Trata-se de recurso em habeas corpus contra acórdão que manteve a condenação do paciente à pena de quatro anos e dois meses de reclusão em regime semiaberto e pagamento de 31 dias-multa, pela suposta prática dos delitos previstos nos arts. 304 e 312, caput, do CP. Consoante os autos, o paciente fora condenado porque teria usado cartões de ponto ideologicamente falsos nos autos de reclamação trabalhista, além de ter-se apropriado, em proveito próprio, de bem móvel de que tinha a posse em razão do cargo, já que teria subtraído os documentos comprobatórios de seu horário de trabalho da autarquia municipal em que exercia a função de superintendente. Portanto, pretende-se, em síntese, a decretação da nulidade da ação penal que culminou com a condenação do recorrente ou, alternativamente, a redução da pena imposta a ele. A Turma, entre outras questões, consignou que, na hipótese, no que se refere ao delito de uso de documento falso, o juiz estadual, prolator da sentença, é absolutamente incompetente, pelo que se impõe a anulação do édito repressivo quanto ao ponto, facultando-se a ratificação, pela Justiça Federal (competente para o julgamento de tal crime), dos demais atos processuais anteriormente praticados, inclusive os decisórios não referentes ao mérito da causa. Por outro lado, quanto ao crime de peculato-apropriação, registrou-se que, para a configuração, é imprescindível que o funcionário público se aproprie de coisa que possua significação patrimonial, de modo que simples cartões de ponto, embora posteriormente utilizados para pleitear verbas trabalhistas indevidas, não podem ser considerados objeto material do mencionado ilícito porque não possuem qualquer valor monetário, já que, por si só, não representam acréscimo ao patrimônio do agente ou de quem quer que seja. Ressaltou-se que, mesmo não se admitindo a aplicação do princípio da insignificância nos crimes contra a Administração Pública, o certo é que, no peculato-apropriação, o bem objeto da conduta do funcionário público deve possuir, em si mesmo, algum significado patrimonial, ainda que ínfimo, o que não se verifica no tocante aos comprovantes de frequência supostamente apropriados indevidamente pelo ora recorrente. Desse modo, constatou-se a ausência de justa causa para a ação penal no que se refere ao crime previsto no caput do art. 312 do CP, impondo-se o trancamento da ação penal. Trancado o feito com relação ao crime de peculato-apropriação, entendeu-se prejudicado o exame das alegações de nulidade da ação penal por deficiência de defesa, pela inobservância do art. 514 do CPP, pela inversão na ordem de intimação do acusado e de seu defensor e pela ilegalidade na dosimetria da pena. Diante desses fundamentos, entre outros, deu-se provimento ao recurso. Precedentes citados do STF: HC 88.262-SP, DJ 30/3/2007; HC 83.006-SP, DJ 29/8/2003; do STJ: CC 109.021-RS, DJe 19/3/2010; CC 85.803-SP, DJ 27/8/2007; HC 117.722-PR, DJe 13/4/2009; HC 76.946-SP, DJe 16/3/2009, e HC 160.623-RS, DJe 6/12/2010. RHC 23.500-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 5/5/2011.
Precisa estar logado para fazer comentários.