Acórdão: Apelação Cível n. 2004.032455-5, de Lages.
Relator: Des. Sérgio Roberto Baasch Luz.
Data da decisão: 06.09.2005.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL - CONTRATO DE PERMUTA DE IMÓVEIS - SENTENÇA EXTRA PETITA - INÉPCIA DA INICIAL - IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - INOCORRÊNCIA - FIADORES - LEGITIMIDADE PASSIVA - DESCUMPRIMENTO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS POR UMA DAS PARTES CONTRATANTES - LEGÍTIMA RESCISÃO DO NEGÓCIO - POSSUIDOR DE BOA-FÉ - BENFEITORIAS NECESSÁRIAS E ÚTEIS - DIREITO DE RETENÇÃO E INDENIZAÇÃO - BENFEITORIAS VOLUPTUÁRIAS - DIRETO DE LEVANTAMENTO DESDE QUE NÃO CAUSE DANO À COISA - RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE.
Não há que se falar em sentença extra petita, se a prestação jurisdicional restringe-se aos exatos termos do pedido veiculado na inicial: devolução aos autores do imóvel permutado, remetendo as partes ao status quo ante, e condenação dos réus no pagamento da multa contratual.
Não é inepta a inicial quando os autores deixam claro na petição a causa de pedir da demanda, consistente em contrato particular de permuta de imóvel, independentemente de a denominarem "Ação de Anulação de Contrato Mercantil...", porquanto, a causa caracteriza pelo pedido e pela causa de pedir.
Não existe impossibilidade jurídica do pedido quando o autor postula a anulação do contrato, mesmo não havendo vício de consentimento a macular o instrumento contratual. Estando perfeitamente claro o fundamento do pedido, consistente na infringência de cláusulas contratuais pela outra contratante, não há que se falar em carência de ação.
Os fiadores são legitimados passivos para figurar na ação em que se postula não apenas o desfazimento do negócio jurídico, mas também, a condenação dos réus no pagamento da multa por descumprimento contratual.
A parte prejudicada pelo inadimplemento do outro contratante, tem legítimo interesse de postular a rescisão do negócio, acrescida da multa por descumprimento de cláusulas contratuais.
Pelas benfeitorias necessárias e úteis, o possuidor de boa-fé tem direito de retenção até ser indenizado pelas despesas. Pelas benfeitorias voluptuárias terá direito de levantá-las, desde que não cause dano ao imóvel.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n. 2004.032455-5, Comarca de Lages, em que é apelante Andrea Carla Sandri Farias e outros, sendo apelado Paulino Granzotto e outro:
ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, dar provimento parcial ao recurso.
Custas na forma da lei.
I -RELATÓRIO:
Cuida-se de apelação cível interposta por Andrea Carla Sandri Farias, José Cidinei Farias e Marlene Maria Sandri Farias em virtude de sentença que julgou procedente o pedido de rescisão do Contrato Particular de Permuta de Imóvel com Torna, por descumprimento de cláusulas contratuais, formulado na ação ajuizada por Paulino Granzotto e Miria Arruda Granzotto. Em conseqüência, condenou solidariamente os fiadores José Cidinei Farias e Marlene Sandri Farias, no pagamento da multa contratual fixada na cláusula 12ª do contrato, corrigido monetariamente desde a propositura da ação, com juros de mora a contar da citação. Ainda condenou os réus, solidariamente, no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de R$ 3.000,00.
Argüiram, preliminarmente, a nulidade da sentença, por considerá-la extra petita, já que determinou a rescisão do contrato, quando os apelados haviam postulado a anulação do mesmo. Ainda em preliminar, alegaram a inépcia da inicial, em razão da improcedência do meio e da impossibilidade jurídica do pedido, bem como, a ilegitimidade passiva dos fiadores.
