No que diz respeito ao sistema credit scoring, definiu-se que: a) é um método desenvolvido para avaliação do risco de concessão de crédito, a partir de modelos estatísticos, considerando diversas variáveis, com atribuição de uma pontuação ao consumidor avaliado (nota do risco de crédito); b) essa prática comercial é lícita, estando autorizada pelo art. 5º, IV, e pelo art. 7º, I, da Lei 12.414/2011 (Lei do Cadastro Positivo); c) na avaliação do risco de crédito, devem ser respeitados os limites estabelecidos pelo sistema de proteção do consumidor no sentido da tutela da privacidade e da máxima transparência nas relações negociais, conforme previsão do CDC e da Lei 12.414/2011; d) apesar de desnecessário o consentimento do consumidor consultado, devem ser a ele fornecidos esclarecimentos, caso solicitados, acerca das fontes dos dados considerados (histórico de crédito), bem como as informações pessoais valoradas; e) o desrespeito aos limites legais na utilização do sistema credit scoring, configurando abuso no exercício desse direito (art. 187 do CC), pode ensejar a responsabilidade objetiva e solidária do fornecedor do serviço, do responsável pelo banco de dados, da fonte e do consulente (art. 16 da Lei 12.414/2011) pela ocorrência de danos morais nas hipóteses de utilização de informações excessivas ou sensíveis (art. 3º, § 3º, I e II, da Lei 12.414/2011), bem como nos casos de comprovada recusa indevida de crédito pelo uso de dados incorretos ou desatualizados. REsp 1.419.697-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 12/11/2014.
Não se submete à competência do juízo universal da recuperação judicial a ação de despejo movida, com base na Lei 8.245/1991 (Lei do Inquilinato), pelo proprietário locador para obter, unicamente, a retomada da posse direta do imóvel locado à sociedade empresária em recuperação. A Lei da Recuperação Judicial (Lei 11.101/2005) não prevê exceção que ampare o locatário que tenha obtido o deferimento de recuperação judicial, estabelecendo, ao contrário, que o credor proprietário de bem imóvel, quanto à retomada do bem, não se submete aos efeitos da recuperação judicial (art. 49, § 3º, da Lei 11.101/2005). Na espécie, tratando-se de credor titular da posição de proprietário, prevalecem os direitos de propriedade sobre a coisa, sendo inaplicável à hipótese de despejo a exceção prevista no § 3º, in fine, do art. 49 da Lei 11.101/2005 – que não permite, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º da referida lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial –, pois, no despejo, regido por legislação especial, tem-se a retomada do imóvel locado, e não se trata de venda ou mera retirada do estabelecimento do devedor de bem essencial a sua atividade empresarial. Nesse sentido, a melhor interpretação a ser conferida aos arts. 6º e 49 da Lei 11.101/2005 é a de que, em regra, apenas os credores de quantia líquida se submetem ao juízo da recuperação, com exclusão, dentre outros, do titular do direito de propriedade. Portanto, conclui-se que a efetivação da ordem do despejo não se submete à competência do Juízo universal da recuperação, não se confundindo com eventual execução de valores devidos pelo locatário relativos a aluguéis e consectários, legais e processuais, ainda que tal pretensão esteja cumulada na ação de despejo. Precedente citado: AgRg no CC 103.012-GO, Segunda Seção, DJe de 24/6/2010. CC 123.116-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 14/8/2014.
O valor de R$ 20 mil fixado pela Portaria MF 75/2012 – empregado como critério para o arquivamento, sem baixa na distribuição, das execuções fiscais de débitos inscritos na Dívida Ativa da União – não pode ser utilizado como parâmetro para fins de aplicação do princípio da insignificância aos crimes de descaminho. Inicialmente, importante ressaltar que o entendimento, tanto do STF quanto do STJ (REsp 1.112.748-TO, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, DJe 13/10/2009), tem sido o de que incide o princípio da insignificância no crime de descaminho quando o valor dos tributos iludidos não ultrapassar o montante de R$ 10 mil, valor este fixado pela Lei 10.522/2002 para servir como piso para arquivamento, sem baixa nos autos, de execuções fiscais. Mais recentemente, o Ministério da Fazenda editou a Portaria MF 75/2012, a qual elevou o valor de arquivamento para R$ 20 mil. Desde então, o STF tem, em alguns de seus julgados, empregado o referido patamar para reconhecer a aplicação do princípio da insignificância ao descaminho, quando o valor dos tributos iludidos não ultrapassar o montante de R$ 20 mil. Não obstante esse entendimento, importante analisar a validade formal da elevação do parâmetro pela Portaria MF 75/2012. Nesse passo, ressalte-se que, atualmente, com o advento da Lei 10.522/2002, o Ministro da Fazenda possui autonomia tão somente para estabelecer o cronograma, determinando as prioridades e as condições a serem obedecidas quando forem remetidos os débitos passíveis de inscrição em Dívida Ativa da União e cobrança judicial pela Procuradoria da Fazenda Nacional. A