RESUMO: Crítica ao Fisco Municipal que insiste em manter a cobrança de taxas vinculadas à propriedade imobiliária e ao carnê do IPTU declaradas inconstitucionais pelo Supremo por meio da Repercussão Geral, o que prejudica e onera ilegalmente os contribuintes mais vulneráveis. A pesquisa foi realizada em doutrinas jurídicas da área e precedentes do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
1.INTRODUÇÃO.
O presente trabalho objetiva criticar a postura de alguns Municípios que estão mantendo a cobrança de taxas vinculadas no carnê do IPTU e que violam temas decididos pelo Supremo há anos pela sistemática da Repercussão.
Tal crítica é necessária porque a prática, além de inconstitucional, prejudica os contribuintes menos abastados, donos de um único imóvel popular, que pagam as taxas e não possuem recursos para identificar a abusividade e leva-la ao Poder Judiciário.
2.DA REPERCUSSÃO GERAL E DO CONCEITO DE TAXA.
O Supremo Tribunal Federal por inúmeras vezes decidiu por meio da sistemática da Repercussão Geral a respeito da inconstitucionalidade de algumas taxas de serviços cobradas no carnê do IPTU, que é pago pelos proprietários ou ocupantes dos imóveis urbanos espalhados pelo Brasil.
As decisões do Supremo proferidas pela sistemática da Repercussão Geral devem ser seguidas por todos os magistrados, tratando-se de um importante instrumento para trazer segurança jurídica e pacificação social em matérias de grande impacto social, financeiro e processual (temas com várias ações protocoladas sobre o assunto), vejamos:
Em função do elevado número de ações tratando da mesma matéria cada vez mais as cortes superiores têm eleito leading cases sobre matérias tributárias, os quais são julgados sob o manto do Recurso Repetitivo ou da Repercussão Geral. Trata-se de medida salutar, pois uniformiza-se a jurisprudência, aumentando a segurança jurídica e a celeridade de novas demandas no mesmo sentido. (DALLEGRAVE, 2021, p. 141).
Antes de aprofundarmos, é relevante relembrarmos que as taxas de serviços devem ser cobradas somente sobre os serviços públicos específicos e divisíveis, não sendo constitucional a sua exigência nos de caráter geral (não específicos e não divisíveis), vejamos o que nos explica a doutrina tributária:
Os serviços públicos uti universi (inespecíficos e indivisíveis) não podem ser taxados nem dados em concessão porque sua prestação cria vantagens com custos insuscetíveis de quantificação para cada usuário. São serviços que favorecem difusa e indistintamente toda a coletividade. Não há como definir um valor justo para a cobrança. Sua remuneração por meio de taxa violaria o caráter contraprestacional dessa espécie de tributo. (MAZZA, 2017, p. 163).
Em relação aos conceitos de divisibilidade e especificidade, ressalta-se que as taxas devem ser cobradas quando se pode identificar e apurar o contribuinte que está utilizando o serviço, ou seja, individualiza-lo e destacá-lo dos demais. Sobre o tema, Hugo Brito Machado , leciona o seguinte:
A taxa é uma espécie de tributo vinculado a uma atividade estatal específica em relação ao contribuinte, ou seja, a um serviço público. O valor pago é a contraprestação do contribuinte ao Estado, pelo serviço que este lhe presta. A atuação estatal que constitui fato gerador da taxa há de ser relativa ao sujeito passivo desta, e não à coletividade em geral. Por isto mesmo o serviço público cuja prestação enseja a cobrança de taxa há de ser específico e divisível, posto que somente assim será possível verificar-se uma relação entre estes serviços e o obrigado ao pagamento da taxa.
Assim, pode-se assentar que as taxas são instituídas para financiar o serviço público e cobradas em razão da disponibilidade ou utilização das conveniências prestadas pela administração, levando-se em conta a divisibilidade e efetividade dos serviços prestados. (CARDOSO, 2020, p. 46).
