RESUMO: À luz da teoria da descolonialidade (giro descolonial), emerge a tarefa de “descolonização” como um pressuposto teórico fundamental, seja em perspectiva de análise dos fenômenos constitutivos da realidade latino-americana, seja em perspectiva de leitura e interpretação histórico-política desta realidade. Assim, busca-se abordar alguns elementos filosóficos que alicerçam tal proposta, no esforço de detectar avanços, empecilhos e processos, que viabilizam ou não, tal percurso epistêmico. Confronta-se, igualmente, a perspectiva da “descolonização”, com a tarefa jurídica, política e epistêmica, no sentido de possibilidades, alternativas e interações. Se há um campo fértil para este debate, na perspectiva da descolonialidade, há que se admitir, contanto, que há sérias resistências, traduzidas em continuidades ou permanências. São desafios que afetam não só a perspectiva acadêmica, mas impactam diretamente os objetivos e “bandeiras de lutas” dos setores sociais organizados, bem como incita no debate acerca das perspectivas que se vislumbram no nosso horizonte histórico, social e político.
Palavras-chave: descolonialidade, política, descolonização, desafios, perspectivas.
ABSTRACT: based on the theory of decoloniality, the task of "decolonization" emerges as a fundamental theoretical presupposition, either from a perspective of analyzing the constitutive phenomena of Latin American reality, or from a perspective of reading and historical-political interpretation of this reality. Thus, it is sought to address some philosophical elements that underpin such a proposal, in the effort to detect advances, obstacles and processes, that allow or not, such an epistemic course. The perspective of "decolonization", with the juridical, political and epistemic task, in the sense of possibilities, alternatives and interactions, is also confronted. If there is a fertile field for this debate, in the perspective of decoloniality, it must be admitted, as long as there are serious resistances, translated into continuities or permanences. They are challenges that affect not only the academic perspective, but also directly impact the objectives and "flags of struggles" of the organized social sectors, as well as the debate about the perspectives that are seen in our historical, social and political horizon.
Key-words: decoloniality, politics, decolonization, challenges, perspectives.
Introdução
Nos últimos trinta anos na América Latina, sob forte influência das lutas de vários segmentos sociais, materializadas em lutas por reconhecimento identitário, direitos territoriais e “novos direitos”, tanto a ideia de democracia, quanto a ideia de direito, vêm sendo ressignificadas. No campo acadêmico, a teoria descolonial que, não é só descolonização[1], ressalta a importância desta interação entre teoria e prática, pautando sempre o diálogo com a gramática das diversas e distintas lutas sociais, que constituem e sustentam a invenção da ideia de América Latina. À medida que este “mundo acadêmico” se permite ouvir os movimentos sociais, permeabilizando sua realidade de contextos sociais concretos, como se fosse uma “extensão ao contrário”, a ideia e a dinâmica da descolonização se tornará mais efetiva.
No campo jurídico, o sentido desta proposta encontrou e encontra ressonância numa pluralidade de demandas, que a partir de diversas lutas continentais, conseguiram constitucionalizar certos institutos: reconhecimento identitário, direitos da “mãe-terra”, direitos territoriais originários, etc. Completa o cenário destas conquistas jurídicas, a Convenção nº 169, da Organização Internacional do Trabalho, OIT.[2] Nela, conforme o art. 2º, caberá aos governos a responsabilidade de desenvolver, com a participação dos povos interessados, ações políticas no sentido de proteger os direitos dos povos referidos, garantindo o respeito pela sua integridade. Inclui em tal proposta, medidas que visem assegurar as condições de igualdade, seja dos direitos, seja das oportunidades que a legislação nacional atribua aos demais membros da população. Lê-se, aqui, a promoção e plena efetividade de direitos sociais, econômicos e culturais destes povos, inclusive respeitando sua identidade sociocultural, costumes, tradições e instituições.
Muito embora reconhecendo estes avanços, como possibilidades a serem exploradas estrategicamente pelas lutas coletivas, há que se constatar, contanto, que há muito que reinventar em relação ao imaginário jurídico posto. Antes da justiça social, há que ter claro a justiça cognitiva, aquela que escapa aos esquemas da homogeneização, dos padrões monolíticos de uma justiça ocidentalizada e secularmente cega em relação aos direitos daqueles povos, grupos e coletivos margeados à periferia do sistema. Esta justiça, parcial, porque se autodeclara cega, é incapaz de perceber, de onde se instala a realidade de tais povos e grupos.
No plano político, tem sido fundamental para a perspectiva da descolonialidade repensar nosso presente, nosso passado e nossas perspectivas em plano geopolítico. Os estereótipos mantidos por longo tempo, das propostas euro-importadas nos mais diversos campos de análise, limitaram nosso horizonte, em termos de análise e em termos de perspectiva. Assim como o foi a ideologia colonial-colaboracionista, fundada no patriotismo e no patrimonialismo-patriarcal, o alinhamento retro-alimentado dos padrões da modernidade revelou apenas o suplemento do discurso da colonialidade, mantido e legitimado. Serviram em tese, para a constituição de valores e hierarquias, impostas sobre a forma de um “violento e imposto” consenso.
Por essa trilha justificaram-se extermínios de povos e nações, destruíram a natureza, saquearam os recursos naturais. Uma descolonização política ou da política, supõe e requer, portanto, a constatação deste gérmen originário, para que se possa inclusive resgatar nas origens outros imaginários: comunais, cooperativos, mais que de competição e extermínio. Por isso, uma das centrais tarefas da descolonização política, se pressupõe como insurgência dos modelos democráticos formais, mantidas até então reféns de uma temporalidade colonial, por isso mesmo, significada pela desigualdade. Essa ressignificação democrática descolonizadora, com suas novas formas de interação, ainda engatinha no continente latino-americano, mas já sinaliza sua potencialidade emancipatória, no reconhecimento em vários contextos, de direitos sociais e coletivos efetivados.
Por isso que a descolonização, como um movimento e ação política e epistêmica, descortina-se como um desafio instigante, seja para as releituras necessárias de nossas práticas e prédicas, seja para rumar o horizonte de nossas expectativas.
Por uma hermenêutica da suspeita: a descolonização epistêmica como imperativo
A compreensão da realidade invariavelmente traduz uma postura política, desveladora não só do olhar de quem compreende, mas do local do intérprete, de onde se olha, de onde se lê. Ocorre que, por vezes, a leitura da realidade é leitura pronta, acabada, ao dispor de quem queira reproduzi-la. Aqui, então, o resultado político conterá inexoravelmente o efeito da sustentação ou da manutenção de determinado sentido e conjunto estabelecidos.
Mas também, pode ocorrer que a leitura da realidade oportunize o clivo da suspeita, para além dos “consensos impostos”, numa perspectiva de (des)construção e (des)colonização dos sentidos, produzidos e, às vezes mantidos no e pelo imaginário coletivo.
Tal perspectiva de descolonização e descontrução, na linha proposta por Ricoeur (1978)[3] de uma hermenêutica da suspeita, faz-nos tomar consciência de que não existe apenas uma perspectiva, um cânone universal para a interpretação. O que existem são linhas divergentes e até opostas, muitas vezes em evidente rota de colisão. O tensionamento deste confronto foi uma das mais contundentes expressões da modernidade. Fato este que, na pós-modernidade busca se encobrir.
A leitura da realidade, entretanto, retrata a dificuldade em passar do compreender, como método ou modo de conhecimento para o compreender como modo de ser, ou seja, a compreensão como ontologia necessária, um “ver-se”, nos processos históricos, situar-se nas dinâmicas históricas e “enxergar o mundo”, sob o impacto desta perspectiva. Por isso se tem falado desta perspectiva, ao mesmo tempo de distanciamento das matrizes epistemológicas tradicionais, como também de reconhecer-se enquanto pertença à novas formas de visão, à novas epistemologias.
