JULLIANA VALENTIM DE SOUZA AMORIM[1]
(Coautora)
RESUMO. O presente artigo tem como objetivo analisar a historicidade do princípio da capacidade contributiva e sua ligação com a vedação ao confisco à luz dos direitos fundamentais. Neste prisma, a tributação trata-se de uma atividade importante para a manutenção do Estado e da prestação de seus serviços, porém sem a garantir o patrimônio de seus contribuintes não existirá riqueza suficiente para sua manutenção sendo, portanto, imprescindível a adoção de limites ao poder de tributar que se traduzem em verdadeiros direitos fundamentais cristalizados constitucionalmente e, dentre os limites estabelecidos, a capacidade contributiva e o não confisco tratam-se de limitações adotadas, mas que não possuem limites objetivos para delimitar o que caracterizaria o confisco e a consequente violação ao princípio da capacidade contributiva.
Palavras-chave: Capacidade contributiva. Vedação ao confisco. Direitos Fundamentais.
Sumário: 1. Introdução. 2. Perspectiva histórica do princípio da capacidade contributiva. 3. O princípio da vedação ao confisco e sua ligação com os direitos fundamentais. 4. A capacidade contributiva e a vedação ao confisco como direitos fundamentais. 6. Considerações finais. Referências.
1 INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988, consagra em seu art. 3º, I, CF/1988 a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, dessa forma tais valores devem estar impressos nos demais ramos do direito no ordenamento jurídico.
A preocupação com regras de direito tributário e com as funções dessa tributação surge com o nascimento do Estado Constitucional, sob a égide da ideologia Liberal, neste momento o Estado assume uma postura mínima, dessa forma as pessoas contribuíam, apenas, para a manutenção das funções essenciais do Estado.
Com a chegada do Estado Social e sua postura intervencionista os tributos passam a ser instrumentos utilizados para garantir a igualdade material e assumem seu caráter extrafiscal, ajudando a regular a economia.
Para garantir o cumprimento dos ideais do Estado brasileiro, o legislador constitucionaliza princípios que servem de norte e estes, por sua vez “são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes” (ALEXY, 2008, p. 90), por isso sua importância para o ordenamento.
A Constituição Federal consagra em seu artigo 145, §1º o denominado princípio da capacidade contributiva ao determinar que os tributos terão caráter pessoal e devem ser graduados de acordo com a capacidade econômica do contribuinte.
A adoção do referido princípio mostra-se como uma importante conquista para o contribuinte, bem como reafirma a função da tributação na garantia da igualdade em seu sentido material, por se mostrar um critério com maior grau de Justiça.
Dentro deste contexto, ao longo da história da humanidade ocorreram diversas revoltas que eram desencadeadas pela alta carga tributária imposta aos cidadãos e, por isso, tinham como principal reinvindicação a limitação ao poder de tributar do Estado.
A presente pesquisa concentra-se na limitação imposta pela vedação ao confisco, tal regra impede que o Estado crie ou utilize os tributos com a finalidade de enfraquecer o patrimônio privado ou de retirar do contribuinte o mínimo suficiente para sua subsistência, porém o legislador não apresenta nenhum critério ou limite capaz de definir qual seria esse mínimo vital.
No Brasil, o artigo 150 da Constituição Federal apresenta em seus incisos a limitação da atividade de criação de tributos e, especificamente, em seu inciso IV consagra o princípio do não-confisco, ao vedar a utilização dos tributos para confiscar o patrimônio das pessoas.
Diante do já exposto, o presente artigo tem como objetivo principal analisar o princípio da capacidade contributiva e sua ligação com o princípio do não-confisco sob o manto dos direitos fundamentais.
Por isso, tem-se como objetivos específicos, apresentar o desenvolvimento histórico do princípio da capacidade contributiva, analisar o conceito e a consagração do princípio da vedação ao confisco como direito fundamental e por fim analisar o conceito do não confisco e sua ligação com o princípio da capacidade contributiva.
A partir do cumprimento dos objetivos, acima listados, pretende-se responder ao seguinte problema de pesquisa: quais os critérios de definição do princípio da vedação ao confisco e sua ligação com o princípio da capacidade contributiva?