Neste artigo vamos listar várias taxas não específicas e não divisíveis que já foram declaradas inconstitucionais pelo Supremo por meio de Repercussão Geral há anos e que em pleno ano de 2023/2024 estão sendo objeto de questionamento no Poder Judiciário, o que, com a devida vênia, entendo ser um abuso, principalmente para os contribuintes mais vulneráveis e com menos recurso financeiro.
Deve ser destacado, antes de apontar quais são essas taxas, que as cobranças ora expostas são pagas na sua maioria pelos cidadãos menos abastados, que só possuem um único imóvel e muitas vezes esse se enquadra nos conceitos de moradia popular.
Tais contribuintes, infelizmente, possuem recursos limitados e não têm fácil acesso a um advogado tributarista, sendo prejudicados demasiadamente pelo Fisco, pois o que ganham gastam com a subsistência e para não perderem o imóvel onde moram pagam tudo o que lhes é exigido sem questionar nas vias adequadas.
3.DAS TAXAS INCONSTITUCIONAIS COBRADAS NO CARNÊ DO IPTU E DAS AÇÕES DISTRIBUÍDAS ENTRE 2022 E 2023.
Feito o comentário acima, parte o presente artigo para a primeira taxa aqui questionada. O STF já decidiu no Tema 146 que a Taxa de Limpeza Pública, cujo fato gerador envolve a limpeza ou a conservação dos logradouros públicos, fere o art. 145, II da Constituição, pois trata-se de serviço público de caráter geral, ou seja, não específico e indivisível.
No mesmo sentido do Supremo, é assente na própria doutrina especializada em direito tributário que a taxa cobrada pela limpeza ou conservação dos logradouros públicos é de caráter geral, não sendo constitucional, para melhor fundamentar cito as palavras do professor Francisco Leite Duarte:
Dessa forma, se a limpeza é de logradouros públicos, o serviço seria indivisível e por essa razão a taxa assentada sobre tal serviço seria manifestamente inconstitucional. (DUARTE, 2019, p. 124).
No entanto, não raramente, compulsando a jurisprudência recente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, notamos que em 2023 a constitucionalidade da taxa ora estudada foi palco de discussão por meio ações judiciais protocoladas naquele mesmo ano e em 2022, assim demonstrando que temos Municípios exigindo um tributo declarado inconstitucional pelo STF há anos, o que é um absurdo, vejamos:
MUNICÍPIO DE JALES – CONTRIBUIÇÕES DE SANEAMENTO BÁSICO – INSTITUIÇÃO SOBRE SERVIÇOS RELACIONADOS À CONSERVAÇÃO E LIMPEZA DE LOGRADOUROS PÚBLICOS E À LIMPEZA URBANA EM GERAL – SERVIÇOS CONSIDERADOS GERAIS, UNIVERSAIS E INDIVISÍVEIS – IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA DE TAXA, A TEOR DO ART.145, II DA CF/88 – TAXA DO LIXO – SERVIÇO QUE ADMITE A COBRANÇA DE TAXA – BASE DE CÁLCULO PROGRESSIVA QUE VIOLA O PRINCÍPIO DA RETRIBUTIVIDADE – PRELIMINAR DE SOBRESTAMENTO DO FEITO QUE NÃO MERECE ACOLHIMENTO – RECURSO INOMINADO IMPROVIDO. (TJSP, RI n. 1003479-63.2023.8.26.0297, DJE: 03/10/2023 – processo distribuído em 11/04/2023).
Fazenda Pública. Ação Declaratória de inexistência de relação jurídico tributária. Taxas de conservação de vias e logradouros e taxa de limpeza pública. Inconstitucionalidade. Repetição do indébito. Possibilidade de comprovação dos pagamentos ao apresentar cálculos de liquidação. (…) (TJSP, RI n. 1008015-39.2022.8.26.0302; DJE: 30/06/2023 – processo distribuído em 25/08/2022).
Esse tipo de cobrança, respeitando opiniões em sentido contrário, prejudicam a população mais carente, pois são realizadas via carnê do IPTU, o contribuinte com menores recursos financeiros e dono de uma única casinha paga o tributo indevido temendo perder o seu lar e infelizmente não tem recursos para contratar advogados tributaristas para combater os abusos da municipalidade.
