Princípio da insignificância: reincidência e crime qualificado - 1
O Plenário iniciou julgamento conjunto de três “habeas corpus” impetrados contra julgados que mantiveram condenação dos pacientes por crime de furto e afastaram a aplicação do princípio da insignificância. No HC 123.108/MG, o paciente fora condenado à pena de um ano de reclusão e dez dias-multa pelo crime de furto simples de chinelo avaliado em R$ 16,00. Embora o bem tenha sido restituído à vítima, o tribunal local não substituíra a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em razão da reincidência. No HC 123.533/SP, a paciente fora condenada pela prática de furto qualificado de dois sabonetes líquidos íntimos avaliados em R$ 40,00. O tribunal de origem não aplicara o princípio da insignificância em razão do concurso de agentes e a condenara a um ano e dois meses de reclusão, em regime semiaberto e cinco dias-multa. Por fim, no HC 123.734/MG, o paciente fora sentenciado pelo furto de 15 bombons caseiros, avaliados em R$ 30,00. Condenado à pena de detenção em regime inicial aberto, a pena fora substituída por prestação de serviços à comunidade e, embora reconhecida a primariedade do réu e a ausência de prejuízo à vítima, o princípio da insignificância não fora aplicado porque o furto fora qualificado pela escalada e pelo rompimento de obstáculo. O Ministro Roberto Barroso (relator) concedeu a ordem em todos os “habeas corpus”, por entender cabível o princípio da insignificância e, por conseguinte, reconheceu a atipicidade material das condutas dos pacientes e anulou os efeitos penais dos processos em exame. Pontuou que, segundo estatísticas do Departamento Penitenciário Nacional, 49% das pessoas estariam presas por crimes contra o patrimônio e, dentre esse número, 14% da população carcerária brasileira estaria presa por furto simples ou qualificado. Lembrou que a comissão que elaborara o anteprojeto do Código Penal — ainda em deliberação no Congresso Nacional — teria proposto significativa descarcerização do furto em geral, com previsão expressa do princípio da insignificância. Nos termos desse anteprojeto, também não haveria fato criminoso quando, cumulativamente, se verificassem as seguintes condições: “a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e c) inexpressividade da lesão jurídica provocada”.
HC 123108/MG, rel. Min. Roberto Barroso, 10.12.2014. (HC-123108)
HC 123533/SP, rel. Min. Roberto Barroso, 10.12.2014. (HC-123533)
HC 123734/MG, rel. Min. Roberto Barroso, 10.12.2014. (HC-123734)
Princípio da insignificância: reincidência e crime qualificado - 2
O relator frisou que os “habeas corpus” ora sob julgamento seriam emblemáticos: envolveriam furto de bens de valor inferior a R$ 50,00. Em dois deles, os pacientes teriam sido condenados à pena de prisão em regime semiaberto e estariam presos se a liminar não tivesse sido deferida. Não obstante, em matéria de descaminho, se a sonegação de impostos somasse R$ 20.000,00, não haveria incriminação porque a fazenda pública não executaria dívidas de valor inferior ao mencionado. Ademais, o entendimento do STF seria no sentido de não haver crime, em face do princípio da insignificância. O desconforto que a existência dessa dualidade causaria aos cidadãos, acrescido à realidade carcerária, não poderia passar despercebido à Corte. Asseverou que a ausência de critérios claros quanto ao princípio da insignificância geraria o risco de casuísmos, além de prejudicar a uniformização da jurisprudência e agravar a precária situação do sistema carcerário. Observou que precedentes do STF admitiriam o princípio da insignificância em caso de furto desde que o agente não fosse reincidente e que não tivesse sido hipótese de furto qualificado. Apontou que toda a teoria do princípio da insignificância deveria ser reconduzida aos princípios da razoabilidade ou da proporcionalidade. Assim, o referido postulado incidiria quando, embora a conduta fosse formalmente típica, o desvalor da ação ou do resultado se mostrasse irrelevante. A circunstância de se tratar de réu reincidente ou presente alguma qualificadora não deveria, automaticamente, afastar a aplicação do princípio da insignificância. Seria necessária motivação específica à luz das circunstâncias do caso concreto, como o alto número de reincidências e a especial reprovabilidade decorrente de qualificadoras. De todo modo, a caracterização da reincidência múltipla, para fins de rejeição do princípio da insignificância, exigiria a ocorrência de trânsito em julgado de decisões condenatórias anteriores, que deveriam ser referentes a crimes da mesma espécie. Mesmo quando afastado o princípio da insignificância por força da reincidência ou da qualificação do furto, o encarceramento do agente, como regra, constituiria sanção desproporcional, inadequada, excessiva e geradora de malefícios superiores aos benefícios.
