MARIA DO SOCORRO RODRIGUES COELHO [1]
(orientadora)
RESUMO: O presente estudo, tem como intuito analisar de que modo a Teoria da argumentação jurídica contribui para assegurar decisões racionais envolvendo a garantia de direitos fundamentais de pessoas com deficiência, ou seja, constitui meio facilitador para o pleno funcionamento da justiça em relação à defesa dos direitos e da igualdade e, consequentemente, da inclusão. Objetiva-se discutir os critérios que tornam uma decisão racional, replicável e adequada socialmente. Examina-se, ainda, os tipos de interpretação relevantes para o entendimento da Argumentação Jurídica relacionada ao direito à inclusão e à igualdade de pessoas deficientes e, ainda, se as estratégias argumentativas utilizadas em acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo são favoráveis ao direito das pessoas com deficiência. A metodologia adotada é a pesquisa bibliográfica e abordagem indutiva e consulta direta a: livros específicos, bibliotecas, teses, dissertações, jurisprudências, doutrinas e artigos científicos pela internet. Dessa forma, verifica-se que a argumentação jurídica é uma grande ferramenta do Direito atual e tem a importante função de relacionar a lei com o contexto social, a norma com os princípios, e por meio dos argumentos, defender as garantias e os direitos fundamentais não só das pessoas com deficiência, mas também de toda a população.
Palavras-chaves: Argumentação jurídica, Portadores de deficiência, Decisão judicial, Educação inclusiva.
Sumário: 1. Introdução – 2. Argumentação jurídica como instrumento da justiça: 2.1 As origens da teoria da argumentação; 2.2 Tipos de argumentação; 2.3 Finalidade da argumentação. 3. Desafios da inclusão escolar: 3.1 Conceitos fundamentais; 3.2 Argumentação e inclusão. 4. Decisões judiciais: 4.1 Critérios para a avaliação da argumentação nas decisões judiciais; 4.2 Jurisprudência. 5. Conclusão. 6. Referências
1 INTRODUÇÃO
O presente estudo é voltado para a análise do processo de argumentação jurídica de um acordão favorável a uma maior inclusão de pessoas com deficiência, feita pelo Tribunal de Justiça de São Paulo; Apelação 1016037-91.2014.8.26.0100; Relator (a): Maria Lúcia Pizzotti; Órgão Julgador: 30ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 20ª Vara Cível; Data do Julgamento: 08/11/2017; Data de Registro: 20/11/2017.
Dessa forma, é possível delimitar a temática em como a argumentação jurídica utilizada durante um processo judicial é de grande relevância para que haja uma relação da lei com o contexto em que a população vive de fato, no caso em questão, das pessoas portadoras de deficiência.
Assim sendo, tem-se como problema de pesquisa: de que modo a Teoria da Argumentação Jurídica contribui para assegurar decisões racionais envolvendo a garantia de direitos fundamentais a pessoas com deficiência?
A metodologia adotada é a pesquisa bibliográfica narrativa e abordagem indutiva, com consulta direta a: livros específicos, teses, doutrina, jurisprudência, e artigos científicos na internet.
É importante ressaltar, que o presente estudo contribui de forma significativa para a esfera jurídica, pois aborda pontos essenciais para compreensão e identificação de como a Argumentação Jurídica favorece o pleno funcionamento da justiça. Quanto a sua relevância social, o referido estudo busca destacar a importância da argumentação jurídica durante um processo de decisão judicial e sua indispensável função de interligar as normas com os princípios. Já para a área acadêmica, sua relevância se dá, com o estímulo aos debates e pesquisas sobre a problemática e o ramo da Argumentação jurídica, para que acadêmicos e futuros profissionais contribuam nas correções de falhas na justiça, e para o aperfeiçoamento da legislação em relação à inclusão de portadores de deficiência.
Para alcançar as considerações finais do estudo é importante pontuar que vindo do entendimento que a Argumentação Jurídica tem a função de relacionar a norma com um determinado cenário social, respeitando os princípios e defendendo as garantias e direitos fundamentais da população, torna nítida a necessidade da mesma durante uma decisão judicial.
Importa lembrar por fim que o objetivo do presente estudo é analisar estratégias argumentativas utilizadas em acordão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, favoráveis ao direito das pessoas com deficiência.