E a taxa de limpeza e/ou conservação dos logradouros públicos não é a única abusividade, temos igualmente a cobrança da taxa de expediente visando custear a emissão do carnê do IPTU, o que viola o Tema 721 do STF em Repercussão Geral.
Igualmente encontramos decisões dos anos de 2023 e 2022 para processos distribuídos nos mencionados anos declarando a taxa de expediente inconstitucional, cito do Tribunal de Justiça de São Paulo:
RECURSO INOMINADO. DIREITO TRIBUTÁRIO. MUNICÍPIO DE ADOLFO. Taxa de expediente e taxa de serviço de limpeza urbana, previstas na LCM n. 2/2001. É inconstitucional a instituição de taxa de expediente. Tema n. 721 de Repercussão Geral. É igualmente inconstitucional a instituição de taxa de serviço de limpeza urbana, por faltar-lhe os requisitos de especificidade e divisibilidade. Sentença de parcial procedência mantida. Recurso não provido. (TJSP, RI n. 1001716-97.2023.8.26.0306; DJe: 06/11/2023 – distribuído em 30/05/2023).
Taxa de Expediente e Limpeza Pública. Município de Adolfo. Cobrança Indevida diante da não correspondência do custo em relação à atividade exercida pelo Poder de Polícia. Manifesta ilegalidade constatada - Inobservância dos requisitos da especificidade e divisibilidade - Taxa de Expediente - Cobrança Indevida diante da ausência de contraprestação ao contribuinte Sentença mantida por seus próprios fundamentos Recurso desprovido." (TJSP; RI n. 1001262-20.2023.8.26.0306, DJE: 31/10/2023 – distribuído em 26/04/2023).
Recurso Inominado. Taxa de expediente e taxa de manutenção de acesso a imóvel urbano. Município de José Bonifácio/SP. Inconstitucionalidade. Emissão de carnês e documentos afins não configura prestação de serviço, mas sim instrumento de interesse da Administração para o recolhimento dos tributos - Tema 721 de repercussão geral. Manutenção de vias públicas, calçadas e meio-fio é serviço universal e indivisível que se assemelha à limpeza pública e é impassível de ser objeto de taxa – Tema 146 de repercussão geral. Precedentes deste E. TJSP. Sentença de procedência mantida. Recurso improvido. (TJSP, RI n. 1001668-75.2022.8.26.0306, DJE: 01/09/2022 – distribuído em 02/06/2022).
Novamente visualizamos Municípios cobrando taxas inconstitucionais dos proprietários de imóveis, tal ato onera demasiadamente a população mais carente, que paga a taxa de expediente inconstitucional temendo perder o seu maior bem e acaba não questionando judicialmente os valores pagos por algo que sequer serviço é (emissão de boleto).
Portanto, considerando o aqui estudado, causa espanto o fato de existir Municípios cobrando em momentos recentes taxas declaradas inconstitucionais há praticamente uma década, tal postura onera o cidadão de baixa renda e detentor de único imóvel, causando prejuízo no seu orçamento destinado à subsistência.
3.CONCLUSÃO.
Diante do exposto, considerando os julgados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo somados ao fato de os processos terem sidos protocolados em 2023 e 2022, temos que há Municípios cobrando taxas há anos declaradas inconstitucionais pelo Supremo.
Além do tributo violar a Constituição e o entendimento firmado pelo STF em Repercussão Geral, o fato da cobrança ser vinculada aos carnês de IPTU colocam os contribuintes em uma situação mais delicada, pois se não pagarem o tributo inconstitucional poderão ser executados e perder o imóvel conforme previsão na Lei 8.009/1990 (art. 3, IV).
Em tese, o cidadão vítima dessas arbitrariedades nos dias atuais somente se verá livre desse abuso por meio de ação judicial, caso não pague poderá sofrer execução fiscal e penhora, conforme já explicado.