O presente artigo encontra-se subdividido em três pontos: No primeiro, apresenta-se, em poucas palavras, um breve histórico do princípio da capacidade contributiva, no segundo inicia-se falando sobre os direitos fundamentais para analisar o princípio da vedação ao confisco e sua inserção neste rol de direitos e no terceiro o critério de conceituação da referida vedação e sua ligação com o princípio da capacidade contributiva.
Optou-se pelo método dedutivo a partir da pesquisa bibliográfica e documental, utilizando-se de uma revisão da doutrina, da jurisprudência e do arcabouço normativo sobre o tema para, assim, apresentar um resultado satisfatório ao problema de pesquisa.
Pretende-se provar, ao final da pesquisa, a influência a ligação existente entre o princípio da capacidade contributiva e a vedação ao confisco, considerados como direitos fundamentais do cidadão em virtude da sua função de limitação ao poder de tributar do Estado, bem como apresentar como critério plausível para a definição destes limites a razoabilidade.
2 PERSPECTIVA HISTÓRICA DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
A partir do momento que o homem tornou-se sedentário e começou a organizar-se em civilizações a arrecadação de impostos começa a se mostrar necessária, por isso desde as civilizações antigas buscam-se mecanismos e critérios que possibilitem o exercício de tal ofício.
Ao analisar a tributação no Antigo Egito chama a atenção a organização daquela sociedade, pois, embora não tenha inventado o tributo, conseguiu desenvolver um complexo e eficaz sistema tributário que sustentou o império por muitos anos.
Existia, por exemplo, um exame fiscal anual egípcio que pode ser considerado uma espécie de auditoria nos dias de hoje, que compelia as pessoas a comparecerem perante o agente do governo com os livros e registros do departamento tributário para análise, salientando-se que eles taxavam vendas, escravos, estrangeiros, importações, exportações, negócios, produção agrícola (ADAMS, 2001, p. 06).
Outro aspecto relevante desta civilização era de um lado o alto poder conferido aos escribas e de outro os mecanismos de vigilância que contava, inclusive, com uma espécie de ouvidoria onde os próprios contribuintes poderiam fazer suas denúncias, chegando inclusive a aplicação de penas rigorosas para os corruptos, como, por exemplo, a perda do nariz e o banimento (ADAMS, 2001, p. 10).
O conhecimento mais apurado da civilização egípcia se com a tradução da famosa “pedra de rosetta” que permitiu, a partir da análise de registros fiscais, que os historiadores pudessem entender a organização da sociedade.
É certo que em um artigo curto não seria possível analisar a tributação das várias civilizações da Idade Antiga, apresentando-se o Egito a título de exemplo em virtude de seu alto grau de organização, inclusive, com a utilização de mecanismos que são percebidos até os dias atuais.
A partir do surgimento do Estado a Constituição Federal significa mais do que a mera junção de artigos organizados, pois guarda consigo os valores e princípios primordiais para o Estado que a elaborou, isto porque em seu sentido material, a Constituição representará a identidade daquele povo que a ela se submete, desta forma a ideologia constitucional escolhida vai permear toda a legislação infraconstitucional, inclusive o sistema tributário.
O Estado Liberal é o primeiro e surge, tendo como premissa um Estado mínimo que garante a liberdade, neste cenário as rendas do Estado é conceituada como “uma porção que cada cidadão dá de seus bens para ter a segurança ou para gozar dela agradavelmente” (MONTESQUIEU, 2000, p. 221), por isso defendia que esta receita deveria levar em consideração tanto as necessidades do Estado quanto dos cidadãos, mostrando-se um critério de análise da capacidade de quem paga os impostos.
Como se percebe a ideia apresentada acima está permeada com o ideal liberalista que imperava na época, mas já se fazia menção a necessidade do Estado cobrar taxas e impostos tendo por base os bens do contribuinte o que, de certa forma, demonstra a preocupação com a sua capacidade para contribuição.
Com a chegada da ideologia Social, o Estado assume uma postura intervencionista com a finalidade de garantir a igualdade em sentido material, tomando como premissa os ensinamentos Aristóteles ao dizer que a igualdade consiste em tratar da mesma forma os iguais e de forma distinta os desiguais na medida de suas desigualdades (CUNHA, 2017, p. 23).
