RECURSOS REPETITIVOS
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. TERMO A QUO DO PRAZO PRESCRICIONAL DAS EXECUÇÕES INDIVIDUAIS DE SENTENÇA COLETIVA. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC/1973 E RES. STJ N. 8/2008). TEMA 877.
O prazo prescricional para a execução individual é contado do trânsito em julgado da sentença coletiva, sendo desnecessária a providência de que trata o art. 94 da Lei n. 8.078/1990. O art. 94 do CDC dispõe que, "Proposta a ação, será publicado edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor". Realmente, essa providência (de ampla divulgação midiática) é desnecessária em relação ao trânsito em julgado de sentença coletiva. Isso porque o referido dispositivo disciplina a hipótese de divulgação da notícia da propositura da ação coletiva, para que eventuais interessados possam intervir no processo ou acompanhar seu trâmite, nada estabelecendo, porém, quanto à divulgação do resultado do julgamento. Diante disso, o marco inicial do prazo prescricional aplicável às execuções individuais de sentença prolatada em processo coletivo é contado, ante a inaplicabilidade do art. 94 do CDC, a partir do trânsito em julgado da sentença coletiva. Note-se, ainda, que o art. 96 do CDC, segundo o qual "Transitada em julgado a sentença condenatória, será publicado edital, observado o disposto no art. 93", foi objeto de veto pela Presidência da República, o que torna infrutífero o esforço de interpretação analógica para aplicar a providência prevista no art. 94 com o fim de promover a ampla divulgação midiática do teor da sentença coletiva transitada em julgado, ante a impossibilidade de o Poder Judiciário, qual legislador ordinário, derrubar o veto presidencial ou, eventualmente, corrigir erro formal porventura existente na norma. Assim, em que pese o caráter social que se busca tutelar nas ações coletivas, não se afigura possível suprir a ausência de previsão legal quanto à ampla divulgação midiática do teor da sentença, sem romper a harmonia entre os Poderes. Ressalte-se que, embora essa questão não tenha sido o tema do REsp 1.273.643-PR (Segunda Seção, DJe 4/4/2013, julgado no regime dos recursos repetitivos) - no qual se definiu que, "No âmbito do Direito Privado, é de cinco anos o prazo prescricional para ajuizamento da execução individual em pedido de cumprimento de sentença proferida em Ação Civil Pública" -, percebe-se que a desnecessidade da providência de que trata o art. 94 da Lei n. 8.078/1990 foi a premissa do julgamento do caso concreto no referido recurso, haja vista que, ao definir se aquela pretensão executória havia prescrito, considerou-se o termo a quo do prazo prescricional como a data do trânsito em julgado da sentença coletiva. Precedentes citados: AgRg no AgRg no REsp 1.169.126-RS, Quinta Turma, DJe 11/2/2015; AgRg no REsp 1.175.018-RS, Sexta Turma, DJe 1º/7/2014; AgRg no REsp 1.199.601-AP, Primeira Turma, DJe 4/2/2014; e EDcl no REsp 1.313.062-PR, Terceira Turma, DJe 5/9/2013). REsp 1.388.000-PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. para acórdão Min. Og Fernandes, Primeira Seção, julgado em 26/8/2015, DJe 12/4/2016.
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· Legislação Aplicada: art. 94 da Lei n. 8.078/1990.
PRIMEIRA TURMA
DIREITO ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE DE LESÃO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO EM ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA QUE IMPORTA ENRIQUECIMENTO ILÍCITO.
Ainda que não haja dano ao erário, é possível a condenação por ato de improbidade administrativa que importe enriquecimento ilícito (art. 9º da Lei n. 8.429/1992), excluindo-se, contudo, a possibilidade de aplicação da pena de ressarcimento ao erário. Isso porque, comprovada a ilegalidade na conduta do agente, bem como a presença do dolo indispensável à configuração do ato de improbidade administrativa, a ausência de dano ao patrimônio público exclui tão-somente a possibilidade de condenação na pena de ressarcimento ao erário. As demais penalidades são, em tese, compatíveis com os atos de improbidade tipificados no art. 9º da LIA. REsp 1.412.214-PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. para acórdão Min. Benedito Gonçalves, julgado em 8/3/2016, DJe 28/3/2016.
Saiba mais:
· Jurisprudência em Teses: enriquecimento ilícito e dano ao erário.
TERCEIRA TURMA
DIREITO CIVIL. REEMBOLSO DE DESPESAS MÉDICAS REALIZADAS EM HOSPITAL NÃO CONVENIADO AO PLANO.
O plano de saúde deve reembolsar o segurado pelas despesas que pagou com tratamento médico realizado em situação de urgência ou emergência por hospital não credenciado, ainda que o referido hospital integre expressamente tabela contratual que exclui da cobertura os hospitais de alto custo, limitando-se o reembolso, no mínimo, ao valor da tabela de referência de preços de serviços médicos e hospitalares praticados pelo plano de saúde. De início, cabe registrar que o contrato de plano de assistência à saúde, por definição, tem por objeto propiciar, mediante o pagamento de um preço (consistente em prestações antecipadas e periódicas), a cobertura de custos de tratamento médico e atendimentos médico, hospitalar e laboratorial perante profissionais e rede de hospitais e laboratórios próprios ou credenciados. Desse modo, a estipulação contratual que vincula a cobertura contratada aos médicos e hospitais de sua rede ou conveniados é inerente a esta espécie contratual e, como tal, não encerra, em si, qualquer abusividade. Aliás, o sinalagma desta espécie contratual está justamente no rol - de diferentes níveis de qualificação - de profissionais, hospitais e laboratórios próprios ou credenciados postos à disposição do consumidor/contratante, devidamente especificados no contrato, o qual será determinante para definir o valor da contraprestação a ser assumida pelo aderente. Por consectário, quanto maior a quantidade de profissionais e hospitais renomados, maior será a prestação periódica expendida pelo consumidor, decorrência lógica, ressalta-se, dos contratos bilaterais sinalagmáticos. Não obstante, excepcionalmente, nos casos de urgência e emergência, em que não se afigurar possível a utilização dos serviços médicos, próprios, credenciados ou conveniados, a empresa de plano de saúde, mediante reembolso, responsabiliza-se pelos custos e despesas médicas expendidos pelo contratante em tais condições, limitada, no mínimo, aos preços de serviços médicos e hospitalares praticados pelo respectivo produto. O art. 12, VI, da Lei n. 9.656/1998 é expresso nesse sentido: "Art. 12. São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas: [...] VI - reembolso, em todos os tipos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, nos limites das obrigações contratuais, das despesas efetuadas pelo beneficiário com assistência à saúde, em casos de urgência ou emergência, quando não for possível a utilização dos serviços próprios, contratados, credenciados ou referenciados pelas operadoras, de acordo com a relação de preços de serviços médicos e hospitalares praticados pelo respectivo produto, pagáveis no prazo máximo de trinta dias após a entrega da documentação adequada;" Constata-se, assim, que a lei de regência impõe às operadoras de plano de saúde a responsabilidade pelos custos de despesas médicas realizadas em situação de emergência ou de urgência, sempre que inviabilizada pelas circunstâncias do fato a utilização da rede própria ou contratada, limitando-se o reembolso, no mínimo, ao valor da tabela de referência de preços de serviços médicos e hospitalares praticados pelo plano de saúde. Trata-se, pois, de garantia legal mínima conferida ao contratante de plano de assistência à saúde, a ser observada, inclusive, nos denominados "plano-referência", de cobertura básica. Desse modo, afigura-se absolutamente eivada de nulidade a disposição contratual que excepciona o dever de reembolsar, mesmo nos casos de urgência ou de emergência, as despesas médicas efetuadas em hospital de tabela própria (compreendido como de alto custo). Ressalta-se, pois, que a lei de regência não restringe o reembolso nessas condições (de urgência ou emergência), levando-se em conta o padrão do hospital em que o atendimento/tratamento fora efetuado, até porque, como visto, a responsabilidade é limitada, em princípio, justamente aos preços praticados pelo produto contratado. Precedentes citados: REsp 267.530-SP, Quarta Turma, DJ 12/3/2001; REsp 685.109-MG, Terceira Turma, DJ 9/10/2006; REsp 809.685-MA, Quarta Turma, DJe 17/12/2010; e REsp 1.437.877-RJ, Terceira Turma, DJe 2/6/2014. REsp 1.286.133-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 5/4/2016, DJe 11/4/2016.
DIREITO DO CONSUMIDOR E INTERNACIONAL PRIVADO. COMPETÊNCIA INTERNACIONAL E RELAÇÃO DE CONSUMO.