2 ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA COMO INSTRUMENTO DA JUSTIÇA
Direitos são ideias fundamentais de valores como liberdade, justiça e segurança, ou seja, são direitos inerentes à humanidade, estipulados pela Constituição Federal de 1988. Essas garantias fundamentais estão se tornando cada vez mais relevantes, especialmente no contexto da defesa da dignidade humana. No entanto, eles podem colidir uns com os outros. Portanto, existem importantes doutrinas e debates jurisprudenciais sobre o equilíbrio dos direitos fundamentais e seu poder no sistema jurídico.
Quando se trata de direitos e garantias fundamentais, é necessário entender que existe uma diferença entre direitos e garantias. Os direitos são opcionais e, legalmente, eles podem ser usados por pessoas físicas ou jurídicas. Porém é inquestionável o teor de seguridade, pois é uma ferramenta para que todas as pessoas possam garantir o gozo dos seus direitos. No âmbito de direitos e proteção, é importante enfatizar que as características presentes no artigo 5º da Constituição Federal, indicam que não é possível desistir de Direitos e garantias, embora possam ser dispensados em certas circunstâncias (CHAGAS, 2014, p. 69-71).
Nesse sentido, vale a pena examinar o conteúdo do artigo 5º da Constituição Federal e seus incisos VIII e XXI:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinções de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade, nos termos seguintes: [...]
VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta a recuar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
XXI – as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, tem legitimidade para representar seus filiados judiciais ou extrajudicialmente (CF, 1988).
O princípio da igualdade é a ideia de que toda pessoa é igual e merecedora, acima de tudo, de oportunidades, dignidade social e respeito. A igualdade significa que todo indivíduo tem cidadania, ou seja, os mesmos direitos e obrigações, sendo essa talvez a ideia mais importante na história da sociedade, e que hoje se faz ainda mais importante devido ao contexto de uma sociedade complexa e desigual. “Eu sou igual a todos vocês. Eu tenho direitos iguais aos seus. Nós os garantimos na Constituição, mas nós não os adotamos. Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades” (NERY JUNIOR, 1999, p. 42). A premissa do princípio da igualdade é que pessoas em diferentes situações recebem tratamento desigual.
O legislador visou e almejou esse ideal de igualdade dentro da justiça, mas muitas vezes acaba falhando em assimilar tudo aquilo que é visto como uma cidadania real, sendo necessário entender como a sociedade realmente vive, com toda sua diversidade. Um país que não compreende essa diversidade ou tenta proibí-la, nunca irá almejar uma justiça coerente e igualitária.
2.1 As origens da teoria da argumentação
Durante muito tempo, o critério para definir o que é justo no Direito era estabelecido pela moralidade e pela religião, e sua principal característica era atribuir a certos órgãos a competência para legislar, julgar e administrar. Não havia tanta necessidade de fundamentação das sentenças, a lei não era muito elaborada e as decisões eram de conhecimento de poucos, então os argumentos jurídicos não eram muito específicos.
Para o presente estudo é imprescindível citar dois importantes nomes a respeito da Argumentação Jurídica, suas teorias, pesquisas e estudos no geral. O primeiro é Chaïm Perelman, filósofo do Direito que viveu, estudou e ensinou durante grande parte de sua vida na Bélgica. Tendo como base de seus estudos, o método hipotético-dedutivo que se divide em cinco tópicos, iniciando assim uma explanação introdutória sobre argumentação jurídica e posteriormente abordando sobre a Nova Retórica.
Na prática jurídica, o argumento é uma tarefa básica, os argumentos são parte da prática jurídica e todo bom jurista deve ter a capacidade de construir argumentos e apoiá-los. O argumento incorpora o conteúdo da retórica e é a arte da eloquência e do discurso. Argumento fornece uma série de razões para apoiar a conclusão, e retórica é a arte de falar bem, persuadir e persuadir. Perelman compara, “a estrutura do discurso argumentativo se assemelha à de um tecido: a solidez deste é muito superior à de cada fio que constitui a trama. Uma consequência disso é a impossibilidade de separar radicalmente cada um dos elementos que compõe a argumentação” (PERELMAN, 2005, p. 22).
