Inicialmente cumpre salientar, que as Turmas de direito privado do Superior Tribunal de Justiça possuem entendimento no sentido de que é possível o deferimento de pedido de recuperação judicial do produtor rural que exerça atividade rural de forma empresarial há mais de dois anos, ainda que esteja registrado na Junta Comercial por tempo inferior àquele biênio.
Com efeito, a recuperação judicial é instrumento jurisdicional de superação da crise econômico-financeira da atividade empresarial. Revela-se como artefato viabilizador do desenvolvimento econômico, social, cultural e ambiental, na medida em que promove a continuidade da atividade econômica da empresa com potencial de realização.
Não há dúvidas de que o valor a ser protegido pelo instituto é o da ordem econômica, não sendo raros os casos em que o interesse do empresário, individualmente considerado, é sacrificado em deferência à salvaguarda da empresa, enquanto unidade econômica de utilidade social.
Nesse caminho, o instituto da recuperação, em substituição à concordata, expande o conceito da empresa por um cenário exógeno, a partir de um novo paradigma: uma nova teoria da preservação da unidade produtiva, em razão da função social metaindividual, em que a eficiência econômica deixa de ser a primordial preocupação.
Concomitantemente, observa-se que o exercício profissional da atividade econômica é associado à habitualidade, à pessoalidade e à sua organização, bem como à forma como ela é praticada. Assim, a atividade empresária é aquela que promove a circulação de bens e serviços, com geração de receitas, passível de valoração econômica no mercado e apta a gerar lucros.
O Código Civil previu, em seu art. 967, a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis e, a partir dessa previsão, a doutrina pôs-se a investigar a natureza daquele ato, se constitutivo da condição de empresário ou se declaratório, uma vez que, na definição exposta no art. 966 o objeto de identificação eleito foi a atividade exercida desacompanhada da formalidade inscricional.
Há doutrinadores que sustentam que o registro apenas declara a condição de empresário individual, tornando-o regular, mas não o transforma em empresário. Esta Corte já afirmou a natureza declaratória atribuída ao registro efetivado pelo empresário na Junta Comercial.
Assim, nos termos da teoria da empresa, a qualidade de empresário rural também se verificará sempre que comprovado o exercício profissional da atividade econômica rural organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, independentemente da efetivação da inscrição na Junta Comercial.
O art. 48 da Lei n. 11.101/2005 anuncia as condições de admissibilidade do requerimento da recuperação judicial. Assim, quanto ao produtor rural, a condição de procedibilidade da recuperação judicial estará satisfeita sempre que realizado o registro na forma da lei e comprovada a exploração da atividade rural de forma empresarial por mais de dois anos.
No que diz respeito à "exploração da atividade rural de forma empresarial por mais de dois anos", entendem ambas as Turmas da Segunda Seção deste Superior Tribunal que, apesar da necessidade do registro antes do pedido de recuperação, não há, por parte da legislação, exigência de que o ato registral ocorra há dois anos da formalização do pedido.
Ademais, conforme elucida a doutrina, um período mínimo de exploração de atividade econômica por parte do requerente da recuperação judicial precisou ser estipulado, porque o legislador considerou não consolidada a importância da empresa que atua há menos de dois anos para economia local, regional ou nacional.
O argumento é coerente. A consolidação de uma empresa não ocorre do dia para a noite. A conquista da clientela, a fixação do ponto comercial e o desenvolvimento de técnica particular são fatores construídos com o tempo de atuação da empresa. O que a lei pretende, em verdade, é assegurar a utilização do instituto a empresas já consolidadas. A contrario sensu, uma vez comprovado, por quaisquer meios, o exercício consolidado da atividade pelo período determinado pela lei, atestada estará a relevância da empresa rural, qualificando-a, assim, ao deferimento do processamento da recuperação.
Destarte, o registro empresarial deve, sim, ser realizado antes da impetração da recuperação judicial (critério formal). Contudo, a comprovação da regularidade da atividade empresarial pelo biênio mínimo (art. 48 da Lei n. 11.101/2005) será aferida pela manutenção e continuidade do exercício profissional (critério material).
Cabe ainda salientar a publicação da Lei n. 14.112/2020, que alterou a Lei n. 11.101/2005, reformulando o sistema de insolvência empresarial brasileiro, com previsão orientada à regulamentação da situação do produtor rural.
Nesse passo, deve ser fixada tese do recurso repetitivo nos seguintes termos: "Ao produtor rural que exerça sua atividade de forma empresarial há mais de dois anos é facultado requerer a recuperação judicial, desde que esteja inscrito na Junta Comercial no momento em que formalizar o pedido recuperacional, independentemente do tempo de seu registro".
|
Precisa estar logado para fazer comentários.