A controvérsia trazida a debate consiste em definir se, na ação de apreensão e depósito de bem objeto de contrato de venda com reserva de domínio, a comprovação da mora do comprador somente pode ocorrer mediante protesto. Nos termos do art. 526 do CC/02, na hipótese de mora do comprador no adimplemento das prestações, abrem-se ao vendedor duas alternativas: a) o ajuizamento de ação para a cobrança das prestações vencidas e vincendas, com os acréscimos legais; ou, b) a recuperação da posse da coisa vendida. Como se extrai da literalidade do mencionado dispositivo legal, essas alternativas são excludentes entre si: cabe ao vendedor optar pela cobrança das prestações em atraso e do saldo devedor em aberto – o inadimplemento resulta no vencimento antecipado da dívida – ou pelo exercício de seu direito potestativo de desconstituição do negócio jurídico, por meio da recuperação da coisa vendida (o que não prejudica seu direito à compensação pela depreciação do bem e outras despesas decorrentes do inadimplemento, conforme o disposto no art. 527 do CC/02). Independentemente da opção exercida pelo vendedor, é imprescindível “a constituição do comprador em mora”, que, nos termos do art. 525 do CC/02, ocorre mediante protesto do título ou interpelação judicial. A redação desse dispositivo legal pode levar à equivocada compreensão de que a mora do comprador apenas se caracteriza a partir do ato do protesto ou da interpelação judicial. Contudo, não é esse o verdadeiro alcance da norma. Com efeito, deve ser observado que a mora do comprador se configura com sua simples omissão em efetuar o pagamento das prestações ajustadas, haja vista que essas têm data certa de vencimento. É, portanto, mora ex re, cujos efeitos – a exemplo da incidência de juros – se operam a partir do inadimplemento. Nesse contexto, a determinação contida no art. 525 do CC/02 para o protesto do título ou a interpelação judicial não tem a finalidade de transformar a mora ex re em ex persona. A regra estabelece, apenas, a necessidade de comprovação da mora do comprador como pressuposto para a execução da cláusula de reserva de domínio, tanto na ação de cobrança das prestações vencidas e vincendas, como na ação de recuperação da coisa. Visa o ato, desse modo, conferir segurança jurídica às partes, funcionando, também, como oportunidade para que o comprador, adimplindo as prestações, evite a retomada do bem pelo vendedor. O advento da nova codificação civil impõe uma exegese sistêmica da questão, de modo a admitir a documentação da mora do comprador por meio de quaisquer dos instrumentos previstos no parágrafo único do art. 397, quais sejam: a) o protesto; b) a interpelação judicial; e, c) a notificação extrajudicial. Por fim, convém salientar que, com a vigência do CPC/2015, essa aparente antinomia entre as regras processuais e o CC/02 restou superada, pois o novo CPC deixou de regulamentar o procedimento especial da ação de apreensão e depósito. Desse modo, a partir da vigência do CPC/2015, a venda com reserva de domínio encontra disciplina exclusiva no CC/02, aplicando-se, quando as partes estiverem em Juízo, as regras relativas ao procedimento comum ordinário ou, se for o caso, das normas afetas ao processo de execução.
Decisão publicada no Informativo 601 do STJ - 2017
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