No mérito, aduziram que o imóvel a ser entregue pela permutante, primeira apelante, ainda se encontra em fase de construção pelo Condomínio Morada dos Pinheiros Edifício II, por razões alheias a sua vontade, o que torna inexigível a obrigação, pois, de acordo com o contrato, o bem seria entregue quando do término das obras e respectiva entrega das chaves. Salientou que a obrigação é condicional, sujeita ao término das obras, inexistindo culpa ou inadimplência por parte da primeira apelante. Argumentaram que não resta razão aos apelados, nem à sentença, pois o contrato é plenamente válido, não havendo motivo para a anulação, tampouco para a rescisão do instrumento. O negócio entabulado, salientaram, foi celebrado com observância de todos os requisitos legais - capacidade das partes, licitude do objeto e forma. E, além disso, não foi estabelecido prazo certo para cumprimento, haja vista tratar-se de obrigação condicionada a evento futuro e incerto - a conclusão das obras do imóvel permutado, não se podendo falar em inadimplência. Ademais, disseram inexistir provas nos autos da inadimplência alegada pelos apelados, os quais não demonstraram que a permutante não teria cumprido com suas obrigações. Argumentaram que não existe nos autos as notas promissórias a que se reportam os apelados, as quais, segundo a inicial, fazem parte do pagamento. Também não há prova do descumprimento de cláusula contratual relativa à entrega do imóvel, já que o cumprimento da obrigação assumida sujeita-se a uma condição. Alternativamente, pediram pela exclusão da multa, porque ambos os contraentes descumpriram o contrato. Caso ainda seja mantida a sentença, postularam pelo direito de retenção ou condenação ao pagamento das benfeitorias realizadas.
Apresentadas as contra-razões, os autos ascenderam a este Sodalício.
II -VOTO:
Sentença extra petita.
Não há que se falar em julgamento extra petita, pois a causa foi decidida dentro dos limites em que foi proposta.
A pretensão dos autores/apelados consistia na anulação do contrato, com a condenação dos réus/apelantes à procederem a devolução do imóvel objeto da permuta, acrescido do pagamento da multa contratual no valor de R$ 12.720,16 (doze mil, setecentos e vinte reais e dezesseis centavos).
O magistrado julgou procedente o pedido determinando a rescisão contratual, com retorno das partes à situação anterior, em virtude do descumprimento de cláusulas do contrato de permuta de imóvel. Ainda, condenou solidariamente os fiadores no pagamento da multa contratual fixada na cláusula 12ª.
Portanto, o juiz não extrapolou os limites do pedido, haja vista que a prestação jurisdicional restringiu-se aos exatos termos do pedido veiculado na inicial: devolução aos autores do imóvel permutado, remetendo as partes ao status quo ante, e condenação dos réus no pagamento da multa contratual.
O termo rescisão utilizado na sentença, coaduna-se com o inadimplemento contratual, revelando melhor técnica jurídica.
Já o termo anulação tem cabimento quando o negócio contém algum vício, o que não é o caso dos autos.
Entretanto, a declaração de nulidade da sentença, pelo fato de o juiz decretar a rescisão do contratual, ao invés de anulá-lo, conforme pedido na inicial, representaria um excessivo e insólito apego às expressões técnicas, em detrimento dos princípios da instrumentalidade das formas e da economia processual.
Repita-se, a sentença não é extra petita, pois decidiu nos exatos limites do pedido.
Afasta-se, portanto, a preliminar.
Inépcia da inicial.
Alegam os apelantes a impossibilidade jurídica do pedido e a "improcedência do meio" utilizados pelo apelados, haja vista não se tratar de contrato mercantil, e sim de contrato de compromisso particular de permuta de imóvel com torna.
A insurgência é por demais frágil, porque os apelados deixam claro na petição inicial a causa de pedir da demanda, consistente em "Compromisso Particular de Permuta de Imóvel com Torna", firmado em 04.12.97. O fato de a denominarem "Ação de Anulação de Contrato Mercantil por Descumprimento das Cláusulas c/c Pagamento de Cláusula Penal", não interfere nas características da lide.
É consabido que a ação identifica-se pelo pedido e pela causa de pedir e não pelo nome a ela atribuído.
Neste sentido:
"O nome dado pelo autor à ação interposta é irrelevante, desde que estejam corretos a causa de pedir e o pedido." (Apelação cível n. 2004.000995-0, de Curitibanos, Relator: Dionízio Jenczak, julgada em 20/05/05).
Embora erroneamente intitulado o contrato de "mercantil", percebe-se, tranqüilamente, que o objeto da lide é o contrato de permuta acostado às fls. 11/14.
Argumentam, ainda, que é impossível o pedido de anulação do pacto, porquanto os apelantes não comprovam, e sequer alegam, a existência de algum vício de consentimento, capaz de maculá-lo. Além disso, dizem que a obrigação assumida, qual seja, a entrega do imóvel permutado pela primeira apelante, está condicionada à conclusão das obras do condomínio, fato que ainda não ocorreu.
