Acórdão: Apelação Cível n. 03.006352-8, de Imbituba/Unid. Jud. Av. de Garopaba.
Relator: Des. Wilson Augusto do Nascimento.
Data da decisão: 12.11.2004.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO REINTEGRAÇÃO DE POSSE - PREENCHIMENTO PELO AUTOR DOS REQUISITOS DO ART. 927 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA - ALEGAÇÃO DE POSSE ADVINDA DE ATO DE MERA TOLERÂNCIA - NÃO CONFIGURAÇÃO - SENTENÇA MANTIDA.
Estando o autor no momento do esbulho na posse do imóvel, caracterizada pela exteriorização da relação entre aquele e o bem, presentes os requisitos que autorizam a procedência da ação de reintegração de posse.
RESCISÃO CONTRATUAL - SIMULAÇÃO - QUESTÃO FÁTICA NÃO PROPOSTA NO JUÍZO INFERIOR - AUSÊNCIA DE FORÇA MAIOR - IMPOSSIBILIDADE - OFENSA AO PRINCÍPIO TANTUM DEVOLUTUM QUANTUM APPELLATUM - RECURSO NÃO PROVIDO.
Não sendo suscitada e nem discutida a matéria em primeiro grau de jurisdição, não podem os apelantes pretenderem a rescisão contratual pela ocorrência de simulação do contrato em sede recursal, mormente se ausente força maior.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n. 03.006352-8, da Comarca de Imbituba/Unid. Jud. Av. de Garopaba (Un. Judiciária Avançada de Garopaba), em que é apelante Roseno Torquato e Ilda Maria Torquato, sendo apelados Nardy Ambrósio Pacheco e Maria da Silva:
ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, negar provimento ao recurso dos réus.
Custas na forma da lei.
I. RELATÓRIO:
Roseno Torquato e Ilda Maria Torquato interpuseram recurso de apelação cível, inconformados com a sentença prolatada pelo M.M. Juiz de Direito da Unidade Judiciária Avançada de Cooperação de Garopaba- Comarca de Imbituba, o qual julgou procedentes os pedidos formulados na ação de reintegração de posse, visando, em síntese, a reintegração de posse no imóvel esbulhado pelo requerido.
O togado singular julgou procedentes os pedidos formulados na inicial, confirmando a liminar anteriormente concedida, com a permanência dos autores reintegrados na posse do imóvel descrito na inicial. Fixou, ainda, multa pecuniária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), para a hipótese de ocorrer novo esbulho por parte dos requeridos. Condenou, ainda, os apelados, ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, em R$ 1.000,00 (um mil reais) (fls.95/101).
Em suas razões recursais, os apelantes aduziram que o Sr. Romário Pacheco nunca teve a posse do imóvel, nem tampouco permaneceu ou laborou no terreno objeto da presente ação. Asseveraram ter o mesmo alienado imóvel que não lhe pertencia. Afirmaram, o fato de o Sr. Romário nunca ter sido possuidor do imóvel, impossibilitou a negociação ou transmissão do mesmo a terceiro. Asseveraram, o contrato firmado entre os apelantes e o Sr. Romário não restou adimplido.
Afirmaram, ainda, estar comprovada a posse anterior. Atestaram ser a posse dos apelados viciada e injusta, em razão do inadimplemento do contrato. Aduziram haver simulação entre os apelados e o Sr. Romário Pacheco. Alegaram não terem os apelados comprovado a posse, baseando-se esta somente no contrato de compromisso de compra e venda.
Argumentaram, a rescisão do contrato opera de pleno direito, pelo implemento da condição resolutiva expressa, com a conseqüente reintegração de posse do bem. Requereram a rescisão contratual em pedido contraposto. Afirmaram ter tolerado a presença dos apelados, enquanto aguardavam o cumprimento contratual.
Requereram o conhecimento do recurso com a conseqüente reforma da sentença, para: a) reconhecer a exceção do contrato não cumprido; b) julgar improcedente a presente ação, com a inversão do ônus sucumbencial; c) revogar a multa em caso de novo esbulho; d) reconhecer a simulação do contrato entre Romário e os apelados; e) finalmente, requereram a apreciação da questão contratual.
Em contra-razões, os apelados contrapuseram-se às alegações suscitadas pelos apelantes. Afirmaram ter tomado posse no imóvel, realizando, inclusive, benfeitorias.
Mantiveram a posse mansa ininterrupta e pacífica por 2 (dois) anos, sendo esta incontroversa. Opuseram-se à alegação dos apelantes em afirmar que os apelados utilizavam-se do imóvel por ato de mera tolerância, mesmo porque os mesmos utilizavam-se economicamente do imóvel, tendo pago inclusive a totalidade do preço do imóvel.
Requereram, finalmente, a manutenção da sentença, negando-se provimento ao recurso interposto pelos requeridos.
Após, ascenderam os autos a esta Egrégia Corte de Justiça.
Vieram conclusos.
É o relatório.
