Acórdão: Apelação Cível n. 2003.024448-4, de Imbituba.
Relator: Des. Jânio Machado.
Data da decisão: 25.05.2006.
Publicação: DJSC n. 11.927, edição de 21.06.2006, p. 29.
EMENTA: Apelação cível. Enriquecimento sem causa. Duplicata paga em cartório. Proibição de cobrança da correção monetária. Provimento CGJ n.º 18/81. Prescrição vintenária. Art. 177 do Código Civil de 1916 e art. 442 do Código Comercial. Termo inicial do prazo. Interrupção. Art. 172, inciso V, do Código Civil de 1916. Ato inequívoco do devedor.
O credor tem o direito de pleitear, em ação própria, fundamentado no princípio de que a ninguém é lícito locupletar-se à custa alheia, a atualização monetária não cobrada pelo cartório de protesto em face de orientação contida em provimento da Corregedoria-Geral de Justiça.
O prazo prescricional da ação de enriquecimento ilícito, ao tempo da vigência do Código Civil de 1916, era vintenário.
O pagamento, em cartório, de valor histórico representado por duplicata, por si só, não constitui, automaticamente, causa interruptiva do curso da prescrição. É que não se pode confundir reconhecimento de uma obrigação com renúncia a prazo prescricional. Na dúvida, o juiz deve decidir pela ocorrência da prescrição porque o legislador fala em ato inequívoco que importe em reconhecimento do direito pelo devedor.
Apelação cível. Documento. Juntada em razões de recurso. Art. 397 do CPC.
Não é documento novo aquele em poder da parte há mais de vinte anos, cuja pretensão probatória fora objeto de discussão ainda em primeiro grau. Logo, deve ser desconsiderada pelo tribunal, sob pena de violação ao contraditório e à ampla defesa.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n. 2003.024448-4, da comarca de Imbituba (Vara Única), em que são apelantes e apelados Litorânia Engenharia e Comércio Ltda., e Indústria Carboquímica Catarinense S/A – ICC – Grupo Petrofértil:
ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Comercial, por unanimidade, não conhecer do recurso interposto por ICC – Indústria Carboquímica Catarinense S/A – Grupo Petrofértil, e conhecer e negar provimento ao recurso interposto por Litorânea Engenharia e Comércio Ltda.
Custas na forma da lei.
I – RELATÓRIO:
Litorânea Engenharia e Comércio Ltda. ajuizou “ação ordinária de locupletamento ilícito, com pedido de julgamento antecipado da lide” contra ICC – Indústria Carboquímica Catarinense S/A – Grupo Petrofértil sob o fundamento de que, na data de 14.03.1979, levou ao cartório de protesto duplicatas de prestação de serviços, tendo havido a sustação e seqüestro por força de liminar concedida em cautelar promovida pela ora requerida; posteriormente houve a extinção da cautelar, novamente sendo levadas a protesto em 07.12.1987; a requerida de imediato pagou os valores, só que o fazendo pelo valor histórico, sem os acréscimos da lei; ao final, requereu o pagamento do valor de R$141.841,61 (cento e quarenta e um mil, oitocentos e quarenta e um reais e sessenta e um centavos), correspondente à correção monetária e juros moratórios desde a data do vencimento de cada duplicata, bem ainda o benefício da assistência judiciária.