A Justiça brasileira é absolutamente incompetente para processar e julgar demanda indenizatória fundada em serviço fornecido de forma viciada por sociedade empresária estrangeira a brasileiro que possuía domicílio no mesmo Estado estrangeiro em que situada a fornecedora, quando o contrato de consumo houver sido celebrado e executado nesse local, ainda que o conhecimento do vício ocorra após o retorno do consumidor ao território nacional. O debate que se põe perpassa necessariamente pela definição do que seja relação de consumo interna ou internacional e por qual o critério diferenciador, nos termos da legislação vigente no momento da propositura da demanda. Cabe registrar que a competência internacional quanto às controvérsias decorrentes de relação de consumo internacional, à luz do CPC/1973, de fato, suscita interpretações doutrinárias por vezes absolutamente opostas. Por um lado, há quem advogue que a hipossuficiência ou vulnerabilidade do consumidor é suficiente para justificar a competência do foro de seu domicílio, aplicando à competência internacional as regras de distribuição de competência interna. Por outro prisma, há visões mais restritivas que entoam a aplicação das regras comuns de competência internacional de acordo com o local em que deva ser prestada a obrigação. Por óbvio, em ambiente comercialmente integrado pela globalização, as relações tendem a se firmar com certa indiferença ao local em que se encontram fornecedores e consumidores, seja pelas facilidades da internet, seja pela mobilidade atual dos meios de transporte e comunicação em geral. Nesse contexto global integrado, já não é suficiente o critério da nacionalidade das partes contratantes, havendo que se considerar peculiaridades na multiplicidade de situações fáticas que circundam a formação das relações jurídicas internacionais. Com efeito, as contratações internacionais compõem-se de diferentes e variados elementos de estraneidade, projetando-se sobre mais de um ordenamento jurídico e causando típicas situações de conflitos de leis e de jurisdições. Entre esses elementos, a doutrina tradicional do Direito Internacional Privado menciona como exemplos típicos a diversidade de domicílio e nacionalidade das partes, o local de assinatura dos contratos e o de cumprimento das obrigações, que por vezes nem coincide com o domicílio de nenhuma das partes. Isso porque, nessas contratações transfronteiriças, ambos os contratantes nutrem intuito manifesto de extrapolarem os limites dos territórios de seus respectivos Estados nacionais. Noutros termos, os contratos internacionais traduzem a intenção de importação e exportação de serviços e produtos, envolvendo negócios jurídicos que, de fato, sobrepõem-se a territórios nacionais e por vezes têm, em algum dos polos, o consumidor internacional. Nesse cenário, parece mesmo não haver espaço para debate acerca da vulnerabilidade dos consumidores em qualquer local do globo. Essa vulnerabilidade, desde 1985, é reconhecida inclusive pela Assembleia Geral da ONU (Resolução n. 39/248), na qual se instituiu diretrizes para os Estados promoverem a proteção aos consumidores no âmbito das legislações internas. Albergando esse mesmo paradigma, tanto nossa Constituição Federal como o Código de Defesa do Consumidor vieram garantir o acesso dos consumidores ao Poder Judiciário e tutelar seus interesses difusos e individuais, amparando de forma abrangente os consumidores, ainda que estrangeiros, e deixando bastante claro não ser o critério das nacionalidades das partes aquele que distinguirá entre uma relação jurídica estritamente nacional ou internacional. Ressalte-se que o STJ reconhece a legitimação dos estrangeiros a propor demanda perante a Justiça brasileira, sujeitando-os às regras processuais nacionais, inclusive quanto à exigência de caução de custas e honorários, quando a relação jurídica posta em juízo se firmou no Brasil (REsp 1.479.051-RJ, Terceira Turma, DJe 5/6/2015). Assim, distanciando-se o deferimento de tutela do critério da nacionalidade do consumidor, conclui-se que se seguirá as regras nacionais de distribuição da competência brasileira, no que tange a consumidores, nacionais ou estrangeiros, envolvidos em relações consumeristas firmadas no território nacional. Isso porque, nessas hipóteses, não há propriamente uma relação contratual internacional, visto que as partes não nutriam o intuito de importação ou exportação, mas consumiram em um território nacional, inserindo-se em um único mercado consumidor local. Não há no espírito do consumidor nem do fornecedor o intuito de firmar uma relação que extrapole as fronteiras nacionais; a distinção de nacionalidades ou de domicílios torna-se um mero elemento acidental, e não um elemento de estraneidade da relação posta. Por paralelismo, ou reciprocidade, do mesmo modo, deve-se reconhecer aos Estados estrangeiros sua competência para tutelar as relações firmadas e cumpridas nos estritos limites de seus territórios, ainda que envolvendo consumidor de nacionalidade brasileira. Desse modo, ainda que a nacionalidade do consumidor seja brasileira e para o Brasil tenha transferido novamente seu domicílio, não há que se cogitar sequer de uma relação de consumo internacional propriamente dita - aliás, nem sequer se constata a distinção de domicílios entre as partes então contratantes. No caso, verifica-se que o serviço foi ofertado e aceito nos estritos limites territoriais estrangeiros, sem qualquer intenção, por parte de qualquer dos envolvidos, de criar uma relação para além de fronteiras nacionais. Também se deu em território estrangeiro o integral cumprimento do contrato, ainda que de forma eventualmente viciada. O fato de o vício somente ter se tornado conhecido após o retorno do brasileiro ao território nacional é elemento absolutamente estranho à definição do foro internacional competente. Assim, tratando-se de fato ocorrido no exterior e não previsto nas hipóteses excepcionais de alargamento da jurisdição nacional, concorrente ou exclusiva (arts. 88 e 89 do CPC/1973), não é competente o foro brasileiro para o conhecimento e processamento da demanda. Claro que esse entendimento não é estanque, podendo-se admitir o alargamento do art. 88 do CPC/1973 para proteger consumidores brasileiros naqueles casos em que há típica contratação internacional, ou seja, em que pessoa domiciliada no Brasil - independentemente de sua nacionalidade - contrata serviço ofertado por empresa estrangeira, exemplo típico do mercado virtual ou mesmo contratações físicas em que há o real intuito de aproximação entre fornecedores e consumidores para além das fronteiras nacionais, com importação/exportação de bens ou serviços. Nesse sentido: AgRg no Ag 1.157.672-PR, Quarta Turma, DJe 26/5/2010; CC 29.220-RJ, Segunda Seção, DJ 23/10/2000. Essa situação se distingue sobremaneira do caso em que nenhum dos contratantes, seja consumidor, seja fornecedor, buscou uma contratação internacional, uma exportação de serviço. Aliás, ambos estavam na fronteira de seus domicílios, caracterizando uma relação nacional, embora de nacionalidade estrangeira. REsp 1.571.616-MT, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 5/4/2016, DJe 11/4/2016.
DIREITO EMPRESARIAL. DUPLICATA MERCANTIL E ACEITE LANÇADO EM SEPARADO.
O aceite lançado em separado da duplicata mercantil não imprime eficácia cambiária ao título. O aceite promovido na duplicata mercantil corresponde ao reconhecimento, pelo sacado (comprador), da legitimidade do ato de saque feito pelo sacador (vendedor), a desvincular o título do componente causal de sua emissão (compra e venda mercantil a prazo). Após o aceite, não é permitido ao sacado reclamar de vícios do negócio causal realizado, sobretudo porque os princípios da abstração e da autonomia passam a reger as relações, doravante cambiárias. Assim, na duplicata, quando o sacado promover o aceite no título, a dívida, que era somente obrigacional, passará também a ser cambiária, permitindo o acesso à via executiva, na medida em que nascerá um legítimo título executivo extrajudicial (art. 15, I, da Lei n. 5.474/1968). Em outras palavras, o aceite na duplicata mercantil transforma o comprador (relação de compra e venda mercantil a prazo) em devedor cambiário do sacador ou, ainda, do endossatário, caso o título tenha sido posto em circulação por meio do endosso. Cumpre ressaltar, ademais, que mesmo as duplicatas sem aceite podem possuir força executiva se protestadas e acompanhadas dos comprovantes de entrega de mercadorias, em não havendo recusa do aceite pelo sacado (art. 15, II, da Lei n. 5.474/1968). No que tange à forma do aceite, não há como afastar uma de suas características intrínsecas, que é o formalismo. Desse modo, esse ato deve ser formal e se aperfeiçoar na própria cártula, em observância ao que dispõe o art. 25 da Lei Uniforme de Genebra (Decreto n. 57.663/1966): "O aceite é escrito na própria letra. Exprime-se pela palavra 'aceite' ou qualquer outra palavra equivalente; o aceite é assinado pelo sacado. Vale como aceite a simples assinatura do sacado aposta na parte anterior da letra", incidindo o princípio da literalidade. Não pode, portanto, o aceite ser dado verbalmente ou em documento em separado. Inclusive, há entendimento doutrinário nesse sentido. De fato, os títulos de crédito possuem algumas exigências que são indispensáveis à boa manutenção das relações comerciais. A experiência já provou que não podem ser afastadas certas características, como o formalismo, a cartularidade e a literalidade, representando o aceite em separado perigo real às práticas cambiárias, ainda mais quando os papéis são postos em circulação. Logo, o aceite lançado em separado à duplicata não possui nenhuma eficácia cambiária, mas o documento que o contém poderá servir como prova da existência do vínculo contratual subjacente ao título, amparando eventual ação monitória ou ordinária (art. 16 da Lei n. 5.474/1968). REsp 1.334.464-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 15/3/2016, DJe 28/3/2016.
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· Pesquisa Pronta: execução de duplicata sem aceite
DIREITO EMPRESARIAL. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO SUBJACENTE À NOTA PROMISSÓRIA PRESCRITA PARA A INSTRUÇÃO DA AÇÃO DE LOCUPLETAMENTO PAUTADA NO ART. 48 DO DECRETO N. 2.044/1908.