O pedido de anulação do pacto não conduz à carência de ação por impossibilidade jurídica do pedido. Isso porque, todo o fundamento do pedido consiste no descumprimento das obrigações assumidas pela primeira apelante no contrato de permuta. Tanto que os autores/apelados postularam pela aplicação da multa pactuada a ser paga pela parte que infringisse qualquer cláusula contratual.
Destarte, a causa de pedir não está alicerçada em vício de consentimento, a embasar a anulação do negócio. Entretanto, a não utilização do termo mais apropriado, no caso, rescisão ao invés de anulação, não deve conduzir à extinção da demanda. Seria uma atitude de exacerbado formalismo fulminar a lide desde seu nascedouro, pois perfeitamente aferível a pretensão deduzida pela parte.
Quanto à inexigibilidade da obrigação condicional, trata-se de matéria de mérito, a ser analisada posteriormente.
A impossibilidade jurídica do pedido não se relaciona com as regras de direito material, cuja solução leva à improcedência ou procedência. Como condição da ação, está relacionada à suscetibilidade de apreciação da questão pelo Poder Judiciário.
Conforme leciona Humberto Theodoro Júnior:
"A possibilidade jurídica, então, deve ser localizada no pedido imediato, isto é, na permissão, ou não, do direito positivo a que se instaure a relação processual em torno da pretensão do autor." (Curso de Direito Processual Civil, vol. I, RJ: Forense, 2001, p. 49).
Assim, tratando-se de questão meritória, não se conhece da obrigação condicional neste momento.
Ilegitimidade de parte.
Alegam os apelantes a ilegitimidade passiva dos fiadores, pois não são devedores solidários, nem principais pagadores da avença. Afirmam que não houve no contrato o afastamento formal do benefício de ordem e, assim, caso não aceita a preliminar de ilegitimidade, requerem sejam excutidos primeiro os bens da devedora principal.
Não se pode afastar a responsabilidade dos fiadores, que espontaneamente assumiram a obrigação acessória de garantia.
Consoante prescreve o art. 1.481, do Código Civil de 1916 (art. 818, do Código Civil de 2002): "Dá-se o contrato de fiança, quando uma pessoa se obriga por outra, para com o seu credor, a satisfazer a obrigação, caso o devedor não a cumpra."
No presente caso, o Sr. José Cidinei Nunes Farias e sua esposa Sra. Marlene Maria Sandri Farias, assinam o contrato como fiadores da segunda permutante, a Sra. Andréa Carla Sandri Farias (cláusula quinta). Colocaram-se, assim, na posição de assegurar o cumprimento da obrigação sob responsabilidade da contratante.
Verifica-se, ainda, a inexistência de expressa reserva do benefício da divisão e, portanto, nos termos do art. 1.493, do Código Civil de 1916 (art. 829, CC/2002), são os fiadores solidários: "A fiança conjuntamente prestada a um só débito por mais de uma pessoa importa o compromisso de solidariedade entre elas, se declaradamente não se reservarem o benefício de divisão."
Os apelados, no caso, promoveram a ação não apenas para postular o desfazimento do negócio, mas para requerer a condenação dos réus no pagamento da multa contratual.
Desta forma, são legítimos os fiadores para figurarem no polo passivo da demanda, porque, não sendo limitada a fiança, respondem pelos acessórios da dívida. Consoante o art. 1.486, do Código Civil de 1916: "Não sendo limitada, a fiança compreenderá todos os acessórios da dívida principal, inclusive as despesas judiciais, desde a citação do fiador."
Quanto à observação do benefício de ordem, o mesmo terá relevância apenas por ocasião da exigência do pagamento da dívida. Nesse momento, é que o fiador deverá exigir primeiramente a excussão de bens da devedora principal (art. 1.491, do Código Civil de 1916 e art. 827, do Código Civil de 2002).
Portanto, os fiadores são legitimados passivos, independente do caráter condicional ou não da obrigação da devedora principal, questão essa de mérito, posterior à análise das condições da ação.
Mérito.
Segundo os recorrentes, a obrigação assumida pela primeira apelante, consistente na entrega do imóvel caracterizado como um apartamento com área de 316,10 m², localizado no Condomínio Morada dos Pinheiros Edifício II, na cidade de Lages, é inexigível. Alegam, para tanto, que a obrigação está sujeita à condição, qual seja, a conclusão da obra e a entrega das respectivas chaves pela construtora. Dizem que a não conclusão da obra decorre de circunstâncias alheias à vontade da contratante, inexistindo culpa de sua parte. Salientam a ausência de prazo no contrato para o cumprimento da obrigação, haja vista estar condicionada a evento futuro e incerto.