A digna magistrada deferiu os benefícios da assistência judiciária e determinou a citação da requerida (fl. 64), que apresentou a resposta de fls. 72/95: disse do comportamento de má-fé da autora, que prestou serviços mas ficou devedora em “vários processos fiscais, comerciais e trabalhistas”; impugnou o cálculo elaborado pela autora, dizendo da sua inveracidade; os juros legais, se devidos, serão calculados na taxa de 6% ao ano e contados da citação judicial; as duplicatas já foram quitadas em cartório, sem ressalva, impondo-se o disposto nos arts. 944, 1.053 do Código Civil de 1916 e arts. 252, 434 e 435 do Código Comercial, inexistindo direito a complementação do pagamento; em se tratado de duplicatas e seus acessórios, aplicam-se os prazos prescricionais do art. 443 do Código Comercial e art. 178, §10º, inciso III do Código Civil de 1916 (cinco anos), do art. 18, inciso I, da Lei n.º 5.474,68 (três anos) ou do art. 445 do Código Comercial (quatro anos); insurgiu-se contra a pretensão da concessão da assistência judiciária. Após a impugnação da contestação foi realizada audiência de conciliação, de resultado infrutífero (fl. 127). Em julgamento antecipado a digna magistrada Lívia Francio Rocha acolheu parcialmente o pedido inicial, e o fez para condenar a requerida no pagamento da correção monetária incidente sobre o valor histórico de duas duplicatas pagas em cartório, a partir dos respectivos vencimentos, acrescida a condenação de juros de 6% ao ano e correção monetária; reconheceu a ocorrência da prescrição extintiva em relação a 7 (sete) duplicatas e, por força da sucumbência recíproca e proporcional, condenou as partes no pagamento das custas processuais e verba honorária arbitrada em R$500,00 (quinhentos reais), com a compensação; em face do benefício da assistência judiciária concedido à autora, impôs o contido no art. 12 da Lei n.º 1.060/50.
A autora, irresignada, interpôs recurso de apelação insistindo na não-ocorrência de prescrição extintiva e requerendo que os juros moratórios sejam calculados na taxa de 12% ao ano, contados sobre o principal atualizado monetariamente; tanto os juros quanto a correção monetária deverão ser calculados desde o prazo de 10 (dez) dias da data da apresentação das faturas no canteiro de obras da ré ou, quando menos, da data da intimação do protesto judicial; os honorários advocatícios deverão ser ampliados, arbitrando-se percentual digno; requereu a juntada de documentos (fls. 158/330). Na resposta apresentada, a apelada insurgiu-se contra a juntada de documentos, que não são novos, devendo ser desconsiderados ou desentranhados; no mais, aplaudiu a sentença na parte que lhe beneficiou (fls. 341/345).
Os embargos de declaração apresentados pela requerida (fls. 338/339) foram rejeitados porque intempestivos (fl. 371).
A requerida também interpôs recurso de apelação, e o fez para insistir na ocorrência da prescrição de todas as duplicatas, ao argumento de que o pagamento em cartório sem ressalvas inviabiliza a pretensão indenizatória, na indevida concessão do benefício da assistência judiciária e no comportamento de má-fé da autora que jamais recolheu tributos e encargos sociais sobre suas atividades (fls. 375/379). Na resposta apresentada, a autora disse da intempestividade do recurso de apelação (fls. 384/386).
Os autos vieram a esta Corte, com distribuição à Primeira Câmara de Direito Civil e posterior redistribuição à Câmara de Direito Comercial em face do Ato Regimental n.º 57/2002 (fl. 409).
O pedido de extração de carta de sentença foi negado (fl. 412).
II – VOTO:
O recurso interposto pela requerida não é conhecido em face de sua manifesta intempestividade. A intimação da sentença deu-se por intermédio de publicação no Diário da Justiça de 03.09.2002, iniciando-se o curso do prazo em 09.09.2002 (fl. 337), enquanto que o apelo somente foi protocolado em 04.07.2003 (fl. 375), quando já esgotada a quinzena legal. Recorde-se que os embargos de declaração não tiveram o condão de interromper o curso do prazo recursal, pois intempestivos, matéria que foi apreciada à fl. 371, cuja decisão já se encontra acobertada pelo manto da preclusão. Acerca da intempestividade dos embargos de declaração e da não-ocorrência do efeito interruptivo, confira-se: apelação cível n.º 1999.018161-8, de São João Batista, Terceira Câmara de Direito Público, rel. Des. Cláudio Barreto Dutra. Disponível em: . Acesso em: 22 maio 2006.