Admitindo que, muitas vezes a compreensão ou significação do fenômeno podem ser construídas por meio de frágeis e truncadas representações, situadas no nível das influências e reações imediatas, faz-se necessário manter-se na “trilha da suspeita”. Assim, torna-se possível desvencilhar-se do “sequestro” do senso comum, que muitas vezes encarcera no campo da superficialidade nosso entendimento. É quando a consciência de uma significação reduz-se, sem nenhum escrúpulo à explicações imediatas, resultado claro e prático de um “narcisismo teórico”, volátil. Fala-se aqui do plano da vulgarização.[4]
Buscando fugir da “armadilha epistemológica”, que supõe a explicação por estruturas racionais e não pela subjetividade, é de fundamental importância ter claro esta relação, no campo da compreensão, entre a proposta do texto e a subjetividade do leitor. Neste sentido, Paul Ricoeur[5], deixa claro que:
A relação do texto com o mundo toma o lugar da relação do autor com a subjetividade. Ao mesmo tempo, desloca-se também o problema da subjetividade do leitor. Compreender não é projetar-se no texto, mas expor-se ao texto: é receber um "si" mais vasto da apropriação das proposições de mundo revelada pela interpretação. Em suma, é a coisa, do texto que dá ao leitor sua dimensão de subjetividade. A compreensão deixa, -então, de ser uma constituição de que o sujeito seria a chave. Se levarmos até o fim essa sugestão, deveremos dizer que a subjetividade do leitor não é menos colocada em suspenso, irrealizada, potencializada, que o mundo revelado pelo texto.
Percebe-se, em rápida análise, que a preocupação hermenêutica, no caso, é justamente trazer o alerta sobre a questão dos reducionismos no exercício de ler ou interpretar a realidade. Além da questão ideológica, que cumpre uma função de distanciar a memória social de um acontecimento, há ainda, toda a dimensão domesticadora e racionalizadora que a lembrança, sob forma de repetição atualizadora pode causar. É quando as convicções se transformam em “credo coletivo”, é quando as imagens e interpretações modelam retroativamente os consensos exigidos. Pode-se, assim, reconhecer aberto o campo, seja para as convenções, seja para a racionalização. Aqui, o instrumental ideológico deixa de ser mobilizador para se tornar justificador.[6]
A diversidade possível destas manifestações, multívocas por natureza, leva àquilo que Ricoeur denomina de “expressões simbólicas”. Para ele, é símbolo toda a estrutura de significação onde um sentido direto, primário, literal, designa, a mais, outro sentido indireto, secundário, figurado, que só pode ser compreendido através do primeiro.[7] A partir da definição do símbolo como algo que está no lugar de outra coisa e que, portanto, engendra a reflexão acerca dessa segunda referência, tem-se o paradigma da hermenêutica da suspeita, ou seja, o símbolo como algo que faz “pensar mais”, para além do dado primeiro. Este é, por excelência, o objeto da investigação acerca da linguagem.
Portanto, a ideia de uma “hermenêutica da suspeita”, mobiliza-se por toda uma apropriação de sentido. É através dela que se descontroem os preconceitos que impedem o mundo do texto, e mesmo a realidade dos fatos, de se deixar de ser o que realmente são.
É essa postura, portanto, que, reclama outras leituras e outros olhares. É possível, assim, pensar numa proposta de “descolonização epistêmica”[8], ou ainda, em localizar as “Epistemologias do Sul”.[9] Repensa-se assim na necessária insubordinação diante das “tentações da ordem”, ou seja, das leituras prontas, sobretudo na submissão domesticada aos velhos esquemas de segurança, que veem na “lei e na ordem”, seu único ancoradouro, sitiado diante das próprias incertezas.
Desta forma, mais que olhar para as exterioridades das reações imediatas, é crucial perceber as ilusões do caminho. Aqui, a ideia de método como caminho, traduz, em essência, a elementar função de superar as ilusões da dissidência, espelhadas nas máscaras muitas vezes tentadoras dos consensos e da homogeneização. O desvelamento destas constantes expressa-se como condição insuperável, no sentido de ampliar horizontes, de ultrapassar o ponto cego, que muitas vezes transforma a crítica em ingenuidade. Neste sentido, Maria Luísa Portocarrero[10] comenta o alcance da hermenêutica da suspeita:
Este um dos principais méritos da hermenêutica da suspeita: fazer-nos tomar consciência que não existe uma hermenêutica universal; que não existe um código universal para a interpretação, apenas linhas divergentes e até opostas. E que esta tensão é a própria condição da significação linguística e da interpretação e a expressão mais verídica da nossa modernidade. Oscilamos hoje entre a vontade de escuta e a vontade de suspeita, entre o voto de rigor e o voto de obediência. A Hermenêutica da suspeita alarga o horizonte da hermenêutica da confiança, permitindo-lhe passar de uma confiança ingénua a uma confiança fundamentalmente crítica.
O pensamento crítico contemporâneo, portanto, em muito tem contribuído para essa perspectiva que carrega tal pretensão de (des)construção, (des)colonização de imaginários de uma hermenêutica da suspeita, na linha de Althusser, Ricoeur, Foucault e outros. No ensinamento de Eduardo Gruner, suspeita diante das “coisas dadas”, sobredeterminadas e também naturalizadas.[11]
A descolonialidade como pressuposto metodológico
Em um cenário latino-americano mais próximo, a leitura da realidade sócio-política e econômica, enfrenta-se muitos desafios. O clivo da perspectiva de leitura a partir de esquemas ocidentalizados à luz da episteme da modernidade, tem sido responsável por muitos equívocos e gerado modelos e padrões de reprodução e sustentação sistêmica por séculos a fio. A árdua tarefa de (des)colonizar a compreensão e o conhecimento vai além do fato de se opor, seja ao colonialismo, ao sistema capitalista. A velha lógica de que ser contra algo, contra um sistema, não impede que, ao fim e ao cabo, termine-se por reproduzir os mesmos padrões e paradigmas os quais se combatia. Em muito, acaba-se reproduzindo tudo contra o qual se estava lutando. E isso vale, seja para padrões conceituais, modelos políticos, formas de autoridade política, etc.
Vale aqui, o registro de Ramon Grofoguel, quando intenta esclarecer do que se trata a descolonialidade, em sua origem e radicalidade, a fim de que, por reprodução, tal proposta ou caminho metodológico não seja apenas uma conditio teórica de reprodução ou alternativa do “mesmo” pelo “outro”, mudando sempre, para que tudo continue igual:
De lo que se trata en la descolonialidad es de producir un proyecto anti-sistémico que transcienda los valores y promesas de la modernidad como proyecto civilizatorio y construya un horizonte civilizatorio distinto, con nuevos valores y nuevas relaciones que comunalicen el poder. Necesitamos proyectos políticos anti-sistémicos que rompan con el proyecto civilizatorio de la modernidad. La modernidad produce un mundo donde solamente un solo mundo es posible y los demás son imposibles. La nueva civilización, más allá de la modernidad, produciría un mundo donde otros mundos sean posibles [...]. Esto no es equivalente a un relativismo donde todo vale. Se trata de un mundo anti-sistémico que supere las lógicas de dominación del presente sistema-mundo y construya desde los valores compartidos, por la diversidad epistémica, un mundo donde otros mundos sean posibles. Nadie em este momento puede decir con certeza cómo será en todas sus particularidades esta nueva civilización. La transición hacia ella puede durar décadas, sino siglos. Pero sí podemos anticipar principios generales de la misma.[12]
A descolonialidade como método, pois, reclama uma nova “geografia da razão”. Isso nos coloca em posição de perceber, que o olhar, não desde a Europa em expansão, mas da Europa, que na perspectiva de “chegada” à América, com todo o aporte de uma geopolítica do conhecimento, desvelará todo um esquema de hierarquias de dominação, que, sob o enfoque eurocêntrico quedava-se invisível.