Perelman acredita que o aplicador da lei não pode apenas se limitar ao sentido literal da norma, ele deve tratar os fatos como uma situação que o juiz pode avaliar. O argumento é essencial para o direito, porque por meio dele podemos construir argumentos lógicos e convincentes para fundamentar uma decisão. Nas teorias apresentadas acima, vemos que no direito prevalecem a lógica da argumentação e a argumentação retórica, não tem como encontrar uma verdade universal, como ocorre na matemática.
Perelman ainda preceitua que:
O objetivo de toda argumentação, como dissemos, é provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que se apresentam a seu assentimento: uma argumentação eficaz é a que consegue aumentar essa intensidade de adesão, de forma que se desencadeie nos ouvintes a ação pretendida (ação positiva ou abstenção) ou, pelo menos, crie neles uma disposição para a ação, que se manifestará no momento oportuno. (PERELMAN, 2005, p.50).
O principal tema da obra perelmaniana é a concepção de auditório, ou seja, o orador busca influenciar um público-alvo, e quanto maior for a aceitação desse público, melhor terá sido a argumentação feita pelo orador. Através da visão de Perelman sobre a argumentação, criou-se um maior acesso para a prática interpretativa, com isso, foi possível satisfazer as solicitações de uma sociedade hermética, que está em constante transformação e evolução. Atienza analisa a visão de Perelman da seguinte forma:
A força de um argumento dependeria de diversos fatores, como a intensidade da aceitação por um auditório, a relevância do argumento para os propósitos do orador e do auditório, a possibilidade de ele ser refutado (quer dizer, até que ponto o auditório aceita certas crenças que permitiriam refutar o argumento) e as reações de um auditório considerado hierarquicamente superior (um argumento é mais forte que outro se um auditório crê que esse argumento teria mais força para um auditório que ele considera hierarquicamente superior) (ATIENZA, 2000, p. 112 - 113).
Perelman também acredita que “O raciocínio judiciário tem de ser matizado segundo os auditórios aos quais se dirige, segundo a matéria tratada, segundo o ramo do direito” (PERELAMN, 2005, p. 216), sendo fundamental levar em consideração as peculiaridades de cada auditório na hora de argumentar.
Um outro teórico da teoria da argumentação que merece ser estudado é Robert Alexy. Alexy se propõe a formular um fundamento teórico-discursivo de direitos, um discurso prático, tendo como ponto de partida a análise, seguido de uma adoção das regras de expressão. O autor reconhece a ideia de que a aplicação das leis fica apenas atrelada à lógica, a um mesmo sistema, ainda mais por ter a existência de alguns pontos contundentes em relação ao assunto, como por exemplo: a falta de precisão da linguagem do direito, a possibilidade de haver conflito entre normas, a existência de casos que não tenham uma jurisprudência existente, assim como, a possibilidade de que, em alguns casos especiais, as decisões irão contra a própria lei.
Alexy também acredita que a possibilidade de justificar a tomada de decisão no sistema de valores e objetivos não é suficiente, pois o próprio sistema axiológico-teleológico não permite uma única decisão sobre o peso e o equilíbrio dos princípios jurídicos em um caso particular.
Para o autor supracitado, a finalidade principal de sua obra se baseia na fundamentação racional de um determinado julgamento, e tendo como base esse contexto ele diz:
(…) a jurisprudência não passa sem o julgamento de valor, não significa que não existam casos, em que não haja nenhuma dúvida sobre como se deve decidir, seja com base nas normas válidas pressupostas, seja com referência à proposição da dogmática ou os precedentes. (...) Às vezes se sugere na literatura que os julgamentos de valor exigidos para se tomar decisões jurídicas devem ser entendidos como avaliações morais. (ALEXY, 2001, p.21).
Por fim, importa lembrar, que a tese adotada por Alexy é a que defende a integração entre os argumentos jurídicos e os argumentos considerados práticos de uma forma geral. Ou seja, um é complemento do outro, a lei em si, apenas ligada à lógica nem sempre é suficiente para trazer coerência à uma decisão judicial, assim como, também não se deve justificar uma sentença baseada apenas nos valores.
2.2 Tipos de argumentação
Levando-se em consideração o fato de que a lei não deve ficar sempre atrelada à lógica, surge o questionamento de como esses julgamentos podem ser justificados, como se solucionar o problema por meio dos tipos de interpretação. Em vários casos, a lei por si só não é garantia de persuadir os magistrados, e outras fontes tornam-se inevitáveis na fundamentação da tese. Buscando-se persuadir o público, são utilizados diversos tipos de argumentos. Assim, é de suma importância citar os diferentes tipos de argumento, sendo eles, o argumento pró-tese, de autoridade, de oposição, de analogia, de causa e efeito, de senso comum, o ad hominem, a fortiori e por absurdo, rol não taxativo.
