Introdução
A equidade de gênero, no contexto jurídico contemporâneo, é mais do que um ideal de justiça: ela reflete uma exigência normativa e ética que busca superar as desigualdades estruturais entre homens e mulheres, as quais são historicamente perpetuadas por meio de processos sociais, culturais e econômicos. No Brasil, essa questão assume especial relevância, visto que, apesar dos avanços na legislação e das políticas públicas voltadas para o tema, a desigualdade de gênero permanece enraizada nas estruturas institucionais e na vida cotidiana de milhões de brasileiras. O Direito Público, como ramo responsável pela regulação das relações entre o Estado e a sociedade, desempenha um papel fundamental na formulação e execução de estratégias para a promoção da igualdade de gênero.
As desigualdades de gênero no Brasil estão presentes em diferentes esferas: na política, no mercado de trabalho, na educação, na saúde e, de maneira ainda mais preocupante, no âmbito da violência doméstica e familiar. De acordo com o Atlas da Violência 2021, o Brasil possui uma das maiores taxas de feminicídio do mundo, refletindo a urgência de políticas públicas mais eficazes na proteção das mulheres. Além disso, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revela que as mulheres continuam ganhando, em média, 20,5% menos que os homens em trabalhos de igual valor, e estão sub-representadas nos espaços de poder, como nas assembleias legislativas e no Congresso Nacional, onde constituem apenas 15% dos parlamentares, muito aquém do ideal democrático.
Nesse sentido, este trabalho busca explorar de forma aprofundada a relação entre a equidade de gênero e o Direito Público no Brasil, analisando a função do Estado na criação e implementação de políticas que promovam a igualdade substancial entre os gêneros. A Constituição Federal de 1988 estabelece, em diversos dispositivos, a necessidade de eliminar a discriminação de gênero, e o Brasil também é signatário de importantes tratados internacionais, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), que impõe obrigações concretas aos Estados para garantir a igualdade de gênero.
Apesar das garantias legais, a realidade mostra que a implementação dessas normas e políticas enfrenta barreiras estruturais significativas, como a cultura patriarcal profundamente enraizada e a falta de efetividade nas ações estatais voltadas à proteção dos direitos das mulheres. O conceito de "equidade de gênero" envolve não apenas o tratamento igualitário formal perante a lei, mas também a adoção de medidas concretas que levem em conta as desigualdades históricas e culturais que afetam mulheres de maneira desproporcional. Para garantir a equidade substancial, é necessário um aparato estatal comprometido com ações afirmativas e políticas públicas que combatam essas disparidades.
Neste trabalho, serão discutidos os principais desafios enfrentados na promoção da equidade de gênero por meio das políticas públicas no Brasil. A análise será embasada em dados empíricos, com destaque para a atuação do Poder Executivo na formulação de programas específicos, como o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM), e a resposta do Poder Judiciário na aplicação de leis que visam garantir a proteção e os direitos das mulheres, como a Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006). Também será discutido o papel da sociedade civil, cuja pressão tem sido decisiva para a criação de mecanismos legais e institucionais de combate às desigualdades de gênero. Além disso, o estudo abordará as dificuldades enfrentadas pelas mulheres em diferentes setores, como o mercado de trabalho e a política, e as estratégias que podem ser adotadas para superar esses desafios.
A pesquisa será guiada pelos seguintes questionamentos: (1) Quais são os principais obstáculos estruturais que impedem a efetiva promoção da equidade de gênero no Brasil? (2) Como o Direito Público pode ser utilizado para enfrentar essas barreiras? (3) De que maneira as políticas públicas brasileiras têm sido eficazes na promoção da igualdade de gênero e quais os limites dessas políticas? Para responder a essas questões, será utilizado um enfoque interdisciplinar, combinando uma análise jurídica com insights sociológicos e econômicos, de modo a oferecer uma visão abrangente e crítica da situação atual.
A importância do tema é inegável, considerando que a equidade de gênero não é apenas uma questão de justiça social, mas também um indicador essencial para o desenvolvimento sustentável de uma sociedade. Como afirmou a socióloga Heleieth Saffioti, “a igualdade entre homens e mulheres é um dos termômetros para a medição do grau de civilização de um país”. A persistência de desigualdades estruturais entre homens e mulheres impede que o Brasil atinja um patamar mais elevado de desenvolvimento humano e democrático, pois essas desigualdades perpetuam não apenas injustiças sociais, mas também ineficiências econômicas e institucionais.
Dessa forma, este trabalho pretende contribuir para a compreensão das dinâmicas que cercam a equidade de gênero no Brasil e o papel do Estado na formulação de soluções jurídicas e políticas. A análise de dados empíricos, como estatísticas sobre desigualdade de gênero e casos jurisprudenciais, será complementada por uma reflexão crítica sobre a eficácia das políticas públicas existentes. Espera-se que, ao final deste estudo, seja possível identificar as principais falhas e potencialidades das políticas de gênero no Brasil e apontar caminhos para um futuro mais igualitário, em consonância com os princípios constitucionais e as obrigações internacionais do país.
1. A Equidade de Gênero no Direito Internacional e sua Influência no Direito Público Brasileiro
O conceito de equidade de gênero transcende a simples ideia de igualdade formal entre homens e mulheres, demandando ações substantivas que considerem as disparidades históricas e estruturais. No Direito Internacional, esse princípio é amplamente reconhecido e fundamentado por meio de diversas convenções e tratados, dos quais o Brasil é signatário. Essas normativas internacionais têm influenciado diretamente a formulação de políticas públicas e legislações voltadas para a promoção da equidade de gênero no Brasil, principalmente no campo do Direito Público. Esse processo de internacionalização dos direitos das mulheres é crucial para a compreensão de como as normativas globais se refletem no ordenamento jurídico interno e moldam a atuação do Estado brasileiro.
