Inquérito e Redução a Condição Análoga à de Escravo - 1
O Tribunal iniciou julgamento de inquérito no qual se imputa a Senador da República e a co-denunciado a suposta prática dos tipos penais previstos nos artigos 149, 203, §§ 1º e 2º e 207, §§ 1º e 2º, todos do CP, em concurso formal homogêneo. No caso, a inicial acusatória narra que, a partir de diligência realizada por grupo de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, constatara-se que os denunciados teriam, no período de janeiro e fevereiro de 2004, reduzido aproximadamente 35 trabalhadores a condição análoga à de escravos, inclusive com a presença de menor de idade entre os trabalhadores, nas dependências de fazenda de propriedade do parlamentar e administrada pelo co-denunciado. O Ministério Público Federal atribui aos denunciados o possível aliciamento de trabalhadores rurais — em unidade da federação distante daquela em que o trabalho seria prestado — com a conseqüente frustração de seus direitos trabalhistas. Afirma que tais trabalhadores teriam sido reduzidos a condição análoga à de escravos, ante as condições degradantes de trabalho, a jornada exaustiva e a restrição de locomoção por dívidas contraídas. Registra, ainda, que o mencionado relatório de fiscalização detectara que o alojamento para os trabalhadores consistiria em ranchos de folhas de palmeiras, sem qualquer beneficiamento do piso, sendo que um deles levantado sobre um brejo com mau cheiro e excessiva umidade. Constatara, também, a presença de trabalhadores enfermos e com lesões nas mãos. Verificara, ainda, inexistir: a) cozinha e sim fogareiros improvisados; b) refeitório; c) sanitário e água potável; d) fornecimento de equipamento individual de trabalho e material de primeiros socorros, tendo os trabalhadores que comprá-los em armazém existente na fazenda, assim como os alimentos de que necessitavam. O parlamentar sustenta em sua defesa que: a) interpusera recurso perante a Delegacia Regional do Trabalho e, em razão disso, a punibilidade estaria condicionada à decisão administrativa; b) todos os empregados foram unânimes ao afirmar que não eram proibidos de sair da fazenda; c) o vínculo de trabalho na fazenda era temporário; d) os empregados faziam refeições sem qualquer desconto na diária; e) a venda de mercadorias pelo empregador não seria proibida e f) o fato de ser proprietário da fazenda não o vincularia criminalmente à imputação penal. O co-denunciado, por sua vez, alega que: a) o Senador apenas o nomeara como procurador para comparecer à cidade na qual arregimentados os trabalhadores, com o fim de efetivar o pagamento das verbas trabalhistas impostas pelos auditores-fiscais e b) não seria administrador da fazenda, pois, à época dos fatos, era assessor de Governador.
Inq 2131/DF, rel. Min. Ellen Gracie, 7.10.2010. (INQ-2131)
Inquérito e Redução a Condição Análoga à de Escravo - 2
A Min. Ellen Gracie, relatora, recebeu a denúncia por reputar preenchidos os requisitos legais (CPP, art. 41). Inicialmente, salientou que a existência de processo trabalhista não teria o condão de afastar o exame do juízo de admissibilidade da denúncia. Destacou, no ponto, o ajuizamento de recurso trabalhista pelo parquet e a independência entre a instância trabalhista e a penal. Em seguida, reiterou que a investigação fora realizada por grupo de fiscalização que contara com a atuação de auditores-fiscais do trabalho e outros servidores do MTE, de procurador do Ministério Público do Trabalho, de delegado, escrivão e agentes do Departamento de Polícia Federal. Observou que, nos últimos anos, houvera a edição de leis que alteraram a disciplina legal referente aos crimes relacionados à organização do trabalho e à liberdade pessoal no exercício de atividade laboral. Aludiu, em especial, à Lei 9.777/98 — que ampliou o rol de condutas que podem se amoldar ao crime de frustração de direito assegurado por lei trabalhista, inclusive com a previsão da prática do truck system (forma de pagamento de salários em mercadorias), mantendo armazéns na fazenda para fornecimento de produtos e mercadorias aos trabalhadores mediante desconto dos valores no salário — e à Lei 10.803/2003 — que estendeu o rol de condutas amoldadas ao delito de redução a condição análoga