O Introito nos remete à introdução, porém não é de fato um tipo argumentativo, mas sim, um parágrafo que tem a função de iniciar o texto do argumento. Essa introdução não é apenas uma formalidade, pois a sua intenção é trazer uma maior aceitação dos argumentos que virão a seguir. O uso do introito não é obrigatório, mas traz uma visão ampla do que será abordado, podendo ser positivo, quando a pauta defendida não for de muito conhecimento por parte do público e do júri em questão, ou seja, o introito irá dar uma maior atenção, uma nova abordagem a um assunto já presente e difundido no ordenamento jurídico.
A pró-tese, busca persuadir seu público de que sua tese é justa, coerente e adequada. Portanto, não é cabível afirmar que apenas um argumento irá embasar um outro argumento. Um argumento plausível tem que ter um embasamento seguro, racional e principalmente, coerente, levando em consideração o fato, a razão, ou seja, é um argumento que expõe uma explicação razoável, uma questão específica e um bom raciocínio argumentativo.
Argumento de autoridade, como a própria nomenclatura implica, é um prestígio que invoca o comportamento ou julgamento de um determinado indivíduo ou grupo, do qual a reivindicação deriva sua relevância. A primeira observação sobre esse argumento é que, por muito tempo, ele foi atacado sob a alegação de que nenhuma opinião autorizada é infalível, e, portanto, essa estratégia permite o uso forçado da opinião sem garantias objetivas de sua adequação. Note-se que, por enquanto, essa preocupação não existe mais, pois a própria natureza do argumento pressupõe um grau de subjetividade na aceitação dos valores que o público deve compartilhar. Sim, é importante identificar as pessoas ou grupos de onde vem o discurso autoritário.
O argumento de oposição, diz respeito ao fato de que todo argumentador forense enfrenta o contraditório. Assim, ao se argumentar, o ordenador do direito busca sempre defender seu ponto de vista, fixando seus valores e enriquecendo seus argumentos, ao mesmo tempo que busca enfraquecer o adversário, e tornar o argumento contrário incompatível com a razoabilidade, disponibilizando uma nova forma de comprovar os fatos.
A analogia é quando há uma ligação, uma relação de semelhança entre coisas diferentes. O argumentador recorre a analogia, para comparar diferentes situações, nas quais o público já possui um conhecimento, ou seja, para que um conteúdo específico exposto a um determinado auditório seja sustentado por haver uma identificação. O legislador, no artigo 4° da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, define como legal o uso de analogia como instrumento do Direito, o dispositivo legal prevê, que “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.
O Argumento de causa e efeito pressupõe que toda causa irá resultar em algum tipo de efeito, assim como um fato só irá realmente ser causa, se desse fato se originarem efeitos e consequências. A causa e consequência são dependentes uma da outra, elas estão associadas, interligadas, muitas vezes dependendo das razões que deram originaram a um fato, é aceitável que o Direito dê mais importância à causa do que ao fato.
O argumento de senso comum vem ganhando força ao mesmo tempo que a mídia ganha um papel cada vez mais relevante na sociedade atual, os meios de comunicação determinam quais pautas possuem uma relevância significativa, pois eles fazem com que seu público fiel foque a atenção para um determinado acontecimento ou assunto. Quando o conteúdo exposto envolve provas contidas num processo judicial, a mídia além de trazer a informação até a grande massa da população, ela gera um julgamento paralelo que tem um grande peso em uma decisão final.
Cavalieri expõe no livro Lições de Argumentação Jurídica a respeito do argumento ad hominem e a fortiori:
O argumento ad hominem, de forma diametralmente oposta, consiste no ataque a uma pessoa cujas ideias, argumentos ou depoimentos pretende desqualificar. Ao invés de se enfrentar o argumento do adversário, ataca-se a pessoa do adversário.” Já o “argumento a fortiori - com mais razão - é aquele que estabelece uma relação entre dois eventos, de maneira a orientar a conduta de um baseada no parâmetro estabelecido pelo outro.” (CAVALIERI, 2013, p.130, 132)
Já o argumento por absurdo é aquele que além de demonstrar que o argumentador está correto, também demonstra que a parte contrária está errada. Para isso, é preciso que não apenas se argumente uma suposta tese verdadeira, mas também comprove, explique de modo claro e coerente que a parte oposta expões resultados incoerentes, inadmissíveis e por consequência, absurdos.