1.1 O Direito Internacional e a Proteção dos Direitos das Mulheres
A proteção dos direitos das mulheres no âmbito do Direito Internacional começou a ganhar relevância a partir da metade do século XX, com a criação de organismos multilaterais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), que passaram a promover e proteger os direitos humanos em uma escala global. Um marco nesse sentido foi a adoção da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), em 1979, que estabeleceu diretrizes amplas para a eliminação da discriminação de gênero em todos os campos da vida pública e privada. A CEDAW é frequentemente referida como uma "carta internacional dos direitos das mulheres", sendo um dos tratados mais importantes para a promoção da equidade de gênero.
O artigo 1º da CEDAW define discriminação contra a mulher como "qualquer distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo que tenha como objetivo ou efeito prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente do seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural, civil ou em qualquer outro campo" (CEDAW, 1979). Essa definição ampla cria um compromisso dos Estados signatários com a erradicação da discriminação de gênero, tanto nas esferas públicas quanto privadas.
Além da CEDAW, outros tratados internacionais e declarações fortaleceram a promoção da equidade de gênero. A Declaração de Beijing, adotada na Quarta Conferência Mundial sobre as Mulheres, em 1995, é um marco que reafirma o compromisso global com os direitos das mulheres, incluindo a participação plena e equitativa das mulheres em todas as esferas da sociedade, a eliminação da pobreza feminina e a erradicação da violência contra as mulheres. A Declaração de Beijing, juntamente com a Plataforma de Ação, estabeleceu um plano para os governos e instituições públicas implementarem políticas de igualdade de gênero.
Outro instrumento significativo é a Convenção de Belém do Pará (1994), que se concentra na prevenção, punição e erradicação da violência contra as mulheres nas Américas. A ratificação desta convenção pelo Brasil reforçou o compromisso do país em adotar medidas concretas para prevenir e punir a violência de gênero, especialmente no âmbito doméstico e familiar, questões que são de grande relevância no contexto brasileiro, onde altos índices de violência contra a mulher persistem.
1.2 A Influência das Normas Internacionais no Direito Público Brasileiro
A ratificação de tratados internacionais voltados para a promoção da equidade de gênero impactou diretamente a formulação de políticas públicas e a criação de leis no Brasil. A Constituição Federal de 1988, que pode ser vista como um marco de transformação democrática e de inclusão de direitos fundamentais no país, foi diretamente influenciada por esses compromissos internacionais. O texto constitucional adotou, em diversos artigos, a igualdade de gênero como um princípio fundamental, além de prever a adoção de políticas públicas para promover a equidade.
O artigo 5º, inciso I da Constituição de 1988 estabelece que "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição". Esse dispositivo garante a igualdade formal entre homens e mulheres, uma norma que reflete o compromisso do Brasil com o cumprimento dos tratados internacionais, especialmente a CEDAW. No entanto, a igualdade formal não é suficiente para garantir a verdadeira equidade de gênero, exigindo a adoção de medidas concretas que combatam as desigualdades históricas e estruturais.
Além do artigo 5º, o artigo 7º, inciso XX assegura medidas de proteção ao trabalho da mulher, demonstrando o reconhecimento da necessidade de políticas que levem em consideração as diferenças específicas de gênero no ambiente de trabalho. Essa proteção do mercado de trabalho feminino é uma das muitas áreas onde o Brasil, ao ratificar convenções internacionais como a CEDAW, comprometeu-se a adotar políticas afirmativas que promovam a equidade de gênero.
A jurisprudência também reflete a influência dos tratados internacionais de direitos humanos e de proteção às mulheres. A Emenda Constitucional nº 45 de 2004, que introduziu o conceito de "bloco de constitucionalidade", possibilitou que os tratados internacionais sobre direitos humanos ratificados pelo Brasil passassem a ter status supralegal. Isso significa que as normas da CEDAW, da Convenção de Belém do Pará e de outros tratados de direitos humanos podem ser aplicadas diretamente pelo Poder Judiciário, fortalecendo ainda mais os direitos das mulheres no Brasil.
1.3 Políticas Públicas e o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM)
No Brasil, a implementação de políticas públicas que promovem a equidade de gênero foi intensificada a partir da década de 2000, especialmente com a criação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) e o lançamento do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM). O PNPM, criado em 2004, é resultado direto das pressões internacionais e da adoção de compromissos firmados em convenções como a CEDAW e a Declaração de Beijing. O plano reflete a necessidade de criar políticas públicas coordenadas que enfrentem os múltiplos aspectos da desigualdade de gênero.
O PNPM é um instrumento abrangente que envolve diferentes áreas de atuação, como saúde, educação, trabalho, e combate à violência contra a mulher. A sua criação visou institucionalizar as políticas de igualdade de gênero no Brasil e garantir que o Estado, em suas várias esferas, estivesse comprometido com a promoção da equidade. O plano baseia-se em quatro eixos fundamentais: (i) autonomia econômica e igualdade no mundo do trabalho; (ii) educação inclusiva e livre de discriminação de gênero; (iii) saúde integral das mulheres; e (iv) o enfrentamento à violência de gênero.