Por outro lado, afirmam os apelados que, a fim de cumprir a totalidade da obrigação, entregaram à primeira apelante o imóvel localizado em Balneário Camboriú, caracterizado por uma casa de alvenaria, com área de 248,50 m² e respectivo terreno com área de 278,70 m². Em contrapartida, aduzem, a primeira apelante deveria entregar o apartamento completamente liberado de ônus, com a totalidade das mensalidades pagas relativas ao término do condomínio, bem como, pagar a importância de R$ 22.000,00 (vinte e dois mil reais), representados por 4 notas promissórias. Contudo, referidas obrigações não foram cumpridas, não tendo pago as notas promissórias, e se encontrando em débito com o condomínio, em valor aproximado de R$ 30.000,00 (trinta mil reais).
Certo é que o parágrafo segundo da cláusula quarta do contrato de permuta, prevê a entrega do imóvel (apartamento) quando da conclusão do edifício pelo Condomínio Morada dos Pinheiros Edifício II.
Entretanto, o pacto estabelece outras obrigações assumidas pela primeira apelante, as quais não restaram cumpridas.
Nos termos do parágrafo primeiro da cláusula quarta, a segunda permutante (ora apelante), assumiu o compromisso de efetuar todos os pagamentos e fazer a quitação do Condomínio. Pelo parágrafo terceiro, comprometeu-se a quitar todos os impostos e taxas incidentes sobre o apartamento até a data da entrega das chaves. E, pela letra "B" da cláusula terceira, responsabilizou-se pelo pagamento do valor de R$ 22.220,00 (vinte e dois mil, duzentos e vinte reais), representados por 4 notas promissórias, cada uma no valor de R$ 5.555,00 (cinco mil, quinhentos e cinqüenta e cinco reais), com vencimentos em 31/03/98, 30/09/98, 31/03/99 e 30/09/99.
O descumprimento das obrigações assumidas pela primeira recorrente está estampado nos autos.
O contrato de permuta foi assinado pelas partes em 04/12/97 (fls. 11/14).
Em uma declaração firmada pelo síndico do Condomínio (fl. 15), em data de 13/12/99, consta que a mesma encontra-se em atraso com 24 parcelas de R$ 1.087,57 (um mil, oitenta e sete reais e cinqüenta e sete centavos), mais um reforço de R$ 3.679,85 (três mil, seiscentos e setenta e nove reais e oitenta e cinco centavos), totalizando a quantia de R$ 29.781,71 (vinte e nove mil, setecentos e oitenta e um reais e setenta e um centavos).
Já em 13.03.02, o Condomínio Morada dos Pinheiros - Edifício II, notifica judicialmente a primeira apelante (fls.176/179), concedendo-lhe prazo de 15 dias para efetuar o pagamento do débito vencido, no importe de R$ 71.350,03 (setenta e um mil, trezentos e cinqüenta reais e três centavos), sob pena de rescisão do Contrato de Ajuste Preliminar de Participação em Condomínio.
Os apelantes não impugnam a declaração dando conta da inadimplência perante o Condomínio, não fazem prova da quitação do débito constante da notificação judicial, nem comprovam o pagamento das notas promissórias. No entanto, competia a eles demonstrar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direitos dos autores, a teor do art. 333, II, do Código de Processo Civil.
Importante salientar, que não cai por terra as alegações dos autores/apelados quanto à existência das notas promissórias, pelo fato de não as trazerem aos autos.
Primeiro, porque no próprio instrumento contratual consta que as condições de pagamento do imóvel permutado (casa de alvenaria), consistiriam na quantia de R$ 77.780,00 (setenta e sete mil, setecentos e oitenta reais) representados por um apartamento, e na quantia de R$ 22.220,00 (vinte e dois mil, duzentos e vinte reais), representados por 4 (quatro) notas promissórias. O contrato foi devidamente assinado pelos apelantes, na qualidade de permutante e fiadores, não podendo insinuar agora a inexistência das cártulas.
Ademais, incumbia aos recorrentes comprovar o pagamento das promissórias, mediante o competente recibo ou o resgate das notas.
