Brasília, 5 a 9 de setembro de 2016 - Nº 838.
Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.
SUMÁRIO
Plenário
Cassação de mandato parlamentar e autocontenção do Judiciário
Embargos de declaração em embargos de declaração e efeitos infringentes - 2
Exigência para participar de licitação e conflito legislativo
1ª Turma
Concurso público e suspeita de irregularidade de titulação - 4
Injúria: ofensa recíproca e perdão judicial
2ª Turma
Pensão: comprovação de união estável e concubinato - 2
Furto qualificado: dosimetria e circunstâncias judiciais - 2
Extradição e causas de interrupção da prescrição - 2
Cumprimento pena em penitenciária federal de segurança máxima e progressão de regime
Incidente de insanidade mental e obrigatoriedade
Clipping do DJe
Transcrições
Mandado de Segurança Preventivo - Superveniência do Ato Receado - Prejudicialidade - Inocorrência - Informações Oficiais - Presunção de Veracidade (MS 34.217-MC/DF)
PLENÁRIO
Cassação de mandato parlamentar e autocontenção do Judiciário
O Plenário, por maioria, denegou a ordem em mandado de segurança impetrado por deputado federal contra atos da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) e do Conselho de Ética (COÉTICA), ambos da Câmara dos Deputados, que culminaram na recomendação ao plenário da Casa Legislativa pela cassação do mandato do impetrante com fundamento em quebra de decoro parlamentar.
Na impetração, sustentava-se, em síntese, a existência de direito líquido e certo, consubstanciado nos seguintes argumentos: a) suspensão do processo político-parlamentar, inclusive para fins de defesa e obstrução; b) processamento pela autoridade competente, garantia que teria sido violada em razão do impedimento do relator, por identidade com o bloco parlamentar do impetrante; c) devido processo legal, contraditório e ampla defesa como estabilidade da acusação (em referência ao aditamento da representação e da respectiva instrução); d) votação pelo sistema eletrônico, e não nominal, no Conselho de Ética, o que teria gerado “efeito manada”; e) observância do quórum de instalação da sessão na CCJC (maioria absoluta), o que teria sido afrontado pelo cômputo de suplentes em duplicata com os respectivos titulares.
O Colegiado assentou, de início, que o STF somente deve interferir em procedimentos legislativos para assegurar o cumprimento da Constituição, proteger direitos fundamentais e resguardar os pressupostos de funcionamento da democracia e das instituições republicanas. Exemplo típico da jurisprudência nesse sentido é a preservação dos direitos das minorias. Entretanto, nenhuma das hipóteses ocorre no caso.
Além disso, consignou que a suspensão do exercício do mandato do impetrante, por decisão do STF em sede cautelar penal, não gera direito à suspensão do processo de cassação do mandato, pois ninguém pode beneficiar-se da própria conduta reprovável. Portanto, inexiste direito subjetivo a dilações indevidas ou ofensa à ampla defesa. Destacou que o precedente firmado no MS 25.579 MC/DF (DJe de 19-10-2005) não se aplica à espécie, pois se refere a parlamentar afastado para exercer cargo no Executivo e responsabilizado por atos lá praticados. Naquele caso, aliás, a medida liminar foi indeferida, pois se entendeu que a infração se enquadrava no Código de Ética e Decoro Parlamentar.
O Tribunal também afirmou que a alegação de que o relator do processo no Conselho de Ética estaria impedido por integrar o mesmo bloco parlamentar do impetrante, por pressupor debate sobre o momento relevante para aferição da composição dos blocos, não configura situação justificadora de intervenção judicial, conforme decisão proferida no MS 33.729 MC/DF (DJe de 4-2-2016).
Ademais, não há que falar em transgressão ao contraditório decorrente do aditamento da denúncia, providência admitida até em sede de processo penal. O impetrante teve todas as possibilidades de se defender, o que foi feito de forma ampla e tecnicamente competente.
Sublinhou, de igual modo, a ausência de ilicitude na adoção da votação nominal do parecer no Conselho de Ética. Tal forma de voto privilegia a transparência e o debate parlamentar, e é adotada até em hipóteses mais graves. Nesse sentido, cabe deferência para com a interpretação regimental acolhida pela Câmara dos Deputados, inclusive à vista das dificuldades para aplicação do art. 187, § 4º, do seu regimento interno fora do plenário da Casa. Inexiste vedação expressa a embasar a alegação do impetrante e tampouco ocorreu o denominado “efeito manada”.