Um dos maiores avanços proporcionados pelo PNPM foi a criação de mecanismos específicos para lidar com a violência de gênero, como a implementação das Casas da Mulher Brasileira e dos Centros de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência. Esses espaços são fundamentais para a acolhida e o atendimento de mulheres vítimas de violência, oferecendo serviços jurídicos, psicológicos e sociais, e exemplificam a tentativa de institucionalizar os compromissos internacionais firmados pelo Brasil no combate à violência de gênero.
No entanto, apesar do avanço representado pela criação do PNPM e de outras políticas públicas voltadas para a equidade de gênero, o Brasil ainda enfrenta sérios desafios em termos de implementação efetiva dessas políticas. A falta de financiamento adequado e a insuficiência de mecanismos de monitoramento e avaliação são alguns dos principais obstáculos à plena eficácia das políticas de gênero no Brasil. Além disso, há uma disparidade significativa na implementação dessas políticas entre os diferentes estados e municípios, o que revela a necessidade de uma maior coordenação entre os diferentes níveis de governo.
1.4 Desafios à Implementação das Normas Internacionais no Brasil
Embora o Brasil tenha ratificado importantes tratados internacionais e incorporado muitos de seus princípios na legislação nacional, a plena implementação dessas normas enfrenta uma série de desafios. Um dos principais obstáculos é a persistência de uma cultura patriarcal que, muitas vezes, se traduz em resistências políticas e institucionais à promoção da equidade de gênero. Essa resistência pode ser vista na dificuldade de aprovar e aplicar leis que protejam os direitos das mulheres, bem como na lentidão do sistema judiciário em lidar com questões de gênero. A cultura patriarcal enraizada na sociedade brasileira se reflete tanto nas estruturas formais de poder quanto nas práticas cotidianas, perpetuando desigualdades e impedindo o avanço substancial das políticas públicas voltadas para a equidade de gênero. Esse cenário revela um descompasso entre os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil e a sua efetiva aplicação em nível nacional.
1.4.1 A Persistência da Cultura Patriarcal e os Estereótipos de Gênero
A implementação de políticas públicas e normas legais voltadas para a equidade de gênero no Brasil esbarra frequentemente em barreiras culturais. A cultura patriarcal, profundamente enraizada na sociedade brasileira, legitima e perpetua uma divisão de papéis de gênero que subordina as mulheres, restringindo suas oportunidades e consolidando práticas discriminatórias. De acordo com a socióloga Heleieth Saffioti, a cultura patriarcal "não só define a divisão sexual do trabalho, mas também estabelece hierarquias entre os sexos, com a desvalorização de tudo que é associado ao feminino" (SAFFIOTI, 2004).
Esses estereótipos de gênero impactam diretamente a forma como as políticas públicas são implementadas e percebidas. Muitas vezes, as ações afirmativas voltadas para mulheres são vistas com desconfiança ou até mesmo resistência por parte de setores da sociedade, que mantêm uma visão tradicional sobre o papel da mulher. Essa resistência pode ser observada, por exemplo, na sub-representação feminina em cargos de liderança e na política, onde a presença das mulheres ainda é vista como uma ameaça à estrutura de poder predominantemente masculina.
A naturalização das desigualdades de gênero na cultura brasileira também contribui para a ineficácia de algumas políticas públicas. Estudos revelam que, apesar da existência de leis como a Lei Maria da Penha e políticas de combate à violência de gênero, a subnotificação de casos de violência doméstica ainda é alta, em grande parte devido à relutância das vítimas em denunciar os agressores, em razão do estigma social e da falta de apoio estrutural adequado. De acordo com o Atlas da Violência 2021, em média, uma mulher é vítima de feminicídio a cada sete horas no Brasil, indicando que a violência de gênero continua sendo um problema grave e de difícil solução no país.
1.4.2 A Sub-representação Feminina nos Espaços de Poder
Outro desafio à plena implementação das normas internacionais e políticas públicas voltadas para a equidade de gênero no Brasil é a sub-representação feminina nos espaços de poder, particularmente na política. A Lei nº 9.504/1997, que regulamenta as eleições, estabelece uma cota mínima de 30% para candidaturas de mulheres em todos os partidos políticos. Embora essa lei tenha sido um avanço importante, sua aplicação prática enfrenta dificuldades.
Em muitos casos, as cotas de candidaturas para mulheres são preenchidas de maneira simbólica, sem a real intenção de eleger essas candidatas. O fenômeno das "candidaturas laranjas", em que mulheres são inscritas apenas para cumprir o percentual mínimo exigido, mas não recebem apoio efetivo dos partidos, é um exemplo claro dessa distorção. Em 2020, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) investigou vários casos de fraude envolvendo candidaturas femininas fictícias, o que revela a resistência de setores políticos à participação efetiva das mulheres na política.
A sub-representação feminina também é visível em cargos de liderança no setor público e privado. Segundo dados do IBGE de 2019, as mulheres ocupam apenas cerca de 37,4% dos cargos de liderança e gestão no Brasil, e a discrepância é ainda maior quando se analisa a participação feminina em altos cargos políticos. No Congresso Nacional, a participação das mulheres é de apenas 15%, o que é extremamente baixo se comparado a outros países da América Latina, como Argentina e Bolívia, onde a representação feminina é significativamente maior.
Essa falta de representatividade afeta a formulação de políticas públicas. A ausência de mulheres nos espaços de poder significa que as questões de gênero muitas vezes não recebem a devida atenção no processo de tomada de decisões. Políticas públicas voltadas para as necessidades específicas das mulheres, como saúde reprodutiva, igualdade no mercado de trabalho e combate à violência, tendem a ser marginalizadas ou tratadas de forma inadequada, o que contribui para a perpetuação das desigualdades de gênero.