lei não previu a competência para que o Ministro da Fazenda, por meio de portaria, altere o valor fixado como parâmetro para arquivamento de execução fiscal, sem baixa na distribuição. Com isso, a alteração do valor para arquivamento de execução fiscal só pode ser realizada por meio de lei, não sendo a referida portaria, portanto, meio normativo válido para esse fim. Ademais, da leitura da aludida portaria, extrai-se que o valor foi estabelecido para orientar a ação em sede executivo-fiscal, com base apenas no custo benefício da operação; claramente, portanto, como uma opção de política econômico-fiscal. Em vista disso, importante ponderar: pode-se aceitar que o Poder Judiciário se veja limitado por parâmetro definido por autoridade do Poder Executivo, estabelecido unicamente por critérios de eficiência, economicidade, praticidade e as peculiaridades regionais e/ou do débito? Afigura-se inusitada a compreensão de que o Ministro da Fazenda, por meio de portaria, ao alterar o patamar de arquivamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Pública, determine o rumo da jurisdição criminal de outro Poder da República. Por fim, não há como aplicar os princípios da fragmentariedade e da subsidiariedade do Direito Penal ao caso analisado. O caráter fragmentário orienta que o Direito Penal só pode intervir quando se trate de tutelar bens fundamentais e contra ofensas intoleráveis; já o caráter subsidiário significa que a norma penal exerce uma função meramente suplementar da proteção jurídica em geral, só valendo a imposição de suas sanções quando os demais ramos do Direito não mais se mostrem eficazes na defesa dos bens jurídicos. Os referidos princípios penais ganhariam relevo se o atuar do Direito Administrativo eliminasse a lesão ao erário, e não na situação ora analisada, em que, por opção decorrente da confessada ineficiência da Procuradoria da Fazenda Nacional, queda-se inerte a Administração Pública quanto ao seu dever de cobrar judicialmente os tributos iludidos. REsp 1.393.317-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 12/11/2014.
O militar aprovado em concurso público tem direito a ser agregado durante o prazo de conclusão de curso de formação, com direito à opção pela respectiva remuneração. Precedentes citados: AgRg no AREsp 134.481-BA, Segunda Turma, DJe 2/5/2012; AgRg no AREsp 172.343-RO, Segunda Turma, DJe 1/8/2012; e AgRg no REsp 1.007.130-RJ, Sexta Turma, DJe 21/2/2011. AgRg no REsp 1.470.618-RN, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 16/10/2014.
Havendo condenação da Fazenda Pública ao pagamento da multa prevista no art. 557, § 2º, do CPC, a interposição de qualquer outro recurso fica condicionada ao depósito prévio do respectivo valor. O art. 557, § 2º, do CPC é taxativo ao dispor que “Quando manifestamente inadmissível ou infundado o agravo, o tribunal condenará o agravante a pagar ao agravado multa entre 1% (um por cento) e 10% (dez por cento) do valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor”. De fato, a multa pelo uso abusivo do direito de recorrer caracteriza-se como requisito de admissibilidade do recurso, sendo o seu depósito prévio medida adequada para conferir maior efetividade ao postulado da lealdade processual, impedindo a prática de atos atentatórios à dignidade da justiça, bem como a litigância de má-fé. Nesse contexto, tanto o STJ quanto o STF têm consignado que o prévio depósito da multa referente a agravo regimental manifestamente inadmissível ou infundado (§ 2º do art. 557), aplicada pelo abuso do direito de recorrer, também é devido pela Fazenda Pública. Além disso, a alegação de que o art. 1º-A da Lei 9.494/1997 dispensa os entes públicos da realização de prévio depósito para a interposição de recurso não deve prevalecer, em face da cominação diversa, explicitada no art. 557, § 2º, do CPC. Este dispositivo legal foi inserido pela Lei 9.756/1998, que trouxe uma série de mecanismos para acelerar a tramitação processual, como, por exemplo, a possibilidade de o relator, nas hipóteses cabíveis, dar provimento ou negar seguimento, monocraticamente, ao agravo. Assim, esse dispositivo deve ser interpretado em consonância com os fins buscados com a alteração legislativa. Nesse sentido, “não se pode confundir o privilégio concedido à Fazenda Pública, consistente na dispensa de depósito prévio para fins de interposição de recurso, com a multa instituída pelo artigo 557, § 2º, do CPC, por se tratar de institutos de natureza diversa” (AgRg no AREsp 513.377-RN, Segunda Turma, DJe de 15/8/2014). Precedentes citados do STJ: AgRg nos EAREsp 22.230-PA, Corte Especial, DJe de 1º/7/2014; EAg 493.058-SP, Primeira Seção, DJU de 1º/8/2006; AgRg no Ag 1.425.712-MG, Primeira Turma, DJe 15/5/2012; AgRg no AREsp 383.036-MS, Segunda Turma, DJe 16/9/2014; e AgRg no AREsp 131.134-RS, Quarta Turma, DJe 19/3/2014. Precedentes citados do STF: RE 521.424-RN AgR-EDv-AgR, Tribunal Pleno, DJe 27/08/2010; e AI 775.934-AL AgR-ED-ED, Tribunal Pleno, DJe 13/12/2011. AgRg no AREsp 553.788-DF, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 16/10/2014.