Para Mignolo, se a proposta da colonialidade se firma como um paradigma distorcido de conhecimento, frustrando as propostas da modernidade por esse jogo instrumental da razão pelo poder, a alternativa fundamental tem como ponto de partida uma “desobediência epistêmica”. Em primeiro plano trata-se de perceber que nos processos coloniais, sobretudo a partir do fim do século XV e geograficamente contextualizado à época da conquista e descobrimento, naturalizou-se a retórica da modernidade. Tal proposta retórica subsistiu-se na lógica da colonialidade mantida e que ultrapassa os séculos e se atualiza, muito embora também se oculte. A forma de superação, portanto, se efetivará pela “gramática da descolonialidade”, onde se tornará possível uma verdadeira comunicação intercultural, uma troca de experiências e novas significações dando fundamento para uma outra racionalidade.[13]
Portanto, mesmo reconhecendo a urgência de novas fontes normativas numa nova cultura político-jurídica, através dos novos sujeitos sociais, a tarefa de descolonizar as estruturas normativas estatais, é um indispensável desafio.
A árdua tarefa então se impõe no sentido de descontruir ou descolonizar a tendência de um discurso jurídico da modernidade neocolonial cuja essência configura uma padronização jurídica como um sistema fechado de normas de fonte única, estatal. Sob tal visão, continua a prevalecer o monoculturalismo e a pretensão de homogeneização ou universalização como pressuposto. É o caminho diametralmente oposto às inspirações do pluralismo reconhecido na Constituição de 1988 e contra uma proposta de reconhecimento de direitos até então negligenciados.
Esta pretensão de unicidade, uniformidade e supremacia veda completamente uma possibilidade alternativa, uma vez que pensa somente em subalternizar e não em promover igualdade de tratamento e direitos. Raquel Sparemberger reflete sobre esta perspectiva da alteridade como fundamento imprescindível para uma descolonização do mundo jurídico:
A entrada em cena do “outro” e de suas formas de conhecimento significa que por meio dos processos de decolonialidade epistêmica é possível buscar as reações e respostas daqueles que tiveram seus saberes subalternizados (saberes em um sentido amplo, incluindo práticas, memórias, subjetividades, etc), os quais foram considerados primitivos, inferiores, arcaicos, etc. O que se pretende é a discussão ou mesmo a proposição de um pensamento jurídico “outro” que parta da emergência dos saberes jurídicos latino-americanos subalternizados e não da perspectiva jurídico-epistemológica eurocêntrica e colonial do conhecimento.[14] Contribuciones a las Ciencias Sociales, Junio 2013
A perspectiva deste locus subalternizado, como um locus epistêmico desborda em uma completa inversão teórico-metodológica acerca das concepções de realidade, de ciência e de ação. A perspectiva dialógica constituir-se-á como uma condicionante imprescindível a fim de que a subjetividade dos envolvidos não se perca nas leituras mecânicas de um objetivismo ou racionalismo cartesiano. Aqui, os contextos pessoais e sociais, na elaboração própria dos sujeitos individuais e coletivos, são os clivos fundamentais para que processe uma leitura da realidade concreta o mais coerente possível. Neste sentido, sugere Paulo Freire, o caminho das rupturas necessárias para a compreensão da realidade:
(...) a realidade concreta é algo mais que fatos ou dados tomados mais ou menos em si mesmos. Ela é todos esses fatos e todos esses dados e mais a percepção que deles esteja tendo a população neles envolvida. Assim, a realidade concreta se dá a mim na relação dialética entre objetividade e subjetividade.[15]
O diálogo, portanto, institui-se como uma opção metodológica central, nesta tarefa de descolonização. A referencialidade, então, ultrapassa o campo das auto-narrativas, coisa muito peculiar ao processo da colonialidade/modernidade, buscando legitimar sua própria lógica. A autonarrativa despreza e anula o diálogo, impõe, no caso, o significante colonial, em regra ambivalente, uma vez que, opera sob uma lógica binária, dualista, com critérios de diferenciação e exclusão. Assim, legitima-se dualidade excludente: tradicional-moderno; primitivo-civilizado; europeu-não europeu, etc.
Da mesma forma, essa perspectiva alerta para o perigo de desvincular as ações dos sujeitos. Assim, a tarefa de descolonização implica nesta compreensão de conformação ou de transformação da realidade, no contexto em que se configuram e se influenciam. Neste sentido, Alexandre Saul e Ana Maria Saul compreende esta tarefa epistêmica como uma tarefa política, no campo da análise e da compreensão:
A transformação da realidade é uma construção social, está inserida em um tempo histórico, exige ação, demanda encontrar aliados para a luta, requer formação, precisa de condições materiais e políticas e, por isso, não se pode esperar que essa ocorra tão rapidamente como muitas vezes se deseja. Os critérios para aferir as mudanças do real não estão vinculados somente à substantivação das ações realizadas pelos sujeitos envolvidos no processo, mas, também, às alterações das compreensões desses sujeitos sobre a realidade e às dinâmicas de conformação das situações sociais, que influenciam e são influenciadas pelo contexto sociocultural-político mais amplo.[16] (pag. 434)
Do ato de colonizar e da colonialidade
Conforme Alfredo Bosi[17], as palavras colonização, cultura e culto, derivam de um mesmo verbo latino “colo”, e que tem como particípio passado “cultus” e o particípio futuro “culturus”. Assim, na vertente romana, “colo”, traduz o sentido de “eu ocupo/trabalho a terra. Desta forma, a ação do verbo “colo”, aponta sempre para algo incompleto, transitivo, ou seja, é um movimento que vai de um sujeito para um objeto. Sobre a perspectiva de espaço, “colo” é colônia, onde se deu a ocupação. “Colonus”, por sua vez, é o que cultiva, mais que o proprietário da terra.
Como se percebe, o sentido de “colo” se reproduz tanto na ideia de povoamento quanto de exploração do solo, e isso nos remete aos diferentes tipos de colonização, ou naquilo que mantém em comum. Qual a diferença, portanto, entre o habitar e o cultivar? Há, sob forma de conditio, uma lógica de deslocamento, onde agentes sociais deixam seu mundo, seu modo de vida para outro, onde irão, por certo, exercer suas atividades, seu trabalho. Na cosmovisão dos romanos, o herdeiro do “colo” era o “incola”, ou seja, o habitante. Já o que reside na terra alheia era o “inquilinus”, e o “agrícola”, em outro plano, aparece como aquele vinculado à ideia de trabalho. Ao se deslocar, portanto, o “incola” torna-se “colonus”, e com ele, se deslocam igualmente, a produção dos meios de vida, as relações de poder, a esfera política e econômica são e serão reproduzidas, colocando, em marcha, um ciclo de colonização. Bosi, neste sentido, amplifica o sentido textual e contextual deste movimento:
Mas novo processo não se esgota na reiteração dos esquemas originias: há um plus estrutural de domínio, há um acréscimo de forças que se investem no desígnio do conquistador emprestando-lhe as vezes um tônus épico de risco e aventura. A colonização dá um ar de recomeço e de arranque a culturas seculares. O traço grosso da dominação é inerente as diversas formas de colonizar e, quase sempre, as sobredetermina.[18]
Nesta senda, povoar e explorar revelam ações constitutivas com motivações pressupostas. Carl Schmitt[19] chama a este ato constitutivo ordenador de “nomos da terra”, isto é, o ato de apropriar/tomar, de repartir/demarcar/dividir e de apascentar/produzir/explorar. Desta forma, a colonização e o seu constituto proprietário lança as bases de um direito de propriedade que ordena e organiza não só o mundo geograficamente estabelecido, mas também sociologicamente instituído. Assim, primariamente, a empresa colonial é conquista, tomada de terra, seja com amparo jurídico do direito de guerra, de despojo ou de confisco.