Incentivada pelo ideal de igualdade do Estado Social e pelos estudos de Adam Smith surge a ideia de justiça fiscal que apesar dos vários significados, adota o que possui o sentido de justiça tributária que se limita a analisar a forma como se distribuem os encargos tributários entre as categorias de contribuintes com maiores e menores rendimentos (SANCHES, 2010, p. 13), tal ideia serve de fundamento para o princípio da capacidade contributiva.
A partir da análise deste conceito, apesar de limitado, percebe-se claramente sua aplicação nos casos em que o Estado crie impostos como se fossem indispensáveis à sobrevivência de uma sociedade, tais como defesa nacional e segurança, sem que haja qualquer intenção de redistribuição de renda, ou seja, aquele que arrecada apenas para manter os serviços que não podem ser prestados pelo particular.
O conceito começa a apresentar outras faces a partir do momento em que o Estado começa a produzir bens e a prestar serviços que devem ser suportados, ocorrendo uma transferência de riquezas, mostrando-se, assim, o outro lado da justiça fiscal (SANCHES, 2010, p. 14).
É certo que essa questão de Justiça fiscal é objeto de debate desde a Antiguidade, perpassando inclusive pela Grécia, porém a referida discussão passa a ganhar corpo a partir das revoluções que precederam a criação do Estado contemporâneo, como por exemplo a Revolução Gloriosa de 1688, momento em que Locke entende que o Estado enquanto instituição que garante a propriedade privada dos bens e que ao mesmo tempo a limita deve sujeitar os impostos a um princípio de autorização e decisão coletiva (SANCHES, 2010, p. 20).
Começa a ganhar força o pensamento de Adam Smith ao entender que o capital público e as terras da coroa são insuficientes para cobrir todas as despesas de um país civilizado, defendendo a importância da instituição dos impostos a incidirem sobre o povo para que contribuam com sua própria renda para a constituição da receita pública a ser utilizada tanto pelo soberano quanto pelo Estado (1988, p. 101).
Dessa forma, de acordo com esse pensamento cada um deveria contribuir para os gastos do Estado tomando como base suas possibilidades, apresentando-se um critério ligado a capacidade do contribuinte.
Na época o pensamento de Adam Smith abriu espaço para a ascensão de críticas como por exemplo a de Stuart Mill, ao defender que quem recebesse mais prestações estatais deveria pagar mais, desta forma os pobres deveriam pagar mais impostos que os ricos, por ser esta a classe que mais se beneficia com os serviços ofertados pelo Estado (SANCHES, 2010, p. 22).
Neste ínterim o princípio da equivalência, que tem em consideração os gastos do Estado com a prestação de serviços públicos, como critério de justiça na distribuição da carga fiscal, passa a ser substituído pelo princípio da capacidade contributiva como critério de repartição justa da carga fiscal.
A Revolução Francesa chamou teve como um de seus principais motivos a questão tributária do Antigo Regime, o que promoveu o surgimento do Estado Fiscal, neste a oneração tributária faz com que a divisão dos encargos seja um importante ponto ligado a cidadania, culminando na criação do Direito Constitucional Fiscal para legitimar a intervenção dos tribunais nestas matérias com a finalidade de solucionar as discordâncias existentes em matéria fiscal (SANCHES, 2010, p. 27).
O princípio da capacidade contributiva se mostra um critério plausível de contribuição a ser adotado por um Estado Constitucional que se preocupa com a garantia do mínimo existencial já que tem como parâmetro as condições financeiras do contribuinte.
Pode-se dizer, então, que o supracitado princípio significa que todos devem contribuir segundo o montante da renda disponível para o pagamento de impostos, assim ele questiona quanto o contribuinte pode pagar para o financiamento das tarefas do Estado em razão de sua renda disponível, levando em consideração, também a individualidade, tal critério vale tanto para impostos diretos quanto para os indiretos (TIPKE, YAMASHITA, 2002, p. 31).
Um aspecto muito importante deste princípio é a proteção do mínimo existencial, já que a contribuição só incidirá quando a renda ultrapassar este limite, por isso exige uma base de cálculos adequada sendo compatível também com a adoção de alíquotas progressivas; podendo-se aplicar tais critérios as empresas, neste último caso, tomando por base os lucros auferidos com o exercício da atividade empresarial.