Quando irregularmente ocupado o bem público, não há que se falar em direito de retenção pelas benfeitorias realizadas, tampouco em direito a indenização pelas acessões, ainda que as benfeitorias tenham sido realizadas de boa-fé. Isso porque nesta hipótese não há posse, mas mera detenção, de natureza precária. Dessa forma, configurada a ocupação indevida do bem público, resta afastado o direito de retenção por benfeitorias e o pleito indenizatório à luz da alegada boa-fé. Precedentes citados: AgRg no AREsp 456.758-SP, Segunda Turma, DJe 29/4/2014; e REsp 850.970-DF, Primeira Turma, DJe 11/3/2011. AgRg no REsp 1.470.182-RN, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 4/11/2014.
Não há imunidade tributária em relação ao ICMS decorrente da prática econômica desenvolvida por entidade de assistência social sem fins lucrativos que tem por finalidade realizar ações que visem à promoção da pessoa com deficiência, quando desempenhar atividade franqueada da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), ainda que a renda obtida reverta-se integralmente aos fins institucionais da referida entidade. De fato, a jurisprudência do STF é firme no sentido de que a imunidade prevista no art. 150, VI, c, da CF também se aplica ao ICMS, desde que a atividade seja relacionada com as finalidades essenciais da entidade. Assim, a referida imunidade compreende somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nele mencionadas (art. 150, § 4º, da CF). Nesse mesmo sentido, o art. 14, § 2º, do CTN afirma que os serviços imunes das instituições de assistência social são, exclusivamente, os diretamente relacionados com os objetivos institucionais da entidade, previstos nos respectivos estatutos ou atos constitutivos. Desse modo, a imunidade em relação ao ICMS não pode ser concedida no caso, porquanto a atividade econômica fraqueada dos Correios foge dos fins institucionais da entidade, ou seja, o serviço prestado não possui relação com seus trabalhos na área de assistência social, ainda que o resultado das vendas seja revertido em prol das suas atividades essenciais. RMS 46.170-MS, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 23/10/2014.
Não cabem embargos infringentes quando o Tribunal reduz, por maioria, o valor da indenização fixado na sentença, enquanto o voto vencido pretendia diminuir o referido montante em maior extensão. A partir da Lei 10.352/2001 – que conferiu nova redação ao art. 530 do CPC – o cabimento dos embargos infringentes passou a pressupor, além da existência de julgamento não unânime (requisito já previsto na sistemática da redação anterior), a reforma de sentença de mérito. Na hipótese em apreço, o voto vencido, ao reduzir em maior extensão, de certa forma também concordou, pelo menos, com a diminuição estabelecida pela maioria vencedora. Ou seja, todos os julgadores concordaram que a indenização deveria ser reduzida para montante inferior ao arbitrado pela sentença, sendo que o voto vencido pretendia apenas baixar ainda mais o montante indenizatório. Sendo assim, de acordo com a inteligência da redação atual do art. 530 do CPC, embora não seja necessário que o voto vencido corresponda à sentença, deve estar ele mais próximo dela do que os votos vencedores para que seja reconhecido o cabimento dos embargos infringentes. Precedente citado: REsp 1.284.035-MS, Terceira Turma, DJe 20/5/2013. REsp 1.308.957-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 2/10/2014.
O proprietário de automóvel furtado não terá direito a indenização securitária se a proposta de seguro do seu veículo somente houver sido enviada à seguradora após a ocorrência do furto. O contrato de seguro, para ser concluído, necessita passar, comumente, por duas fases: i) a da proposta, em que o segurado fornece as informações necessárias para o exame e a mensuração do risco, indispensável para a garantia do interesse segurável; e ii) a da recusa ou aceitação do negócio pela seguradora, ocasião em que a seguradora emitirá, no caso de aceitação, a apólice. A proposta é a manifestação da vontade de apenas uma das partes e, no caso do seguro, deverá ser escrita e conter a declaração dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco. Todavia, a proposta não gera, por si só, o contrato, que depende de consentimento recíproco de ambos os contratantes. Assim, para que o contrato de seguro se aperfeiçoe, são imprescindíveis o envio da proposta pelo interessado ou pelo corretor e o consentimento, expresso ou tácito, da seguradora, mesmo sendo dispensáveis a apólice ou o pagamento de prêmio. Desse modo, nota-se que, no caso em apreço, não há a manifestação de vontade no sentido de firmar a avença em tempo hábil, tampouco existe a concordância, ainda que tácita, da seguradora. Além disso, nessa hipótese, quando o proponente decidiu ultimar a avença, já não havia mais o objeto do contrato (interesse segurável ou risco futuro). REsp 1.273.204-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 7/10/2014.
Será inválido o testamento particular redigido de próprio punho quando não for assinado pelo testador. De fato, diante da falta de assinatura, não é possível concluir, de modo seguro, que o testamento escrito de próprio punho exprime a real vontade do testador. A propósito, a inafastabilidade da regra que estatui a assinatura do testador como requisito essencial do testamento particular (art. 1.645, I, do CC/1916 e art. 1.876, § 1º, CC/2002) faz-se ainda mais evidente se considerada a inovação trazida pelos arts. 1.878 e 1.879 do CC/2002, que passaram a admitir a possibilidade excepcional de confirmação do testamento particular escrito de próprio punho nas hipóteses em que ausentes as testemunhas, desde que, frise-se, assinado pelo testador. Nota-se, nesse contexto, que a assinatura, além de requisito legal, é mais que mera formalidade, consistindo verdadeiro pressuposto de validade do ato, que não pode ser relativizado. REsp 1.444.867-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 23/9/2014.
