terras indígenas. Em seguida, pediu vista dos autos a Ministra Cármen Lúcia.
RMS 29087/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 24.6.2014. (RMS-29087)
Decisão publicada no Informativo 752 do STF - 2014
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