Acórdão: Apelação Cível n. 2004.023988-2, de Mafra.
Relator: Des. Sérgio Roberto Baasch Luz.
Data da decisão: 05.12.2006.
Publicação: DJSC Eletrônico n. 120, edição de 09.01.2007, p. 244.
EMENTA: AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE FILHO ADOTIVO C/C RESERVA DE QUINHÃO HEREDITÁRIO DIRIGIDA CONTRA O ESPÓLIO – CARÁTER PERSONALÍSSIMO DO ATO JURÍDICO DE ADOÇÃO – FALECIDO QUE NÃO DEU INÍCIO AO PROCEDIMENTO JUDICIAL DE ADOÇÃO AINDA EM VIDA - AUSÊNCIA DE MANIFESTA VONTADE INEQUÍVOCA DE ADOTAR – IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO IMPROVIDO
O espólio é apenas uma representação legal do patrimônio do falecido e, nesta condição jurídica, não é portador de vontade quanto ao ato jurídico de adoção, direito personalíssimo que é.
Assim, não é possível o pedido de reconhecimento de “adoção de fato” dirigido contra o espólio, especialmente quando o falecido, ainda em vida, não deu início ao procedimento judicial de adoção, nem deixou manifesta, de forma inequívoca, a vontade de adotar o autor da demanda.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n. 2004.023988-2, Comarca de Mafra, em que é apelante M.L.A., sendo apelado E. de C.S. repr. p/ M.S. :
ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, negar provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
I - RELATÓRIO:
M.L.A. interpôs recurso de apelação em virtude de sentença proferida nos autos da ação de reconhecimento de filho adotivo c/c reserva de quinhão hereditário proposta contra o espólio de C.S., representado por seus herdeiros, que declarou extinto o processo por impossibilidade jurídica do pedido, forte no art. 267, VI, do CPC.
Argüiu, preliminarmente, cerceamento de defesa em razão do julgamento antecipado da lide, antes de ouvir as testemunhas do autor. No mérito, relatou que C.S. e sua companheira S.A.F., a partir do ano de 1.982, adotaram de fato o autor como filho, sendo que, desde 1.974, S.A.F. recebeu-o dos pais biológicos. Alegou que era conhecido por toda a sociedade como filho de C.S. e, quanto ao aspecto legal, afirmou que a adoção pode ser deferida após inequívoca manifestação de vontade, mesmo depois do falecimento, segundo art. 42, § 5º, do ECA. Apontou que constituem inequívoca manifestação de vontade, o fato de C.S. tê-lo posto na declaração de imposto de renda como seu dependente e o convite de casamento no qual tem o autor como filho. Salientou que o falecido não havia proposto pedido judicial de adoção, mas sua vontade foi sempre de adotá-lo, não podendo o presente pedido ser considerado impossível. Finalizou postulando o acolhimento da preliminar de cerceamento de defesa ou, alternativamente, o reconhecimento do autor como filho do falecido C.S.
Apresentadas as contra-razões, os autos ascenderam a este Sodalício.
II - VOTO:
Pretende o autor que espólio de C.S. reconheça-o como filho adotivo do falecido. Relata que seus pais biológicos entregaram-no à senhora S.A.F. quando tinha aproximadamente seis meses de vida, no início do ano de 1974. Diz que, por aproximadamente seis anos viveu apenas com S.A.F., quando esta, por volta do ano de 1982, casou no religioso com C.S., autor do espólio réu e, desde então, foi aceito pelo de cujus como filho.
Vê-se que o autor, considerando-se “filho adotivo de fato” do falecido, pretende ver esta situação reconhecida juridicamente pelo espólio réu.
O pedido, entretanto, não encontra amparo no ordenamento jurídico, porque o ato jurídico de adotação envolve direito personalíssimo e depende de manifestação expressa de vontade do adotante.
Segundo o conceito transmitido por Caio Mário da Silva Pereira, in Instituições de Direito Civil, vol. V, RJ: Forense, 2005, p. 392:
“A adoção é, pois, o ato jurídico pelo qual uma pessoa recebe outra como filho, independentemente de existir entre elas qualquer relação de parentesco consengüíneo ou afim.”
E, mais adiante completa:
“A partir da Constituição de 1988 passou a constituir-se por ato complexo e exigir a sentença judicial, prevendo-o expressamente o art. 47 do ECA para os menores de 18 anos.” (op. cit., p. 393).
De acordo com o art. 47 do ECA: “o vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão.”