Admitiu-se, excepcionalmente, a adoção de neto por avós, tendo em vista as seguintes particularidades do caso analisado: os avós haviam adotado a mãe biológica de seu neto aos oito anos de idade, a qual já estava grávida do adotado em razão de abuso sexual; os avós já exerciam, com exclusividade, as funções de pai e mãe do neto desde o seu nascimento; havia filiação socioafetiva entre neto e avós; o adotado, mesmo sabendo de sua origem biológica, reconhece os adotantes como pais e trata a sua mãe biológica como irmã mais velha; tanto adotado quanto sua mãe biológica concordaram expressamente com a adoção; não há perigo de confusão mental e emocional a ser gerada no adotando; e não havia predominância de interesse econômico na pretensão de adoção. De fato, a adoção de descendentes por ascendentes passou a ser censurada sob o fundamento de que, nessa modalidade, havia a predominância do interesse econômico, pois as referidas adoções visavam, principalmente, à possibilidade de se deixar uma pensão em caso de falecimento, até como ato de gratidão, quando se adotava quem havia prestado ajuda durante períodos difíceis. Ademais, fundamentou-se a inconveniência dessa modalidade de adoção no argumento de que haveria quebra da harmonia familiar e confusão entre os graus de parentesco, inobservando-se a ordem natural existente entre parentes. Atento a essas críticas, o legislador editou o § 1º do art. 42 do ECA, segundo o qual “Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando”, visando evitar que o instituto fosse indevidamente utilizado com intuitos meramente patrimoniais ou assistenciais, bem como buscando proteger o adotando em relação a eventual confusão mental e patrimonial decorrente da transformação dos avós em pais e, ainda, com a justificativa de proteger, essencialmente, o interesse da criança e do adolescente, de modo que não fossem verificados apenas os fatores econômicos, mas principalmente o lado psicológico que tal modalidade geraria no adotado. No caso em análise, todavia, é inquestionável a possibilidade da mitigação do § 1º do art. 42 do ECA, haja vista que esse dispositivo visa atingir situação distinta da aqui analisada. Diante da leitura do art. 1º do ECA (“Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”) e do art. 6º desse mesmo diploma legal (“Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento”), deve-se conferir prevalência aos princípios da proteção integral e da garantia do melhor interesse do menor. Ademais, o § 7º do art. 226 da CF deu ênfase à família, como forma de garantir a dignidade da pessoa humana, de modo que o direito das famílias está ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana de forma molecular. É também com base em tal princípio que se deve solucionar o caso analisado, tendo em vista se tratar de supraprincípio constitucional. Nesse contexto, não se pode descuidar, no direito familiar, de que as estruturas familiares estão em mutação e, para se lidar com elas, não bastam somente as leis. É necessário buscar subsídios em diversas áreas, levando-se em conta aspectos individuais de cada situação e os direitos de 3ª Geração. Dessa maneira, não cabe mais ao Judiciário fechar os olhos à realidade e fazer da letra do § 1º do art. 42 do ECA tábula rasa à realidade, de modo a perpetuar interpretação restrita do referido dispositivo, aplicando-o, por consequência, de forma estrábica e, dessa forma, pactuando com a injustiça. No caso analisado, não se trata de mero caso de adoção de neto por avós, mas sim de regularização de filiação socioafetiva. Deixar de permitir a adoção em apreço implicaria inobservância aos interesses básicos do menor e ao princípio da dignidade da pessoa humana. REsp 1.448.969-SC, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 21/10/2014.
O advogado que tenha contra si decretada prisão civil por inadimplemento de obrigação alimentícia não tem direito a ser recolhido em sala de Estado Maior ou, na sua ausência, em prisão domiciliar. A norma do inciso V do art. 7º da Lei 8.906/1994 – relativa à prisão do advogado, antes de sua condenação definitiva, em sala de Estado Maior, ou, na sua falta, no seu domicílio – restringe-se à prisão penal, de índole punitiva. O referido artigo é inaplicável à prisão civil, pois, enquanto meio executivo por coerção pessoal, sua natureza já é de prisão especial, porquanto o devedor de alimentos detido não será segregado com presos comuns. Ademais, essa coerção máxima e excepcional decorre da absoluta necessidade de o coagido cumprir, o mais brevemente possível, com a obrigação de alimentar que a lei lhe impõe, visto que seu célere adimplemento está diretamente ligado à subsistência do credor de alimentos. A relevância dos direitos relacionados à obrigação – vida e dignidade – exige que à disposição do credor se coloque meio executivo que exerça pressão séria e relevante em face do obrigado. Impõe-se evitar um evidente esvaziamento da razão de ser de meio executivo que extrai da coerção pessoal a sua força e utilidade, não se mostrando sequer razoável substituir o cumprimento da prisão civil em estabelecimento prisional pelo cumprimento em sala de Estado Maior, ou, na sua falta, em prisão domiciliar. Precedente citado: HC 181.231-RO, Terceira Turma, DJe 14/4/2011. HC 305.805-GO, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 13/10/2014 (Vide Informativo nº 537).