1.4.3 A Efetividade do Sistema Judiciário na Proteção dos Direitos das Mulheres
O Poder Judiciário tem um papel central na implementação das normas internacionais de direitos humanos e na proteção dos direitos das mulheres no Brasil. No entanto, a efetividade do sistema judiciário brasileiro em garantir esses direitos é muitas vezes comprometida por uma série de fatores, incluindo a lentidão dos processos, a falta de sensibilidade de alguns operadores do Direito em relação às questões de gênero, e a escassez de recursos para a aplicação de leis como a Lei Maria da Penha.
A jurisprudência brasileira em matéria de direitos das mulheres tem se expandido nos últimos anos, especialmente no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF). O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4424, por exemplo, foi um marco na proteção dos direitos das mulheres, ao declarar a constitucionalidade da aplicação da Lei Maria da Penha em casos de violência doméstica, mesmo sem a denúncia formal da vítima. Essa decisão reforçou o entendimento de que a violência doméstica não é uma questão meramente privada, mas um problema de interesse público, que exige uma intervenção estatal robusta para proteger a vida e a dignidade das mulheres.
Contudo, a aplicação dessas decisões nem sempre é uniforme em todo o território nacional. A desigualdade regional no Brasil impacta diretamente a efetividade das políticas públicas e da atuação do sistema judiciário. Em regiões mais pobres ou com menor infraestrutura estatal, como o Norte e o Nordeste, a proteção dos direitos das mulheres é ainda mais precária, com a falta de delegacias especializadas e de abrigos para vítimas de violência. Essa disparidade reforça a necessidade de uma ação coordenada entre os diferentes níveis de governo para garantir que os direitos das mulheres sejam protegidos em todas as partes do país.
1.4.4 A Iniciativa Legislativa e o Papel do Poder Executivo
A promoção da equidade de gênero no Brasil também depende fortemente da atuação do Poder Executivo, que é responsável pela formulação e implementação de políticas públicas em várias áreas. Programas como o Bolsa Família, que agora foi substituído pelo Auxílio Brasil, mostraram-se instrumentos importantes para a inclusão social e econômica das mulheres, especialmente nas regiões mais pobres do país. A maioria dos beneficiários desses programas são mulheres, o que revela a importância de políticas públicas que levem em consideração as necessidades específicas das mulheres em situação de vulnerabilidade social.
No entanto, a implementação dessas políticas enfrenta desafios financeiros e políticos. O desmonte de estruturas voltadas para a promoção da igualdade de gênero, como o enfraquecimento da Secretaria de Políticas para as Mulheres, durante o governo de Michel Temer, e o impacto de cortes orçamentários em programas sociais durante a pandemia de COVID-19, são exemplos de como o contexto político pode enfraquecer os avanços na equidade de gênero. A falta de continuidade nas políticas públicas e a mudança de prioridades políticas entre diferentes governos afeta diretamente a capacidade do Estado de implementar os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil em relação à promoção da igualdade de gênero.
1.5. Conclusão do Capítulo
A influência das normas internacionais no ordenamento jurídico brasileiro foi fundamental para a inclusão do princípio da equidade de gênero no Direito Público. Contudo, o Brasil enfrenta uma série de desafios para a efetiva implementação dessas normas, desde a resistência cultural patriarcal até a falta de representatividade política das mulheres e as falhas na atuação do sistema judiciário. Embora as políticas públicas voltadas para a equidade de gênero tenham avançado nas últimas décadas, ainda há uma lacuna significativa entre a legislação formal e sua aplicação prática.
O Brasil precisa fortalecer seus mecanismos institucionais e políticos para garantir que os direitos das mulheres, consagrados tanto na Constituição quanto em tratados internacionais, sejam efetivamente protegidos e promovidos. Isso exige um compromisso constante do Estado, não apenas com a formulação de leis e políticas públicas, mas com a implementação de ações afirmativas que enfrentem de maneira concreta as desigualdades de gênero.
Além disso, é essencial que o debate sobre a equidade de gênero continue a ser ampliado em todos os níveis da sociedade, promovendo uma mudança cultural que, a longo prazo, possa contribuir para a superação das estruturas patriarcais que ainda permeiam o Brasil. O fortalecimento da educação inclusiva, o incentivo à participação política das mulheres e a garantia de recursos adequados para a implementação de políticas públicas são passos essenciais para alcançar uma sociedade verdadeiramente justa e igualitária.
2. Políticas Públicas para a Equidade de Gênero no Brasil: Avanços, Desafios e Limites
A implementação de políticas públicas para a promoção da equidade de gênero no Brasil reflete um processo contínuo e complexo, permeado por avanços legislativos e institucionais, mas também por desafios significativos. As políticas de gênero visam não apenas corrigir as disparidades existentes entre homens e mulheres, mas também criar condições que garantam a igualdade substancial entre os gêneros, conforme estabelecido pela Constituição Federal de 1988 e pelos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW). Apesar das conquistas formais, as desigualdades de gênero continuam a se manifestar de maneira estrutural na sociedade brasileira, o que evidencia a necessidade de uma análise crítica e aprofundada das políticas públicas voltadas à equidade de gênero, seus impactos e limitações.