à de escravo. Citou, também, que o único instrumento internacional a conceituar a escravidão seria o Tratado de Roma (art. 7º). Enfatizou que as condutas descritas nos referidos tipos penais atentariam contra o princípio da dignidade da pessoa humana sob o prisma tanto do direito à liberdade quanto do direito ao trabalho digno. Aduziu, ademais, a possibilidade de coexistência dos crimes dos artigos 149, 203 e 207, todos do CP, sem que se cogitasse de consunção. Relativamente ao delito de redução a condição análoga à de escravo (CP, art. 149), consignou que a fiscalização do MTE demonstrara as péssimas condições de alojamento, fornecimento de água, jornada diária superior ao limite de 2 horas excedentes (12 horas-diárias, salvo nos domingos em que seria de 6 horas-diárias) e ausência de repouso semanal remunerado. Haveria, ainda, cópias de lançamentos contábeis acerca das dívidas assumidas por vários trabalhadores no armazém informalmente mantido na fazenda. Considerou que a imputação referente ao possível cometimento do crime do art. 207 do CP, na modalidade de recrutamento de trabalhadores fora da localidade de execução do trabalho, não assegurando condições de seu retorno ao lugar de origem, também encontraria substrato probatório produzido durante as investigações. Assinalou que a fraude descrita consistiria em promessas de salários e outros benefícios trabalhistas por ocasião da contratação. No que concerne ao crime do art. 203 do CP, referente à frustração, mediante fraude, de direitos assegurados pela legislação trabalhista, ressaltou a lavratura dos autos de infração por parte dos auditores do MTE, em face da não formalização de contrato de trabalho.
Inq 2131/DF, rel. Min. Ellen Gracie, 7.10.2010. (INQ-2131)
Inquérito e Redução a Condição Análoga à de Escravo - 3
A relatora, em passo seguinte, analisou as alegações formuladas pelo parlamentar. Rejeitou o pleito de se aguardar a suspensão do procedimento administrativo no âmbito do MTE, porquanto deveria prevalecer o princípio da independência das instâncias e inexistiria força vinculante do julgamento desse feito administrativo na esfera criminal. Afastou, também, a alegação de atipicidade da conduta relativa ao art. 149 do CP — em virtude da existência de elementos mínimos de prova a autorizar o recebimento da peça acusatória —, bem como a assertiva de responsabilidade objetiva do parlamentar — haja vista a narrativa de concurso de agentes e a informação de que as atividades seriam voltadas à exploração agropecuária da fazenda, sendo, por isso, inequívoco o benefício do proprietário. Afirmou, também, que a circunstância de o serviço desempenhado na fazenda ser transitório não modificaria o quadro jurídico da denúncia. Mencionou que os argumentos acerca da inexistência de armazém na fazenda, de ausência de jornada exaustiva, de inocorrência de condições degradantes de trabalho e de não-caracterização de trabalho sem remuneração deverão ser examinados em outra etapa do processo. Relativamente às questões apresentadas pelo co-denunciado, a relatora asseverou que o argumento de que ele não seria administrador da fazenda poderia vir a ser refutado pelos testemunhos dos trabalhadores. Por fim, asseverou que a comprovação de vínculo funcional com o governo não excluiria, de imediato, a imputação dos fatos em concurso de agentes. Após, pediu vista dos autos o Min. Gilmar Mendes.
Inq 2131/DF, rel. Min. Ellen Gracie, 7.10.2010. (INQ-2131)
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi criado pela Constituição Federal de 1988 com a finalidade de preservar a uniformidade da interpretação das leis federais em todo o território brasileiro. Endereço: SAFS - Quadra 06 - Lote 01 - Trecho III. CEP 70095-900 | Brasília/DF. Telefone: (61) 3319-8000 | Fax: (61) 3319-8700. Home page: www.stj.jus.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. Inquérito e Redução a Condição Análoga à de Escravo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 nov 2011, 19:55. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Informativos Temáticos/26037/inquerito-e-reducao-a-condicao-analoga-a-de-escravo. Acesso em: 23 nov 2024.
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
Precisa estar logado para fazer comentários.