Em suma, a decorrência desta perspectiva levará tanto à disputa quanto à demarcação de fronteiras. Neste sentido Schmitt fala que no princípio está a cerca, a linha, a demarcação que forma o mundo, que cria o lugar sagrado, separando do lugar comum, que se submete à uma lei própria, que se entrega ao poder divino.[20]
O ato de colonizar restaura e ressignifica a ideia de “tomar conta de”, no sentido básico de “colo”, importando não só a dimensão de “cuidar”, mas também de “mandar”. É conveniente, entretanto, que a ideia de colonizar não seja somente auto-atribuída à ideia de conquistar, por isso, ao colonizador importa, manter e divulgar à sua descendência a ideia e imagem de “descobridor” ou de “povoador”. Essa imagem, aliás, está intrinsecamente ligada à imagem de pioneiro, como colono e descobridores mais que a ideia de conquista e conquistadores. Domesticado o termo, pode-se encobrir o real sentido, mecanismo recorrentemente usado para velar ou ocultar as dinâmicas violentas e sangrentas dos processos de colonização.
Ao constatar que, conforme Bosi[21], o verbo “colo”, no particípio passado, “cultus”, refere-se ou remete-se ao sentido daquilo que “vem sendo” ocupado ou explorado destas antigas gerações. Assim, a ideia de “culto” acaba vinculando o ato ao seu efeito, ou seja, ajuda a ver o processo que se dinamiza e que é inerente ao produto, isto é, o passado visto no agora.
Enquanto mecanismo, a colonização, portanto, altera ou define certas formas sociais de apropriação da terra, implicando assim em diversas modalidades ou maneiras, seja de organizar o trabalho seja modelar a propriedade.[22] Percebe-se assim, que na lógica da colonização, enquanto processo dinâmico de conquista, apropriação, exploração e povoamento, e na ideia defendida por Bosi, como “cultus”, tal processo se dimensiona pela permanência de determinadas relações. Tais relações se estabelecem no seio da colonização como colonialismo e se pereniza culturalmente como colonialidade.[23]
Neste campo, a ideia de descolonização se traduz em um esforço de romper com estes esquemas, que são não somente processuais, fáticos, sistêmicos e simbólicos, como também epistemológicos. Agrega-se à esta postura, a imperativa necessidade de descortinar o continuum de tais processos materializados no silenciamento e ocultamento das demandas coletivas dos povos latino-americanos, sua cultura e suas emergências.
Nota-se assim, que o ato de colonizar transcende o ato de apropriar. Por isso, entre os efeitos desta ação, além do “controle do espaço”, verifica-se o “controle dos homens”. É o que José Vicente Tavares dos Santos[24], chama de “processo de seleção social”, ou seja, uma forma de controle dos homens, que para tornar efetivo tal controle, se submetem às diretrizes das agências de colonização, sendo, no caso dos processos de colonização da Amazônia, “tecnicamente modernos” e “politicamente submissos”. O efeito desta dinâmica levará inevitável e tragicamente a um resultado de exclusão social, naturalizada na dinâmica da colonialidade. O insumo deste processo incorpora ainda, o clientelismo como estratégia política de colonização, a violência como efeito inevitável das contradições de tal processo, uma vez que sistêmico, e a manutenção ou sustentação, retórica e jurídica da histórica desigualdade e exclusão, no campo brasileiro.
Na lição de Alfredo Bosi[25], no particípio futuro, o verbo “colo” é “culturus”, ou seja, aquilo que se vai trabalhar e cultivar. Por isso é que a cultura abrangerá todo o projeto, o horizonte que orienta a ação em curso. É possível, pois, entender que a ação colonizadora pressupõe um “movimento de submissão”, a fim de que a continuidade se perpetue. Por isso que é inerente aos processos de colonização a reiteração de esquemas, mesmo que travestidos de “recomeços”, mesmo que embalados pela retórica do “novo”, do “moderno”, ainda assim, conservam ou mantém uma submissão cega à interesses econômicos e políticos, como se fossem padrões universais da história humana.
A dinâmica da colonização, assim, padroniza o sentido, seja de produção dos meios de vida, seja das relações de poder, à luz dos elementos econômicos e políticos em jogo. No entanto, a esta dinâmica agrega-se ainda, um conteúdo semântico fantástico, em termos de missão, de aventura, de destino. O salvacionismo da empreitada colonizadora reveste-se de um sentido épico, mítico, religioso. A atitude de colonizar predestina e imuniza os efeitos perversos do processo. O que é possível torna-se oportuno uma vez que o destemor dos desbravadores coroará de êxito através das oportunidades esperadas. Há, na colonização, portanto, sempre a ideia de recomeço, que estabelece, sob novas condições, as possibilidades de domínio, domínio este culturalmente salvífico. A alteridade, como valor ou critério, será tratada como interdito ou empecilho. O processo civilizatório, sob o nome de desenvolvimento ou qualquer outro nome, nominará este outro, seja os povos originários, seja a própria natureza, como objeto de exploração e domínio.
Mais que dar suporte físico para os processos econômicos, a colonização portava e revestia-se como um projeto totalizante, que envolvia além da lógica da apropriação das terras e exploração das pessoas (colonizadas), uma cultura, uma crença. Para tanto, reproduzia-se e alimentava-se a memória das origens, a cultura, as tradições, os substratos fundamentais da empresa colonial. A fé cristã convertia-se, para tanto, em cristandade, como cultura hegemônica, e assim, igualmente, o culto ao herói, os valores etnocêntricos do colonizador, sua perspectiva de mundo, de sociedade e de relações. Assim, a colonização não se trata de um mero epifenômeno, mas de um padrão reiterado de práticas, substantivadas pela dinâmica da colonialidade, como cultura, como instituições de domínio e influência.
Ilustra bem este fato, a crença em Santiago Matamoros, na retomada da península ibérica, da ameaça islâmica, restaurada e ressignificada na crença de Santiago Mataindios, na conquista das novas terras na América. Trata-se, de uma verdadeira e necessária exportação simbólica a dar força e sentido à empreitada colonial, conjugando ao mesmo tempo a reprodução de uma idiossincrasia renascentista, ibérica e guerreira, portanto, com a lógica de um destino providencial. Neste sentido, constata Garcia:
De nuevo, la prolongada descripción de la aparición del apóstol mataindios en la Conquista parece ser exclusivamente un componente retórico sistematizado por el clero español con el fin de estabilizar un programa eclesiástico que insistió en presentar la Conquista del Nuevo Mundo como una continuación lógica de la Cruzada medieval.[26]
A força propulsora destes elementos da colonialidade imporão, portanto, a continuação na América de um discurso medieval, incorporado, inclusive, nas perspectivas cosmogônicas indígenas. Assim, seja pela introdução e utilização de tais estereótipos, seja pela sua sucessiva conservação, estabeleceu-se narrativas e discursos que neutralizassem as resistências, ao mesmo tempo que impunha construções identitárias procedentes do velho continente europeu. Desta forma, sistematizava-se no “novo mundo”, formas de controle das novas identidades e de novos espaços geográficos, a tal ponto, que tais símbolos passassem a ser internalizados coletivamente pelas comunidades indígenas à medida que avançava a expansão colonial. Convertia-se, assim, a conquista, numa extensão temporal e espacial da reconquista peninsular.
Cumprem os símbolos, os ritos, as narrativas de criação e salvação, um substrato essencial do estatuto colonial, no sentido de recompor o sentido de uma totalidade ideal da própria colonialidade. “Colo” enquanto “culturus”, portanto, tem uma função instituinte e estabilizadora. Só desta forma é que se compreende as formações colonizadas, em seus aspectos de continuidade, consolidando a hegemonia dos modelos alicerçados no substrato da nossa existência coletiva, social e psicologicamente sedimentada. É neste campo que as práticas políticas hodiernas foram gestadas, revelando uma contingencial estrutura de desigualdades, mas também de conformismos e reproduções.
Neste sentido, há uma injustiça conceitual em distinguir no tempo, a realidade de um Brasil-colônia, como algo fixo no passado, à disposição de ironias, inclusive. O colonialismo é fenômeno que se ressignifica na colonialidade presente. À perspectiva instituída da colonialidade apõe-se a cosmovisão do colonizado, internalização indispensável para a finalidade e funcionalidade do controle e dominação. De tal forma, para além da apropriação territorial das capitanias e sesmarias, tornou-se fundamental “ordenar” as relações sociais. E assim, o “escravismo colonial” deveria ser repensado não somente em termos econômicos, mas em estrutura sistêmica nas relações de produção.