Independentemente da comprovação da relação jurídica subjacente, a simples apresentação de nota promissória prescrita é suficiente para embasar a ação de locupletamento pautada no art. 48 do Decreto n. 2.044/1908. Inicialmente, deve-se esclarecer que a ação de enriquecimento sem causa amparada prevista no art. 884 do CC não tem cabimento no caso em que a lei preveja outro meio especificamente estabelecido para o ressarcimento do prejuízo, haja vista o disposto no art. 886 do CC: "Não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido". Diante disso, no caso em que se busque o ressarcimento de prejuízo causado pelo não pagamento de nota promissória prescrita, não será cabível a ação de enriquecimento sem causa amparada a que se refere o art. 884 do CC, mas sim a ação de locupletamento pautada no art. 48 do Decreto n. 2.044/1908. Isso porque o referido art. 48 - conquanto disponha, em título do Decreto n. 2.044/1908 destinado à letra de câmbio, que "Sem embargo da desoneração da responsabilidade cambial, o sacador ou o aceitante fica obrigado a restituir ao portador, com os juros legais, a soma com a qual se locupletou à custa deste" - também é aplicável, com as adequações necessárias, à nota promissória, sendo o emitente da nota promissória equiparado ao aceitante da letra de câmbio. É o que determina o art. 56 deste mesmo diploma legal, segundo o qual "São aplicáveis à nota promissória, com as modificações necessárias, todos os dispositivos do Título I desta Lei, exceto os que se referem ao aceite e às duplicatas". Diante dessas considerações, cumpre analisar, no caso em análise, a necessidade de o autor da ação de locupletamento (art. 48 do Decreto n. 2.044/1908) fundada em nota promissória não paga e prescrita ter que fazer (ou não) prova da causa jurídica subjacente. Preliminarmente, conquanto exista controvérsia na doutrina acerca da natureza dessa ação de locupletamento, trata-se de uma ação de natureza cambiária, na medida em que amparada no título de crédito que perdeu sua força executiva (e não na relação jurídica que deu origem à sua emissão), além de estar prevista na legislação de regência de tais títulos. Nesse contexto, ressalta-se que, além de a prescrição da ação cambiária ser um dos elementos do suporte fático da regra jurídica insculpida no referido dispositivo, uma vez prescrita a ação executiva, dá-se o enriquecimento injustificado em razão do não pagamento e nascem a pretensão e a ação correspondente, conforme entendimento doutrinário. Além disso, nota-se, com base na dicção do aludido art. 48, que a ação de locupletamento é autorizada ao portador do título de crédito (que, alcançado pela prescrição, perdeu sua força executiva). Ora, se o portador do título é o legitimado para a propositura da demanda, é certo não ser necessária a demonstração da causa jurídica subjacente como condição para o ajuizamento dessa ação, uma vez que, se pensarmos na hipótese de título que tenha circulado, o portador não teria como fazer prova da relação jurídica subjacente. Dessa maneira, a posse, pelo portador, da nota promissória não paga e prescrita gera a presunção juris tantumde veracidade do locupletamento ilícito havido pelo não pagamento (em contrapartida ao empobrecimento do portador do título), nada obstante seja assegurada a amplitude de defesa ao réu. REsp 1.323.468-DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 17/3/2016, DJe 28/3/2016.
DIREITO EMPRESARIAL. PRAZO PRESCRICIONAL PARA AJUIZAR AÇÃO DE LOCUPLETAMENTO PAUTADA NO ART. 48 DO DECRETO N. 2.044/1908.
Prescreve em três anos a pretensão de ressarcimento veiculada em ação de locupletamento pautada no art. 48 do Decreto n. 2.044/1908, contados do dia em que se consumar a prescrição da ação executiva. Como o Decreto n. 2.044/1908 não prevê prazo prescricional específico para o exercício dessa pretensão - diferentemente da Lei do Cheque, cujo art. 61 prescreve o prazo de dois anos, contado do dia em que se consumar a prescrição da ação executiva -, utiliza-se o prazo previsto no art. 206, § 3º, IV, do CC, de acordo com o qual prescreve em "três anos" "a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa". REsp 1.323.468-DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 17/3/2016, DJe 28/3/2016.
DIREITO EMPRESARIAL. RESPONSABILIDADE PELA REMUNERAÇÃO DO ADMINISTRADOR JUDICIAL.
É possível impor ao credor que requereu a falência da sociedade empresária a obrigação de adiantar as despesas relativas à remuneração do administrador judicial, quando a referida pessoa jurídica não for encontrada - o que resultou na sua citação por edital e na decretação, incontinenti, da falência - e existirem dúvidas se os bens a serem arrecadados serão suficientes para arcar com a mencionada dívida. De fato, o art. 25 da Lei n. 11.101/2005 é expresso ao indicar o devedor ou a massa falida como responsável pelas despesas relativas à remuneração do administrador judicial. Já o art. 19 do CPC/1973 dispõe que: "Salvo as disposições concernentes à justiça gratuita, cabe às partes prover as despesas dos atos que realizam ou requerem no processo, antecipando-lhes o pagamento desde o início até sentença final; e bem ainda, na execução, até a plena satisfação do direito declarado pela sentença." Ademais, ressaltam-se os §§ 3º e 4º do art. 24 da Lei de Falência, que catalogam as situações nas quais o administrador judicial perde o direito à remuneração, não estando ali inserido o mencionado procedimento falimentar frustrado. Assim, se há possibilidade de não se arrecadar bens suficientes para a remuneração do administrador, deve a parte credora agir com responsabilidade, arcando com as despesas dos atos necessários, e por ela requeridos, para tentar reaver seu crédito. Impõe-se ressaltar que, prosseguindo a ação e arrecadando-se bens suficientes para a remuneração do administrador, a massa falida deverá restituir o valor despendido pelo credor antecipadamente, obedecendo ao art. 25 da Lei n. 11.101/2005.REsp 1.526.790-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 10/3/2016, DJe 28/3/2016.
DIREITO EMPRESARIAL E PROCESSUAL CIVIL. IMPOSSIBILIDADE DE NOMEAÇÃO DE LIQUIDANTE EM DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA.
É indevida a nomeação de liquidante em ação de dissolução parcial de sociedade empresária, bastando, para a apuração dos haveres do sócio falecido, a nomeação de perito técnico habilitado. Inicialmente, registre-se que, segundo entendimento doutrinário, a dissolução total de sociedade visa à liquidação e à extinção dela, enquanto a dissolução parcial objetiva a resolução do contrato societário em relação a um ou mais sócios. Assim, nessa última, ao contrário da dissolução total, preserva-se a sociedade, operando-se apenas a exclusão do sócio, com a respectiva apuração de haveres. Dessa diferença fundamental sobressai a necessária distinção entre os procedimentos para cada situação. Nesse contexto, a doutrina e a jurisprudência mais recente do STJ entendem que, somente nos casos de dissolução total da sociedade, faz-se necessária a figura do liquidante, porquanto suas atribuições estão relacionadas com a gestão do patrimônio social de modo a regularizar a sociedade que se pretende dissolver. Por sua vez, na dissolução parcial, em que se pretende apurar exclusivamente os haveres de sócio falecido ou retirante, com a preservação da atividade, é adequada simplesmente a nomeação de perito técnico habilitado a realizar perícia contábil, a fim de determinar o valor da quota-parte devida aos herdeiros ou ao ex-sócio. Logo, de acordo com a orientação doutrinária e jurisprudencial, nada justifica, na dissolução parcial, a investidura de quem quer que seja para a prática de atos que seriam atribuídos à figura do liquidante nas dissoluções totais. Precedentes citados: REsp 242.603-SC, Quarta Turma, DJe 18/12/2008; e REsp 406.775-SP, Quarta Turma, DJ 1º/7/2005. REsp 1.557.989-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 17/3/2016, DJe 31/3/2016.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL COMO PROVA ESCRITA PARA AÇÃO MONITÓRIA.
O contrato de arrendamento rural que, a despeito da vedação prevista no art. 18, parágrafo único, do Decreto n. 59.566/1966, estabelece pagamento em quantidade de produtos agrícolas pode ser usado como prova escrita para instruir ação monitória. Dispõe o art. 1.102-A do CPC/1973 que: "A ação monitória compete a quem pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel." Ademais, exige-se a presença de elementos indiciários caracterizadores da materialização de um débito decorrente de uma obrigação de pagar ou de entregar coisa fungível ou bem móvel, proveniente de uma relação jurídica material. Por sua vez, o STJ, na linha da doutrina, entende que é imprescindível ao regular processamento da ação monitória a instrução do feito com documento escrito, firmado ou não pelo devedor da obrigação, desde que se possa inferir indícios da existência do crédito afirmado pelo autor (REsp 647.1840-DF, Terceira Turma, DJ 12/6/2006; REsp 1.138.090-MT, Quarta Turma, DJe 1º/8/2013). No caso, a ação monitória foi instruída com contrato de arrendamento rural cujo preço restou ajustado em quantidade de produtos agrícolas, o que é expressamente vedado pelo art. 18, parágrafo único, do Decreto n. 59.566/1966. Com efeito, é defeso ajustar como preço do arrendamento rural quantidade fixa de frutos ou produtos, ou seu equivalente em dinheiro. Atento à referida disposição legal, o STJ orienta-se no sentido de ser nula cláusula de contrato de arrendamento rural que assim dispõe, no entanto, tem entendido, igualmente, que essa nulidade não obsta que o credor proponha ação visando à cobrança de dívida por descumprimento do contrato, hipótese em que o valor devido deve ser apurado, por arbitramento, em liquidação de sentença (REsp 566.520-RS, Quarta Turma, DJ de 30/8/2004; REsp 407.130-RS, Terceira Turma, DJ 5/8/2002). De fato, o arrendamento rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa (arrendatário) se obriga a ceder a outra (arrendador), por tempo determinado ou não, o uso e gozo de imóvel rural, total ou parcialmente, incluindo, ou não, outros bens, benfeitorias e ou facilidades, com o objetivo de que nele seja exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista, mediante certa retribuição ou aluguel. Por seu turno, dispõe o art. 2º do Decreto n. 59.566/1966 que: "Art. 2º. Todos os contratos agrários reger-se-ão pelas normas do presente Regulamento, as quais serão de obrigatória aplicação em todo o território nacional e irrenunciáveis os direitos e vantagens nelas instituídos. Parágrafo único. Qualquer estipulação contratual que contrarie as normas estabelecidas neste artigo será nula de pleno direito e de nenhum efeito." Assim, em contrato agrário, o imperativo de ordem pública determina sua interpretação de acordo com o regramento específico, visando obter uma tutela jurisdicional que se mostre adequada à função social da propriedade. As normas de regência do tema detêm caráter cogente, de observância obrigatória, porquanto disciplinam interesse de ordem pública, consubstanciado na proteção, em especial, do arrendatário rural, o qual, pelo desenvolvimento do seu trabalho, exerce a relevante função de fornecer alimentos à população. Nessa perspectiva, a doutrina entende que "Os contratos agrários não podem ser interpretados da mesma forma que os contratos regidos pelo Código Civil. (...) Por conseguinte, autonomia de vontade nos moldes preceituados no Código Civil existirá apenas na decisão ou não de contratar, pois se houve opção de contrato, a vontade se subsumirá nos ditames da lei". Contudo, essa forma especial de interpretação dos contratos agrários não pode servir de guarida para a prática de condutas repudiadas pelo ordenamento jurídico, de modo a impedir, por exemplo, que o credor exija o que lhe é devido por inquestionável descumprimento do contrato. Portanto, ainda que o contrato de arrendamento rural se encontre eivado de vício, relativo à forma de remuneração do proprietário da terra, que lhe subtraía atributo essencial para ser considerado válido, tem-se que não se pode negar o valor probatório da relação jurídica efetivamente havida, de maneira que o referido documento é capaz de alicerçar ação monitória. REsp 1.266.975-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 10/3/2016, DJe 28/3/2016.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. LIMITES DO SIGILO NOS ACORDOS DE LENIÊNCIA.