2.1 O Conceito de Políticas Públicas e sua Aplicação à Questão de Gênero
No âmbito das ciências sociais e do direito, o conceito de política pública pode ser definido como o conjunto de ações, diretrizes e intervenções do Estado que visam responder a determinadas demandas sociais, regulando comportamentos e promovendo a justiça social. Segundo o cientista político Thomas Dye, "política pública é tudo o que o governo decide fazer ou deixar de fazer" (DYE, 2008). Aplicando essa definição à questão de gênero, as políticas públicas voltadas para a promoção da equidade de gênero são todas aquelas iniciativas que buscam reduzir ou eliminar as desigualdades entre homens e mulheres, promovendo oportunidades iguais no âmbito econômico, social, político e jurídico.
No Brasil, as políticas de gênero assumiram especial relevância nas últimas décadas, impulsionadas tanto pela pressão dos movimentos feministas quanto pelas obrigações internacionais firmadas em convenções como a CEDAW. A partir da promulgação da Constituição de 1988, o Estado brasileiro passou a incorporar uma série de compromissos com a promoção dos direitos das mulheres, refletidos na criação de programas e ações afirmativas, na formulação de leis voltadas à proteção das mulheres, e na criação de instituições dedicadas à promoção da equidade de gênero, como a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), criada em 2003, e os diversos órgãos de igualdade racial e de direitos humanos.
A formulação de políticas públicas de gênero no Brasil, no entanto, enfrenta um contexto político e social que frequentemente oscila entre avanços e retrocessos. A execução dessas políticas depende da articulação entre diferentes níveis de governo (federal, estadual e municipal), da alocação de recursos financeiros e da continuidade dos projetos em diferentes administrações. Portanto, o impacto real das políticas públicas de gênero está sujeito a uma série de fatores, que incluem não apenas a legislação e os compromissos internacionais, mas também o contexto político e econômico do país.
2.2 O Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM) e a Institucionalização das Políticas de Gênero
Um marco fundamental na institucionalização das políticas públicas voltadas à promoção da equidade de gênero no Brasil foi a criação do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM), implementado pela primeira vez em 2004. O PNPM é o resultado de uma articulação entre o governo federal e movimentos feministas e de direitos humanos, com o objetivo de consolidar e coordenar ações intersetoriais que promovam a igualdade de gênero em diferentes áreas, como saúde, educação, trabalho e combate à violência.
O plano foi elaborado em um momento de grande mobilização social, fruto das conquistas dos movimentos feministas ao longo das décadas de 1980 e 1990. Ele reflete, em grande parte, as demandas desses movimentos por uma maior proteção dos direitos das mulheres, conforme destaca a socióloga Céli Pinto: "O PNPM surge como uma resposta institucional às pressões feministas e à necessidade de organizar de maneira mais coordenada as ações do governo em torno da questão de gênero" (PINTO, 2003).
O PNPM possui quatro grandes eixos de atuação:
Autonomia econômica e igualdade no mercado de trabalho: Visa à criação de políticas que garantam a participação plena das mulheres no mercado de trabalho, com igualdade salarial, acesso a cargos de liderança e proteção contra a discriminação no ambiente de trabalho.
Educação inclusiva e não sexista: O plano propõe a incorporação da perspectiva de gênero nos currículos escolares, além de promover campanhas de conscientização sobre a igualdade de gênero e a não discriminação nas escolas e universidades.
Saúde integral da mulher: Este eixo foca na promoção da saúde da mulher de maneira abrangente, garantindo o acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva, incluindo o planejamento familiar e o combate à mortalidade materna.
Enfrentamento à violência de gênero: O plano enfatiza a necessidade de políticas de prevenção e combate à violência contra as mulheres, fortalecendo a rede de atendimento e a criação de mecanismos de proteção, como as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) e as Casas da Mulher Brasileira.
O PNPM foi revisado e atualizado em várias ocasiões, com a última versão abrangendo o período de 2013 a 2015. No entanto, sua implementação enfrentou desafios consideráveis, incluindo a falta de continuidade nas políticas de gênero entre diferentes administrações, a limitação de recursos financeiros e a ausência de uma rede sólida de monitoramento e avaliação das ações. A descontinuidade de políticas, especialmente em momentos de crises econômicas ou mudanças de governo, impacta diretamente a eficácia dessas iniciativas.
2.3 Políticas de Combate à Violência de Gênero: A Lei Maria da Penha e Outras Iniciativas
A violência contra as mulheres continua sendo uma das manifestações mais graves da desigualdade de gênero no Brasil. O Atlas da Violência 2021, divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), revela que o país ainda apresenta índices alarmantes de violência contra a mulher, com mais de 1.300 feminicídios registrados anualmente. Para enfrentar essa questão, uma das iniciativas mais relevantes foi a promulgação da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006), considerada uma das legislações mais avançadas do mundo no combate à violência doméstica e familiar.
A Lei Maria da Penha estabelece medidas rigorosas para prevenir, punir e erradicar a violência doméstica e familiar contra a mulher, incluindo a criação de mecanismos legais para proteger as vítimas, como medidas protetivas de urgência, que proíbem os agressores de se aproximarem das vítimas, e a criação de juizados especializados em violência doméstica. De acordo com o artigo 2º da Lei, "toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhes asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social" (BRASIL, 2006).
A promulgação da Lei Maria da Penha foi um avanço significativo no reconhecimento de que a violência de gênero é uma violação dos direitos humanos, mas sua implementação enfrenta obstáculos consideráveis. A falta de infraestrutura adequada, a escassez de recursos para a capacitação de profissionais da segurança pública e do judiciário, e a ausência de uma rede abrangente de apoio às vítimas são fatores que comprometem a efetividade da lei. Embora existam Casas da Mulher Brasileira em algumas capitais do país, esses centros de atendimento ainda são insuficientes para atender à demanda de mulheres vítimas de violência.