Porém, todos esses modelos e meios de interpretações ainda são contestáveis, bem como a existência ou não de hierarquia entre eles. Segundo Alexy:
(...) uma regra de como interpretar cada norma de modo a que se cumpra seu objetivo’ só pode levar a resultados incompatíveis entre si, quando cada um dos dois intérpretes têm um ponto de vista diferente sobre o objetivo da norma em questão. (ALEXY, 2001, p. 18).
Os diferentes tipos de interpretação possuem seu devido valor, mas apenas eles não são vistos pela doutrina como suficientes para justificarem os julgamentos jurídicos.
2.3 Finalidade da argumentação
A argumentação é imprescindível tanto para o pleno conhecimento jurídico quanto para todos os operadores do Direito. O Direito sem a argumentação jurídica fica paralisado e limitado apenas à letra da lei, pois é através dos argumentos que nasce todo um raciocínio jurídico. Da mesma forma, os discursos devem ter características próprias, com uma linguagem adequada para todos os públicos. Por exemplo, os advogados devem usar uma linguagem educada, às vezes informais com clientes em potencial, para conquistar sua confiança, pois a sociedade em si não tem a obrigação de conhecer a fundo o vocabulário jurídico. Além disso, o argumento deve ser claro, direto, conciso e não contraditório.
A argumentação se forma na tese, em um argumento principal no qual se busca provar sua veracidade e convicção. Diante do que expõe Perelman (2004, p. 170-180), os argumentos podem se complementar, mas também podem lutar entre si. Poucas pessoas se opõem às razões para apoiar a tese e não podem argumentar pelas razões opostas. A validade de um argumento, ou seja, sua influência minimamente importante sobre o público, depende não só da eficácia do argumento isolado, mas também da integridade do discurso, e da interação entre os argumentos durante o processo.
Nesse sentido, também é valido ressaltar a importância de fazer com que aquele público, aquele auditório presente em um determinado julgamento, precisa ser convencido a tomar uma decisão, precisa ser influenciado, e muitas vezes para que essa decisão seja justa e coerente, os envolvidos necessitam se sentir envolvidos na realidade que está sendo exposta naquele julgamento e com isso seguir por um caminho coeso até a decisão final.
3.DESAFIOS DA INCLUSÃO ESCOLAR
3.1 Conceitos fundamentais
A educação é um princípio fundamental a todos, principalmente às crianças. A inclusão é imprescindível a todo cidadão e pode ser aderida de diversas maneiras e em diferentes áreas da sociedade, na sociedade de hoje é de suma importância a presença de uma educação inclusiva. Há muitas dificuldades em conciliar educação e inclusão.
As dificuldades no acesso à educação inclusiva são muitas. A Lei Brasileira de Inclusão, no capítulo IV irá expor que “o acesso à Educação teve avanços importantes, como a proibição da cobrança pelas escolas de valores adicionais pela implementação de recursos de acessibilidade”.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), art. 54, III, traz que: “É dever do estado assegurar a criança e ao adolescente […] atendimento educacional especializado aos portadores de necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino”.
A criação da Lei de Diretrizes e Bases nº 9.394/1996, também trouxe diversas contribuições e uma significativa melhora nas políticas de inclusão de pessoas portadoras de deficiência.
Uma escola inclusiva é aquela que abrange a todos sem distinção, garantindo uma educação de qualidade e igualitária, ou seja, matriculando em uma escola regular todos os que demonstrarem o interesse, e que devem de fato ter acesso aos seus direitos. Essa atitude abre espaço para todas as crianças, incluindo, aquelas que apresentam necessidades especiais.
Separar cidadãos, alunos e principalmente crianças apenas pelas suas diferenças, pré-julgando sua capacidade, acaba segregando e tornando menor a chance de socialização e aprendizado. A inserção das pessoas portadoras de deficiência na educação básica resulta em um processo de “dessegregação”, pois a junção e a inclusão devem ser tratadas como pauta paralelas ao ensino. O principal e maior desafio é garantir o acesso, a permanência e acima de tudo o aprendizado desses alunos que possuem necessidades específicas tanto no sentido psíquico, como o físico e o sensorial.