Registre-se que o princípio da capacidade contributiva não é absoluto, pois em alguns momentos permite-se sua violação de maneira justificada e limitada, dentre os motivos autorizadores dessa violação, chama a atenção as normas extrafiscais que estão ligadas a políticas econômicas, culturais, sanitárias, ambientais; tais normas chamam a atenção por serem as justificativas preferidas dos políticos tendo em vista que os cidadãos reagem melhor a incentivos fiscais (TIPKE, YAMASHITA, 2002, p. 39)
Dessa forma, o princípio da capacidade contributiva consegue frear o poder de tributar que encontra-se nas mãos do Estado assegurando direito do contribuinte.
Insta salientar que que o princípio da capacidade contributiva é o norte aplicado aos impostos enquanto as taxas e contribuições são regidas pelos princípios da retributividade e do benefício.
O imposto, por sua vez, é uma espécie de tributo que possui uma hipótese de incidência que independe da atuação estatal, isto se dá porque nos impostos o contribuinte ou sujeito passivo realiza um comportamento indicador de riqueza e esta, por sua vez não foi proporcionada pelo Poder Público (COSTA, 2003, p. 53).
Por outro lado as taxas são tributos vinculados cuja a incidência consiste numa atuação estatal direta e imediatamente referida ao obrigado, possuindo caráter remuneratório da atuação do Poder Público, atendendo ao critério de igualdade chamando as pessoas que se beneficiaram da atuação do Poder Público a custearem na medida em que receberam, afastando-se os demais desse encargo. Permite-se, também, a desobrigação dos hipossuficientes de seu pagamento em consideração a critérios como a desigualdade social e a minimização do sofrimento das pessoas pobres (COSTA, 2003, p. 57).
O princípio da capacidade contributiva se mostra, então, como um critério de tributação adequado ao Estado Fiscal, posto que sopesa as necessidades e despesas do Poder Público e, principalmente, as condições de pagamento do contribuinte, protegendo o mínimo existencial que, por sua vez, reflete no respeito ao princípio da dignidade humana.
Impende destacar que esta ideia de tributar o contribuinte de acordo com sua capacidade de pagamento assume o status princípio, tal posição é muito importante no ordenamento jurídico.
A importância dos princípios encontra-se impressa em seu próprio conceito, pois estes podem ser definidos como a descrição de um estado de coisas que deve ser buscado sem definir os meios que serão utilizados para chegar ao objetivo, função esta que fica a cargo das regras (ÁVILA, 2006, p. 205).
Dessa forma, os princípios se referem a um estado ideal, trazendo consigo um norte a ser concretizado pelo Estado através da criação de regras que garantam sua efetivação.
3. O PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO CONFISCO E SUA RELAÇÃO COM OS DIREITOS FUNDAMENTAIS
A partir do surgimento do Estado Constitucional e a elaboração das primeiras constituições ocorreu a consagração de direitos denominados fundamentais que devido a sua importância, foram classificados em dimensões que se somam ao longo da história da humanidade.
Impende destacar que, embora os direitos fundamentais tenham sido consagrados na modernidade, desde a Antiguidade se registram ideias que prenunciavam o conteúdo dos direitos posteriormente consagrados.
A modificação de valores é inerente a ideologia constitucional adotada, assim “se o Estado Liberal consagrou a ideia de liberdade e o Estado Social primou pela igualdade material, o Estado Constitucional teve como vetor a noção de solidariedade, como valor objetivo a ser perseguido pelo Estado e pelos particulares” (CUNHA, 2012, p. 351).
Neste prisma, os valores se modificam ao longo do tempo e ao mesmo tempo se somam, pois na atualidade os estados constitucionais protegem os valores ligados a liberdade, a igualdade e a solidariedade, bem como a tributação possui grande importância na proteção desses valores.
Inicialmente é importante diferenciar os Direito Humanos e os Direitos Fundamentais, o primeiro refere-se a documentos internacionais que conferem posições jurídicas pela simples condição de ser humano, sem qualquer vinculação com uma ordem constitucional; por outro lado direitos fundamentais é o termo utilizado para designar os direitos humanos que foram positivados pela Carta Magna de determinado Estado (SARLET, 2012, p. 18).
Dessa forma, os Direitos Humanos são garantias internacionalizadas, por outro lado os fundamentais materializam-se com a consagração interna daqueles no ordenamento jurídico pátrio.