II. VOTO
Trata-se de recurso de apelação cível interposto com o desiderato de ver reformada a sentença que julgou procedentes os pedidos formulados na ação de reintegração de posse.
1. Da posse
Com efeito, o possuidor tem o direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado no caso de esbulho (art. 926 do CPC). Entretanto, é necessário que sejam preenchidos os requisitos estatuídos no art. 927 do Código de Processo Civil, in verbis:
“Incumbe ao autor provar:
I - a sua posse;
II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu;
III - a data da turbação e do esbulho;
IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração".
Verifica-se, para o ajuizamento da ação de reintegração de posse, necessário o exercício anterior do poder fáctico sobre a coisa, bem como a ocorrência do esbulho perpetrado.
Colhe-se do depoimentos das testemunhas:
“(...) não tem conhecimento acerca de eventual negócio realizado entre autor e réu; ... que por aproximadamente 10 meses do ano passado o depoente manteve uma oficina mecânica sobre um terreno localizado em Areias da Palhocinha; que referido imóvel situa-se na Rod. SC 434, Km. 05, de frente para Rodovia; que alugou o imóvel do autor; que o depoente pagava de aluguel R$ 250,00 por mês diretamente para o autor; que o imóvel dista aproximadamente 10 metros da casa do réu; que enquanto manteve a oficina no local, o autor costumava visitar o imóvel uma vez por mês (...) (Arno Behs Neto)" (fl. 65)
Ainda:
“(...) que por ser vizinho do imóvel em litígio, tem conhecimento de um negócio realizado entre o autor e o Sr. Romário envolvendo o terreno; que sabe que o autor adquiriu o imóvel de Romário, não sabendo quando nem qual a metragem do terreno; que sabe que o imóvel fica na Rod. SC 434, entre os Km. 04 e 05; que há mais de 02 anos o autor é tido pelos vizinhos como o legítimo possuidor do imóvel em questão (...) (Marino Pereira de Souza)" (fl. 66)
O artigo 1.196 do Novo Código Civil determina: “Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”.
Silvio de Salvo Venosa ensina:
“A posse é, enfim, a visibilidade da propriedade. Quem de fora divisa o possuidor, não o destingue do proprietário. A exterioridade revela a posse, embora no íntimo o possuidor possa ser também o proprietário. (Direito civil: direito reais. 4ªed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 58)
Maria Helena Diniz leciona:
“Segundo Ihering a posse é a exteriorização ou visibilidade do domínio, ou seja, a relação exterior intencional existente normalmente entre a pessoa e a coisa, tendo em vista a função econômica desta. O importante é o uso econômico ou destinação econômica do bem, pois qualquer pessoa é capaz de reconhecer a posse pela forma econômica de sua relação exterior com a pessoa". (Código civil anotado. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 751)
A doutrina respalda esses entendimentos:
"A posse se revela pelo exercício do direito e pela utilização econômica da coisa. Caracteriza-se pela maneira de servir da coisa, de cuidar dela, de protegê-la e garanti-la. Enquanto mantiver este interesse, adequadamente exteriorizado, o possuidor não perde a posse da coisa, ainda que não esteja presente a ela." ("O Processo Civil à Luz da Jurisprudência", de Alexandre de Paula, verb. nº 15.869).
Dessa forma, estando o autor no momento do esbulho na posse do imóvel, configurada pela exteriorização da relação entre aquele e o bem, presentes os requisitos que autorizam a procedência da ação de reintegração de posse.
Destaca-se: “Tratando-se de ação possessória, o que interessa perquirir é quem tem a posse, não cabendo perguntar, quem tem direito à posse" (JB 6/197).
Sustentaram os apelantes ser a posse dos apelados viciada, pelo inadimplemento contratual do compromisso de compra e venda efetuado entre os apelantes e o Sr. Romário. Todavia, tal alegação não merece prosperar.
Consigna-se, a posse dos apelados somente poderia ser tida como viciada se os mesmos estivessem cientes do vício do contrato anterior. Até porque, o que se verifica é que os apelados são possuidores com justo título, e até prova em contrário, presume-se ser posse de boa-fé.
O parágrafo único do artigo 1.201 do Código Civil dispõe: “O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção".
Sobre justo título, Silvio de Salvo Venosa ensina:
“Justo título é empregado nesse dispositivo não como documento ou instrumento, pois esse é o sentido mais usual, mas como fato gerador do qual a posse deriva". (Direito civil: direito reais. 4ªed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 82)
Até porque, colhe-se do conjunto probatório ter havido uma sucessão de contratos envolvendo o imóvel e em razão deste contrato, os apelados adquiriram o direito à posse.
Para que pudesse ser acolhida a alegação dos apelantes, necessário que fosse discutido o inadimplemento do contrato realizado entre aqueles e o Sr. Romário em ação própria.
Mesmo porque, em momento algum restou provado o inadimplemento do contrato.
Colhe-se da lavra do saudoso Des. Eder Graf:
“AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA - INADIMPLEMENTO - MATÉRIA ALHEIA À ESFERA DAS AÇÕES POSSESSÓRIAS - POSSE INJUSTA - INOCORRÊNCIA - EXTINÇÃO DO FEITO.