Além da Lei Maria da Penha, o Brasil também adotou outras políticas voltadas para o enfrentamento da violência de gênero, como a tipificação do feminicídio (Lei n. 13.104/2015), que introduziu no Código Penal o agravante de pena para homicídios motivados por discriminação de gênero. No entanto, o número de feminicídios permanece elevado, o que indica a necessidade de ações mais eficazes no campo da prevenção e proteção.
2.4 Políticas de Inclusão no Mercado de Trabalho: Desafios e Limitações
A participação das mulheres no mercado de trabalho é uma das áreas onde as desigualdades de gênero se manifestam de maneira mais visível. Embora a taxa de participação feminina no mercado de trabalho tenha aumentado nas últimas décadas, as mulheres continuam enfrentando dificuldades significativas para alcançar a equidade com os homens. Entre os principais desafios estão a desigualdade salarial, a segregação ocupacional e a falta de acesso a cargos de liderança.
De acordo com dados do IBGE de 2021, as mulheres ganham, em média, 77,7% do salário dos homens, mesmo quando ocupam funções similares e possuem o mesmo nível de qualificação. Essa disparidade salarial reflete a persistência de uma divisão sexual do trabalho que associa as mulheres a profissões tradicionalmente menos valorizadas e remuneradas, como o trabalho doméstico e o setor de serviços. Além disso, as mulheres representam apenas 37,4% dos cargos de liderança no Brasil, o que demonstra a sub-representação feminina em posições de poder e decisão no ambiente corporativo.
As políticas públicas voltadas para a inclusão das mulheres no mercado de trabalho têm focado, principalmente, na criação de incentivos para a contratação de mulheres, na promoção da equidade salarial e na oferta de qualificação profissional. Um exemplo é o programa Pronatec Mulher, que oferece cursos de capacitação profissional para mulheres em situação de vulnerabilidade, visando sua inserção no mercado de trabalho formal.
No entanto, essas políticas enfrentam desafios estruturais, como a sobrecarga das mulheres com o trabalho doméstico não remunerado, que limita sua disponibilidade para o trabalho formal. Estudos indicam que as mulheres brasileiras dedicam cerca de 21 horas semanais ao trabalho doméstico, em comparação com 11 horas dos homens. Essa dupla jornada de trabalho afeta diretamente a inserção das mulheres no mercado formal e a possibilidade de ascensão a cargos de liderança.
2.5 Desafios à Implementação das Políticas Públicas de Gênero
Apesar dos avanços institucionais e legislativos, a implementação das políticas públicas voltadas para a equidade de gênero no Brasil enfrenta desafios consideráveis. Entre os principais obstáculos estão:
Falta de continuidade nas políticas públicas: As mudanças de governo, especialmente em momentos de crises econômicas ou de transição política, frequentemente resultam em descontinuidade nas políticas de gênero. Programas como o PNPM e outras iniciativas voltadas para a equidade de gênero muitas vezes sofrem cortes de financiamento ou são despriorizados por novas administrações.
Insuficiência de recursos financeiros: A falta de investimentos adequados para a implementação de políticas de gênero compromete sua eficácia. Muitas delegacias especializadas no atendimento à mulher e programas de assistência a vítimas de violência doméstica carecem de infraestrutura adequada e de profissionais capacitados para atender à demanda.
Resistência cultural: A cultura patriarcal ainda vigente na sociedade brasileira representa um dos maiores entraves à plena implementação das políticas de gênero. Estereótipos de gênero profundamente enraizados limitam a participação das mulheres nos espaços de poder e dificultam a aceitação de políticas afirmativas que busquem promover a equidade de gênero.
Desigualdade regional: As disparidades regionais no Brasil também afetam a implementação das políticas públicas. Em regiões mais desenvolvidas, como o Sudeste, há uma maior concentração de recursos e infraestrutura voltados para a promoção da equidade de gênero, enquanto nas regiões Norte e Nordeste, onde a desigualdade social é mais acentuada, as políticas de gênero são menos efetivas.
2.6 Conclusão do Capítulo
As políticas públicas voltadas para a equidade de gênero no Brasil representam um avanço significativo na proteção dos direitos das mulheres e na promoção da igualdade. Contudo, sua implementação enfrenta uma série de desafios estruturais, econômicos e culturais que comprometem sua eficácia. A continuidade dessas políticas, a alocação de recursos adequados e o enfrentamento das resistências culturais são passos fundamentais para que o Brasil possa avançar na promoção de uma sociedade mais justa e igualitária.
A análise das políticas públicas de gênero revela que, apesar dos avanços institucionais, a equidade de gênero ainda não foi plenamente alcançada no Brasil. A transformação dessas desigualdades requer não apenas ações do Estado, mas também uma mudança cultural que valorize a igualdade de gênero como um princípio central do desenvolvimento social e econômico do país.
Apesar dos avanços institucionais e legislativos que o Brasil alcançou nas últimas décadas no que diz respeito à equidade de gênero, as desigualdades persistem em diversas áreas da vida pública e privada. No contexto de políticas públicas, há uma grande lacuna entre o que é previsto pela legislação e o que é efetivamente implementado. Isso se deve, em grande parte, aos desafios estruturais e culturais que limitam o avanço das políticas de gênero. Entre os principais entraves estão a cultura patriarcal, a sub-representação das mulheres nos espaços de poder e a desigualdade econômica de gênero. Este capítulo examina detalhadamente cada um desses desafios, buscando compreender as raízes da persistência das desigualdades de gênero no Brasil e as possíveis soluções para superá-las.