O acesso à terra, igualmente, como alternativa de exclusão e predomínio de estruturas correlatas de concentração. E mesmo quando as circunstâncias inviabilizassem os esquemas do colonialismo, como no caso da abolição e das alforrias, haveria de assegurar as condições de legalidade e possibilidade de manutenção das relações de subalternidade dos “ex-cativos”, gerenciando, assim, novas situações de dependência.
Mecanismos da colonialidade e seus enfrentamentos
A realidade é e deve sempre indicar o pressuposto da observação. A realidade social, assim, é mais que qualquer teoria, pensamento ou discurso, ela se traduz como dinamismo da vida individual e coletiva, e assim, ela é plena de significados. A vivência societária estampa a realidade, seja como dinamismo, seja como intencionalidade, seja como tensionamento. Para tanto, tal realidade é construída e reconstruída histórica e socialmente pelos sujeitos individuais e coletivos. Importante constatar que o campo destas construções, é em essência, fundado numa perspectiva dialética, seja na produção dos sentidos, da perspectiva do olhar, dos horizontes e perspectivas.
Torna-se fundamental, ainda, reconhecer as dimensões contraditórias e diferentes nos vários paradigmas que compõem o processo. Os tensionamentos entre as diversas perspectivas, leituras e justificativas, constituem-se desde nossos primórdios históricos. Um dos mais elementares tensionamentos se percebe em relação aos modelos de desenvolvimento, marcado sempre por relações de confronto entre colonizadores e colonizados, isso ainda na fase inicial da colonização.[27]
A própria classificação geopolítica dos países em primeiro, segundo e terceiro mundo (em desenvolvimento) sinaliza a lógica conflitiva destes modelos de desenvolvimento.[28] Igualmente, a ideia projetada e sistematizada de um capitalismo globalizado ante um projeto de cidadania na perspectiva dos valores universais da vida e da dignidade, sinalizam este tensionamento entre os paradigmas de desenvolvimento.[29] Tais referências, aliás, descrevem e justificam a realidade como uma construção em meio a interesses e propostas contraditórias ou divergentes. Para tanto, faz-se fundamentalmente necessário analisar a realidade à luz das expressões verbalizadas dos sujeitos implicados, como também das intencionalidades que figuram no jogo.
Caberá, sobretudo ao Estado, a função de dimensionar e funcionalizar a lógica da colonialidade, em especial na função de guardião dos interesses proprietários. Ao operacionalizar os interesses da classe que nele se encontra instalada, cumprirá o Estado, implementar os pressupostos da colonialidade no processo que Michel Foucault chama de biopoder e biopolítica.[30]
Ao cumprir a função de guardião dos interesses proprietários, o Estado soberano, devidamente justificado, impõe a lógica da colonialidade de forma a operacionalizar os interesses da classe que nele se encontra instalada. É o que Michel Foucault analisa ao relacionar o processo de soberania com o biopoder e a biopolítica e a influência disso nos pressupostos da colonialidade.[31] Relembra o filósofo francês que a perspectiva medieval de soberania, cabia ao soberano, com seu direito de guerra justa e ideologia da conquista, operar e exercer o direito de “fazer morrer ou deixar viver”. No entanto, a partir do século XIX, este direito será reeditado com um direito, conferido ao Estado, este “poder de fazer viver e de deixar morrer”. Agora, este direito político, transformado, conferirá ao Estado e aos seus mecanismos de controle, a “tomada do poder sobre o homem enquanto ser vivo”.
Foucault chama a este processo de “estatização do biológico”.[32] Em outros termos, é quando o direito estatal, como direito dominante, ocidental, branco e europeu, passa a deter o poder sobre a vida e sobre a morte das pessoas. Trata-se de uma verdadeira técnica de poder disciplinar voltada para o “homem vivo”, sobre sua possibilidade de existir, de reproduzir, de nascer e de morrer. Para Foucault, a colonização e a colonialidade identifica no “racismo”, um dos elementos primordiais deste biopoder:
E pode-se compreender também por que o racismo se desenvolve nessas sociedades modernas que funcionam baseadas no modo do biopoder; compreende-se por que o racismo vai irromper em certo número de pontos privilegiados, que são precisamente os pontos em que o direito a morte é necessariamente requerido. O racismo vai se desenvolver primo com a colonização, ou seja, com o genocídio colonizador. Quando for preciso matar pessoas, matar populações, matar civilizações, como se poderia fazê-lo, se se funcionar no modo do biopoder? Através dos temas do evolucionismo, mediante um racismo.[33]
Assim e à luz deste poder estatal sobre a vida (biopoder e biogoverno), o racismo pode ser incorporado como política de Estado, sustentada por argumentos técnicos e científicos. Por este prisma, evidencia-se duas funções do racismo como modalidade de controle: estabelecer distinções e hierarquias, dentro de uma população, através de relações desiguais, e fomentando uma relação guerreiro-militar, não de enfrentamento, mas do tipo biológico, ou seja, que tenda a eliminar indivíduos “degenerados” ou “anormais”. Garante-se assim, pela tutela e instrumentalidade do Estado, a segurança pessoal e a existência mais sadia e pura, enquanto raça.[34]
À luz do que vem sendo exposto, a lógica da colonização reclama uma compreensão sistêmica ou estrutural do processo. Não se trata, igualmente, de um sentido único ou uniforme de colonização, há variáveis, condicionalidades internas, disposições geopolíticas, espaciais, etc. No entanto, a grosso modo, importa realçar que os processos de colonialismo e colonialidade se complementam. O elemento de ligação que configura inclusive a dialética deste procedimento, é que, tais processos, seja de colonialismo e colonialidade, habitam em nós, enxerta-se em nossos processos sob a forma, seja de cumplicidade, seja de esquecimento. Materializam-se em estratégias legitimadas numa obscura vontade de não se informar, de se aprisionar, de um “não-querer-saber”.
Desta forma, tanto o ato constitutivo de nomear, quanto o próprio esquecimento, como submissão e ao mesmo tempo, permissão, forja entre colonizador e colonizado, uma relação de reprodução, comandada e aceita, alimentando as vertentes de um colonialismo que insiste em permanecer como colonialidade.[35]
A propósito, Ana Clara Torres Ribeiro, esclarece esta distinção entre colonialismo e colonialidade, como perigo possível:
Colonialidade não é colonialismo; é a nossa maneira colonizada de pensar. A colonialidade é muito mais resistente à mudança do que o colonialismo: o colonialismo é evidente; a colonialidade, não, está dentro de nós, dentro da nossa cabeça, pedindo talvez que façamos um esforço para superar tanto os consensos muito rápidos, como a sedução exercida pela mercadoria e pelos mercados.[36]
Nesta mesma perspectiva Anibal Quijano[37] relembra que a colonialidade acaba sendo muito mais resistente à qualquer mudança, diferente do colonialismo que é evidente, objetivado em práticas concretas, materializadas. Por isso que a colonialidade se caracteriza como “maneira de pensar”, se aloja dentro de nós, simetriza e dispõe consensos, de forma muito mais impermeável e impositiva. Por isso mesmo, nivelada no campo retórico do controle e da doutrina, sua perspectiva é de longo alcance. Na contramão deste processo, a perspectiva de colonização, portanto, estabelece-se como uma tarefa contínua e insistente contra esta memória imposta.
Relembrando, portanto, a dinâmica que implica na relação binomial entre colonialidade-racismo, reforça esta tese Quijano (2005), ao destacar que a colonialidade do poder opera estruturalmente com a lógica padrão de classificação da população mundial conforme a ideia de raça. Como um verdadeiro pressuposto epistêmico e ontológico, esta construção mental traduz a experiência instituída e mantida da dominação colonial, hegemonizando-se como uma racionalidade específica, técnica, no início eurocêntrica e moderna, e posteriormente totalizante na ideia de globalização econômica, política e mercadológica.