Como já foi citado, a segregação é algo presente nesse universo, e isso é uma realidade ao longo de muitos anos. As pessoas com deficiências na maioria das vezes eram subestimadas, excluídas, ignoradas, e até abandonas por quem deveria acolhê-las. Posteriormente, começou a ser reconhecido que essas pessoas, embora tivessem algumas limitações, possuíam diversas capacidades, entre elas a de aprender. Contudo, a visão de que essa parcela da sociedade necessitava de uma determinada tutela, e um olhar diferenciado se prolongou, o tratamento que antes era o de rejeição, agora se torna uma proteção, muitas das vezes exageradas ou até desnecessárias.
Com o passar dos anos, a visão foi finalmente se atualizando e modernizando, o reconhecimento do direito inerente a essas pessoas e ao valor humano foi se concretizando. Com a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994) são finalmente consagrados diversos princípios referentes às necessidades de inclusão da educação especial para pessoas portadores de algum tipo de deficiência.
A partir desse contexto, é vista a necessidade de se ampliar o conceito do que seria essa “educação especial”, começando pela análise do que significa de fato a palavra especial dentro desse tema, redirecionando os entendimentos para uma via na qual se desvencilha do déficit e se solidifica como uma forma de diversidade, inclusão e conhecimento. Com isso, os alunos especiais, pelo menos teoricamente, devem ter os mesmos direitos dos outros alunos, vivenciando as mesmas experiencias e compartilhando dos mesmos ensinamentos escolares.
Para Rego (1995, p. 118), “a escola deve ser um espaço para transformações, as diferenças, os erros, as contradições, a colaboração mútua e a criatividade.” Ou seja, precisamos cada vez mais de espaços de escuta, inclusão e de escolas que formam para a vida bons cidadãos, todos eles, sem discriminação.
3.2 Argumentação e inclusão
Acessibilidade é o direito de garantir que as pessoas com deficiência vivam com independência e exerçam os seus direitos de cidadania e de participação social, é atributo fundamental para o bem-estar e garantia de melhoria da qualidade de vida das pessoas. A inclusão social traz oportunidades iguais, interação entre pessoas com e sem deficiência e contribui para o uso total dos recursos sociais.
Os artigos 27 ao 30 da Lei n. 13.146, buscam assegurar que esse acesso seja respeitado:
Art. 27. A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem.
Parágrafo único. É dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação.
Art. 28. Incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar:
I – Sistema educacional inclusivo em todos os níveis e modalidades, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida;
II – Aprimoramento dos sistemas educacionais, visando a garantir condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem, por meio da oferta de serviços e de recursos de acessibilidade que eliminem as barreiras e promovam a inclusão plena;
É importante ressaltar que quando se fala em acessibilidade, não se trata apenas do ir e vir de pessoas com algum tipo de deficiência, mas sim, se um todo, o acesso é amplo e direcionado para todas as áreas da vida. De acordo com o Censo Escolar de 2020, o Brasil tem 1,3 milhão de crianças e jovens com deficiência na educação básica, e a maioria estuda junto com crianças que não possuem nenhum tipo de deficiência, isso se chama inclusão. “As pessoas com necessidades educacionais especiais devem ter acesso às escolas comuns; e as escolas comuns devem representar um meio mais eficaz para combater as atitudes discriminatórias, criar comunidades acolhedoras, construir uma sociedade integradora e alcançar a educação para todos.” (REVISTA DA EDUCAÇÃO ESPECIAL, 2005, p.9)
Porém ainda há muito o que ser feito, muitas crianças ainda sofrem preconceito e descriminalização. Em pleno ano de 2021, surgem notícias de parlamentares e até mesmo Ministros que insistem em defender que a educação para portadores de deficiência deve ser “especial” e separada. A escola não deve ter o papel de segregar, mas sim, de incluir.
4.DECISÕES JUDICIAIS
4.1 Critérios para a avaliação da argumentação nas decisões judiciais
Um importante fator para uma decisão judicial por meio de avaliações dos argumentos judiciais com características de legitimidade, remete à obrigação dos juízes decidirem com base em suas próprias decisões, e até mesmo de fundamentar de forma justa e coerente para serem persuasivos.