O sigilo nos processos administrativos de acordo de leniência celebrado com o CADE, bem como o dos documentos que os instruem, no que tange a pretensões privadas de responsabilização civil por danos decorrentes da eventual formação de cartel, deve ser preservado até a conclusão da instrução preliminar do referido processo administrativo (marcada pelo envio do relatório circunstanciado pela Superintendência-Geral ao Presidente do Tribunal Administrativo), somente podendo ser estendido para após esse marco quando lastreado em circunstâncias concretas fundadas no interesse coletivo - seja ele o interesse das apurações, seja ele a proteção de segredos industriais. No Brasil, o instituto do acordo de leniência foi incorporado por meio da Lei n. 10.149/2000, com o escopo notório de coibir práticas ilícitas anticompetitivas, induzindo a colaboração de atores em troca de benefícios na esfera penal e administrativa. Atualmente, o programa de leniência do CADE encontra-se disciplinado nos arts. 86 e 87 da Lei n. 12.529/2011 e nos arts. 197 a 210 do Regimento Interno do CADE. O sigilo inicial desses acordos, sem dúvida, tem papel crucial para a utilização do instrumento, tanto no que toca ao incentivo à colaboração por coautores dos cartéis eventualmente formados quanto no que tange ao próprio sucesso das investigações levadas a efeito a partir do acordo. Todavia, esse sigilo não pode ser absoluto e deve sempre permanecer condizente com a razão principiológica de sua existência. Nesse contexto, convém ter em consideração a existência de leis penais especiais em que se utilizam instrumentos semelhantes, ainda que sob denominações distintas, para apuração de crimes cometidos em coautoria. Na verdade, o primeiro diploma legal brasileiro a adotar a premiação à colaboração de coautores foi a Lei de Crimes Hediondos - Lei n. 8.072/1990, sendo seguida por diversos outros diplomas legais (Lei n. 8.137/1990, Lei n. 9.613/1998, Lei n. 9.807/1999, Lei n. 11.343/2006, Lei n. 12.846/2013 e Lei n. 12.850/2013). Esse contexto normativo complexo permite-nos, a despeito da regulamentação aberta, extrair o contexto valorativo em que pensado e previsto o sigilo dos acordos, fornecendo assim balizas relevantes para a delimitação de sua extensão. De início, ressalta-se a natureza administrativa dos procedimentos e decisões proferidas pelo CADE e, com ela, a prevalência da regra geral da publicidade, de modo que os processos por ele conduzidos devem ser amplamente acessíveis aos interessados. Ao longo da Lei n. 12.529/2011, que disciplina especificamente os procedimentos relativos à apuração de atos anticoncorrenciais no âmbito do CADE, há diversas disposições que possibilitam, excepcionalmente, a atribuição de caráter sigiloso. É o que se depreende da leitura dos arts. 49 e 66, § 10. Contudo, ao prever o sigilo aplicável aos acordos de leniência, o legislador foi mais enfático, impondo sua obrigatoriedade no que tange às propostas de acordo. Daí se extrai que, afora a proposta de acordo, os demais atos e documentos, ainda que relacionados ao acordo de leniência, devem observância à regra geral, excepcionada sempre no interesse coletivo. É o que se depreende do texto do art. 86, § 9º, da referida lei. Nessa trilha, parece razoável se concluir que, nos termos da legislação pertinente, o sigilo excepcionalmente estendido para além da proposta de acordo depende de circunstâncias concretas fundadas no interesse coletivo - seja ele o interesse das apurações, seja ele a proteção de segredos industriais, que, ao fim e ao cabo, resultam igualmente na proteção da concorrência, interesse coletivo tutelado institucionalmente pelo CADE. Complementar a esse raciocínio, o art. 7º, § 3º, da Lei de Combate a Organizações Criminosas (Lei n. 12.850/2013) define, de forma ostensiva, o termo final do sigilo atribuído aos acordos formalizados pelos coautores colaboradores (o recebimento da denúncia). Essa disposição tem relevância, apesar de não se estar diante de ação penal, porque a referida lei foi o primeiro diploma legal a se dedicar à regulamentação pormenorizada do plea bargain brasileiro, no qual se inserem igualmente a denominada colaboração premiada e o acordo de leniência - ambos institutos ontologicamente idênticos. No âmbito do Direito Econômico, o Regimento Interno do CADE (RI/CADE) tentou assegurar de forma objetiva as balizas necessárias à concretização dos acordos de leniência, detalhando o procedimento que se desenvolve nitidamente em três etapas. São elas: i) proposta de acordo; ii) fase de negociação; e iii) formalização do acordo. Na primeira etapa, o proponente manifesta voluntariamente seu interesse em participar do programa, indicando a conduta anticoncorrencial em relação a qual pretende celebrar acordo de leniência. Após a submissão da proposta inicial de acordo, tem início a fase de negociação propriamente dita, período no qual o proponente deverá apresentar documentos e detalhar as condutas praticadas em ofensa à ordem concorrencial. Por fim, concluída a apresentação de documentos e prestadas as informações sobre a conduta a ser apurada, inicia-se a terceira e última fase, consistente na formalização do acordo. Note-se que essa terceira fase somente será alcançada na hipótese de o CADE anuir à proposta de acordo. Do contrário, rejeitada a proposta, dela não se fará nenhuma divulgação (art. 205 do RI/CADE) e todos os documentos deverão ser restituídos à parte, não permanecendo nenhuma cópia em poder do Conselho (art. 205, §§ 2º e 3º, do RI/CADE). Combinando-se o procedimento estabelecido e as disposições legais relativas ao sigilo, tem-se que as duas primeiras fases são indubitavelmente albergadas pelo sigilo legal, o qual vincula tanto a Administração Pública quanto o proponente, sendo notória sua imprescindibilidade para o andamento e sucesso das investigações. Ainda no interesse das apurações, esse sigilo poderá ser razoavelmente estendido até a conclusão da instrução preliminar do processo administrativo. A propósito de comentar a Lei n. 12.846/2013, há doutrina que chega à idêntica conclusão acerca do alcance do sigilo nos acordos de leniência, traçando relevante distinção entre o sigilo propriamente dito e o dever de tornar público os acordos nos termos do art. 6º da referida lei. Suplantando essa ratio para o procedimento administrativo do CADE, tem-se que a conclusão da instrução preliminar do processo administrativo é marcada pelo envio do relatório circunstanciado pela Superintendência-Geral ao Presidente do Tribunal Administrativo. Nesse relatório, a Superintendência-Geral deverá manifestar-se acerca da existência de ato anticoncorrencial, bem como do acordo de leniência, do cumprimento das obrigações pelo proponente e da importância e efetividade de sua cooperação, nos termos do RI/CADE (art. 156, §§ 1º e 2º). Traçando-se um paralelo entre o procedimento administrativo e o penal, detalhado na mencionada Lei n. 12.850/2013, o envio deste relatório assemelha-se ao ato de recebimento da denúncia, momento em que se encerra o sigilo em razão da abertura do amplo contraditório. E mais, trata-se do limite a partir do qual entende-se haver elementos probatórios suficientes, de modo que a possibilidade de interferência nas investigações e no sucesso de seu resultado se esvai, não mais se justificando a restrição à publicidade. Todavia, diferentemente do procedimento penal, no procedimento administrativo do CADE, pretendeu-se, conforme art. 207 do RI/CADE, estender o sigilo até a conclusão do julgamento pelo Tribunal administrativo. Contudo, o intuito de evitar o livre acesso público ao conteúdo do acordo em si, bem como aos documentos e informações a ele vinculados, mesmo com respaldo no art. 207 do RI/CADE, além de não contar com respaldo legal - haja vista que a própria Lei n. 12.529/2011 não garante esse sigilo -, mostra-se desproporcional, impedindo aos terceiros eventualmente lesionados de buscar a devida reparação dos danos suportados. Em síntese, o sigilo do acordo de leniência não pode se protrair no tempo indefinidamente, sob pena de perpetuar o dano causado a terceiros, garantindo ao signatário do acordo de leniência favor não assegurado pela lei. Desse modo, a extensão do sigilo somente se justificará no interesse das apurações ou em relação a documentos específicos cujo segredo deverá ser guardado também em tutela da concorrência. Nesse diapasão, não se sustenta a alegação de que a finalidade da mencionada previsão regimental seja no sentido de evitar que o signatário tivesse situação mais gravosa que os demais investigados pelo CADE. Esse argumento mostra-se extremamente falacioso, porquanto a "premiação" àquele que adere ao programa de leniência é restrita às esferas administrativas e penais, sem nenhuma menção legal à pretensão cível de eventuais lesados pelas condutas praticadas contra o mercado. Essa pretensão assentada precipuamente no dever de lesar outrem independe, ao menos em tese, do resultado alcançado nas esferas administrativas e penais, conforme consolidada jurisprudência do STJ (AgRg no AREsp 501.292-SP, Terceira Turma, DJe 4/8/2015). REsp 1.554.986-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 8/3/2016, DJe 5/4/2016.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. IMPOSSIBILIDADE DE OPOSIÇÃO DO SIGILO DO ACORDO DE LENIÊNCIA AO JUDICIÁRIO.