A inserção dos direitos fundamentais no ordem jurídica interna se faz por intermédio de sua constitucionalização que se traduz na forma contemporânea de tentar eternizar um valor considerado imperecível, destacando-se que isto não significa sua imutabilidade e sim um maior rigor legislativo para alterá-los, conferindo maior segurança jurídica (SANCHES, 2010, p. 29).
Como anteriormente destacado os direitos fundamentais são assim consagrados a partir do surgimento do Estado Constitucional e ao longo da história ocorreram algumas modificações e por isso, atualmente, os referidos direitos encontram-se organizados em dimensões que se somam ao longo do tempo.
Cumpre destacar que a tributação existe desde a antiguidade e ao longo da História é possível identificar várias revoltas que giram em torno da tributação, inclusive aquelas que ensejaram a criação do Estado Moderno, tem-se como exemplo a Revolução Gloriosa na Inglaterra, a Guerra da Independência dos Estados Unidos, a Revolução Francesa, no Brasil, a Conjuração Mineira.
A cada revolta foi-se acrescentando ao ordenamento jurídico limitações ao poder de tributar do Estado, tais limitações se mostravam como conquistas para os cidadãos, por isso, em virtude do caráter obrigacional do direito Tributário, tais conquistas são cristalizadas na Constituição Federal.
Neste diapasão a adoção do princípio da capacidade contributiva como ordenador da divisão da carga tributária teve como consequência a concretização dos conceitos de capacidade contributiva e justiça fiscal o que, por sua vez, acarretou na atribuição de poderes e competências para os tribunais consolidarem seus princípios (SANCHES, 2010, p. 30).
Dentro deste contexto a capacidade contributiva, como já visto no tópico anterior, imprime no ordenamento constitucional o dever das normas referentes a contribuições tributárias se adequarem a capacidade de pagamento do contribuinte, para isso se adequa, inclusive, a aplicação de alíquotas progressivas.
Pode-se dizer, então, que a adoção do princípio da capacidade contributiva pelo constituinte foi de grande valia para o contribuinte, mas além disso mostrou-se necessário, a partir disso, impor limites ao poder de tributar do Estado.
Um dos limites impostos pelo constituinte encontra-se no artigo 150, IV, da Constituição Federal, quando veda a utilização de tributos com efeito de confisco, cristalizando no texto constitucional o denominado princípio do não confisco, objeto deste estudo.
Entende-se que a vedação de confisco se trata de uma imunidade tributária que recai sobre a parcela mínima necessária à sobrevivência da propriedade, asseverando que como não se tem limites quantitativos previamente fixados a definição concreta de confisco deve se dar pela razoabilidade (AMARO, 2014, p. 151)
Resta evidente, portanto, que a Constituição Federal veda a utilização da tributação com a finalidade de extinguir a propriedade, porém tal vedação abrange, também, o mínimo vital, ou seja o valor suficiente para se garantir a subsistência do contribuinte.
No tocante aos aspectos apresentados acima não há o que se discutir, o problema exsurge no que diz respeito ao valor que seria suficiente para não caracterizar o confisco, tendo em vista que o legislador não apresentou sequer critérios que possam determinar esse limite.
Em que pese as discussões doutrinárias, entende-se que o conceito também se aplica quando a tributação absorve parte considerável do valor do bem, diminuindo o patrimônio do contribuinte.
4. A CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E A VEDAÇÃO AO CONFISCO COMO DIREITOS FUNDAMENTAIS
Como já visto, a adoção do princípio da capacidade contributiva veda ao legislador a possibilidade de instituir tributos que ultrapassem a possibilidade de pagamento do contribuinte, por isso tem como aliado a progressividade de alíquotas na tentativa de melhor se adequar a vida dos contribuintes.
Impende destacar que a capacidade contributiva possui alguns aspectos aliados como a proporcionalidade, seletividade, progressividade e personalização.
A personalização traduz-se na adequação do tributo as condições pessoais do contribuinte; a seletividade, por sua vez, determina que a tributação que recai sobre o bem deve ser inversamente proporcional à essencialidade do bem; já a proporcionalidade determina que a alíquota a ser aplicada deve ser diretamente proporcional à riqueza apresentada e, por fim, a progressividade que apresentará o aumento da alíquota sempre que houver um aumento da riqueza (AMARO, 2014, p. 147).
