Petrobras e imunidade - 2
A imunidade recíproca, prevista no art. 150, VI, “b”, da Constituição Federal (CF), não se estende a empresa privada arrendatária de imóvel público, quando seja ela exploradora de atividade econômica com fins lucrativos. Nessa hipótese é constitucional a cobrança do IPTU pelo Município.
Esse o entendimento do Plenário, que, em conclusão de julgamento e por maioria, negou provimento a recurso extraordinário em que se discutia a possibilidade de reconhecimento de imunidade tributária recíproca a sociedade de economia mista ocupante de bem público. No caso, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo considerou ser a Petróleo Brasileiro S.A. (PETROBRAS) parte legítima para figurar como devedora do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) incidente sobre imóvel localizado no Porto de Santos — v. Informativo 846.
O Colegiado deliberou que a imunidade tributária recíproca de natureza subjetiva, que envolve pessoas jurídicas de direito público, não se estende para além das situações do art. 150, § 2º, da CF. Asseverou que tanto as sociedades de economia mista quanto as empresas públicas sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, por força do art. 173, § 2º, da CF. Ressaltou que o fato de o imóvel pertencente à União ser utilizado para a persecução de interesse público não atrai a imunidade quanto ao IPTU, haja vista que a recorrente é sociedade de economia mista com capital social negociado na bolsa de valores, ou seja, é pessoa jurídica de direito privado com claro objetivo de auferir lucro. Anotou, tendo em conta a limitação imposta pelo § 3º do art. 150 da CF, que, se as pessoas jurídicas de direito público que exploram atividade econômica não gozam da imunidade, as de direito privado também não poderiam fazê-lo. Ademais, o reconhecimento da imunidade recíproca, no caso, implica violação ao princípio da livre concorrência estampado no art. 170 da CF, por conferir vantagem indevida a pessoa jurídica de direito privado, não existente para os concorrentes. Por fim, à luz dos arts. 32 e 34 do Código Tributário Nacional (CTN), no sentido de que a hipótese de incidência do IPTU abrange não só a propriedade, mas também o domínio útil e a posse do imóvel, e de que o contribuinte do IPTU é tanto o proprietário do imóvel como o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título, o Plenário concluiu não se poder falar em ausência de legitimidade da recorrente para figurar no polo passivo da relação jurídica tributária.
O ministro Roberto Barroso, em voto-vista, afirmou que a imunidade recíproca das pessoas jurídicas de direito público foi criada pelo constituinte para proteção do pacto federativo, não havendo sentido estendê-la a empresa privada arrendatária de bem público que o utiliza para fins comerciais. Entender que os particulares que fazem uso dos imóveis públicos para exploração econômica lucrativa não devam pagar IPTU significaria colocá-los em vantagem concorrencial em relação às outras empresas. Anotou que os contratos firmados entre as empresas privadas e a Administração Pública conferem diversos direitos aos particulares. Asseverou que o bem é formalmente público, mas materialmente privado, uma vez que o particular tem quase todas as prerrogativas do proprietário, não havendo precariedade da posse. Nesses casos, está caracterizado o fato gerador do IPTU, e a sujeição passiva que permite ao Município de Santos efetuar a cobrança. Pontuou, ademais, que o Município, por previsão legal, atribui responsabilidade tributária às empresas arrendatárias de bem. Por fim, concluiu que impossibilitar a cobrança de IPTU de particular que explora atividade econômica em imóvel público é perenizar situação extremamente prejudicial aos Municípios, ao pacto federativo e à ordem econômica, no que se refere à livre concorrência.
Para o ministro Luiz Fux, após o advento da CF/1988, considerada pós-positivista, dois princípios ou regras de supradireito assumiram relevo no direito tributário. Em primeiro lugar, o contribuinte não é considerado objeto de tributação, mas sujeito de direitos. Em segundo lugar, com a inserção dos princípios da isonomia e da capacidade contributiva, criou-se também uma regra de supradireito na análise das questões tributárias, a justiça fiscal. Considerou inaceitável, sob o ângulo da justiça fiscal, a possibilidade de quem explora atividade econômica não pagar o imposto devido ao Município. Ressaltou que a Corte interpretou a imunidade recíproca como verdadeira garantia institucional para preservação do sistema federativo, motivo pelo qual se assentou sua extensão apenas às empresas que, embora tenham personalidade jurídica de direito privado, qualifiquem-se tão somente como prestadoras de serviço público, sem intuito lucrativo. Indicou precedentes nesse sentido (1). Apontou também os critérios estabelecidos pelo STF para o reconhecimento da extensão da imunidade tributária: a) a imunidade é subjetiva e aplicável a propriedades, bens e serviços utilizados na satisfação dos objetivos institucionais imanentes ao ente federado, cuja tributação poderia colocar em risco a respectiva autonomia política, b) as atividades de exploração econômica destinadas a aumentar o patrimônio do Estado ou de particulares devem ser tributadas por representarem manifestação de riqueza, cuja tributação não afeta a autonomia política e revela capacidade contributiva, c) a tributação não deve ter como efeito colateral a quebra dos princípios da livre concorrência e do exercício da atividade profissional e econômica lícita.
Vencidos a ministra Carmen Lúcia (presidente) e os ministros Celso de Mello e Edson Fachin, que davam provimento ao recurso.
(1) ARE 638315/BA (DJE de 31.8.2011); RE 253394/SP (DJU de 11.4.2003); RE 265749/SP (DJU de 12.9.2003); RE 253.472/SP (DJE de 1º.2.2011).
RE 594015/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 6.4.2017. (RE-594015)
Decisão publicada no Informativo 860 do STF - 2017
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