HC 123108/MG, rel. Min. Roberto Barroso, 10.12.2014. (HC-123108)
HC 123533/SP, rel. Min. Roberto Barroso, 10.12.2014. (HC-123533)
HC 123734/MG, rel. Min. Roberto Barroso, 10.12.2014. (HC-123734)
Princípio da insignificância: reincidência e crime qualificado - 3
O relator assinalou que, no caso do HC 123.108/MG, a reincidência do paciente — antes, ele furtara roupas em um varal e, agora, um chinelo — não deveria ser tratada como impedimento a que fosse aplicado o princípio da insignificância. Caso se entendesse que o furto de coisa de valor ínfimo pudesse ser punido em caso de reincidência do agente, seria necessário admitir que a insignificância passaria do domínio da tipicidade para o da culpabilidade. Não seria possível afirmar, à luz da Constituição, que uma mesma conduta fosse típica para uns e não fosse para outros — os reincidentes — sob pena de se ter configurado inaceitável direito penal do autor e não do fato. Ademais, para que a reincidência excluísse a incidência do princípio da insignificância, não bastaria mera existência de inquéritos ou processos em andamento, mas condenação transitada em julgado e por crimes da mesma espécie. Necessário, ainda, que a sanção guardasse proporcionalidade com a lesão causada. O encarceramento em massa de condenados por pequenos furtos teria efeitos desastrosos, não apenas para a integridade física e psíquica dessas pessoas, como também para o sistema penitenciário como um todo e, reflexamente, para a segurança pública. Propôs que eventual sanção privativa de liberdade aplicável ao furto de coisa de valor insignificante fosse fixada em regime inicial aberto domiciliar, afastando-se, para os reincidentes, a aplicação do art. 33, § 2º, do CP. Embora a prisão domiciliar somente fosse prevista na LEP em hipóteses restritas, a realidade do sistema prisional obrigaria juízes e tribunais de todo o País a recorrer a essa alternativa, a fim de que o condenado não se submetesse a regime mais gravoso do que aquele a que tivesse direito por falta de vagas. Ponderou que a pena privativa de liberdade em regime aberto domiciliar deveria ser, como regra, substituída por pena restritiva de direitos, a afastar as condicionantes previstas no art. 44, II, III e § 3º, do CP, que deveriam ser interpretadas à luz da Constituição, sob pena de violação ao princípio da proporcionalidade. Assentou que as sanções restritivas de direito teriam caráter ressocializador muito mais evidente em comparação com as penas privativas de liberdade, notadamente em casos alcançados pelo princípio da insignificância. Somente em caso de descumprimento da pena restritiva deveria haver a reconversão para sanção privativa de liberdade em regime aberto domiciliar. No HC 123.108/MG, à época dos fatos em questão, o paciente teria duas condenações transitadas em julgado por crime de furto simples e esse fato não afastaria a aplicação do princípio da insignificância, ante o desvalor do resultado, traduzido pelo ínfimo valor do bem subtraído. Em seguida, o julgamento foi suspenso.
HC 123108/MG, rel. Min. Roberto Barroso, 10.12.2014. (HC-123108)
HC 123533/SP, rel. Min. Roberto Barroso, 10.12.2014. (HC-123533)
HC 123734/MG, rel. Min. Roberto Barroso, 10.12.2014. (HC-123734)
Decisão publicada no Informativo 771 do STF - 2014
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