Assim, o paradigma da conquista e da colonização ilustra, naquilo que se compreende como colonialidade, a perpetuação destas diversas dinâmicas mantenedoras do “colonialismo interno”. Em outros termos, há na reiteração de práticas, reeditadas nos diversos contextos históricos, um verdadeiro sequestro de possibilidades de emancipação. Este sequestro, aliás, originariamente se constitui a partir da lógica do encontro, onde se anula tais possibilidades. A sequência da colonialidade, aliás, atestou que estes encontros são encontros que matam, que eliminam o outro, que não tolera a diversidade. Ao contrário, seu pressuposto é a homogeneização que, além de colonizar o território, coloniza o corpo e supletivamente coloniza a mente, já que não suporta o diferente, o alternativo e o diverso.[38] A anulação da subjetividade, individual ou coletiva, será o marco primordial deste ato de colonizar.
Estabelece-se assim também, o sistema de saber enquanto sistema de poder. A ideia de colonização intelectual, igualmente é marca estruturante da colonialidade, uma vez que a mesma implantará as “monoculturas da mente”, conforme Vandana Shiva.[39] O saber dominante se institucionalizará como um sistema local, culturalmente baseado, vinculando a ideia de classe e gênero, de forma específica e implementada. Como insere-se em um projeto de colonialidade pensada, a justificação e a legitimação, assim como sua operacionalidade e inclusive a concepção de sociedade, ou organização social, instalam-se sob os parâmetros da desigualdade e da dominação, como princípios.
A violência decorrente de tais processos é imanente à coloniadade e à colonização. Primeiro, porque os sistemas locais são obscurecidos, invizibilizados e inviabilizados, e segundo, porque no germe do próprio sistema de dominação, as alternativas ao sistema imposto são eliminadas. Desaparece o outro para suplantar o mesmo colonial, solapa-se os meios de vida das pessoas, a diversidade, o sentido de pertença, para a homogeneização do sistema imposto, balizado por uma lógica, invariavelmente de mercado e exploração.
Dificilmente nos parâmetros do colonialismo e da colonialidade há complementação na relação colonizador-colonizado. As rebeldias são ou foram sufocadas com violência, as armas retóricas e as seduções oferecidas, inevitavelmente não cessará com o litígio eterno desta relação. Em perspectiva histórica, seja nas emancipações e toda as variáveis dos nacionalismos, a ideia de empatia ou de uma influência benéfica, não vinga. Isto, porque o próprio fundamento ou estrutura dos colonialismos, alimentados pela colonialidade não permite uma relação de iguais.
A destruição da pseudoconcreticidade e a insubordinação epistêmica
Em termos epistemológicos, a ideia de descolonização nos remete ainda à Karel Kosik e a necessidade de “destruição do mundo da pseudoconcreticidade”. Para o filósofo italiano, a realidade não se apresenta imediatamente ao homem. Assim, na dialética, se distinguem aquilo que é representação e o conceito da coisa em si, como duas dimensões de acesso ou conhecimento da realidade.
A ideia de pseudoconcreticidade, portanto, retrata esta perspectiva em que o homem, inserido concretamente em determinada realidade, experimenta inicialmente, uma atividade prático-utilitária, onde cria suas próprias representações das coisas. Estas formas fenomênicas de uma realidade criada, por vezes são distintas e mesmo contrárias em relação à essência conceitual da coisa em si. O homem, imerso em sua realidade, não se constitui como um sujeito cognoscente abstrato, mas como um agente objetivo e envolvido no conjunto das relações sociais, dos interesses e necessidades que lhe objetivam, mesclando sua subjetividade, portanto.
Karel kosik desenvolve assim o conceito de pseudoconcreticidade, neste “envolvimento” que se estabelece entre a práxis utilitária (realidade demandante do humano) e o senso comum, que não é a compreensão consciente do real, ou pelo menos, uma compreensão limitada. Kosik explicitará o conteúdo da pseuconcreticidade, dizendo o que a ele pertence:
- O mundo dos fenômenos externos, que se desenvolvem a superfície dos processos realmente essenciais;
- O mundo do tráfico e da manipulação, isto é, da praxis fetichizada dos homens (a qual não coincide com a praxis crítica revolucionária da humanidade);
- O mundo das representações comuns, que são projeções dos fenômenos externos na consciência dos homens, produto da praxis fetichizada, formas ideológicas de seu movimento;
- O mundo dos objetos fixados, que dão a impressão de ser condições naturais e não são imediatamente reconhecíveis como resultados da atividade social dos homens.[40]
A tarefa da descolonização, portanto, supõe um avanço para além da pseudoconcreticidade, ou seja, desnaturalizar o que foi posto ou imposto como natural. Mais que uma ruptura, implica esta atitude em um movimento, uma escolha. Isto é, significa sair da superficialidade, distanciar-se da artificialidade em direção ao que é realmente essencial.
Tal tarefa nos remete, portanto, a perceber como o fenômeno se manifesta, como a colonialidade se estabelece e se constitui, mesmo porque o fenômeno pode até indicar a essência, mas ao tempo a esconde. Se a essência e o fenômeno são tomados como iguais, como a mesma realidade, como a coisa em si, obviamente ficaria comprometida a análise e a compreensão de tal fenômeno. Ficaria igualmente comprometida a ruptura e o distanciamento necessário, requisitos essenciais para a desconstrução das sedimentares estruturas da colonialidade, que insistem em permanecer, na perspectiva do saber, do poder e das relações.
Em termos de uma descolonização ou desobediência epistêmica, como propõe Walter Mignolo[41], importa inclusive, a superação dos reducionismos teóricos. Um desses reducionismos seria o de ler ou compreender a realidade latino-americana em sua dimensão de colonialidade apenas sob a perspectiva econômica, como se o clivo exegético da nossa identidade devesse se basear apenas na forma de produção e na análise isolada dos contextos mercantis-econômicos, do final da Idade Média e início da era moderna. Tampouco ajuda nesta perspectiva analítica, a compreensão parcial dos efeitos da colonialidade tomando como base apenas os aspectos que caracterizam o perfil dos colonizadores originários, a questão do desterro, ou da estrutura social ibérica, contextualizados no início do século XVI.
Por estas sendas, facilmente poderíamos fixar no enquadramento hermético do positivismo exegético (relações invariantes) ou mesmo de um historicismo parcial (arranjos sociais possíveis). A descolonização epistêmica supõe e sugere um grau de “abertura”, uma perspectiva ampliada, que requer atenção e cuidado, requer, sobretudo, um “desarme hermenêutico”, a fim de que a percepção não recaia em tais reducionismos conceituais.
Pelo dualismo – uma das armas prediletas da colonialidade – os pressupostos e os efeitos estão dados. Assim, as explicações facilmente são extraídas, os rearranjos são evidenciados uma vez que pressupostos. A descolonização, entretanto, além de pugnar pela superação do dualismo, estabelece ainda a necessidade de um exercício de desvelamento, de descortinamento das aparências, uma vez que muitos processos se constitui e se mantém sob o alicerce das aparências.
Esta tarefa de insubordinação epistêmica, inclusive, sugere a necessidade de compreender aquilo que Bruit[42], menciona como a “simulação dos vencidos”. Trata-se de uma perspectiva semântica, onde as representações criadas pelos povos indígenas, constituíam-se em práticas de dissimulação ante os espanhóis colonizadores. O signo e o símbolo, ocupava o lugar do real, representando em última instância uma ausência, nas práticas de dissimulação que eram verdadeiras práticas de sobrevivência. Para Bruit:
No caso concreto dos indígenas americanos, o trauma da conquista os obrigou a vestir a máscara (práticas de simulação) para esconder dos conquistadores aquilo pelo qual estavam sendo perseguidos (costumes, idolatria). O temor era serem desmascarados, temor que manteve vivo o trauma no nível do inconsciente. De fato, havia observadores perspicazes que suspeitavam das aparências e das intenções dos indígenas. (p. 15-16). Todavia, o índio foi forçado também a viver a segunda relação, que é uma duplicidade dilacerante: ser ator e personagem. Como personagem, era aquele indivíduo que não deveria aparecer, pois isso poderia significar a morte ou, no mínimo, a tortura inquisitorial. Como ator, era a máscara que ele manipulava, muitas vezes sem consciência clara de por que o fazia, e essa máscara estava decorada com signos hispânicos: linguagem, rituais cristãos, vestimenta.[43]
Compreende-se assim, a urgência em desmistificar as interpretações homogeneizadoras, aquelas que, nivelam, desde uma perspectiva eurocentrizada, os padrões de compreensão e sentido, inclusive das práticas e culturas vivenciadas na América Latina. No caso específico, a duplicidade, compreendida como um viver a “aparência das máscaras”, significou a lógica de viver a história do outro, conquistador. Mas também, de manter a própria vivência histórica através da memória, das práticas encobertas, das crenças travestidas, pressuposto essencial para a descolonização da memória, dos processos de aculturação.