Um bom argumento judicial embasado por um raciocínio lógico, consiste em um argumento que possui uma estrutura com justificativas satisfatórias e válidas. Podendo ser dedutivo ou não, é importante ter como premissa, razões de forte relevância e necessariamente confiáveis, de modo que possa convencer o público de que se enquadra a certas condições ideais como a informação adequada, razão e imparcialidade. Nessa perspectiva, Atienza adverte que ao se buscar a plenitude do argumento em si, e não apenas o resultado, a discussão racional e o respeito às regras dos envolvidos se soma à motivação do autor.
Há dois critérios argumentativos que embasam o direito das pessoas com deficiência sob a perspectiva da argumentação jurídica e sua influência nas decisões judiciais. São eles: o critério da coerência e da moral social. O critério da coerência, segundo Atienza, é uma norma que possui coerência ao ser constituída de acordo com os princípios e valores presentes no ordenamento. É por isso que os argumentos legislativos desempenham uma função mais normativa, demarcando o que é necessário, já os argumentos de coerência facilitam o raciocínio judicial. Dentre esses argumentos, ressalta-se que uma norma com conteúdo específico, ao buscar uma estratégia específica de defesa ou acusação, já se tem minimamente traçado o resultado que produzirá. Seja qual for o caminho a ser seguido e argumentado, a coerência entres esses argumentos, a norma e o contexto exposto são fundamentais.
Atienza também considera a moralidade social um critério para avaliar os argumentos judiciais. Os operadores do Direito acreditam que os apelos aos valores e conceitos presentes em uma sociedade, ou seja, a moralidade social presente naquela população, muitas vezes são representadas pelas ações de cada um e são explicitamente incorporados às normas jurídicas. A moralidade é como um determinado meio social demonstra sua cultura, tradições e costumes e consequentemente, é como esse mesmo grupo de indivíduos julga ser o certo e o errado. O juiz deve decidir se segue ou não através de sua argumentação, ou se leva em consideração o padrão marcado pela moralidade da sociedade, baseado na opinião majoritária do povo, ao invés da opinião que considera preferível como indivíduo.
4.2 Jurisprudência
A respeito do contexto exposto e da decisão judicial tratada nesse artigo, podemos constatar que as atuais decisões judiciais no Brasil são em sua maioria favoráveis ao direito e garantias fundamentais conquistados por todas as pessoas com deficiência.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência, lei nº 13.146, assegura que esses direitos devem ser respeitados, porém como também foi citado, ainda há uma grande discussão a respeito do assunto e diariamente lemos notícias de discriminação aos envolvidos. O que nos retorna ao tópico do quão é importante a argumentação jurídica em casos que é indispensável uma análise social e intrínseca da realidade vivida e das verdadeiras necessidades desse público em questão.
Ter a argumentação jurídica como um importante instrumento em decisões favoráveis a pessoas portadoras de deficiência na luta por seus direitos garantidos, fortalece ainda mais a Lei da Deficiência, pois impede que outros tribunais questionem a constitucionalidade de seu conteúdo educacional. A razão se baseia no direito à igualdade como fundamento de uma sociedade democrática e na necessidade de fomentar a diversidade.
A Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino questionou a constitucionalidade do Estatuto da Pessoa com Deficiência, porém após um ano do julgamento final do contencioso do STF, o julgamento culminou na declaração de constitucionalidade da lei, como pode ser comprovado por meio do processo judicial abaixo, relativo à inclusão de pessoas com deficiência em instituições de ensino.