O sigilo do acordo de leniência celebrado com o CADE não pode ser oposto ao Poder Judiciário para fins de acesso aos documentos que instruem o respectivo procedimento administrativo. Com efeito, o dever de colaboração com o Poder Judiciário é imposto a todos, sejam eles partes ou terceiros, interessados ou desinteressados, nos termos dos arts. 339 e 341 do CPC/1973. De fato, não se está diante de uma oposição ao dever de colaboração com fulcro na condição do profissional pautada numa eventual relação de confiança. De modo algum se pode imaginar que os profissionais do CADE, no exercício do poder de polícia, dependam de uma relação de confiança com o agente de mercado, o qual é por ele, a rigor, fiscalizado. Ao contrário, seu trabalho é essencialmente público, sujeitando-se inclusive ao controle social que fundamenta essa publicidade ampla em regra. Noutros termos, tem-se nesses autos o debate acerca do sigilo de documentos produzidos em procedimento inicialmente público e apenas excepcionalmente sigiloso. O dever de resguardar o sigilo das investigações já se exauriu no momento em que concluídos os trabalhos de instrução do procedimento administrativo, de modo que se impõe a observância da regra geral do dever de colaboração com o Poder Judiciário. Acrescenta-se que esse dever genericamente imposto à coletividade incide com maior razão sobre as instituições estatais. O Estado, a despeito de cindir suas funções e descentralizar-se, mantém-se inequivocamente uno, não se podendo cogitar que uma entidade pública pretenda o direito exclusivo sobre documentos públicos. Esses documentos, enquanto de interesse de outro órgão ou instituição, devem ser partilhados, observados sempre os limites legalmente impostos, tais como os sigilos bancário, fiscal, etc. Ademais, convém consignar que a própria Lei n. 12.529/2011 impõe aos Conselheiros o dever de prestar informações e fornecer documentos ao Poder Judiciário. É o que se depreende da simples leitura do art. 11. Eventual necessidade concreta de parte dos documentos, como aqueles que as recorrentes alegam guardarem segredos industriais, que por óbvio não se confundem com os documentos que demonstram trocas de informações relativas a concerto de preços, deverão ser pontualmente analisados pelo juízo competente. Por fim, no que tange ao argumento de que não seria possível a utilização de prova emprestada por aquele que não compôs a relação processual em que produzida a prova, esclareço, primeiramente, que não se trata aqui, propriamente de empréstimo de prova. Aqui, contudo, o que se pretende é o traslado de documentos encartados em procedimento administrativo, deles extraindo-se cópias. Esses documentos serão incorporados à ação cível, não como prova tecnicamente, mas como elementos sujeitos ao amplo contraditório sob a condução do juízo competente. Aliás, essa é a condição imprescindível até mesmo para o empréstimo de provas, conforme jurisprudência assentada na Corte Especial do STJ (EREsp 617.428-SP, DJe 17/6/2014). Isso porque, como bem assinalado pela Corte Especial naquela oportunidade, a admissão da prova emprestada cumpre o objetivo precípuo de otimização da prestação jurisdicional, incrementando a celeridade e economia processuais, sendo recomendável sua utilização quando possível a observância do necessário contraditório. Assim, reconhecida pelo Tribunal de origem a relevância e utilidade do traslado de documentos do procedimento administrativo para instrução da demanda reparatória, não há óbice que inviabilize a juntada destes, tampouco sigilo que impeça a parte de ter acesso aos referidos documentos, mormente quando a ação tramita na origem sob o igual manto do sigilo processual. REsp 1.554.986-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 8/3/2016, DJe 5/4/2016.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL E NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR PARA OPORTUNIZAR A PURGAÇÃO DE MORA.
Em alienação fiduciária de bem imóvel (Lei n. 9.514/1997), é nula a intimação do devedor para oportunizar a purgação de mora realizada por meio de carta com aviso de recebimento quando esta for recebida por pessoa desconhecida e alheia à relação jurídica. Inicialmente, salienta-se o previsto no art. 26 da Lei n. 9.514/1997: "Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário. § 1º Para os fins do disposto neste artigo, o fiduciante, ou seu representante legal ou procurador regularmente constituído, será intimado, a requerimento do fiduciário, pelo oficial do competente Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo de quinze dias, a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação. (...) § 3º A intimação far-se-á pessoalmente ao fiduciante, ou ao seu representante legal ou ao procurador regularmente constituído, podendo ser promovida, por solicitação do oficial do Registro de Imóveis, por oficial de Registro de Títulos e Documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la, ou pelo correio, com aviso de recebimento." Como se vê, o referido artigo é claro: a intimação do devedor deve ser pessoal. O dispositivo esclarece, ainda, que essa intimação pessoal pode ser realizada de três maneiras: a) por solicitação do oficial do Registro de Imóveis; b) por oficial de Registro de Títulos e Documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la; ou c) pelo correio, com aviso de recebimento. Nesse contexto, verifica-se que o fato de a Lei n. 9.514/1997 ter atribuído ao credor a escolha da forma pela qual o devedor será constituído em mora não exclui a exigência de que a intimação seja pessoal. De fato, a necessidade de intimação pessoal decorre da previsão constitucional da propriedade como direito fundamental (art. 5º, XXII, da CF), o que torna justificável a exigência de um tratamento rigoroso ao procedimento que visa desapossar alguém (devedor) desse direito essencial. Ressalta-se, inclusive, a existência de entendimento doutrinário no sentido de que a intimação deve, em regra, ser realizada nas duas primeiras modalidades deferidas pela lei e apenas excepcionalmente pelo correio, meio pelo qual, no entender dessa vertente doutrinária, reveste-se de menor segurança. Além disso, convém atentar para a jurisprudência do STJ que considera indispensável a intimação pessoal da parte da data designada para os leilões do imóvel em processo de execução (REsp 1.447.687-DF, Terceira Turma, DJe 8/9/2014; REsp 1.115.687-SP, Terceira Turma, DJe 2/2/2011; REsp 1.088.922-CE, Primeira Turma, DJe 4/6/2009). Ora, se a intimação para a data dos leilões, que é ato posterior, deve ser pessoal, com muito mais razão ser exigida a intimação pessoal no início do procedimento, quando há a oportunidade de purgação da mora e a consequente possibilidade de manutenção do contrato. REsp 1.531.144-PB, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 15/3/2016, DJe 28/3/2016.
QUARTA TURMA
DIREITO CIVIL. TERMO INICIAL DE JUROS MORATÓRIOS QUANDO FIXADA PENSÃO MENSAL A TÍTULO DE RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL.
Na responsabilidade civil extracontratual, se houver a fixação de pensionamento mensal, os juros moratórios deverão ser contabilizados a partir do vencimento de cada prestação, e não da data do evento danoso ou da citação. Inicialmente, cumpre fazer uma distinção entre o caso aqui analisado e os casos os quais se aplica a Súmula n. 54 do STJ, segundo a qual "Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual". Nos precedentes que ensejaram a criação dessa súmula, houve exaustivo debate a respeito do termo inicial dos juros de mora em casos de responsabilidade, contratual e extracontratual. De fato, firmou-se, nesse debate, a tese de que, em caso de responsabilidade extracontratual, os juros moratórios deveriam começar a correr a partir do ato danoso (ou, como se denominava à época, do delito civil), e não a partir da citação, como normalmente ocorre nas relações contratuais. Ocorre que, da ratio decidendi refletida na aludida súmula, infere-se que a fixação do valor indenizatório (sobre o qual incidirá os juros de mora, a partir do evento danoso) corresponde a uma única prestação pecuniária. É justamente neste aspecto - domodus operandi da prestação pecuniária - que reside a distinção entre o caso aqui analisado e os casos aos quais se aplica a referida Súmula n. 54 do STJ. No caso em análise, no qual há fixação de pensão mensal, embora se trate de relação extracontratual, observa-se que a prestação não é de cunho singular (pagável uma única vez), sendo, na verdade, obrigação de trato sucessivo. Dessa forma, os juros moratórios a serem acrescidos ao valor pago a título de pensão mensal não devem ser contabilizados a partir do ato ilícito (por não ser uma quantia singular), tampouco da citação (por não ser ilíquida). Com efeito, o art. 397, caput, do CC/2002 (art. 960 do CC/1916) - segundo o qual "O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor" -, adotando o adágio dies interpellat pro homine (o termo interpela em lugar do credor), regula a mora ex re, na qual o mero advento do tempo, sem o cumprimento da obrigação positiva e líquida, constitui o devedor automaticamente em mora, haja vista que, sendo o devedor sabedor da data em que deve ser adimplida a obrigação líquida, descabe advertência complementar por parte do credor. Dessa maneira, havendo obrigação líquida e exigível a determinado termo (desde que não seja daquelas em que a própria lei afasta a constituição de mora automática), o inadimplemento ocorrerá no vencimento. Conforme entendimento doutrinário, o art. 397, caput, do CC/2002 - art. 960 do CC/1916 - "refere-se à mora pelo não cumprimento de obrigação 'positiva e líquida', 'no seu termo'. A primeira expressão quer significar o débito exato, perfeitamente conhecido, 'líquido e certo', como prefere a doutrina. Por outro lado, o termo, a que se refere dito dispositivo legal, é o final, o dies ad quem, o vencimento. Realmente, pois, se a dívida, mesmo exata, não estiver vencida, não é suscetível de ser exigida pelo credor, ressalvadas as exceções contidas na lei (...) Isso quer dizer que nosso Código preferiu estabelecer, como regra geral, a mora ex re (em razão do fato ou da coisa), ou seja, dado o vencimento da obrigação, automaticamente se torna exigível o crédito". Portanto, no caso aqui analisado, os juros moratórios a serem acrescidos ao valor pago a título de pensão mensal devem ser, em relação às prestações vencidas, contabilizados a partir do vencimento de cada prestação. Além do mais, quanto às parcelas vincendas, não há razão para a contabilização de juros moratórios. Isso se deve ao fato de que tais parcelas carecem de um dos requisitos fundamentais para que haja a cobrança pelo credor, que é a exigibilidade da obrigação. No caso da pensão, por ser de trato mensal, ela somente passa a ser exigida a partir do seu vencimento, fator que, por óbvio, não foi alcançado pelas parcelas vincendas. Dessa forma, se não há como exigir uma prestação, por ela não ter se constituído, tampouco há falar em mora, pois ainda não há inadimplência do devedor. Aliás, se assim não fosse, o devedor estaria sendo rotulado como inadimplente antes mesmo de se constituir a obrigação. Em outras palavras, sem o perfazimento da dívida, não há como imputar ao devedor o estigma de inadimplente e o indébito da mora, notadamente se este for pontual no seu pagamento. REsp 1.270.983-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 8/3/2016, DJe 5/4/2016.