Dessa forma pode-se dizer que a personalização adequa o imposto pessoal às condições do cidadão, enquanto a seletividade protege os bens considerados de necessidade básica, a proporcionalidade se preocupa em cobrar mais de quem tem mais condições e a progressividade permite a adoção de alíquotas diferentes que incidem em determinados limites de valores previamente estabelecidos.
De outra banda o princípio da vedação ao confisco, proíbe o Estado de criar ou até mesmo de se utilizar dos tributos com a finalidade de tomar ou de desvalorizar demasiadamente o patrimônio dos cidadãos.
Neste diapasão, pode-se dizer que a adoção do não-confisco tem a finalidade de proteger a capacidade contributiva, pois a partir do momento que o Estado atinge o patrimônio ao ponto de confisca-lo está excedendo a capacidade de pagamento do contribuinte.
Outro aspecto importante centra-se no fato de que ambos os princípios são classificados como limites impostos ao poder de tributar do Estado, pois se mostram como verdadeiros entraves à liberdade de tributação.
Importante ressaltar que nos domínios puramente políticos da justiça fiscal as questões que se levantam devem ser resolvidas pelo legislativo o que ocasiona a adoção de uma postura defensiva pelo poder judicante. Por isso, sua função principal situa-se na definição dos limites do poder tributário, tendo em vista que sem poderes efetivos as administrações não podem aplicar a lei fiscal e, por outro lado, com poderes excessivos o contribuinte se encontrará em extrema desvantagem (SANCHES, 2010, p. 31).
Resta cristalino, portanto, a importância dos limites impostos ao poder de tributar e, por outro lado, ascende a questão acerca do conceito do que se consideraria confisco ou quais os critérios para caracterizá-lo, tendo em vista a omissão do legislador a esse respeito.
As referidas limitações se mostram necessárias em virtude da proteção ao mínimo vital que no Brasil é visualizado nas regras aplicadas ao imposto de renda; se comparado a outros países como a Itália, que se refere ao mínimo vital, e a Espanha, que fala em mínimo existencial; mas que deve valer para os demais tributos, principalmente nos gêneros de primeira necessidade ou, ainda, na isenção de tributação sobre a propriedade considerando as características capazes de identificar os cidadãos que não possuem condições de contribuir (GRUPENMACHER, 2006, p. 113).
Percebe-se, então, a linha tênue existente ao analisar-se onde começa a capacidade contributiva e onde se inicia o não confisco, porém uma coisa é certa é necessária a adoção de critérios que respeitem o mínimo existencial tanto para se medir a capacidade de pagamento quanto para se chegar ao limite existente entre esta capacidade e o não confisco.
É certo que em alguns casos o confisco é de fácil visualização, como por exemplo se o Estado estabelecesse um tributo que retirasse do contribuinte todo o seu salário mensal ou que o fizesse perder sua casa, porém existem casos em que se mostra difícil estabelecer esse limite, tendo em vista que o referido princípio não é objeto de cálculos matemáticos.
Pode-se dizer, então, que o princípio da vedação ao confisco é um critério que baliza o legislador e que se dirige ao intérprete e aplicador da lei que terá condições de ponderar, a partir do critério da razoabilidade, os seus limites a partir da análise do caso concreto (AMARO, 2014, p. 151).
Em virtude da característica de proteção dos direitos e garantias fundamentais inerentes aos Estados consolidados por uma Carta Magna, bem como pela característica de proteção aos direitos do cidadão, as limitações impostas ao poder de tributar, e dentre elas, o respeito a capacidade contributiva e a proibição do confisco mostram-se como direitos fundamentais do cidadão.
Por serem direitos fundamentais e estarem ligados a valores, como por exemplo, a dignidade da pessoa humana e o mínimo vital encontram-se constitucionalmente consagrados e devem ser observados e protegidos por todos que de alguma forma operam o direito.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O poder de tributar é perceptível ao longo da história da humanidade ou pelo menos desde que se tem registros de civilizações organizadas e essa questão foi o motivo de muitas revoltas, inclusive aquelas que acarretaram no surgimento do Estado.
O Estado moderno surge com o ideal de apresentar uma Carta Magna que protege e garante os direitos do cidadão e o pano de fundo tributário encontrado em revoltas, dentre outras, na Revolução Gloriosa, que aconteceu na Inglaterra, e na Revolução Francesa, demonstraram a necessidade de imposição de limites ao poder de tributar do Estado.