Na petição inicial, a autora reproduziu os fatos que antecederam o pagamento de 9 (nove) duplicatas em cartório, momento em que se fez a conversão dos valores, passando de cruzeiro (a moeda corrente na época da emissão das cambiais) para cruzados (a moeda corrente na data do pagamento em cartório). Referiu-se à tentativa anterior de protesto, com o encaminhamento de duas duplicatas, providência obstada por ordem judicial, em face de ajuizamento da ação cautelar de sustação de protesto c/c seqüestro dos títulos. Somente após o esgotamento das vias judiciais, e revogada a ordem judicial, é que teve possibilidade de fazer novo encaminhamento. E porque grande o tempo transcorrido, por ocasião do pagamento em cartório os valores nada ou quase nada mais representavam. Assim, invocando o prazo prescricional do art. 442 do Código Comercial e art. 177 do Código Civil de 1916 (vintenário), requereu, sob o fundamento do locupletamento ilícito, o pagamento da correção monetária e juros moratórios de 12% ao ano.
O legislador civil atual disciplina o enriquecimento sem causa em 3 (três) artigos distintos, conferindo ao tema um tratamento até então desconhecido pelo direito positivado (arts. 884 a 886 do Código Civil de 2002). E, no tocante ao prazo prescricional, em consonância com as necessidades do mundo atual, deixou bem claro que o prazo seria de 3 (três) anos (art. 206, §3º, inciso IV, do Código Civil de 2002).
Para o caso concreto, importa é saber as regras que então vigoravam, atentando-se para as disposições finais e transitórias contidas nos arts. 2.028 (prazos prescricionais) e 2.035 (validade do ato jurídico), ambos do atual Código Civil.
O princípio do locupletamento ilícito – ou do enriquecimento sem causa, como querem outros – já podia ser encontrado na legislação civil da época, bastando recordar a regra contida no art. 964 do Código Civil de 1916.
De Plácido e Silva conceitua “enriquecimento ilícito ou sem causa” como aquele que
“se promove, empobrecendo injustamente outrem, sem qualquer razão jurídica, isto é, sem ser fundado numa operação jurídica considerada lícita ou numa disposição legal.
O enriquecimento ilícito gera o locupletamento à causa alheia, que justifica a ação de in rem verso promovida pelo empobrecido injustamente. Esta ação também se diz de locupletamento e tem por objetivo fazer o locupletado (enriquecido) restituir a coisa indevidamente recebida, ou indenizar o empobrecido do valor da coisa com que se enriqueceu (locupletou) indevidamente.” (Vocabulário jurídico. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 309).
Na esteira de tal princípio é que esta Casa sempre assegurou ao titular de crédito cambial o direito de exigir em juízo a correção monetária e os juros moratórios referentes a pagamentos feitos em cartório sem tais acréscimos (dentre outros: apelações cíveis n.ºs 51.142, 47.639, 88.079365-3, 97.002122-4 e 1998.003063-3. Disponível em: . Acesso em: 22 maio 2006). E o prazo prescricional para o ajuizamento da ação correspondente era o do art. 177 do Código Civil de 1916, o vintenário (veja-se: apelação cível n.º 36.927, de Balneário Camboriú, Primeira Câmara Civil, rel. Des. João Martins, j. em 03.12.1991. Disponível em: . Acesso em: 22 maio 2006). Afinal, em suma, tratava-se de ato ilícito praticado pelo devedor que, indevidamente, locupletava-se à custa do credor, em face de orientação expedida pela egrégia Corregedoria-Geral de Justiça, no sentido de os tabelionatos não exigirem a correção monetária (Provimento n.º 18/81).