DIREITO EMPRESARIAL. SUBMISSÃO DE CREDOR DISSIDENTE A NOVO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL APROVADO PELA ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES.
Se, após o biênio de supervisão judicial e desde que ainda não tenha ocorrido o encerramento da recuperação judicial, houver aprovação de novo plano de recuperação judicial, o credor que discordar do novo acordo não tem direito a receber o seu crédito com base em plano anterior aprovado pelo mesmo órgão. Na recuperação judicial, destacam-se três princípios: a relevância dos interesses dos credores; a par conditio creditorum; e a preservação da empresa. Esses princípios encontram destaque nos ditames do art. 47 da Lei n. 11.101/2005. A propósito dos dois primeiros princípios - relevância dos interesses dos credores e par conditio creditorum -, observa-se que a legislação recuperacional procurou sobrelevar por meio deles, como dito acima, a função social da empresa, encartada, sobretudo, na Constituição Federal de 1988. Diante desse macrossistema principiológico, o devedor, ao se enquadrar no benefício da recuperação judicial, deve ter em mente a prevalência do interesse de seus credores, visando mais à coletividade do que à singularidade de cada detentor de crédito. Além disso, deve também o devedor se atentar ao fato de que, independentemente das condições e das peculiaridades de cada crédito, seus credores devem ser tratados de forma equitativa, sem que se busque a celeridade das deduções antes das considerações do mérito de cada pretensão. Essa base principiológica tem servido de alicerce para a constituição do órgão de representatividade máxima dos inúmeros credores existentes ao tempo da recuperação judicial, denominado Assembleia Geral de Credores. É por meio dela que se expressa a vontade de sua maioria, prevalecendo inclusive sobre a intenção daqueles credores ausentes. Dentre as diversas atribuições pertencentes à Assembleia, uma merece destaque, que é a de aprovar ou rejeitar o plano de recuperação judicial, nos moldes apresentados pelo Administrador Judicial da empresa recuperanda. Aliás, não cabe a esse órgão alterar os termos postos no referido plano. Apenas é permitido que se delibere a respeito de possíveis modificações do instrumento. Sendo uma verdadeira mesa de negociações, não há rigidez nas deliberações da Assembleia. Há, sim, certa maleabilidade nas tratativas entre os credores para se adequar os seus interesses àqueles relativos aos propósitos de reestruturação estabelecidos pelo devedor. Sem essa adequação, a preponderância da vontade dos credores poderia desordenar o intuito de soerguimento da empresa, levando-a, muito possivelmente, à bancarrota, o que prejudicaria exponencialmente as pretensões creditórias. Nesse cenário, a doutrina recente acena com a "teoria dos jogos" na recuperação judicial. Por meio dela, pode-se perceber uma interação estratégica entre o devedor e os credores, capaz de pressupor um consenso mínimo de ambos a respeito dos termos delineados no plano de recuperação judicial. Tais negociações demonstram o abandono de um olhar individualizado de cada crédito e um apego maior à interação coletiva e organizada, já que isso evitaria consequências mais drásticas, como a quebra da empresa. Nesse panorama, nota-se que, por meio da discussão do plano de recuperação judicial, cabe à empresa devedora, de um lado, projetar seu fluxo de caixa futuro, de modo transparente, a fim de estipular a verdadeira capacidade de pagamento das obrigações firmadas perante os credores, e, por outro lado, que esses credores aprovem tal prospecto de forma célere, ainda que isso resulte na abdicação de alguns direitos. Dessa feita, diante dos jogos estratégicos de cada parte, é que se evidencia a relevância da Assembleia Geral de Credores, pois é ela que ponderará a necessidade de a empresa se manter ativa com as diversas intenções de os credores verem suas obrigações satisfeitas. Todavia, o processo de recuperação não se sustenta apenas com o olhar nos credores. Há também a necessidade de se conjugar esse ponto de vista com o objetivo de reerguimento e manutenção da sociedade empresarial, sendo esse propósito concretizado por meio do princípio da preservação da empresa. O STJ, em diversos julgados, também sedimentou o posicionamento a respeito da relevância da preservação da empresa, dada pela Lei n. 11.101/2005 (REsp 1.207.117-MG, Quarta Turma, DJe 25/11/2015). Ademais, não é apenas a legislação brasileira que prevê esse princípio como o vértice do processo de recuperação judicial. Há, também, no direito comparado, previsões semelhantes. Por via de consequência, tendo então o empresário, por meio de seu plano de pagamento, apresentado proposta para os credores, diante da Assembleia Geral, há nesse momento uma simbiose de interesses, buscando tanto a mantença do funcionamento da sociedade empresária quanto à solução das obrigações pendentes. Há um equilíbrio entre as pretensões. E o instrumento de negociação entre devedor e credor é o próprio plano de recuperação judicial. Por ele, há vinculação tanto dos credores, que abrem mão de parcela dos seus direitos, quanto do devedor, que se submete à vontade alheia para gerenciar seu empreendimento. Nesse contexto, muito embora a legislação dite o prazo de até dois anos para a permanência do devedor em recuperação judicial, depois de sua concessão, tal lapso não deve ser interpretado de forma peremptória. A respeito do tema, confira-se a regra do caput do art. 61: "Proferida a decisão prevista no art. 58 desta Lei, o devedor, permanecerá em recuperação judicial até que se cumpram todas as obrigações previstas no plano que se vencerem até 2 (dois) anos depois da concessão da recuperação judicial." Como um complemento, exsurge o art. 50, I, dessa lei: "Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros: I - concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas e vincendas." Aliás, é de sabedoria cursiva que o mercado econômico possui vicissitudes que podem afetar o processamento da recuperação da empresa. Ademais, é a própria lei que institui a soberania da Assembleia, fazendo com que o devedor e os credores se vinculem às suas decisões. Isso está presente no art. 45, c/c o art. 59, ambos da Lei de Falências. Desse modo, apesar de já ter-se extrapolado o prazo bienal, se não há, no decorrer da controvérsia, a prolação da sentença que encerra a recuperação judicial do empresário, é mesmo permitido ao recuperando encaminhar suas novas necessidades à Assembleia de Credores. Enquanto não produzido o encerramento, por meio de sentença, esse órgão ainda permanece com sua soberania para deliberações atinentes ao plano. E, mesmo tendo transcorrido o prazo de dois anos de supervisão judicial, como não houve, como ato subsequente, o encerramento da recuperação, os efeitos desta ainda perduraram, mantendo assim a vinculação de todos os credores à deliberação da Assembleia. A propósito, a Lei de Falências entroniza a Assembleia de Credores inclusive para deliberar a respeito de quaisquer objeções feitas pelos credores não satisfeitos. É o que menciona o art. 56 da lei. Sendo assim, estando presente na deliberação da Assembleia e não conseguindo obstar a aprovação do novo plano, cabe agora ao credor dissidente se submeter à vontade da maioria, fruto da soberania advinda daquele órgão. Destaca-se, por derradeiro, que não está a se falar de descumprimento do plano apresentado. Se assim fosse, poderia o credor dissidente, nos termos do art. 62 da Lei de Falências, postular pela convolação da recuperação em falência. REsp 1.302.735-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 17/3/2016, DJe 5/4/2016.
QUINTA TURMA
DIREITO PENAL. COMPATIBILIDADE ENTRE A AGRAVANTE DO ART. 62, I, DO CP E A CONDIÇÃO DE MANDANTE DO DELITO.