E, consoante o art. 1.623 do Código Civil: “a adoção obedecerá a processo judicial, observados os requisitos estabelecidos neste Código.” “Parágrafo único. A adoção de maiores de dezoito anos dependerá, igualmente, de assistência efetiva do Poder Público e de sentença constitutiva.”
Assim, também para a adoção de maiores, a Lei Civil exige procedimento judicial e sentença constitutiva, sendo que “os efeitos da adoção começam a partir do trânsito em julgado da sentença, exceto se o adotante vier a falecer no curso do procedimento, caso em que terá força retroativa à data do óbito.” (art. 1.628, do CC).
Consoante esclarece Caio Mário da Silva Pereira:
“Os efeitos da adoção começam a partir do trânsito em julgado da sentença, exceto se o adotante vier a falecer no curso do procedimento, caso em que terá força retroativa à data do óbito. Portanto, o Código Civil, a exemplo do art. 42, § 5º, ECA, admite a adoção post mortem.” (op. cit., p. 407/8).
Convém esclarecer que a adoção póstuma foi uma inovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, seguida, posteriormente, pelo atual Código Civil.
Antes da edição da Lei nº 8069/90, o instituto da adoção era regulado pelo Código Civil de 1916 e pelo Código de Menores (Lei nº 6.697/79). Este tratava dos menores em situação irregular. Aquele regulava o procedimento de adoção de forma geral, aplicável a crianças, adolescentes e adultos. O Código Civil de 1.916, por seu turno, exigia que a adoção fosse realizada por escritura pública, a teor do art. 375.
No caso, o falecido C.S., ainda em vida, não deu início a qualquer procedimento de adoção do autor, nem deixou manifesta, de forma inequívoca, a vontade de adotar. E, como o falecido não demonstrou o inequívoco desejo de adoção, impossível obter a declaração de vontade por intermédio do espólio.
Com efeito, o espólio significa a massa de bens deixados pelo de cujus, constituindo a herança que se extingue com o julgamento da partilha. Ou seja, o espólio é apenas uma representação legal do patrimônio do falecido e, nesta condição jurídica, não é portador de vontade quanto ao estado de filiação, direito personalíssimo que é. O interesse jurídico do espólio limita-se aos direitos patrimoniais concernentes à herança. O ato jurídico de adoção é personalíssimo e deveria ter sido desencadeado pelo pretenso adotante.
O autor atém-se à declaração de imposto de renda do ano base 1991 (fls. 35/36), na qual consta como dependente do falecido C.S., apontando-a como prova inequívoca da manifestação de vontade de adotá-lo. Entretanto, sabe-se que o contribuinte pode declarar qualquer pessoa como dependente seu, desde que demonstre a relação de dependência, ou seja, a realização de dispêndios com este. Inegável que, em tais hipóteses, existe interesse econômico do contribuinte, pois obtém dedução do imposto. Com isto, pretende-se apenas esclarecer que a declaração juntada pelo autor não serve de prova inequívoca da intenção do falecido.
Por outro lado, o fato de constar no convite de casamento do autor o nome do falecido como seu “pai”, não auxilia no acolhimento da pretensão, pois também não constitui prova da vontade de adoção, haja vista que os próprios noivos encarregam-se de determinar a confecção dos convites.
Como bem assinalou o douto Procurador de Justiça, Sérgio Antônio Rizelo (fl. 130): “Aliás, na certidão de casamento do Apelante, acostada à fl. 21, consta que seus pais são D.L. de A. e M. da L.F.A., e não o falecido e S.A.F. Portanto, como o casamento foi realizado em 18 de dezembro de 1999, o Apelante ainda considera seus pais D.L. de A. e M. da L.F.A., pois, se assim não fosse e isto também fosse desejo de C.S., teriam sido adotadas as providências legais necessárias e suficientes para a consumação da adoção. E tempo para isto não faltou, pois a convivência entre o Apelante e C.S. prolongou-se por mais de vinte anos.”
Portanto, diante da impossibilidade jurídica do presente pedido, deve o processo ser extinto com fulcro no art. 267, VI, do Código de Processo Civil, conforme determinado pela sentença recorrida.
III - DECISÃO:
Nos termos do voto do relator, por votação unânime, nega-se provimento ao recurso.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Desembargadores Maria do Rocio Luz Santa Ritta e Joel Figueira Júnior.
Pela douta Procuradoria Geral de Justiça, lavrou parecer o Exmo. Sr. Dr. Sérgio Antônio Rizelo.
Florianópolis, 05 de dezembro de 2006.
Sérgio Roberto Baasch Luz
PRESIDENTE E RELATOR
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