Inadimplemento de pena de multa e progressão de regime - 1
O inadimplemento deliberado da pena de multa cumulativamente aplicada ao sentenciado impede a progressão no regime prisional. Essa regra somente é excepcionada pela comprovação da absoluta impossibilidade econômica do apenado em pagar o valor, ainda que parceladamente. Essa a conclusão do Plenário que, por maioria, negou provimento a agravo regimental interposto em face de decisão monocrática que indeferira o pedido de progressão de regime prisional — tendo em vista o inadimplemento da multa imposta — de condenado, nos autos da AP 470/MG (DJe de 22.4.2013), à pena de seis anos e seis meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, bem assim à sanção pecuniária de 330 dias-multa, pela prática de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Alegava-se que o prévio pagamento da pena de multa não seria requisito legal para a progressão de regime, porquanto inexistente prisão por dívida (CF, art. 5º, LXVII), bem assim que o art. 51 do CP proibiria a conversão da multa em detenção. De início, o Colegiado, por decisão majoritária, indeferiu pleito de sustentação oral formulado pela defesa. Sustentava-se, no ponto, que o agravo teria por fundamento o art. 197 da LEP e, por isso, estaria sujeito à mesma sistemática do recurso em sentido estrito. O Plenário reputou, na linha da jurisprudência do STF, e conforme deliberado ao longo do julgamento da AP 470/MG, que qualquer impugnação de decisão monocrática desafiaria agravo regimental (RISTF, art. 131, § 2º), inexistente, portanto, o direito de a defesa sustentar oralmente. Não caberia à Corte criar situação excepcional. Ademais, a situação dos autos não se assemelharia às hipóteses de cabimento de recurso em sentido estrito, pois o agravo não seria dirigido a outro tribunal, uma vez que o relator traria sua decisão para que fosse homologada pelo próprio Plenário do qual faz parte. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que admitia a sustentação oral da defesa.
EP 12 ProgReg-AgR/DF, rel. Min. Roberto Barroso, 8.4.2015. (EP-12)
Inadimplemento de pena de multa e progressão de regime - 2
No mérito, o Plenário rememorou que o art. 51 do CP, em sua redação original, previa a possibilidade de conversão da multa em pena de detenção, quando o condenado, deliberadamente, deixasse de honrá-la. Posteriormente, a Lei 9.268/1996 dera nova redação ao dispositivo, para não mais admitir essa conversão, bem como para permitir a correção monetária e a cobrança da sanção como dívida ativa. A referida alteração legislativa não retirara da multa o seu caráter de pena, conforme disposição constitucional (CF, art. 5º, XLVI) e legal (CP, art. 32, III). Acrescentou que, em matéria de criminalidade econômica, a multa desempenharia papel proeminente. Mais até do que a pena de prisão, caberia à sanção pecuniária o papel retributivo e preventivo geral, para desestimular a conduta prevista penalmente. Por essa razão, deveria ser fixada com seriedade, proporcionalidade e, sobretudo, ser efetivamente paga. Assinalou que o art. 33 do CP e os artigos 110 e seguintes da LEP disciplinariam três regimes diversos de cumprimento de pena privativa de liberdade: fechado, semiaberto e aberto. Para cada uma dessas fases, haveria estabelecimentos penais próprios. De outro lado, o art. 112 da LEP disporia sobre os requisitos gerais para que o julgador autorizasse a progressão de regime. Como regra geral, condenados com bom comportamento poderiam progredir de um regime para outro após o cumprimento de um sexto da pena no regime anterior. Não obstante, a jurisprudência do STF demonstraria que a análise dos requisitos necessários para progressão não se restringiria ao art. 112 da LEP, pois outros elementos deveriam ser considerados pelo julgador para individualizar a pena.
EP 12 ProgReg-AgR/DF, rel. Min. Roberto Barroso, 8.4.2015. (EP-12)
Inadimplemento de pena de multa e progressão de regime - 3
O Colegiado sublinhou que, especialmente em matéria de crimes contra a Administração Pública, a parte verdadeiramente severa da pena haveria de ser a de natureza pecuniária, que teria o poder de funcionar como real fator de prevenção, capaz de inibir a prática de crimes a envolver apropriação de recursos públicos. Nessas condições, não seria possível a progressão de regime sem o pagamento da multa fixada na condenação. O condenado teria o dever jurídico — e não a faculdade — de pagar integralmente o valor. Essa seria uma modalidade autônoma de resposta penal expressamente prevista no art. 5º, XLVI, c, da CF, a exigir cumprimento espontâneo por parte do apenado, independentemente de execução judicial. A obrigatoriedade também adviria do art. 50 do CP. O não recolhimento da multa por condenado que tivesse condições econômicas de pagá-la, sem sacrifício dos recursos indispensáveis ao sustento próprio e de sua família, constituiria deliberado descumprimento de decisão judicial e deveria impedir a progressão de regime. Além disso, admitir-se o não pagamento da multa configuraria tratamento privilegiado em relação ao sentenciado que espontaneamente pagasse a sanção pecuniária. Ademais, a passagem para o regime aberto exigiria do sentenciado autodisciplina e senso de responsabilidade (LEP, art. 114, II), a pressupor o cumprimento das decisões judiciais aplicadas a ele. Essa interpretação seria reforçada pelo art. 36, § 2º, do CP e pelo art. 118, § 1º, da LEP, que estabelecem a regressão de regime para o condenado que não pagar, podendo, a multa cumulativamente imposta. Assim, o deliberado inadimplemento da multa sequer poderia ser comparado à vedada prisão por dívida (CF, art. 5º, LXVII), configurando apenas óbice à progressão no regime prisional. Ressalvou que a exceção admissível ao dever de pagar a multa seria a impossibilidade econômica absoluta de fazê-lo. Seria cabível a progressão se o sentenciado, veraz e comprovadamente, demonstrasse sua total insolvabilidade, a ponto de impossibilitar até mesmo o pagamento parcelado da quantia devida, como autorizado pelo art. 50 do CP. Ressaltou que o acórdão exequendo fixara o “quantum” da sanção pecuniária especialmente em função da situação econômica do réu (CP, art. 60), de modo que a relativização dessa resposta penal dependeria de prova robusta por parte do sentenciado. No caso, entretanto, não houvera mínima comprovação de insolvabilidade, incabível, portanto, a exceção admissível ao dever de pagar a multa. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que provia o agravo para admitir a progressão de regime, independentemente do recolhimento da multa. Considerava que seria dever da Fazenda Pública executar a dívida, se necessário.
EP 12 ProgReg-AgR/DF, rel. Min. Roberto Barroso, 8.4.2015. (EP-12)
Decisão publicada no Informativo 780 do STF - 2015
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