O enriquecimento sem causa do devedor só pode ter por origem a emissão de uma duplicata, representativa da prestação de um serviço ou de uma venda comercial. O pagamento em cartório limita-se a comprovar o pagamento incompleto, materializando a violação ao direito de crédito já ocorrida desde o vencimento da cambial. Então, marco inicial para a contagem do prazo prescricional – está a se falar em extinção do direito de receber o crédito em face da ocorrência da prescrição – é a data em que o título cambial poderia ser exigido, tal qual opção adotada pela insigne magistrada de primeiro grau. Recorde-se que a prescrição nada mais é do que uma punição que o legislador impõe ao desidioso. E desídia, se assim pode ser compreendido o tema tratado nos autos, deu-se, em relação às sete duplicatas excluídas pela sentença, emitidas nos anos de 1978 e 1979, nas respectivas datas de vencimento.
Nenhum daqueles títulos excluídos foram levados a protesto em 14.03.1979, momento em que surgiu a ordem judicial para a sustação e seqüestro. O prazo prescricional, então, teve início e findou, uma vez transcorrido os 20 (vinte) anos, sem que se fizesse presente qualquer causa interruptiva, suspensiva ou impeditiva. O protesto judicial referido na cópia de fls. 37/40 não teve o pretendido efeito interruptivo das cambiais depois quitadas em cartório, conclusão que se retira da atenta leitura daquela peça processual, mais especialmente do que, ao final, requereu-se:
“Para prevenir responsabilidades, prover a conservação e ressalva se seus direitos e mesmo de modo formal manifestar a intenção do Requerente de usar das ações cabíveis para evitar e anular quaisquer atos dos devedores que possa importar em prejuízo bem como para se ressarcir dos mesmos, é a presente, nos termos do art. 867 do Cód. Proc. Civil, para requerer à V. Exa. Se digne de mandar intimar os mesmos devedores do protesto, que ora fica feito pelo Requerente, contra a efetivação da intenção da Requerida em saldar o débito contraído com a Previdencia Social, utilizando créditos indevidamente retidos da Requerente, Bem como quanto aos reajustes e indenizações devidos pelo atraso nos prazos contratuais, alongados por única culpa da Requerida e retiradas do escopo contratual de forma violenta, arbitrária e ilegal, mesmo porque o débito para com a Previdência Social já foi confessado, obtendo parcelamento do mesmo, estando sua situação regularizada até 28 de FEVEREIRO de 1980(DOC. Nº 15).” (fl. 40).
O protesto judicial capaz de provocar a interrupção do curso do prazo de prescrição, referido no art. 172, inciso II do Código Civil de 1916, é aquele endereçado ao devedor com o propósito firme e inescondível de demonstrar a intenção de receber o valor representado por cambial discriminada. Aquela providência demonstrada a fls. 37/41 buscava impedir, tão-somente, que a apelada retivesse créditos da apelante, e com eles efetuasse pagamentos à Previdência Social. Em nenhum momento demonstrou-se nos autos que os tais créditos eram aqueles representados pelas duplicatas de prestação de serviço de fl. 35.
Os documentos juntados pela apelante, porque não são considerados novos, deixam de ser examinados pelo tribunal, sob pena de ofensa ao art. 397 do CPC, na esteira do que vem sendo decidido nesta Casa:
“APELAÇÃO CÍVEL. JUNTADA DE DOCUMENTO NAS RAZÕES RECURSAIS. FATO SUSCITADO NA CONTESTAÇÃO. NÃO COMPROVAÇÃO DE FORÇA MAIOR IMPEDITIVA. INOPORTUNIDADE DA JUNTADA. DESCONSIDERAÇÃO DO DOCUMENTO. PRELIMINAR INACOLHIDA. Em não se tratando de documento referente a fato novo, tampouco destinado a contrapor fatos deduzidos posteriormente nos autos (art. 397 do CPC), a juntada de documento nas razões recursais, relacionado a fatos já mencionados na contestação, só é autorizada quando o apelante comprova força maior impeditiva da juntada do documento no momento oportuno (art. 517 do CPC).” (apelação cível n.º 2000.013339-6, de Xanxerê, rel. Des. Jorge Schaefer Martins, j. em 25.04.2002. Disponível em: . Acesso em: 22 maio 2006).
