A Terceira Seção desta Corte Superior uniformizou a interpretação a ser conferida ao art. 23 da Lei n. 13.431/2017 no julgamento do EAREsp 2.099.532/RJ, fixando a tese de que, após o advento desta norma, "nas comarcas em que não houver vara especializada em crimes contra a criança e o adolescente, compete à vara especializada em violência doméstica, onde houver, processar e julgar os casos envolvendo estupro de vulnerável cometido pelo pai (bem como pelo padrasto, companheiro, namorado ou similar) contra a filha (ou criança ou adolescente) no ambiente doméstico ou familiar", ressalvada a modulação de efeitos realizada naquele julgamento.
O Legislador estabeleceu, no caput do artigo supracitado, como possibilidade aos órgãos responsáveis pela organização judiciária, a criação de varas especializadas em crimes contra a criança e o adolescente. Enquanto não instituídas as varas especializadas, o parágrafo único do mesmo dispositivo legal determinou que as causas decorrentes de práticas de violência contra crianças e adolescentes, independentemente de considerações acerca do sexo da vítima ou da motivação da violência, deveriam tramitar nos juizados ou varas especializadas em violência doméstica.
Desse modo, as ações penais que apurem crimes envolvendo violência contra crianças e adolescentes devem tramitar nas varas especializadas previstas no caput do art. 23 do referido diploma legal e, caso elas ainda não tenham sido criadas, nos juizados ou varas especializadas em violência doméstica, conforme determina o parágrafo único do mesmo artigo. Somente nas comarcas em que não houver varas especializadas em violência contra crianças e adolescentes ou juizados/varas de violência doméstica, poderá a ação tramitar na vara criminal comum.
Esta interpretação tem como objetivo, em primeiro lugar, evitar que os dispositivos da Lei n. 13.431/2017 se transformem em letra morta, o que frustraria o objetivo legislativo de instituir um regime judicial protetivo especial para crianças e adolescentes vítimas de violências. De outra parte, também concretiza os princípios da proteção integral e da absoluta prioridade (art. 227 da Constituição Federal), bem como o compromisso internacional do Brasil em proteger crianças e adolescentes contra todas as formas de violência (art. 19 do Decreto n. 99.710/1990), estabelecendo que a submissão destes à competência especializada decorre de sua vulnerabilidade enquanto pessoa humana em desenvolvimento, independentemente de considerações quanto ao sexo, motivação do crime, circunstâncias da violência ou outras questões similares.
Outrossim, a tese de que o alargamento da competência dos juízos especializados em violência doméstica poderá prejudicar a prestação jurisdicional precípua destes órgãos, qual seja, de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, não justifica que se desconsidere a disposição expressa da lei. Em verdade, incumbe aos órgãos responsáveis pela organização judiciária avaliar o impacto do processamento de tais ações penais sobre os juizados de violência doméstica e, analisando as peculiaridades de cada local, criar as varas ou juizados especializados, na forma do art. 23 da Lei n. 13.431/17, dando assim cumprimento à imposição legal de conferir prestação jurisdicional célere e especializada tanto às mulheres quanto às crianças e adolescentes.
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