É válida a cláusula, prevista em contrato de seguro-saúde, que autoriza o aumento das mensalidades do seguro quando o usuário completar sessenta anos de idade, desde que haja respeito aos limites e requisitos estabelecidos na Lei 9.656/1998 e, ainda, que não se apliquem índices de reajuste desarrazoados ou aleatórios, que onerem em demasia o segurado. Realmente, sabe-se que, quanto mais avançada a idade do segurado, independentemente de ser ele enquadrado ou não como idoso, maior será seu risco subjetivo, pois normalmente a pessoa de mais idade necessita de serviços de assistência médica com maior frequência do que a que se encontra em uma faixa etária menor. Trata-se de uma constatação natural, de um fato que se observa na vida e que pode ser cientificamente confirmado. Por isso mesmo, os contratos de seguro-saúde normalmente trazem cláusula prevendo reajuste em função do aumento da idade do segurado, tendo em vista que os valores cobrados a título de prêmio devem ser proporcionais ao grau de probabilidade de ocorrência do evento risco coberto. Maior o risco, maior o valor do prêmio. Atento a essa circunstância, o legislador editou a Lei 9.656/1998, preservando a possibilidade de reajuste da mensalidade de seguro-saúde em razão da mudança de faixa etária do segurado, estabelecendo, contudo, algumas restrições a esses reajustes (art. 15). Desse modo, percebe-se que ordenamento jurídico permitiu expressamente o reajuste das mensalidades em razão do ingresso do segurado em faixa etária mais avançada em que os riscos de saúde são abstratamente elevados, buscando, assim, manter o equilíbrio atuarial do sistema. Posteriormente, em razão do advento do art. 15, § 3º, da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) que estabelece ser “vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade”, impõe-se encontrar um ponto de equilíbrio na interpretação dos diplomas legais que regem a matéria, a fim de se chegar a uma solução justa para os interesses em conflito. Nesse passo, não é possível extrair-se do art. 15, § 3º, do Estatuto do Idoso uma interpretação que repute, abstratamente, abusivo todo e qualquer reajuste que se baseie em mudança de faixa etária, mas tão somente o aumento discriminante, desarrazoado, que, em concreto, traduza verdadeiro fator de discriminação do idoso, por visar dificultar ou impedir a permanência dele no seguro-saúde; prática, aliás, que constitui verdadeiro abuso de direito e violação ao princípio da igualdade e divorcia-se da boa-fé contratual. Ressalte-se que o referido vício – aumento desarrazoado – caracteriza-se pela ausência de justificativa para o nível do aumento aplicado. Situação que se torna perceptível, sobretudo, pela demasiada majoração do valor da mensalidade do contrato de seguro de vida do idoso, quando comparada com os percentuais de reajustes anteriormente postos durante a vigência do pacto. Igualmente, na hipótese em que o segurador se aproveita do advento da idade do segurado para não só cobrir despesas ou riscos maiores, mas também para aumentar os lucros há, sim, reajuste abusivo e ofensa às disposições do CDC. Além disso, os custos pela maior utilização dos serviços de saúde pelos idosos não podem ser diluídos entre os participantes mais jovens do grupo segurado, uma vez que, com isso, os demais segurados iriam, naturalmente, reduzir as possibilidades de seu seguro-saúde ou rescindi-lo, ante o aumento da despesa imposta. Nessa linha intelectiva, não se pode desamparar uns, os mais jovens e suas famílias, para pretensamente evitar a sobrecarga de preço para os idosos. Destaque-se que não se está autorizando a oneração de uma pessoa pelo simples fato de ser idosa; mas, sim, por demandar mais do serviço ofertado. Nesse sentido, considerando-se que os aumentos dos seguros-saúde visam cobrir a maior demanda, não se pode falar em discriminação, que somente existiria na hipótese de o aumento decorrer, pura e simplesmente, do advento da idade. Portanto, excetuando-se as situações de abuso, a norma inserida na cláusula em análise – que autoriza o aumento das mensalidades do seguro em razão de o usuário completar sessenta anos de idade – não confronta o art. 15, § 3º, do Estatuto do Idoso, que veda a discriminação negativa, no sentido do injusto. Precedente citado: REsp 866.840-SP, Quarta Turma, DJe 17/8/2011. REsp 1.381.606-DF, Rel. originária Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. João Otávio De Noronha, julgado em 7/10/2014.
Nos casos de equívoco facilmente perceptível na indicação da autoridade coatora, o juiz competente para julgar o mandado de segurança pode autorizar a emenda da petição inicial ou determinar a notificação, para prestar informações, da autoridade adequada – aquela de fato responsável pelo ato impugnado –, desde que seja possível identificá-la pela simples leitura da petição inicial e exame da documentação anexada. De fato, nem sempre é fácil para o impetrante identificar a autoridade responsável pela concretização do ato que entende violador de seu direito líquido e certo. A nova Lei do Mandado de Segurança (Lei 12.016/2009), entretanto, trouxe importante dispositivo em seu art. 6º, § 3º, que muito contribuiu para a solução do problema, permitindo ao julgador, pela análise do ato impugnado na exordial, identificar corretamente o impetrado, não ficando restrito à eventual literalidade de equivocada indicação. Precedente citado: AgRg no RMS 32.184-PI, Segunda Turma, Dje 29/5/2012. RMS 45.495-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 26/8/2014.