Tampouco houve interrupção do prazo prescricional no momento em que dois títulos foram levados a protesto, na data de 07.12.1987, e o devedor, por vontade própria, lá compareceu e quitou o valor histórico.
Diz o art. 172, inciso V, do Código Civil de 1916:
“Art. 172. A prescrição interrompe-se:
(...)
V – Por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor.”
Câmara Leal, em comentário à norma transcrita, ministra lição que favorece a pretensão da apelante:
“A prescrição que induz extinção do direito e o reconhecimento deste pelo sujeito passivo não podem coexistir, porque são situações jurídicas que se repelem. Por isso, o legislador estatuiu que, embora em curso a prescrição, o prescribente perde o direito a ela, interrompendo-a, se faz, direta ou indiretamente, inequívoco reconhecimento do direito do sujeito ativo.
Esse reconhecimento importa em uma renúncia tácita ao tempo prescricional já decorrido, abrindo novo prazo para a prescrição, que se reinicia, após o reconhecimento.
A lei não individualizou ou singularizou o ato recognitivo do direito do titular, pelo prescribente, mas, pelo contrário, deu eficácia interruptiva a qualquer ato, judicial ou extrajudicial, emanado ou praticado pelo sujeito passivo, contanto que esse ato contenha ou importe de modo inequívoco, em reconhecimento expresso ou tácito do direito do sujeito ativo.
Trata-se, pois, de um fato que, em cada caso, deve ser examinado pelo juiz, a fim de verificar se contém, ou não, um reconhecimento inequívoco.
A lei não exige que o ato constitua, em si, um reconhecimento direto e expresso: basta que importe em um reconhecimento indireto e tácito. Não exige, ainda, que o ato conste de um documento escrito, basta a sua existência objetiva, que possa ser constatada prova testemunhal.”
(...)
Se o devedor paga os juros da dívida, se faz pagamento do principal por conta, se dá garantia fideijussória ou real, todos esses atos importam, de modo inequívoco, reconhecimento da obrigação.
Resumiremos, pois, a interpretação do dispositivo legal, dizendo: sempre que o sujeito passivo pratique algum ato ou faça alguma declaração verbal ou escrita, que não teria praticado ou feito, se fosse sua intenção prevalecer-se da prescrição em curso, esse ato ou declaração, importando em reconhecimento direto ou indireto do direito do titular, interrompe a prescrição.” (LEAL, Antônio Luís da Câmara. Da prescrição e da decadência: teoria geral do direito civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 190-192).
Mas é posição que recebeu dura crítica de Vilson Rodrigues Alves – a ela reporta-se expressamente -, argumentando:
Pode-se reconhecer direito, mas não se reconhecer pretensão passível de exercício, como se passa em todas as hipóteses em que se excepciona com a dicção de prescrição.
É exatamente o que se dá na hipótese do Código Civil, art. 202, VI. O direito, seja ele real, seja ele pessoal, não prescreve; o que pode prescrever é a pretensão de direito material, ou ela e a ação de direito material, ou ela, a ação e a exceção de direito material, ou somente a pretensão de direito material, ou somente a ação de direito material.
O direito pode precluir, como se dele se irradia pretensão de direito material constitutiva, positiva ou negativa, não importa, cujo exercício seja possível, ou devido, dentro de determinado prazo previsto no direito positivo, v.g., Código Civil, art. 178. O que pode, excepcionalmente, dar-se é o sistema jurídico pôr a prescrição da pretensão no suporte fático da preclusão, elevando à categoria dessa aquela.
Porquanto prescritível é a pretensão de direito material a que, no outro lado da relação intrajurídica de crédito (direito) e débito (dever, dívida), se correlaciona uma obrigação, o que interrompe a fluência do prazo prescricional é, então, o reconhecimento da titularidade da obligatio pelo legitimado passivo, que assim também afirma conhecer a pressuposta dívida.
