A reforma introduzida pela Lei n. 13.964/2019 ("Lei Anticrime"), preservando e valorizando as características essenciais da estrutura acusatória do processo penal brasileiro, modificou a disciplina das medidas de natureza cautelar, especialmente as de caráter processual, estabelecendo um modelo mais coerente com as características do moderno processo penal.
Após o início da vigência da mencionada lei, houve a inserção do art. 3º-A ao CPP e a supressão do termo "de ofício" que constava do art. 282, §§ 2º e 4º, e do art. 311, todos do Código de Processo Penal.
Assim sendo, o art. 310 e os demais dispositivos do Código de Processo Penal devem ser interpretados privilegiando o regime do sistema acusatório vigente em nosso país, nos termos da Constituição Federal, que outorgou ao Parquet a relevante função institucional, dentre outras, de "promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei" (art. 129, I, CF), ressalvada a hipótese, que é excepcional, prevista no art. 5º, LIX, da Carta Política e do próprio Código de Processo Penal.
Assim, a despeito da manifestação do Ministério Público em audiência de custódia, a prisão que venha a ser decretada por Magistrado, à revelia de um requerimento expresso nesse sentido, configura uma atuação de ofício em contrariedade ao que dispõe a nova regra processual penal.
Não se desconhece a existência de um precedente da Sexta Turma deste Tribunal acerca do tema, validando a decretação da prisão preventiva mesmo diante de requerimento expresso do Ministério Público para aplicar apenas as medidas cautelares. De acordo com a maioria dos membros do órgão fracionário, a "A determinação do Magistrado, em sentido diverso do requerido pelo Ministério Público, pela autoridade policial ou pelo ofendido, não pode ser considerada como atuação ex officio, uma vez que lhe é permitido atuar conforme os ditames legais, desde que previamente provocado, no exercício de sua jurisdição".
Contudo, aduzem-se votos divergentes, os quais fundamentam o estudo da tese em questão, no sentido de que: (I) "o juiz não deveria, sob os auspícios do sistema acusatório, decretar a prisão, como a cautelar máxima, atendo-se, diversamente, ao pedido do dominus litis." (Ministro Olindo Menezes); e (II) a decisão do Magistrado "tem como limite o que foi requerido pelo titular da ação. Ir além do que foi pedido será permitir que o juiz tenha uma iniciativa incompatível com o sistema acusatório, substituindo ou corrigindo, a seu bel prazer, a vontade do órgão de acusação ou suprindo suas eventuais falhas ou omissões (que são omissões ou falhas ao olhar do próprio juiz)" (Ministro Sebastião Reis).
Assim, tratando-se de pedido do Ministério Público limitado à aplicação de medidas cautelares ao preso em flagrante, é vedado ao juiz decretar a medida mais gravosa, a prisão preventiva, por configurar uma atuação de ofício.
Por último, a manifestação posterior do Ministério Público favorável à manutenção da prisão preventiva, proferida em sede de habeas corpus originário, não supre a ilegalidade da prisão decretada de ofício em primeiro grau, por se tratar de ação de manejo exclusivo da defesa em benefício do réu.
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