Como sabemos a população mais abastada costuma ter advogados tributaristas e questionam o tributo com maior facilidade e acompanhamento técnico.
No entanto, quando olhamos para o cidadão vulnerável, esse geralmente não tem recursos para pagar um advogado tributarista, a informação sequer chega ao seu conhecimento e ele paga sem questionar o débito temendo perder o único imóvel.
Assim sendo, o presente trabalho defende que a manutenção dessas cobranças prejudica demasiadamente o contribuinte mais pobre, que sofrerá o maior impacto dessa tributação indevida, pois os seus recursos são limitados, muitos desconhecem o seu direito e outros sequer acesso a um advogado tributarista tem.
Por isso, os Municípios que insistem na cobrança devem cessá-las o quanto antes e aplicar de uma só vez o que já restou pacificado no Supremo, abandonando as cobranças inconstitucionais e que somente prejudicam os contribuintes mais pobres.
REFERÊNCIAS.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Recurso Inominado Cível 1001262-20.2023.8.26.0306, Relator (a): Eduarda Maria Romeiro Corrêa, Data do Julgamento: 31/10/2023, T6 - SEXTA TURMA RECURSAL DE FAZENDA PÚBLICA, Data de Publicação: 31/10/2023.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Recurso Inominado Cível 1001668-75.2022.8.26.0306; Relator (a): Marcos Vinicius Krause Bierhalz, Data do Julgamento: 01/09/2022, T4 – QUARTA TURMA CÍVEL, Data de Publicação: 01/09/2022.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Recurso Inominado Cível 1003479-63.2023.8.26.0297, Relator (a): Rodrigo Ferreira Rocha, Data do Julgamento: 03/10/2023, T3 – TERCEIRA TURMA CÍVEL E CRIMINAL; Data de Publicação: 03/10/2023.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Recurso Inominado Cível 1001716-97.2023.8.26.0306, Relator (a): Antonio Carlos de Figueiredo Negreiros, Data do Julgamento: 06/11/02023, T8 – OITAVA TURMA RECURSAL DE FAZENDA PÚBLICA, Data de Publicação: 06/11/2023.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Recurso Inominado Cível 1008015-39.2022.8.26.0302, Relator (a): Mauricio Martines Chiado, Data do Julgamento: 30/06/2023, T3 – TERCEIRA TURMA CÍVEL E CRIMINAL, Data de Publicação: 30/06/2023.
CARDOSO, Lorena Pinto. A inconstitucionalidade da cobrança da taxa de incêndio. Direito Izabela Hendrix, v. 25, n. 25, novembro de 2020.
DALLEGRAVE, Giovanni Sturmer. A regulamentação de Leading cases pelo fisco. Compêndio de Contabilidade e Direito Tributário, v. 2, Lumen Juris, 2021.
DUARTE, Francisco Leite. Direito Tributário Teoria e Prática. 3 Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Tributário. 3 Ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2017.
Advogado especializado em Direito Tributário e Imobiliário, com registro na OAB-SP nº 425.279. Possui MBA Executivo em Direito, Negócios e Operações Imobiliárias, especialização em Direito Imobiliário e Direito Processual Civil, que lhe proporciona uma visão ampla e estratégica para a resolução de problemas complexos e a liderança de equipes jurídicas de alta performance. Com experiência reconhecida no setor. Autor de diversas publicações em revistas jurídicas renomadas e responsável por casos de destaque na mídia, João Vitor Rossi está à frente de seu escritório, comprometido com a entrega de soluções inovadoras e eficazes para os seus clientes.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROSSI, Joao vitor. A Persistência Inconstitucional: Uma Análise Crítica sobre a Manutenção de Taxas Inconstitucionais no IPTU e seus Impactos nos Contribuintes Vulneráveis. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 fev 2024, 04:52. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /64566/a-persistncia-inconstitucional-uma-anlise-crtica-sobre-a-manuteno-de-taxas-inconstitucionais-no-iptu-e-seus-impactos-nos-contribuintes-vulnerveis. Acesso em: 29 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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