Quer com isso, buscar por um entendimento onde o horizonte de compreensão não seja “sequestrado”, ou mantido refém de interpretações superficializadas, de compreensões “prêt-à-porter”, ao sabor de posturas hegemônicas. A descolonização da mente, da compreensão, dos imaginários, irrompe-se como um imperativo inexorável desta necessidade de romper fronteiras, ultrapassando os interditos como condição superlativa para outros olhares, outras leituras, outras perspectivas. Não se trata de expurgar, sob uma mesma avaliação, os efeitos do “contato”, da convivência, e daquilo que se processou. Mas, suplantar as leituras rasteiras, os consensos impostos, potencializando-se assim, outras leituras, outros sentidos.
Hoje, à luz de todo um esforço, a partir da constitucionalização de alguns pressupostos, é possível detectar no continente latino-americano um anseio por reconhecimento das identidades de diversos e distintos sujeitos coletivos. Neste sentido, a dinâmica da convivência, sob forma de “contaminação”, ou mesmo de “ressonância” cultural, é possível perceber o enorme esforço destes povos traduzidos na sua capacidade de viver e viver em transformação, muitas vezes. Ainda que desterritorializados, ainda que destinados, por vezes, à uma camuflagem simbólica, materializada nas ideias de legalidade, modernização ou desenvolvimento, há todo um movimento feito estratégia, de restauração identitária, de reconhecimento de direitos, de reafirmação coletiva.
Por isso que, mesmo que o “contato” tenha impingido alterações inevitáveis, há reconhecidamente todo um movimento de transcendência, de criatividade, de memória, mas ao mesmo tempo de encontro com o “novo” que não venha ou seja parte do continuum, da colonialidade, perpetuada e recorrentemente atualizada.
A descolonização, neste sentido, estimula todo uma perspectiva de reconhecimento destes sinais, destes entre-lugares[44], que sinalizam aqui e acolá, em movimentos sociais, em leituras alternativas constitucionais, em lutas por território e direitos, como um processo dinâmico de enfrentamento, de luta contra as homogeneizações conceituais e culturais, contras universalizações, contra os colonialismos insistentes.
Além de ser o território onde as estratégias de subjetivação se elaboram, a ideia de “entre-lugar”, relaciona-se à visão de mundo, ao modo como os grupos subalternizados se posicionam ante os esquemas de poder, e sobretudo, enquanto espaço produtivo, é o “local da cultura”, um espaço “proveniente do encontro entre significados e significantes”[45]. Por tais razões, a perspectiva de leitura supõe uma postura aberta, heterogênea, transcendendo inclusive ideologias e valores socioculturais. Contempla, este aspecto, uma atenção ao “local de fala”, de elaboração das representações, que será, quase sempre, um território de fronteira, onde a diferença e seu reconhecimento, constituir-se-á como um estranhamento necessário para que ocorra a ruptura com as totalidades impostas, com as universalizações dirigidas.
Conclusão
É desafiadora a tarefa da descolonização, seja ela epistêmica, hermenêutica, política. A sedimentação literária, discursiva, ideológica e legitimadora dos processos coloniais atravessou séculos e substantivou-se em práticas e consensos que visam, antes de tudo, conformar, na ótica do colonizado, os padrões da colonialidade, como algo imutável e irreversível. Do púlpito ao trono, da academia ao foro, a proposição é “manter”, “conservar”. A tal ponto, impregna-se esta ideia que divergir ou contestar soa como “ato criminoso”.
Por outra via, a assimilação e mesmo a imitação, vestidas de sincretismo e despidas de originalidade, muitas vezes nublam o reconhecimento das diferenças, a constatação da diversidade e a perspectiva da pluralidade. Gritam as homogeneizações, sufocam-se as polifonias insurgentes. Mas há reações. E estas já estão sendo sentidas, capturadas e materializadas em um grande número de experiências, por sujeitos coletivos, que se armam de “memória”, gestando algo novo, não mais invisível ou ocultado. Assim, a descolonização vai se firmando contra as “certezas epistêmicas”, contra os processos de uniformização, contra a colonialidade insistente.
Desta forma, os sinais que traduzem este processo e este espírito, vão sendo fecundados nos movimentos sociais, por direitos, por reconhecimento, nos “círculos marginais” de debate e reflexão, nas academias, nas alternativas. Não é um movimento unidirecionado, mas plural, contudo convergente, uma vez que no horizonte possível, cabem muitas perspectivas. Mas também, não é um processo pacífico, causa reações, resistências, perseguições. Há todo um esforço orquestrado em revogar conquistas, anular direitos e silenciar as resistências. A dialética destes processos faz lembrar, evocando, uma trajetória de muitas lutas, algo sempre presente em nosso passado, em nossa história. Quer se dizer, que ante a insurgência da descolonização há todo um esforço de recolonização.
Cabe em grande parte, ao Direito e às Ciências Humanas, como um todo, a crucial tarefa de acolher essa proposta de “descolonização”, de desconstrução, fomentando novas formas de olhar, de compreender e de agir, diante dos desafios da realidade. Para quem já “deglutiu”, ou assimilou o colonizador, talvez essa tarefa não faça mais sentido, uma vez, que a reprodução das práticas e dos padrões da colonialidade, em nada altera os quadros de injustiça sistêmica e desigualdade crônica a que a sociedade brasileira foi e está sendo submetida. Mas, para quem encontra ainda, razões para a insubordinação e “desobediência epistêmica”, há todo um fértil espaço e tempo de retomadas e de insurgências.
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[1] Conforme vários autores, e aqui, se baseia em Luciana Balestrin, a descolonização, numa ótica histórica, indica a superação do colonialismo. Já a ideia de colonialidade, procura romper e transcender a lógica da colonialidade, esta como uma face obscura da modernidade e que permanece ainda operando nos dias de hoje, sob a forma de colonialismos internos, mas também como um padrão mundial de poder. Portanto, a descolonialidade ou “giro descolonial”, é uma tentativa de responder às lógicas da colonialiade do poder, do saber e do ser, em direção a outras experiências políticas, outras vivências culturais, econômicas e de produção do conhecimento. Ainda que esta elaboração possa ter encontrado do marxismo ao pós-estruturalismo, seus indícios, a ideia de uma teoria como instrumento de poder de determinada região, lhe transcende. Trata-se, em evidência, de um diagnóstico mais político que teórico, demandando pela necessidade da (re)politização da própria teoria, que, de certa forma, se perdeu nas influências, inclusive marcantes de uma leitura e de uma lógica de que havíamos chegado ao fim da história. Cf. BALLESTRIN, Luciana. Para Transcender a Colonialidade. In: Revista IHU online (Revista Impressa). São Leopoldo, nº 431, Ano XIII. pp. 40-41, nov. 2013.
[2] A Convenção 169, voltada para o reconhecimento dos direitos dos Povos Indígenas e Tribais, foi estatuída em 27 de junho de 1989, na cidade de Genebra, e recepcionada pelo Governo brasileiro, através do Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004.
[3] RICOEUR, Paul. O conflito das interpretações. Tradução de Hilton Japiassu. São Paulo: Imago, 1978.