Em princípio, não é incompatível a incidência da agravante do art. 62, I, do CP ao autor intelectual do delito (mandante). O art. 62, I, do CP prevê que: "A pena será ainda agravada em relação ao agente que: I - promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes;" Em princípio, não há que se falar em bis in idemem razão da incidência dessa agravante ao autor intelectual do delito (mandante). De acordo com a doutrina, a agravante em foco objetiva punir mais severamente aquele que tem a iniciativa da empreitada criminosa e exerce um papel de liderança ou destaque entre os coautores ou partícipes do delito, coordenando e dirigindo a atuação dos demais, fornecendo, por exemplos, dados relevantes sobre a vítima, determinando a forma como o crime será perpetrado, emprestando os meios para a consecução do delito, independente de ser o mandante ou não ou de quantas pessoas estão envolvidas. Há, inclusive, precedente do STF (Tribunal Pleno, AO 1.046-RR, DJe 22/6/2007) indicando a possibilidade de coexistência da agravante e da condenação por homicídio na qualidade de mandante. Entretanto, não obstante a inexistência de incompatibilidade entre a condenação por homicídio como mandante e a incidência da agravante do art. 62, I, do CP, deve-se apontar elementos concretos suficientes para caracterizar a referida circunstância agravadora. Isso porque, se o fato de ser o mandante do homicídio não exclui automaticamente a agravante do art. 62, I, do CP, também não obriga a sua incidência em todos os casos. REsp 1.563.169-DF, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 10/3/2016, DJe 28/3/2016.
SEXTA TURMA
DIREITO PENAL. CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE GESTÃO FRAUDULENTA DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA.
A absolvição quanto ao crime de emissão, oferecimento ou negociação de títulos fraudulentos (art. 7º da Lei n. 7.492/1986) não ilide a possibilidade de condenação por gestão fraudulenta de instituição financeira (art. 4º,caput, da Lei n. 7.492/1986). A Lei n. 7.492/1986, desde o início da sua vigência, passou a ser alvo de uma série de críticas por parte de alguns setores, notadamente do meio acadêmico, a sugerir a sua inconstitucionalidade. Um dos principais problemas que tal legislação possuiria, segundo essa visão, seria justamente a redação conferida aos delitos lá previstos, cuja tipificação aberta e muito concisa feriria princípios penais basilares. O crime de gestão fraudulenta de instituição financeira (art. 4º, caput) não passou incólume a tais críticas. Todavia, em que pese não haver enfrentado diretamente a polêmica aventada pelos meios acadêmicos, o STF, por via transversa e em inúmeras oportunidades, forneceu-lhe interpretação vocacionada a delimitar o seu espectro deôntico e a sua amplitude de alcance e de sentido. Exemplificativamente, no HC 95.515-RJ (DJe 24/10/2008), o STF firmou o entendimento que "[...] o tipo penal contido no art. 4º da Lei n 7.492/86, consiste em crime de perigo, não sendo necessária a produção de resultado naturalístico em razão da gestão fraudulenta. É relevante, para a verificação da adequação típica, que haja conduta fraudulenta do gestor da instituição financeira (ou a ela equiparada), eis que a objetividade jurídica do tipo se relaciona à proteção da transparência, da lisura, da honradez, da licitude na atividade de gestão das instituições financeiras". O STF, portanto, além de considerar (de maneira implícita) a validade do tipo penal que prevê o crime de gestão fraudulenta, forneceu diretrizes importantes para a correta interpretação do dispositivo legal respectivo, possibilitando, com isso, a correta adequação típica do fato à norma, a ser efetivada pelo magistrado. De mais a mais, conforme adverte doutrina, "Gerir fraudulentamente é utilizar-se de fraude na gestão empresarial. Fraude, por sua vez, é todo aquele meio enganoso, que tem a finalidade de ludibriar, de alterar a verdade dos fatos ou a natureza das coisas, e deve ser interpretada como gênero, que pode apresentar-se sob várias espécies ou modalidades distintas, tais como artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento [...]. Artifício é toda simulação ou dissimulação idônea para induzir uma pessoa em erro, levando-a à percepção de uma falsa aparência de realidade: ardil, por sua vez, é a trama, o estratagema, a astúcia; e qualquer outro meio fraudulento é uma fórmula genérica para admitir qualquer espécie de fraude que possa enganar a vítima, que são meramente exemplificativos da fraude penal tratando-se de crime de forma livre". A partir de tais diretivas, é possível afirmar que, para configurar o delito de gestão fraudulenta de instituição financeira (art. 4º, caput, da Lei n. 7.492/1986), há necessidade de que, na conduta do agente, haja a utilização de ardil ou de astúcia, imbricada com a má-fé, no intuito de dissimular o real objetivo de um ato ou de um negócio jurídico, cujo propósito seria o de ludibriar as autoridades monetárias ou mesmo aquelas com quem mantém eventual relação jurídica (v.g. investidores). Portanto, a má-fé é elemento essencial para a configuração da fraude. Nesse contexto, a realização do crime de gestão fraudulenta de instituição financeira, contido no art. 4º da Lei n. 7.492/1986, não possui relação de dependência com o delito de emissão, oferecimento ou negociação de títulos sem registro ou irregularmente registrados (fraudulentos), previsto no art. 7º, II, da referida lei, embora seja possível que este último integre a cadeia de toda a gestão efetivada de forma fraudulenta, hipótese esta que poderia eventualmente atrair a incidência do princípio da consunção (o desvalor da gestão englobaria o desvalor da emissão, do oferecimento ou da negociação). HC 285.587-SP, Rel. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 15/3/2016, DJe 28/3/2016.
DIREITO PENAL. POSSIBILIDADE DE DESCONSIDERAR CONDENAÇÕES ANTERIORES PARA FINS DE MAUS ANTECEDENTES.
Mostrou-se possível a aplicação da minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 em relação a réu que, apesar de ser tecnicamente primário ao praticar o crime de tráfico, ostentava duas condenações (a primeira por receptação culposa e a segunda em razão de furto qualificado pelo concurso de pessoas) cujas penas foram aplicadas no mínimo legal para ambos os delitos anteriores (respectivamente, 1 mês em regime fechado e 2 anos em regime aberto, havendo sido concedido sursis por 2 anos), os quais foram perpetrados sem violência ou grave ameaça contra pessoa, considerando-se ainda, para afastar os maus antecedentes, o fato de que, até a data da prática do crime de tráfico de drogas, passaram mais de 8 anos da extinção da punibilidade do primeiro crime e da baixa dos autos do segundo crime, sem que tenha havido a notícia de condenação do réu por qualquer outro delito, de que ele se dedicava a atividades delituosas ou de que integrava organização criminosa. De fato, de acordo com entendimento da Sexta Turma do STJ, "À luz do artigo 64, inciso I, do Código Penal, ultrapassado o lapso temporal superior a cinco anos entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior, as condenações penais anteriores não prevalecem para fins de reincidência. Podem, contudo, ser consideradas como maus antecedentes" (HC 292.474-RS, DJe 3/12/2014). Apesar disso, considerando as peculiaridades do caso concreto aqui analisado, não há como afastar a aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas) - segundo a qual, em relação aos delitos previstos no caput e no 1º do dispositivo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços "desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa" - em razão da simples existência de duas condenações transitadas em julgado com extinção da punibilidade há tanto tempo, tendo em vista, ademais, que, além de o réu ser tecnicamente primário (art. 64, I, do CP) ao praticar o crime em comento, não há notícias de que se dedique a atividades delituosas ou de que integre organização criminosa. Saliente-se que, aqui, não se está a afirmar que o mero decurso do período depurador da reincidência seja suficiente para, por si só, impedir toda e qualquer valoração sobre os antecedentes, até porque a hipótese prevista no art. 64, I, do CP trata tão somente da reincidência. Da mesma forma, não se está, simplesmente, descuidando de observar o entendimento do STJ de que condenações prévias, com trânsito em julgado há mais de 5 anos, apesar de não ensejarem reincidência, podem servir de alicerce para valoração desfavorável dos antecedentes. Consigne-se apenas que eternizar a valoração negativa dos antecedentes para afastar a minorante em questão, sem nenhuma ponderação sobre as circunstâncias do caso concreto, não se coaduna com o Direito Penal do fato. Nesse contexto, no RHC 2.227-MG (Sexta Turma, DJ 29/3/1993), já se afirmou que a norma inserta no inciso I do art. 64 do CP "harmoniza-se com o sistema do Código Penal que subscreve o princípio tempus omnia solvet", concluindo-se no sentido de que "Não há, pois, estigma permanente no Direito Penal". Além disso, dois julgados da Quarta Turma do STJ (o REsp 1.334.097-RJ, relativo ao caso conhecido como "Chacina da Candelária", e o REsp 1.335.153-RJ, referente ao caso "Aida Curi", ambos publicados no DJe 10/9/2013) tratam, na esfera civil, da extensão do dano pela violação do direito à privacidade e do direito de ser deixado em paz (direito ao esquecimento). Não obstante, a essência dessa doutrina - com adaptações e temperamentos, por óbvio - pode ser invocada no caso, pois, no que diz respeito ao direito de ser esquecido, de que é titular aquele sobre quem recai o peso de uma condenação penal, esclarece o voto lançado no referido REsp 1.334.097-RJ: Aquele que já cumpriu pena criminal e que precisa reajustar-se à sociedade "há de ter o direito a não ver repassados ao público os fatos que o levaram à penitenciária [...] o direito ao esquecimento que assiste ao condenado [...]. Por esse direito, então, aquele que tenha cometido um crime, todavia já cumprida a pena respectiva, vê a propósito preservada sua privacidade, honra e imagem. Cuida-se inclusive de garantir ou facilitar a interação e reintegração do indivíduo à sociedade, quando em liberdade, cujos direitos da personalidade não podem, por evento passado e expirado, ser diminuídos. [...] E é por essa ótica que o direito ao esquecimento revela sua maior nobreza, pois afirma-se, na verdade, como um direito à esperança, em absoluta sintonia com a presunção legal e constitucional de regenerabilidade da pessoa humana". Também não se pode deixar de mencionar o HC 256.210-SP (DJe 13/12/2013), no qual a Sexta Turma do STJ, à unanimidade, concluiu - agora, sim, especificamente no âmbito do Direito Penal - que o lapso temporal entre a última condenação e a prática da infração apurada naquele writ(quase 14 anos) justificava a não influência das condenações anteriores (que se originaram de condutas perpetradas nas décadas de 70, 80 e 90) para fins de exasperação da pena-base, a título de maus antecedentes. Ademais, o STF (HC 126.315-SP, Segunda Turma, DJe 7/12/2015) aqueceu a discussão a respeito da estipulação de um prazo limite para se considerar uma condenação como maus antecedentes. Na ocasião, destacou-se a impossibilidade de que se atribua à condenação o status de perpetuidade, sob o fundamento de que "a possibilidade de sopesarem-se negativamente antecedentes criminais, sem qualquer limitação temporal ad aeternum, em verdade, é pena de caráter perpétuo mal revestida de legalidade". Aliás, foi também por esses fundamentos que o legislador de 1977, mediante a alteração na Parte Geral do CP ocasionada pela Lei n. 6.146, instituiu a temporalidade para a reincidência e positivou o "período depurador" no art. 46, parágrafo único, então vigente, denominado no item 13 da respectiva Exposição de Motivos como "prescrição da reincidência", e cuja previsão normativa foi mantida no art. 64, I, do atual Código. Além do mais, deve-se considerar a advertência doutrinária segundo o qual "a proibição de penas perpétuas é um corolário da orientação humanitária ordenada pela Constituição, como princípio orientador da legislação penal". Sendo assim, não se pode tornar perpétua a valoração negativa dos antecedentes, nem perenizar o estigma de criminoso para fins de aplicação da pena, sob pena de violação da regra geral que permeia o sistema. Afinal, a transitoriedade é consectário natural da ordem das coisas. Se o transcurso do tempo impede que condenações anteriores configurem reincidência, esse mesmo fundamento - o lapso temporal - deve ser sopesado na análise das condenações geradoras, em tese, de maus antecedentes. De mais a mais, embora o STF ainda não tenha decidido o mérito do RE 593.818-SC - que, em repercussão geral já reconhecida (DJe 3/4/2009), decidirá se existe ou não um prazo limite para se sopesar uma condenação anterior como maus antecedentes -, no caso aqui analisado, firme na ideia que subjaz à temporalidade dos antecedentes criminais, devem ser relativizados os dois registros penais tão antigos do acusado, de modo a não lhes imprimir excessivo relevo a ponto de impedir a incidência da minorante descrita no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas. REsp 1.160.440-MG, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 17/3/2016, DJe 31/3/2016.