Inicialmente, envolvido nos ideais do liberalismo o Estado assumiu um papel abstencionista, dessa forma a preocupação com a tributação limitava-se a manutenção de seus serviços essenciais, dentre eles a defesa nacional.
Ao passo que ele assume uma postura intervencionista, em virtude da ideologia social, mostra-se necessário o aumento da arrecadação para que se tenha condições de manter além dos serviços essenciais as prestações assistenciais.
Neste prisma, tem-se de um lado um Estado que presta mais serviços, necessitando arrecadar mais e de outro as limitações ao poder de tributar cristalizadas constitucionalmente que se traduzem em direitos fundamentais.
Dessa forma, o princípio da capacidade contributiva e a vedação ao confisco se mostram como importantes fatores de proteção do contribuinte.
O princípio da capacidade contributiva se traduz no dever do Estado de instituir tributos compatíveis com a possibilidade de pagamento das pessoas, utilizando-se de fatores como a progressividade, a seletividade, a proporcionalidade e a personalização.
Neste passo a vedação ao confisco impõe ao Estado a obrigação de não instituir ou se utilizar da tributação para tomar ou enfraquecer o patrimônio privado, porém como o legislador não estabeleceu critérios ou limites que possibilitem precisar o que seria, concretamente, considerado confisco fazendo com que o operador e aplicador do direito utilize-se do critério subjetivo da razoabilidade.
Como se vê, da análise dos conceitos nesta pesquisa expostos percebe-se a estreita ligação entre os dois princípios, pois ambos fazem parte das limitações impostas ao poder de tributar do Estado que se preocupam com a preservação do patrimônio do contribuinte, pois se o Estado extrapola os limites da capacidade de pagamento estará confiscando o patrimônio do contribuinte e vice versa.
Após todas as considerações realizadas é possível dizer, em conclusão, que os princípios da capacidade contributiva e da vedação ao confisco possuem a mesma função, qual seja a imposição de limites ao poder de tributar do Estado que se consubstanciam em verdadeiros direitos fundamentais com a função de garantir ao contribuinte a preservação de seu patrimônio.
REFERÊNCIAS
ADAMS, Charles. For good and evil: the impact of taxes on the course of civilization. Lanham: Madison Books, 2001, p. 5-24.
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008.
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
ÁVILA, Humberto. Princípios e regras e a segurança jurídica. Revista de direito do Estado. Ano 1, nº 1. Rio de Janeiro: Renovar, p. 189-206, 2006.
COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva. 3ª ed. atual. rev. amp. São Paulo: Malheiros editores, 2003.
CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
________. O processo civil no Estado Constitucional e os fundamentos do projeto do novo código de processo civil brasileiro. Revista de Processo. São Paulo: RT, v. 209, 2012.
GRUPENMACHER, Betina Treiger. Justiça fiscal e mínimo existencial. In: PIRES, Adilson
Rodrigues; TORRES, Heleno Taveira (Org.). Princípios de direito financeiro e tributário: Estudos em homenagem ao professor Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
MONTESQUIEU, Charles Secondat Barão de. O espírito das Leis. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
SANCHES, J. L. Saldanha. Justiça Fiscal. Com a colaboração de João Taborda da Gama. Lisboa: Ensaios da Fundação, 2010.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11ª ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012.
SMITH, Adam. A riqueza das nações: Investigação sobre sua natureza e suas causas. Volume III. Tradução de Luiz João Baraúna. 3ªed. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
TIPKE, Klauss. YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e princípio da capacidade contributiva. São Paulo: Malheiros Editores, 2002.
[1] Bacharela em Direito (FACOL). Especialista em Direito Constitucional Aplicado (COMPLEXO DE ENSINO DAMÁSIO DE JESUS). Advogada. Professora da UNIFACOL.
Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela UNINABUCO. Advogada. Professora na UNIFACOL.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Lysllem Hellem de Oliveira Pessoa de Sá. Princípio da capacidade contributiva e a vedação ao confisco à luz dos direitos fundamentais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 fev 2020, 19:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/54252/princpio-da-capacidade-contributiva-e-a-vedao-ao-confisco-luz-dos-direitos-fundamentais. Acesso em: 23 abr 2024.
Por: Heitor José Fidelis Almeida de Souza
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
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