Se a posse sobre determinado imóvel é exercida por força de contrato de promessa de compra e venda, inexistindo prévia ou simultânea rescisão do contrato, inadmissível é o pedido de reintegração de posse por parte do anterior proprietário do bem ao argumento de que o promissário-comprador encontra-se inadimplente com as obrigações assumidas, haja vista que enquanto o negócio jurídico persistir válido não se há falar em posse injusta." (Apelação cível n. 98.017636-0, de Biguaçú - Relator: Des. EDER GRAF)
E também:
“Somente com o trânsito em julgado do decisum que decreta a rescisão dos compromissos de compra e venda, é que nasce ao promitente vendedor - autor da actio, o direito de reaver os imóveis." (ACV n. 49.181 (88.083121-1), de Balneário Camboriú - Relator: Des. ORLI RODRIGUES).
O fato dos apelados possuírem justo título, também contraria a alegação dos apelantes, de estarem aqueles na posse do imóvel por ato de mera tolerância. Em momento algum restou demonstrado nos autos ser o adimplemento do contrato, celebrado entre os apelantes e o Sr. Romário, condição para que cessasse eventual precariedade na posse dos apelados.
O contrato de compromisso de compra e venda, efetuado entre os apelados e o Sr. Romário, pressupõe o animus, ou seja, a ocorrência do elemento subjetivo da posse, legitimando o autor a propor ação para defendê-la.
2. Da rescisão contratual e ocorrência da simulação
No tocante à pretensão recursal de rescisão do contrato albergado entre os apelantes e o Sr. Romário, ante à ocorrência de simulação entre este e os apelados, não merecem guarida.
Em contestação requereram os apelantes:
“(...) A Proteção possessória (Art. 922 CPC) eis que os RR. é que foram ofendidos na posse do imóvel.
A total improcedência da Ação. (...)" (fl.24)
Em alegações finais, instaram:
“(...) a improcedência total da ação e dos pedidos formulados pelos Autores, sendo revogada a liminar de reintegração de posse, retornando aos Requeridos a posse do imóvel, eis que fruto de contratos descumpridos e viciosos, posto que o vendedor (Romário) jamais teve posse, não podendo transferi-la aos Requerentes; (...)" (fl.83).
Denota-se, assim, pela análise do conjunto probatório, não ter sido a referida questão suscitada em 1º Grau, sendo defeso a análise em grau recursal, face o princípio tantum devolutum quantum appellatum.
O artigo 515 do Código de Processo Civil determina: “A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada".
José Frederico Marques, ensina:
“Prolonga-se, no Tribunal ad quem, a instância que se instaurou em Primeiro Grau, com a mesma lide. O Juiz da apelação tem amplo poder de reexame sobre o pedido que constitui objeto da ação e do processo; todavia, não lhe pode exigir o recorrente que transborde os limites da causa, indo além das fronteiras traçadas na pretensão que foi deduzida no Juízo de Primeiro Grau. Na apelação não se julga novo litígio. Objeto da atividade jurisdicional de Segundo Grau é a mesma res judicanda do Juízo a quo, agora delimitada pela extensão devolutiva do recurso" (Instituições de Direito Processual Civil, vol. IV, 2ª ed., Forense, p. 251).
No mesmo sentido, colhe-se da lavra deste relator:
“APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS - ACIDENTE DE TRÂNSITO - FUNDAMENTAÇÃO RECURSAL RESTRITA AO QUANTUM INDENIZATÓRIO - DANOS MATERIAIS - PEDIDO GENÉRICO DE REFORMA DA DECISÃO DE PRIMEIRO GRAU - IMPOSSIBILIDADE - OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DO TANTUM DEVOLUTUM QUANTUM APPELLATUM - ART. 515 DO CODEX INSTRUMENTALIS - PROVA DOCUMENTAL - ORÇAMENTOS - SOLIDEZ - CONTRAPROVA - INEFICÁCIA - APLICABILIDADE DO ART. 333, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO.
O recurso de apelação cível devolverá ao tribunal ad quem a matéria efetivamente impugnada nas razões recursais, não servindo ao fim colimado pedido genérico de reforma da sentença, em homenagem ao princípio do tantum devolutum quantum appellatum, insculpido no art. 515 do CPC". (ACV n. 03.029429-5)
Assim, não sendo suscitada e nem discutida a matéria em primeiro grau de jurisdição, não podem os apelantes pretenderem a rescisão contratual pela ocorrência de simulação em sede recursal, mormente se ausente força maior.
Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se inalterada a sentença objurgada.
III. DECISÃO:
Nos termos do voto do relator, decidiu a Câmara, por votação unânime, negar provimento ao recurso dos requeridos.
Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores José Volpato e Marcus Túlio Sartorato.
Florianópolis, 12 de novembro de 2004.
Wilson Augusto do Nascimento
PRESIDENTE E RELATOR
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