[4] PORTOCARRERO, Maria Luísa. Conceitos fundamentais de Hermenêutica filosófica. Coimbra, 2010.
[5] RICOEUR, Paul. Interpretação e Ideologias. Tradução de Hilton Japiassu. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990, p. 139.
[6] RICOEUR, Paul. Interpretação e Ideologias. p. 68.
[7] RICOEUR, Paul. O conflito das interpretações. Tradução de M.F. Sá Correa. São Paulo: Imago, 1978.
[8] MIGNOLO, Walter D. Desobediência epistêmica: a opção descolonial e o significado de identidade em política. In: Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Literatura, língua e identidade, Niterói, n. 34, pp. 287-324, 1º sem. 2008.
[9] SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. Coimbra: Almedina, 2009.
[10] PORTOCARRERO, Maria Luísa. Conceitos fundamentais de Hermenêutica filosófica, p. 31.
[11] GRUNER, Eduardo. Leituras culpadas. Marx(ismos) e a praxis do conhecimento. In: A teoria marxista hoje. Problemas e perspectivas. Boron, Atilio A.; Amadeo, Javier; Gonzalez, Sabrina. 2007. Disponível: <http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/campus/marxispt/cap. 4.doc>., acesso em 04.02.2017.
[12] GROSFOGUEL, Ramon. Caos sistémico, crisis civilizatoria y proyectos descoloniales: pensar más allá del proceso civilizatorio de la modernidad/colonialidad. In: Revista Tabula Rasa, Bogotá: Colômbia, nº 25, pp. 153-174. Julio-diciembre, 2016, p. 163.
[13] MIGNOLO, Walter. Desobediência epistêmica: a opção descolonial e o significado de identidade em política, 2010.
[14] SPAREMBERGER, Raquel Fabiana Lopes. Conhecimento jurídico colonial e subalterno: os desafios decoloniais e interculturais. In: Contribuciones a las Ciências Sociais. Jun. 2012. Disponível em: <http://www.ufpel.tche.br/isp/ppgcs/eics/dvd/documentos/gts_llleics/gt6/gt6raquel_e_Gabriela.pdf>. Acesso em: 15 jul. 2017.
[15] FREIRE, Paulo. Criando métodos de pesquisa alternativa. In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues (org.). Pesquisa participante. São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 35.
[16] SAUL, Alexandre; SAUL, Ana Maria. A metodologia da investigação temática: elementos político-epistemológicos de uma práxis de pesquisa crítico-emancipatória. In: Revista e-Curriculum, São Paulo. v. 15, nº 12. (pp. 429-454), Abr./jun. 2017, p. 434. Disponível em: http://revistas.pucsp.br/index.php/curriculum. Acesso em 18 set. 2017.
[17] BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
[18] BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização, p. 10.
[19] SCHMITT, Carl. El nomos de la tierra: en el derecho de gentes del “jus publicum europaeum”. Traduzido por Dora Schilling Thon. Buenos Aires: Struhart & Cía, 2005. p. 21; 362; 362.
[20] SCHMITT, Carl. El nomos de la tierra: en el derecho de gentes del “jus publicum europaeum”. p. 57.
[21] BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização..
[22] IANNI, Octávio. Origens agrárias do Estado brasileiro. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 182.
[23] QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo [Org]. A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latinoamericanas. Colección Sur Sur, CLACSO, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina, 2005, p. 113.
[24] SANTOS, José Vicente Tavares dos. As novas terras como forma de dominação. In: Revista Lua Nova, nº 23. São Paulo, mar. 1991.
[25] BOSI, Alfredo. Dialética da Coloniazação. pp. 11-19
[26] GARCIA, Javier Dominguez. Santiago Mataindios: la continuación de un discurso medieval en la Nuena España. In: Revista de Filología Hispánica. México. v. LIV, nº 1, (pp. 33-56), enero-junio, 2006, p. 43.
[27] ESTEVA, Gustavo. Desenvolvimento. In: SACHS, W. Dicionário para o desenvolvimento. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 59-83.
[28] WOLFE, Alan. Três caminhos para o desenvolvimento: mercado, estado e sociedade civil. In: Coleção Democracia: a Democracia como Proposta. Rio de Janeiro: IBASE, 1991, pp. 35-63.
[29] LEROY, Jean-Pierre ET AL. Tudo ao mesmo tempo agora – desenvolvimento, sustentabilidade, democracia: o que isso tem a ver com você? Petrópolis: Vozes, 2002.
[30] FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. Tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
[31] FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade.
[32] FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade, p. 286.
[33] FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade, p. 307.
[34] FOUCAUTL, Michel. Em defesa da sociedade, p. 305.
[35] CAVALCANTE, Ricardo Moura Braga. Vidas sem memória: a produção do esquecimento ativo sobre o assassinato de crianças e adolescentes. (Paper): III Seminário Internacional Violência e Conflitos sociais: ilegalismos e lugares morais. Fortaleza, 2011. Disponível em: http://www.lev.ufc.br/2011/gt-09-narrativas-e-imaginarios-sobre-as-violencias-e-suas-vitimas/. Acesso: 17 set. 2017.
[36] RIBEIRO, Ana Clara Torres. Territórios da sociedade, impulsos globais e pensamento analítico: por uma cartografia da ação. In: Revista Tamoios. Rio de Janeiro, ano 8, n.1, pp. 03-12, jan-jun. 2012, p. 06.
[37] QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Edgardo Lander (org.). CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina. Setembro. 2005. pp: 227-278. Disponível em http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/lander/pt/Quijano.rtf. Acesso: 17 set. 2017.
[38] SAIGH, Yeda Alcide. A Colonização da mente. In: Revista Encontro. São Paulo, vol. XI, nº 16, 2008. pp. 187-197.
[39] SHIVA, Vandana. Monoculturas da Mente: Perspectivas da biodiversidade e da biotecnologia. Tradução de Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: Gaia, 2003.
[40] KOSIK, Karel. Dialética do Concreto. Tradução de Célia Neves e Alderico Toríbio. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976, p. 15.
[41] MIGNOLO, Walter D. Desobediencia epistémica: a opção descolonial e o significado de identidade. In: Política. Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Literatura, língua e identidade, Niterói, n. 34, p. 287-324, 2008.
[42] BRUIT, Héctor Hernan. Bartolomé de Las Casas e a Simulação dos Vencidos: ensaio sobre a conquista hispânica da América. Campinas: Unicamp, 1995.
[43] BRUIT, Héctor Hernan. Bartolomé de Las Casas e a Simulação dos Vencidos: ensaio sobre a conquista hispânica da América, pp. 15-16.
[44] Homi Bhabha desenvolve o conceito de entre-lugares como locais de fronteira de diferentes realidades. Supera-se assim a ideia das singularidades, sejam elas de classe e de gênero, por exemplo. Não se trata de caracterizar, uniformizando um determinado espaço cultural, mas admitir que tais espaços podem se comunicar, que dimensões distintas podem conviver. Em diversas manifestações que refletem a sociabilidade humana, como na construção da cidadania, por exemplo, as expressões culturais, artísticas, os saberes, podem interagir, sem que o elemento racional de conscientização política esteja lá verbalizado, ou explícito. São estes entre-lugares, com tal natureza, que possibilitam que a fronteira se torne “o lugar a partir do qual algo começa a se fazer presente”. Cf: BHABHA, Homi. O Local da Cultura. Tradução de Myriam Avila, Eliana Lourenço Lima Reis e Gláucia Renate Gonçalves. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001.
[45] BHABHA, Homi. O Local da Cultura, pp. 20,81,82.
Graduada em Publicidade e Propaganda e Direito. Concluindo pós-graduação em Direito Processual Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERRAREZI, Arieli Cristiani. Direito e legitimação: desafios epistêmicos em cenários latino-americanos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 jan 2020, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/54180/direito-e-legitimao-desafios-epistmicos-em-cenrios-latino-americanos. Acesso em: 19 abr 2024.
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