A seguradora ou operadora de plano de saúde deve custear tratamento experimental existente no País, em instituição de reputação científica reconhecida, de doença listada na CID-OMS, desde que haja indicação médica para tanto, e os médicos que acompanhem o quadro clínico do paciente atestem a ineficácia ou a insuficiência dos tratamentos indicados convencionalmente para a cura ou controle eficaz da doença. Cumpre esclarecer que o art. 12 da Lei 9.656/1998 estabelece as coberturas mínimas que devem ser garantidas aos segurados e beneficiários dos planos de saúde. Nesse sentido, as operadoras são obrigadas a cobrir os tratamentos e serviços necessários à busca da cura ou controle da doença apresentada pelo paciente e listada na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde (CID-OMS). Já o art. 10, I, da referida Lei estabelece que as seguradoras ou operadoras de plano de saúde podem excluir da cobertura o tratamento clínico ou cirúrgico experimental. Nessa linha intelectiva, a autorização legal para que um determinado tratamento seja excluído deve ser entendida em confronto com as coberturas mínimas que são garantidas. Tanto é assim que o art. 10 da Lei 9.656/1998 faz menção expressa ao art. 12 do mesmo diploma legal e vice-versa. Desse modo, o tratamento experimental, por força de sua recomendada utilidade, embora eventual, transmuda-se em tratamento mínimo a ser garantido ao paciente, escopo da Lei 9.656/1998, como se vê nos citados arts. 10 e 12. Isto é, nas situações em que os tratamentos convencionais não forem suficientes ou eficientes – fato atestado pelos médicos que acompanham o quadro clínico do paciente –, existindo no País tratamento experimental, em instituição de reputação científica reconhecida, com indicação para a doença, a seguradora ou operadora deve arcar com os custos do tratamento, na medida em que passa a ser o único de real interesse para o contratante. Assim, a restrição contida no art. 10, I, da Lei 9.656/1998 somente deve ter aplicação nas hipóteses em que os tratamentos convencionais mínimos garantidos pelo art. 12 da mesma Lei sejam de fato úteis e eficazes para o contratante segurado. Ou seja, não pode o paciente, à custa da seguradora ou operadora de plano de saúde, optar por tratamento experimental, por considerá-lo mais eficiente ou menos agressivo, pois lhe é disponibilizado tratamento útil, suficiente para atender o mínimo garantido pela Lei. REsp 1.279.241-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 16/9/2014.
Após a decretação da liquidação extrajudicial de instituição financeira, os juros contra a massa liquidanda, sejam eles legais ou contratuais, terão sua fluência ou contagem suspensa enquanto o passivo não for integralmente pago aos credores habilitados, devendo esses juros serem computados e pagos apenas após a satisfação integral do passivo se houver ativo que os suporte, observando-se a ordem do quadro geral de credores. De fato, a regra legal segundo a qual a decretação da liquidação extrajudicial produzirá, de imediato, a não fluência de juros (art. 18, d, da Lei 6.024/1974) não discrimina a natureza destes, se remuneratórios, moratórios ou legais. A respeito dessa discriminação, deve-se dizer que se trata de tipificação abrangente, na medida em que visa à preservação do ativo para pagamento da massa, por presumir, com caráter relativo, que o ativo não é suficiente para o pagamento de todos os credores. Dessa forma, na liquidação extrajudicial, os juros, sejam eles legais ou contratuais, têm sua fluência suspensa por força do art. 18, d, da Lei 6.024/1974, a exemplo do que ocorre durante o processamento da falência (art. 124 da Lei 11.101/2005, que, de forma expressa, prevê a inexigibilidade dos juros “previstos em lei ou em contrato” que tenham vencido após a decretação da falência, condicionada à ausência de ativo para o pagamento dos credores). REsp 1.102.850-PE, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 4/11/2014.
Não configura bis in idem a aplicação da agravante genérica prevista no art. 70, II, l, do CPM – incidente nos casos em que o militar pratica o delito estando de serviço – nos crimes de concussão (art. 305 do CPM) praticados em serviço. Isso porque a referida circunstância agravante não se insere no tipo penal descrito no art. 305 do CPM, cujo teor é o seguinte: “Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida”. Insta consignar que o militar pode cometer o delito de concussão estando ou não em serviço, mas o fato de estar “de serviço” torna o crime mais grave, pela particular infringência ao seu dever. Precedentes citados: AgRg no REsp 1.417.380-RJ, Quinta Turma, DJe de 17/2/2014; e HC 230.075-RJ, Quinta Turma, DJe de 19/12/213. HC 286.802-RJ, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 23/10/2014.