3.1 A Cultura Patriarcal e a Resistência à Equidade de Gênero
A cultura patriarcal, entendida como o sistema de organização social que privilegia os homens em detrimento das mulheres, é um dos maiores obstáculos à equidade de gênero no Brasil. Esse sistema está profundamente enraizado nas práticas sociais, econômicas e políticas do país, e influencia a forma como as pessoas percebem as diferenças de gênero e as atribuições de papéis sociais a homens e mulheres.
Segundo a socióloga Heleieth Saffioti, o patriarcado é "um sistema social que se reproduz pela naturalização das desigualdades entre os sexos, sendo as mulheres relegadas a uma posição de subordinação e os homens a uma posição de comando" (SAFFIOTI, 2004). Esse conceito reflete uma das maiores barreiras para a efetiva implementação de políticas públicas de equidade de gênero, uma vez que a ideia de superioridade masculina ainda é dominante em muitos setores da sociedade brasileira, o que se reflete na manutenção de normas e comportamentos que perpetuam a desigualdade.
A naturalização de estereótipos de gênero, como a visão das mulheres como principais responsáveis pelas atividades domésticas e pela criação dos filhos, é um reflexo direto dessa cultura patriarcal. Essa visão não só limita as oportunidades das mulheres no mercado de trabalho, mas também interfere no desenho de políticas públicas. Mesmo com leis que promovem a igualdade formal entre homens e mulheres, como a Lei nº 9.029/1995, que proíbe discriminação no ambiente de trabalho com base em sexo, a cultura patriarcal dificulta a efetivação dessas normas. A segregação ocupacional e a desigualdade salarial persistem, em parte, porque muitas dessas normas enfrentam resistência cultural, dificultando sua implementação e fiscalização.
Além disso, a cultura patriarcal também influencia as percepções sobre o papel das mulheres na política, limitando sua participação nos espaços de poder. Em muitos casos, as mulheres que ingressam na vida pública enfrentam preconceitos que as retratam como menos capacitadas para cargos de liderança, o que desestimula sua participação ativa e limita a eficácia das cotas para candidaturas femininas.
3.2 A Sub-representação das Mulheres nos Espaços de Poder
A sub-representação das mulheres nos espaços de poder é uma questão central para o avanço da equidade de gênero no Brasil. Embora a Constituição de 1988 e outros marcos legais garantam formalmente a igualdade de gênero, as mulheres continuam a ocupar uma parcela extremamente pequena dos cargos de poder político e econômico no país.
No Congresso Nacional, por exemplo, as mulheres ocupam apenas cerca de 15% das cadeiras (dados de 2021), uma taxa que coloca o Brasil entre os países com menor representação feminina na política da América Latina, atrás de nações como Argentina, Bolívia e México, onde as mulheres têm uma participação muito mais significativa. Esse cenário de sub-representação é agravado pela própria estrutura dos partidos políticos brasileiros, que muitas vezes não promovem a participação feminina de maneira eficaz, apesar da legislação eleitoral que exige uma cota mínima de 30% de candidaturas para mulheres (Lei nº 9.504/1997).
O fenômeno das "candidaturas laranjas", no qual partidos políticos inscrevem candidaturas femininas apenas para cumprir as exigências legais, sem oferecer recursos ou apoio real às candidatas, é uma prova de que as cotas eleitorais, embora importantes, não são suficientes para garantir a efetiva participação feminina nos espaços de poder. As mulheres candidatas frequentemente enfrentam desafios financeiros, de mobilização e de visibilidade dentro dos partidos, o que limita suas chances de serem eleitas.
Essa sub-representação também se reflete nas empresas e no setor privado, onde as mulheres continuam sendo minoria em cargos de liderança. De acordo com dados do IBGE, as mulheres ocupam apenas 37,4% dos cargos de gerência no Brasil, e essa proporção é ainda menor nos conselhos de administração das grandes empresas. A presença reduzida de mulheres em posições de liderança reflete as barreiras culturais e institucionais que elas enfrentam para ascender nas hierarquias corporativas, além de perpetuar a desigualdade econômica entre os gêneros.
A ausência de mulheres em cargos de poder não apenas limita suas oportunidades, mas também tem um impacto negativo na formulação de políticas públicas. Políticas que atendem às necessidades específicas das mulheres, como aquelas voltadas para saúde reprodutiva, combate à violência de gênero e igualdade no mercado de trabalho, tendem a ser negligenciadas em ambientes dominados por homens. Como resultado, as demandas das mulheres muitas vezes não são adequadamente representadas no processo de tomada de decisões.
3.3 A Desigualdade Econômica e as Políticas de Inclusão
Outro obstáculo crítico para a equidade de gênero no Brasil é a desigualdade econômica entre homens e mulheres. As mulheres não só recebem salários mais baixos que os homens, mas também enfrentam barreiras sistêmicas que limitam sua capacidade de alcançar cargos mais bem remunerados e de liderança.
De acordo com um relatório do Fórum Econômico Mundial de 2020, o Brasil ocupa a 92ª posição em termos de igualdade salarial entre homens e mulheres, o que reflete a dificuldade do país em promover uma verdadeira equidade econômica de gênero. A diferença salarial média entre homens e mulheres é de 22,4%, e esse percentual é ainda maior entre as mulheres negras, que enfrentam tanto a discriminação de gênero quanto o racismo.