Ora, é cediço que o recibo é a única forma de comprovar o adimplemento de uma obrigação e, em se tratando de obrigações representadas por títulos de crédito, o devedor deve cercar-se das devidas cautelas, pois a quitação é feita por intermédio do resgate da cártula.
Tal procedimento resulta do princípio da cartularidade e consiste em exigir do credor a entrega da cártula, já que o exercício dos direitos inseridos nos títulos cambiais, pressupõe a posse dos mesmos.
A propósito:
"A cartularidade é, desse modo, o postulado que evita enriquecimento indevido de quem, tendo sido credor de uma título de crédito, o negociou com terceiros (descontou num banco, por exemplo). Em virtude dela, quem paga o título deve, cautelarmente, exigir que ele lhe seja entregue. Em primeiro lugar, para evitar que a cambial, embora paga, seja ainda negociada com terceiros de boa-fé, que terão direito de exigir novo pagamento; em segundo, para que o pagador possa exercer, contra outros devedores, o direito de regresso (quando for o caso)." (Fábio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial, vol. 1, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 372).
Destarte, tratando-se de obrigação originária de títulos de crédito, a prova da quitação dá-se por intermédio do resgate da cártula, ou por recibo passado pelo credor, no próprio título ou em documento separado, com expressa menção ao valor adimplido, nome de quem pagou, data e lugar do pagamento, conforme art. 940 do CC/1916 e art. 320 do CC/2002.
Assim é que, nos termos do art. 333, II do CPC, competia aos apelantes a prova efetiva do pagamento dos títulos extrajudiciais.
O Novo Código Civil corrobora a presunção de quitação do título de crédito, em razão da devolução ao devedor:
"Art. 324. A entrega do título ao devedor firma a presunção do pagamento." (CC/2002).
Presume-se, desta forma, o não pagamento das cártulas.
De outro vértice, não tem sentido os apelantes afirmarem a ausência de comprovação do descumprimento da cláusula contratual relativa à entrega do imóvel. O apartamento definitivamente não foi entregue, pois, conforme afirmam, as obras não foram concluídas.
Os apelantes insistem na tecla do caráter condicional da obrigação de entregar o apartamento permutado, sujeita à conclusão da obra pela incorporadora.
Contudo, o fundamento da demanda baseia-se na infringência de outras cláusulas contratuais, conforme verificado.
Assim, constatado o descumprimento de obrigações contratualmente assumidas pela primeira requerida, é direito do outro contratante postular pelo desfazimento do negócio e pela multa constante de cláusula penal (art. 1.092, § único, do Código Civil de 1916).
Multa contratual.
Constatada a responsabilidade da primeira apelante pela inobservância de suas obrigações contratuais, não tem guarida o pretenso afastamento da multa prevista na cláusula décima segunda, para o caso de alguma das partes infringir qualquer cláusula do instrumento contratual.
Benfeitorias.
Requerem os apelantes o direito de retenção ou o ressarcimento pelas benfeitorias necessárias, úteis e voluptuárias promovidas no imóvel que possuem.
Está comprovada nos autos a realização de benfeitorias no imóvel, conforme se infere das fotografias de fls. 104/107.
À fl. 103 relacionam os apelantes as melhorias efetuadas, as quais não foram rechaçadas pelos apelados.
Primeiramente, torna-se necessária a análise acerca das benfeitorias elencadas, se necessárias, úteis ou voluptuárias.
A propósito, referindo-se sobre a indenização por benfeitorias, Sílvio de Salvo Venosa leciona:
(...) Benfeitorias são obras ou despesas feitas na coisa, para o fim de conservá-la, melhorá-la ou embelezá-la. Decorrem, portanto, da atividade humana. Não são benfeitorias os acréscimos naturais à coisa. O art. 96 (antigo, art. 63) do Código fornece a divisão tripartida das benfeitorias:
são necessárias as que têm por finalidade conservar a coisa ou evitar que se deteriore.