APELAÇÃO – AÇÃO INDENIZATÓRIA – RECUSA NA MATRÍCULA DE CRIANÇA COM NECESSIDADES ESPECIAS – NÚMERO MÁXIMO DE ALUNOS POR SALA – DANOS MORAIS VERIFICADOS – O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/15) estabelece que a matrícula de pessoas com deficiência é obrigatória pelas escolas particulares e não limita o número de alunos nessas condições por sala de aula; – As provas dos autos denotam que havia vaga na turma de interesse da autora, mas não para uma criança especial, pois já teriam atingido o número máximo de 2 alunos por turma; – Em que pese a discricionariedade administrativa que a escola tem para pautar os seus trabalhos, a recusa em matricular a criança especial na sua turma não pode se pautar por um critério que não está previsto legalmente. A Constituição Federal e as leis de proteção à pessoa com deficiência são claras no sentido de inclusão para garantir o direito básico de todos, a educação; – Não há na lei em vigor qualquer limitação do número de crianças com deficiência por sala de aula, a Escola ré sequer comprovou nos autos que na turma de interesse da autora havia outras duas crianças com deficiência – e também o grau e tipo de deficiência – já matriculadas, – Dano moral configurado – R$20.000,00. RECURSO PROVIDO
(TJSP; Apelação 1016037-91.2014.8.26.0100; Relator (a): Maria Lúcia Pizzotti; Órgão Julgador: 30ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 20ª Vara Cível; Data do Julgamento: 08/11/2017; Data de Registro: 20/11/2017)
Esse tipo de decisão é de suma importância, pois quanto mais decisões que priorizam o Direito à educação de pessoas com deficiência no Brasil forem surgindo, mais ampla será a argumentação em torno do assunto, e consequentemente teremos uma maior efetivação da justiça.
5.CONCLUSÃO
Como apontado e discutido por todo o estudo, a argumentação jurídica é uma grande ferramenta do Direito atual, ela tem a capacidade de externar aquilo que está na lei e mostrar a relação com o caso concreto, ou seja, ela tem como base, a qualificação das regras de modo que as distingue e as relaciona com os princípios, trazendo uma análise mais clara do caso concreto.
Outra função evidente da argumentação jurídica é a busca pela justiça a favor do povo, princípios e garantias que cercam e protegem uma sociedade devem sempre ser respeitados. No Brasil, atualmente são muitas as normas criadas para assegurar os direitos das minorias que antes eram tão prejudicadas e segregadas, o preconceito e a discriminação ainda existem, por isso, durante um processo judicial é de suma importância a argumentação que relacione a lei com o contexto do que a população vive de fato.
A partir do que foi abordado pode se concluir, que o Direito não pode ser estudado apenas como um produto pronto e acabado, mas como um processo no qual se analisa a melhor forma de se chegar à decisão judicial. Essa análise é fundamental no processo de decisão e precisa ser originado por uma visão racional vinda de várias ideias que a integram, para com isso, oferecer respostas ao operador do Direito.
Ainda com base na problemática discutida, o acesso à saúde, ao trabalho, lazer segurança e principalmente à educação são alguns dos direitos fundamentais inerentes à proteção da dignidade da pessoa humana. Pessoas com deficiência, são exemplos claros da falha do Estado em fornecer e assegurar esses direitos, são inúmeros os casos de discriminação. A inclusão é o que todos devemos buscar, a Lei de Inclusão garante que as pessoas com deficiência tenham direitos próprios justamente para que haja mais igualdade diante da sociedade e que possam ficar no mesmo nível de convívio, garantia à uma educação de qualidade, locomoção e inclusão profissional.
Outra conclusão constatada, é o entendimento de que a argumentação jurídica tem a importante função de relacionar a lei com o contexto social, a norma com os princípios, e por meio dos argumentos, defender as garantias e os direitos fundamentais de toda a população. A problemática das pessoas com deficiência no Brasil mostra que interligar a lei do estatuto, com situações que essas pessoas passam diariamente é essencial durante um processo.
Portanto, conclui-se que, negar o acesso de alguém à educação, ou tentar segregar e diferenciar o tipo de educação só por causa de uma deficiência, infringe claramente a lei de inclusão, mas somente por meio de uma boa argumentação, baseada e fundamentada na norma jurídica, é que se pode chegar a uma decisão coerente e justa.
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[1] Professor(a) Doutor(a) do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho. Advogada. E-mail:[email protected].
Bacharelanda em Direito pelo Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA. Estágio realizado na vice -presidência do Tribunal de Justiça do Estado de Piauí. Conduzir estudos e pesquisas para a conclusão de um artigo na área de interpretação legal focada no direito à inclusão de pessoas com deficiência da perspectiva da teoria da argumentação. Curso de Inglês – Centro de Cultura (Colégio das Irmãs) Certificado do curso Office Package and Systems.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RODRIGUES, Marina da Paz. O direito à educação das pessoas com deficiência sob a perspectiva da teoria da argumentação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 jun 2022, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/58577/o-direito-educao-das-pessoas-com-deficincia-sob-a-perspectiva-da-teoria-da-argumentao. Acesso em: 04 dez 2024.
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