Uma das principais causas dessa desigualdade é a divisão sexual do trabalho, que atribui às mulheres a maior parte das responsabilidades domésticas e de cuidado com os filhos. Estudos mostram que as mulheres brasileiras dedicam, em média, 10 horas a mais por semana ao trabalho doméstico do que os homens, o que limita sua disponibilidade para o trabalho remunerado e afeta diretamente suas oportunidades de crescimento profissional.
As políticas públicas voltadas para a inclusão das mulheres no mercado de trabalho, como as ações afirmativas para inserção no setor formal, enfrentam limitações estruturais, especialmente no que se refere à falta de suporte social adequado, como creches públicas e políticas de licença parental equilibradas. A licença-maternidade de 120 dias garantida pela Constituição é um avanço, mas as políticas de conciliação entre trabalho e vida familiar ainda são insuficientes para aliviar a sobrecarga das mulheres.
Além disso, programas como o Pronatec Mulher, que busca capacitar mulheres para o mercado de trabalho, têm alcance limitado e não conseguem atender às necessidades específicas de mulheres em situação de maior vulnerabilidade, como aquelas que vivem em regiões rurais ou periféricas, onde a exclusão econômica e social é mais acentuada. A falta de políticas públicas abrangentes e articuladas para enfrentar a desigualdade econômica de gênero perpetua as disparidades salariais e impede o avanço da equidade no Brasil.
3.4 Propostas para Superar os Desafios da Equidade de Gênero
Para enfrentar os desafios impostos pela cultura patriarcal, sub-representação política e desigualdade econômica, é necessário que o Estado brasileiro adote uma abordagem mais robusta e integrada. Algumas das propostas para avançar nessa agenda incluem:
Fortalecimento das políticas afirmativas de gênero: Ampliar as cotas para mulheres nos espaços de poder político e econômico, garantindo que essas cotas sejam efetivamente aplicadas e acompanhadas por medidas de apoio, como financiamento de campanhas e formação política.
Desenvolvimento de políticas de conciliação entre trabalho e vida familiar: Criar políticas públicas que promovam a divisão equilibrada das responsabilidades familiares, como o aumento da licença-paternidade e a criação de creches públicas acessíveis em todas as regiões.
Aperfeiçoamento das políticas de combate à violência de gênero: Expandir a rede de proteção para mulheres vítimas de violência, fortalecendo as Casas da Mulher Brasileira e aumentando o número de Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) em regiões mais vulneráveis.
Educação inclusiva e antissexista: Reformar o currículo escolar para incluir a educação em direitos humanos e igualdade de gênero desde os primeiros anos de ensino, promovendo uma mudança cultural que desafie os estereótipos de gênero desde cedo.
Maior investimento em políticas de inclusão econômica: Aumentar os investimentos em programas de capacitação profissional para mulheres, especialmente em áreas tecnológicas e de ciência, além de promover a equidade salarial com mecanismos de fiscalização mais rígidos e políticas de incentivo à contratação de mulheres em setores estratégicos.
Conclusão
A análise dos desafios para a promoção da equidade de gênero no Brasil revela a complexidade de um problema que é, ao mesmo tempo, estrutural e cultural. Embora o país tenha avançado em termos de legislação e criação de políticas públicas voltadas para a promoção da igualdade de gênero, ainda há muito a ser feito para que esses avanços se traduzam em mudanças efetivas na vida das mulheres brasileiras.
A cultura patriarcal profundamente enraizada na sociedade, a sub-representação das mulheres nos espaços de poder e a persistente desigualdade econômica são barreiras significativas que limitam a implementação de políticas públicas de equidade de gênero. Superar esses desafios exige um esforço contínuo, que não pode ser limitado à criação de leis, mas deve ser acompanhado por uma mudança cultural que valorize a igualdade como um valor central.
As políticas públicas de gênero no Brasil precisam ser fortalecidas e expandidas, com uma abordagem que leve em consideração as múltiplas dimensões da desigualdade, desde a violência doméstica até a desigualdade no mercado de trabalho. O Estado, ao lado da sociedade civil, tem um papel fundamental na promoção dessa agenda, garantindo que os direitos das mulheres sejam efetivamente protegidos e promovidos.
Como bem disse Simone de Beauvoir, "não se nasce mulher, torna-se mulher". A luta pela equidade de gênero no Brasil exige não apenas que as mulheres tenham direitos iguais garantidos em lei, mas que a sociedade se transforme para acolher a diversidade e a igualdade em todas as suas formas, permitindo que as mulheres ocupem plenamente seus espaços na vida política, econômica e social.
Referências
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OAB-RJ nº: 244531. Advogada. Formada em Direito pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). Cursando mestrado na Universidade Federal Fluminense (UFF). Principais áreas de atuação: Direito Civil, Direito Previdenciário e do Consumidor. Eu também gosto de atuar em causas envolvendo minorias em outras áreas. Whatsapp: (21) 99794-2067
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FIGUEIREDO, Helena Vaz de. A Equidade de Gênero no Direito Público Brasileiro: Desafios Estruturais e o Papel do Estado na Promoção de Políticas Públicas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 dez 2024, 04:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /67181/a-equidade-de-gnero-no-direito-pblico-brasileiro-desafios-estruturais-e-o-papel-do-estado-na-promoo-de-polticas-pblicas. Acesso em: 27 dez 2024.
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