Não cabe substituir por pena restritiva de direitos, com fundamento no art. 44 do CP, a pena privativa de liberdade aplicada aos crimes militares. Isso porque o art. 59 do CPM disciplinou de modo diverso as hipóteses de substituição cabíveis sob sua égide. Precedente citado do STJ: AgRg no Ag 1.324.415-BA, Sexta Turma, DJe de 17/10/2012. Precedentes citados do STF: HC 94.083-DF, Segunda Turma, DJe de 12/3/2010; e HC 80.952-PR, Primeira Turma, DJ de 5/10/2001. HC 286.802-RJ, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 23/10/2014.
O reconhecimento da inépcia da denúncia em relação ao acusado de corrupção ativa (art. 333 do CP) não induz, por si só, o trancamento da ação penal em relação ao denunciado, no mesmo processo, por corrupção passiva (art. 317 do CP). Conquanto exista divergência doutrinária acerca do assunto, prevalece o entendimento de que, via de regra, os crimes de corrupção passiva e ativa, por estarem previstos em tipos penais distintos e autônomos, são independentes, de modo que a comprovação de um deles não pressupõe a do outro. Aliás, tal compreensão foi reafirmada pelo STF no julgamento da Ação Penal 470-DF, extraindo-se dos diversos votos nela proferidos a assertiva de que a exigência de bilateralidade não constitui elemento integrante da estrutura do tipo penal do delito de corrupção (AP 470-DF, Tribunal Pleno, DJe 19/4/2013). Não se desconhece o posicionamento no sentido de que, nas modalidades de recebimento ou aceitação da promessa de vantagem indevida, haveria bilateralidade da conduta, que seria precedida da ação do particular que a promove. Contudo, mesmo em tais casos, para que seja oferecida denúncia em face do autor da corrupção passiva é desnecessária a identificação ou mesmo a condenação do corruptor ativo, já que o princípio da indivisibilidade não se aplica às ações penais públicas. Ademais, a exclusão do acusado de corrupção ativa ocorreu apenas em razão da inépcia da denúncia, decisão que não faz coisa julgada material, permitindo que o órgão acusatório apresente outra peça vestibular quanto aos mesmos fatos sem os vícios outrora reconhecidos. Assim, não havendo qualquer decisão de mérito transitada em julgado que tenha afastado cabalmente a prática de corrupção ativa por parte do agente que teria oferecido ou prometido vantagem indevida a funcionário público, impossível o trancamento da ação quanto ao delito previsto no art. 317 do CP. RHC 52.465-PE, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 23/10/2014.
É possível a incidência da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) nas relações entre mãe e filha. Isso porque, de acordo com o art. 5º, III, da Lei 11.340/2006, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Da análise do dispositivo citado, infere-se que o objeto de tutela da Lei é a mulher em situação de vulnerabilidade, não só em relação ao cônjuge ou companheiro, mas também qualquer outro familiar ou pessoa que conviva com a vítima, independentemente do gênero do agressor. Nessa mesma linha, entende a jurisprudência do STJ que o sujeito ativo do crime pode ser tanto o homem como a mulher, desde que esteja presente o estado de vulnerabilidade caracterizado por uma relação de poder e submissão. Precedentes citados: HC 175.816-RS, Quinta Turma, DJe 28/6/2013; e HC 250.435-RJ, Quinta Turma, DJe 27/9/2013. HC 277.561-AL, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 6/11/2014.
A confissão qualificada – aquela na qual o agente agrega teses defensivas discriminantes ou exculpantes –, quando efetivamente utilizada como elemento de convicção, enseja a aplicação da atenuante prevista na alínea d do inciso III do artigo 65 do CP. Precedentes citados: AgRg no REsp 1.384.067-SE, Quinta Turma, DJe 12/2/2014; e AgRg no REsp 1.416.247-GO, Sexta Turma, DJe 15/5/2014. AgRg no REsp 1.198.354-ES, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 16/10/2014.
Em roubo praticado no interior de ônibus, o fato de a conduta ter ocasionado violação de patrimônios distintos – o da empresa de transporte coletivo e o do cobrador – não descaracteriza a ocorrência de crime único se todos os bens subtraídos estavam na posse do cobrador. É bem verdade que a jurisprudência do STJ e do STF entende que o roubo perpetrado com violação de patrimônios de diferentes vítimas, ainda que em um único evento, configura concurso formal de crimes, e não crime único. Todavia, esse mesmo entendimento não pode ser aplicado ao caso em que os bens subtraídos, embora pertençam a pessoas distintas, estavam sob os cuidados de uma única pessoa, a qual sofreu a grave ameaça ou violência. Precedente citado: HC 204.316-RS, Sexta Turma, DJe 19/9/2011. AgRg no REsp 1.396.144-DF, Rel. Min. Walter de Almeida Guilherme (Desembargador Convocado do TJ/SP), julgado em 23/10/2014.