Esse “ato inequívoco” pode dar-se em juízo, ou fora dele, sem que, pelo só ato inequívoco desse reconhecimento esteja o reconhecente a renunciar tacitamente ao prazo prescricional corrido antes da interrupção, em que pese a ter-se dito o contrário em nossa doutrina.
Afinal, por um lado não se pode renunciar ao que se desconhece, e nem sempre que reconhece a existência de sua obrigação renuncia a prazo prescricional que conhece. E pode-se renunciar à prescrição sem contudo reconhecer a existência da obrigação; aliás, pode-se renunciar à prescrição exatamente para discutir-se a existência da obrigação.” (ALVES, Vilson Rodrigues. Da prescrição e da decadência no novo código civil. Campinas, SP: Bookseller, 2003, p. 659-660).
Pontes de Miranda, discorrendo acerca do que seria necessário para interromper-se a prescrição na hipótese tratada no inciso V do art. 172 do código Civil de 1916, ressalta:
“Discute-se se o reconhecimento, de que fala no art. 172, V, é negócio jurídico, em declaração receptícia de vontade (...), ou se a declaração pode ser não-receptícia: bastaria conduta do obrigado que expressasse reconhecer, feita perante o credor, ou dirigida ao credor, ou em juízo. Não se exige negócio jurídico bilateral, nem, sequer, manifestação de vontade negocial: o que é preciso é o enunciado de conhecimento, de convicção, sobre a existência da obrigação (...). A explicitude em se dizer que o pagamento parcial, ou por conta, não implica o reconhecimento, é útil, porque corta, cerce, dúvidas futuras: não é, porém, necessária.” (MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Atualizador: Vilson Rodrigues Alves. Campinas, SP: Bookseller, 2000, tomo VI, p. 264-265).
Humberto Theodoro Júnior, em comentário ao inciso VI do art. 202 do atual Código Civil, em tudo igual ao contido no inciso V do art. 172 do Código Civil de 1916, anota e, ao mesmo tempo adverte:
“Quanto às maneiras indiretas ou implícitas de reconhecer o direito e, assim, interromper a prescrição, a doutrina cita inúmeros exemplos, sendo os mais comuns, o pagamento parcial, o pedido de prazo para resgatar a dívida, o fornecimento de garantias, a promessa de pagamento, a prestação de contas.
Adverte-se, contudo, que o pagamento parcial, desvinculado de qualquer relacionamento com outras prestações do mesmo débito, nem sempre é prova inequívoca do reconhecimento do remanescente do direito do credor, o mesmo acontecendo com tentativas frustadas de acerto de contas e com a declaração que reconhece apenas parte da dívida. Em situações duvidosas como essas não se pode ter como interrompida a prescrição, porquanto, para fins do art. 202, VI, o reconhecimento do direito do credor, embora possa admitir forma livre e tácita, tem de ser inequívoco.” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao novo código civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v.III, t. II, p. 275).
A necessidade de o juiz, com extremo cuidado, analisar o caso concreto e daí retirar a efetiva vontade do devedor também é anotada por Gustavo Tepedino, Heloísa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes:
“A lei não especificou que atos, judiciais ou extrajudiciais, poderiam ensejar a interrupção da prescrição, deixando ao magistrado essa tarefa. É certo, contudo, que o reconhecimento deve ser inequívoco, motivo pelo qual a eventual existência de dúvida quanto à sua configuração já afasta o efeito estabelecido na norma.” (TEPEDINO, Gustavo et al. Código civil interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 386).
Cuidado maior na análise do caso concreto decorre da circunstância de que a causa interruptiva tratada não encontra expressa referência no Código Comercial (não está elencada no seu art. 441). O Código Civil é aplicado, então, de forma supletiva, no que resulta a cautela dobrada.