Nesse sentido, serão benfeitorias necessárias o reparo nas vigas de sustentação de uma ponte; a substituição de peça de motor que impede ou prejudica seu funcionamento; a cobertura de material colocado ao relento, sujeito a intempéries;
são úteis as que aumentam ou facilitam o uso da coisa. Serão benfeitorias úteis, por exemplo, a pavimentação do acesso a um edifício; o aumento de sua área de estacionamento e manobras; a pintura para evitar a oxidação de veículo;
são voluptuárias as benfeitorias que redundam em acréscimo de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual da coisa, ainda que a tornem mais agradável, ou de elevado valor. Serão benfeitorias voluptuárias, por exemplo, a colocação de piso de mármore importado; a pintura de um painel no imóvel por artista premiado; a substituição dos metais de banheiro por peças de ouro ou prata etc. (Direito civil: direitos reais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. v.3. p. 109)
Consideram-se úteis: piso de cerâmica colocado na parte térrea da casa e na parte externa (calçadas); pintura externa; instalação da água para pia e de pia na churrasqueira; instalação de água para máquina de lavar roupas e louças; portão de ferro e de madeira; pintura térrea; colocação de corrimão na escada interna; caixa de correio; instalação de companhia.
Observa-se que tais obras significam melhoria para o imóvel, aumentando ou facilitando o seu uso habitual.
Consideram-se voluptuárias: colocação de grama no jardim; flores nas floreiras; lustres; churrasqueira nova na parte de lazer; piso de cerâmica na parte da churrasqueira; feitio de lava pés com cerâmica; forro de madeira cambara na parte da churrasqueira; gesso na parte térrea; ar condicionado; ventiladores de teto; rodapé; fiação para mais uma linha telefônica; instalação de fiação para TV a cabo; telhas transparentes.
Tais acréscimos são voluptuários, porque tornam mais agradável o uso da coisa, elevando seu valor.
Consideram-se necessárias: encanamento de esgoto para rua; manutenção da caixa de gordura; e colocação de calhas e retelhamento, pois haviam goteiras.
Essas são obras que conservam o imóvel, evitando deterioração.
Portanto, os apelantes realizaram benfeitorias necessárias, úteis e voluptuárias.
Além disso, é indispensável para que se possa cogitar do direito de retenção e de indenização por benfeitorias, a análise da qualidade da posse, se de boa ou má-fé.
O contrato de permuta foi celebrado em 04/12/97, e de acordo com a cláusula sexta, o imóvel objeto da lide foi entregue no ato da assinatura do compromisso à segunda permutante, ora primeira apelante.
Somente em 04/01/00 os apelados protocolizaram notificação judicial exigindo o cumprimento do contrato, sob pena de ingressarem com ação de desconstituição do negócio (fls. 22/24).
Durante esse intervalo de tempo a primeira apelante esteve na posse do imóvel, amparada pelo contrato firmado entre as partes. Portanto, antes da notificação judicial, sua posse era de boa-fé.
Salienta-se que os apelados não se opõem à qualificação da posse da apelante, limitando-se a afirmar que o contrato não prevê a realização de benfeitorias, e que as mesmas não foram autorizadas pelos proprietários (fl. 112).
No caso em tela aplica-se o art. 516 do Código Civil de 1916, tendo em vista que a primeira apelante estava imbuída de boa-fé. In verbis:
"Art. 516. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se lhe não forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa. Pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis, poderá exercer o direito de retenção."
Assim, têm os apelantes direito de retenção do imóvel em razão das benfeitorias necessárias e úteis. Entretanto, como é impossível a valoração exata das obras realizadas, faz-se necessária a remessa dos autos à liquidação de sentença.
Quanto às benfeitorias voluptuárias descritas, conforme prescreve a lei civil, terão direito de levantá-las, caso não provoquem dano ao imóvel, já que o proprietário não está obrigado a indenizá-las.
Neste sentido:
"AS BENFEITORIAS VOLUPTUARIAS PODEM SER LEVANTADAS, SE NÃO CAUSAREM DANO AO IMOVEL, NÃO ESTANDO O PROPRIETARIO OBRIGADO A INDENIZA-LAS." (Resp. 73252/SP, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar).
Diante das considerações tecidas, dá-se provimento parcial ao recurso, para declarar o direito de retenção da primeira apelante sobre o imóvel, até que seja indenizada pelas benfeitorias necessárias e úteis.
III -DECISÃO:
Nos termos do voto do relator, por votação unânime, dá-se provimento parcial ao recurso, para declarar o direito de retenção dos apelantes sobre o imóvel, até que sejam indenizados pelas benfeitorias necessárias e úteis realizadas.
Participaram do julgamento a Exma. Sra. Desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta.
Florianópolis, 06 de setembro de 2005.
Carlos Prudêncio
PRESIDENTE COM VOTO
Sérgio Roberto Baasch Luz
RELATOR
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