Configura contrabando – e não descaminho – importar, à margem da disciplina legal, arma de pressão por ação de gás comprimido ou por ação de mola, ainda que se trate de artefato de calibre inferior a 6 mm, não sendo aplicável, portanto, o princípio da insignificância, mesmo que o valor do tributo incidente sobre a mercadoria seja inferior a R$ 10 mil. Na situação em análise, não se aplica o entendimento – firmado para os casos de descaminho – de que incide o princípio da insignificância quando o valor do tributo elidido for inferior a R$ 10 mil (REsp 1.112.748-TO, Terceira Seção, DJe 13/10/2009). Com efeito, nos casos de contrabando (importação ou exportação de mercadoria proibida), em que, para além da sonegação de tributos, há lesão à moral, higiene, segurança e saúde pública, não há como excluir a tipicidade material da conduta à vista do valor da evasão fiscal. No caso, embora não haja proibição absoluta de entrada no território nacional de arma de pressão, há inequívoca proibição relativa, haja vista se tratar de produto que se submete a rigorosa normatização federal de controle de comercialização e importação. De fato, conquanto armas de pressão por ação de gás comprimido ou por ação de mola de calibre inferior a 6 mm sejam de uso permitido (art. 17 do Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados – R-105, aprovado pelo Decreto 3.665/2000), a sua venda e a sua importação são controladas. No caso de importação, a aquisição da arma de pressão está sujeita a autorização prévia da Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército Brasileiro (art. 11, § 2º, da Portaria 6/2007 do Ministério da Defesa) e é restrita aos colecionadores, atiradores e caçadores registrados no Exército (art. 11, § 3º, da citada portaria), submetendo-se, ainda, às normas de importação e de desembaraço alfandegário previstas no Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados (R-105), aprovado pelo Decreto 3.665/2000. Nessa linha, por não estar a questão limitada ao campo da tributação, destaca-se que a jurisprudência do STJ nega aplicação do princípio da insignificância em sede de importação de produtos que, embora permitidos, submetem-se a proibição relativa – como, por exemplo, certos produtos agrícolas, cigarros, gasolina etc. (AgRg no AREsp 520.289-PR, Quinta Turma, DJe 2/9/2014; e AgRg no AREsp 327.927-PR, Quinta Turma, DJe 14/8/2014). REsp 1.427.796-RS, Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, julgado em 14/10/2014.
Não configura nulidade a negativa de pedido da Defensoria Pública de requisição de réu preso para entrevista pessoal com a finalidade de subsidiar a elaboração de defesa preliminar. Isso porque inexiste previsão legal que autorize a Defensoria Pública a transferir ao Poder Judiciário o ônus de promoção de entrevista pessoal do réu preso. Observe-se que o art. 185 do CPP garante ao acusado preso o direito à prévia entrevista pessoal com o respectivo defensor quando da realização do seu interrogatório ou de outros atos processuais que dependam da sua participação, hipóteses a que não se amolda a situação em análise. Ao que se tem, a realização de entrevista pessoal para esclarecimento de situações de fato, úteis à formulação da defesa dos réus presos, constitui, na verdade, atribuição da Defensoria Pública, cuja função consiste também em atuar diretamente nos presídios, conforme dispõe o art. 4º, XVII e § 11, da LC 80/1994. Além do mais, o direito de o preso ser requisitado para comparecer à Defensoria Pública estaria em colisão com o direito à segurança dos demais cidadãos, isso sem mencionar os recursos necessários para tal fim. Precedentes citados: RHC 40.980-RJ, Quinta Turma, DJe 8/5/2014; e RHC 36.495-RJ, Sexta Turma, DJe 5/9/2014. RHC 50.791-RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 14/10/2014.
Lei estadual pode conferir poderes ao Conselho da Magistratura para, excepcionalmente, atribuir aos Juizados da Infância e da Juventude competência para processar e julgar crimes contra a dignidade sexual em que figurem como vítimas crianças ou adolescentes. Embora haja precedentes do STJ em sentido contrário, em homenagem ao princípio da segurança jurídica, é de se seguir o entendimento assentado nas duas Turmas do STF no sentido de ser possível atribuir à Justiça da Infância e da Juventude, entre outras competências, a de processar e julgar crimes de natureza sexuais praticados contra crianças e adolescentes. Precedentes citados do STF: HC 113.102-RS, Primeira Turma, DJe 18/2/2013; e HC 113.018-RS, Segunda Turma, DJe 14/11/2013. HC 238.110-RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 26/8/2014 (Vide Informativo nº 529).
Não havendo ofensa direta a bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas (art. 109, IV, da CF), compete à Justiça Estadual – e não à Justiça Federal – processar e julgar suposto crime de perigo de desastre ferroviário qualificado pelo resultado lesão corporal e morte (art. 260, IV, § 2º, c/c art. 263 do CP) ocorrido por ocasião de descarrilamento de trem em malha ferroviária da União. De fato, o bem jurídico tutelado pelo crime de perigo de desastre ferroviário é a incolumidade pública, consubstanciada na segurança dos meios de comunicação e transporte. Indiretamente, também se tutelam a vida e a integridade física das pessoas vítimas do desastre. O sujeito passivo do delito é, portanto, a coletividade em geral e, de forma indireta, as pessoas que, eventualmente, sofram lesões corporais ou morte. Precedente citado: CC 45.652-SP, Terceira Seção, DJe 24/11/2004. RHC 50.054-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 4/11/2014.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. Informativo 551 do STJ - 2014 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 dez 2014, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Informativos dos Tribunais/42892/informativo-551-do-stj-2014. Acesso em: 24 nov 2024.
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
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