Daí ter asseverado a digna magistrada que
“a devedora reconheceu o direito do credor ao valor constante da cártula que naquela ocasião lhe fora apresentada, e não o direito a outra importância, que ora postula a Requerente. Por tal razão, tenho que não ocorreu a interrupção do curso do prazo prescricional, na forma preceituada pelo art. 172, V, do Código Civil.” (fl. 140).
Pode-se afirmar, então, que a apelada não renunciou à prescrição e muito menos reconheceu o direito de a apelante pleitear o pagamento da correção monetária apenas e porque compareceu no cartório e fez o pagamento de valor histórico, no dizer da credora, no equivalente a “mais de 4.000 (quatro mil) vezes menores do que os que deveriam ser efetivamente pagos” (fl. 467). Note-se, ademais, que a ação ora em análise somente foi proposta 13 (treze) anos após aquele pagamento em cartório, inexistindo prática de qualquer ato, neste interregno, demonstrativo da pretensão de receber valor a título de correção monetária. Houve, sim, conformismo com o recebimento daqueles valores, cuja origem remonta ao ano de 1978 e 1979, com o transcurso de mais de 22 (vinte e dois) anos até o momento do ajuizamento da ação de enriquecimento sem causa.
A taxa de juros pretendida, de 1% ao mês, não encontra apoio na redação do art. 1.062 do Código Civil de 1916. E, inexistente o pacto, a dobra da taxa não estava autorizada, segundo o disposto no art. 1º do Decreto n.º 22.626, de 07.04.1933. Nem se argumente com a possibilidade de sua cobrança por intermédio de ato expedido pela egrégia Corregedoria-Geral de Justiça, se a autorização contida no Provimento CGJ n.º 18/81 (o dobro da taxa legal) estava condicionada à existência de pacto, na conformidade com precedente desta Casa, versando caso idêntico: apelação cível n.º 51.142, da Capital, Segunda Câmara Civil, rel. Des. Nelson Schaefer Martins, j. em 24.09.1996. Disponível em: . Acesso em: 22 maio 2006)
Assim, em liquidação de sentença, apurar-se-á o valor da correção monetária devida e não paga no cartório extrajudicial. O montante encontrado, já agora o principal correspondente à ação de locupletamento ilícito proposta, sofrerá a incidência da atualização monetária e, na seqüência, dos juros de mora de 6% ao ano (este incidindo sobre o principal corrigido). Com o advento do atual Código Civil, observar-se-á a nova regra inserida no seu art. 406, quando os juros serão calculados na taxa de 12% ao ano, sem prejuízo da incidência da atualização monetária:
(...)
Juros de mora. Ausência de pacto. Taxa aplicável. Vigência do atual Código Civil. Art. 406.
Os juros moratórios, na ausência de pacto, são devidos pela taxa de 6% ao ano, válida até a data da entrada em vigor do novo Código Civil (12.01.2003). A partir daí aplica-se a regra do seu art. 406, passando a limitação para 12% ao ano, sem prejuízo da incidência da correção monetária.” (apelação cível n.º 2005.043102-8, da Capital, da Primeira Câmara de Direito Comercial, de minha relatoria, j. em 18.05.2006).
Os honorários advocatícios, em face da sucumbência recíproca e proporcional, foram bem fixados. A compensação é decorrência de expressa disposição legal (art. 21, “caput”, do CPC) e orientação do Superior Tribunal de Justiça (súmula n.º 306).
III – DECISÃO:
Ante o exposto, a Primeira Câmara de Direito Comercial, por unanimidade, não conhece do recurso interposto por ICC – Indústria Carboquímica Catarinense S/A – Grupo Petrofértil, em face da intempestividade, conhece do recurso interposto por Litorânea Engenharia e Comércio Ltda. mas nega-lhe provimento.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Salete Silva Sommariva e Ricardo Fontes.
Florianópolis, 25 de maio de 2006.
SALETE SILVA SOMMARIVA
Presidente com voto
JÂNIO MACHADO
Relator
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