Saiba mais:
· Jurisprudencia em Teses: período depurador (art. 64, I, do CP) e maus antecedentes
DIREITO PROCESSUAL PENAL. NULIDADE EM AÇÃO PENAL POR FALTA DE CITAÇÃO DO RÉU.
Ainda que o réu tenha constituído advogado antes do oferecimento da denúncia - na data da prisão em flagrante - e o patrono tenha atuado, por determinação do Juiz, durante toda a instrução criminal, é nula a ação penal que tenha condenado o réu sem a sua presença, o qual não foi citado nem compareceu pessoalmente a qualquer ato do processo, inexistindo prova inequívoca de que tomou conhecimento da denúncia. De início, esclareça-se que, em matéria de nulidade, orienta o princípio pas de nullité sans grief que não há nulidade sem que o ato tenha gerado prejuízo para a acusação ou para a defesa. Não se prestigia, portanto, a forma pela forma, mas o fim atingido pelo ato. Por essa razão, a desobediência às formalidades estabelecidas na legislação processual penal só poderá acarretar o reconhecimento da invalidade do ato quando a sua finalidade estiver comprometida, em prejuízo às partes da relação processual. A demonstração do prejuízo - que, em alguns casos, por ser evidente, pode decorrer de simples procedimento lógico do julgador - é reconhecida pela jurisprudência atual como essencial tanto para a nulidade relativa quanto para a absoluta, conforme retratado pelo STF por ocasião do julgamento do HC 122.229-SP (Segunda Turma, DJe 29/5/2014). Nesse contexto, é exigência fundamental ao exercício do contraditório o conhecimento, pelo acusado, de todos os termos da acusação, para que possa participar ativamente da produção de provas e influenciar o convencimento do juiz. A citação, ato essencial e mais importante do processo, deve ser induvidosa, e sua falta somente poderá ser sanada nos termos do art. 570 do CPP, quando o interessado comparecer espontaneamente aos autos, demonstrando, de maneira inequívoca, que tomou ciência da denúncia que lhe foi formulada. Quando o advogado é constituído antes do oferecimento da denúncia, é, de fato, possível que ele tenha informado o cliente sobre o desenrolar do processo, mas isso se trata de mera conjectura que não pode afastar o vício grave da relação, que se desenvolveu sem a presença do principal sujeito processual, o réu. Na presente hipótese, a relação processual não foi constituída de forma válida, até porque o comparecimento do advogado nos autos da ação penal também não foi espontâneo e o processo prosseguiu, em sua totalidade, sem a presença do acusado. Nem se diga que o prejuízo deixou de ocorrer porque o advogado particular atuou durante a instrução criminal, pois não se pode perder de vista que a defesa se desdobra na defesa técnica e na autodefesa, esta última relacionada à possibilidade de que o próprio acusado intervenha, direta e pessoalmente, na realização dos atos processuais. Saliente-se, ainda, que a autodefesa não se resume à participação do acusado no interrogatório judicial, mas há de se estender a todos os atos de que o imputado participe. Na verdade, desdobra-se a autodefesa em "direito de audiência" e em "direito de presença", é dizer, tem o acusado o direito de ser ouvido e falar durante os atos processuais (e não apenas, como se verifica no direito brasileiro, em seu interrogatório judicial), bem assim o direito de assistir à realização dos atos processuais. O direito em questão implica, portanto, uma série de possibilidades para o acusado, quais sejam: (a) presença em juízo; (b) conhecimento dos argumentos e das conclusões da parte contrária; (c) exteriorização de sua própria argumentação; (d) demonstração dos elementos de fato e de direito que constituem as suas razões defensivas; e (e) propulsão processual. Convém sublinhar que tanto o direito de audiência quanto o direito de presença podem ser exercitados de forma passiva, negativa, sem que isso represente ausência de defesa. É, portanto, expressão da autodefesa o direito ao silêncio, reconhecido ao acusado como corolário de seu direito de não se autoincriminar (privilege against self incrimination), visto que, de acordo com antigo preceito do Direito Canônico, ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si ou a delatar-se (nemo tenetur se detegere ou nemo tenetur se ipsum accusare). De igual modo, constitui exercício de tal direito a deliberada e voluntária atitude do acusado de não se fazer presente nos atos do processo criminal, ou mesmo em todo ele. Logo, se de um lado o Estado deve facilitar a presença do acusado durante o julgamento da causa, há de respeitar, a seu turno, eventual escolha de ele não comparecer a seus atos. Não se trata, pois, de direito indisponível e irrenunciável do réu, tal qual a defesa técnica - conforme positivado no art. 261 do CPP, cuja regra ganhou envergadura constitucional com os arts. 133 e 134 da CF -, mas o seu cerceamento enseja grave prejuízo ao acusado, por suprimir dele a possibilidade de participação ativa na melhor reconstrução histórica dos fatos sob julgamento. REsp 1.580.435-GO, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 17/3/2016, DJe 31/3/2016.
DIREITO PROCESSUAL PENAL. EFEITO DEVOLUTIVO DA APELAÇÃO CRIMINAL INTERPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A matéria suscitada em apelação criminal interposta pelo Ministério Público deve ser apreciada quando, embora não tenha sido especificada na petição de interposição, fora explicitamente delimitada e debatida nas razões recursais. De fato, já firmou a jurisprudência do STF e do STJ entendimento no sentido de que a extensão da apelação se mede pela petição de sua interposição e não pelas razões de recurso. No entanto, nas hipóteses em que o referido entendimento foi consignado, tratava-se de situação contrária à presente, na qual o MP havia impugnado toda a sentença e, nas razões recursais, estabeleceu restrições, o que não se admite, porquanto acarretaria ofensa ao art. 576 do CPP, segundo o qual ao MP não se permite desistir de recurso que haja interposto (HC 70.037-RJ, Primeira Turma do STF, DJ 6/8/1993 e EDcl no HC 109.096-RS, Quinta Turma do STJ, DJe 29/3/2012). Na espécie, embora no momento da interposição do recurso de apelação o Órgão Ministerial não tenha especificado a matéria, ela foi explicitamente debatida nas razões de recurso, merecendo, por conseguinte, conforme entendimento do STJ, ser analisada pelo Tribunal de origem por força do aspecto da profundidade do efeito devolutivo. Em outros termos, são as razões recursais que corporificam e delimitam o inconformismo, e não a petição de interposição do recurso, considerando a função precípua de esta cumprir o requisito formal de apresentação da insurgência recursal. Precedentes citados: HC 139.335-DF, Quinta Turma, DJe 3/11/2011; e REsp 503.128-SP, Quinta Turma, DJ 22/9/2003. HC 263.087-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 17/3/2016, DJe 5/4/2016.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. Informativo 580 do STJ - 2016 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 abr 2016, 15:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Informativos dos Tribunais/48573/informativo-580-do-stj-2016. Acesso em: 23 nov 2024.
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
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