Por fim, a Corte registrou a validade do quórum de instalação da sessão na CCJC. Lembrou que os suplentes a que se refere o regimento interno são dos partidos (ou dos blocos de partidos), e não propriamente dos titulares ausentes. Não haveria um suplente para cada titular, portanto. Além disso, o art. 58, § 1º, da CF alude à representação proporcional dos partidos ou blocos na composição das mesas e de cada comissão, e não ao quórum de instalação das sessões.
Vencido o ministro Marco Aurélio, que concedia a segurança. Entendia impor-se a suspensão do processo tendo em conta o afastamento do impetrante do exercício do mandato. Além disso, considerava procedente a alegação de irregularidade no quórum de votação. Por fim, também deferia o pedido tendo em conta o impedimento do relator na Casa legislativa.
MS 34.327/DF, rel. min. Roberto Barroso, julgamento em 8-9-2016.
Embargos de declaração em embargos de declaração e efeitos infringentes - 2
O Plenário retomou julgamento de embargos de declaração em embargos de declaração interpostos de acórdão proferido em ação penal. O embargante, à época vice-presidente de comissão municipal de licitação, fora condenado por fraude nesse tipo de certame (v. Informativo 820).
Em voto-vista, o ministro Dias Toffoli acolheu em parte os embargos de declaração, com efeitos modificativos. Foi acompanhado pelos ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski (presidente).
Registrou, preliminarmente, que o STF, ao reconhecer contradição intrínseca na dosimetria da pena, já tivera a oportunidade de acolher embargos de declaração, atribuindo-lhes efeitos modificativos, para reduzir a pena imposta (AP 470 EDj-décimos sétimos/MG, DJe de 10-10-2013).
No caso em comento, teria havido “bis in idem” quanto à valoração negativa da conduta social e da personalidade do embargante no acórdão condenatório. Os mesmos elementos que majoraram a culpabilidade também teriam justificado a negativação de sua conduta social e personalidade. Desse modo, haveria que se decotar da pena-base a referida valoração negativa.
Igualmente, ainda na primeira fase da dosimetria, teriam sido consideradas favoráveis ao embargante as consequências do crime, pois “os procedimentos licitatórios se aperfeiçoaram por preços de mercado, tendo sido as obras e os serviços realizados”. Apesar desse reconhecimento, o vetor não teria repercutido na pena.
Assim, a pena do embargante haveria que ser a reduzida para quatro anos de detenção em regime aberto e, posteriormente, substituída pela pena restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade, e por outra pena de multa.
Os ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux acompanharam o voto proferido pela ministra Cármen Lúcia (relatora), em assentada anterior, no sentido de rejeitar os embargos de declaração.
Em seguida, pediu vista dos autos o ministro Teori Zavascki.
AP 565 ED-ED/RO, rel. min. Cármen Lúcia, julgamento em 8-9-2016.
Exigência para participar de licitação e conflito legislativo
Por ofensa à competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação e contratos, o Plenário, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade da Lei 3.041/2005 do Estado de Mato Grosso do Sul, sem efeito repristinatório em relação às leis anteriores de mesmo conteúdo.
A lei impugnada instituiu a chamada Certidão de Violação aos Direitos do Consumidor (CVDC). Tal documento passou a ser exigido dos interessados em participar de licitações e em celebrar contratos com órgãos e entidades estaduais, seja por meio de negociações diretas, seja por modalidades de licitação existentes.
A CVDC teria sido concebida como documento essencial para a habilitação de fornecedores em todas as licitações ou contratos cujo valor total excedesse cinquenta Unidades Fiscais Estaduais de Referência de Mato Grosso do Sul (UFERMS). Além disso, estariam excluídos do universo de contratantes com o Poder Público local aqueles que detivessem contra si as seguintes anotações: a) descumprimento de sanção administrativa fixada em decisão definitiva, na qual o fornecedor tivesse sido condenado; b) sentença judicial de âmbito individual transitada em julgado, em que, no mérito, o fornecedor tivesse sido condenado por ofensa a direito do consumidor; c) sentença judicial de âmbito coletivo prolatada em ações coletivas.
O Tribunal afirmou que a Constituição outorgou privativamente à União a responsabilidade pelo estabelecimento de normas gerais sobre licitações e contratos (CF/1988, art. 22, XXVII). Essa competência pressuporia a integração da disciplina jurídica da matéria pela edição de outras normas, “não gerais”, a serem editadas pelos demais entes federativos (CF/1988, arts. 24, 25, §1º, e 30, II).
A ordem constitucional reconheceria, em favor dos Estados-membros, autonomia para criar direito em matéria de licitações e contratos independentemente de autorização formal da União. Todavia, essa autonomia não seria incondicionada, devendo ser exercida apenas para a suplementação das normas gerais expedidas pela União, previstas na Lei 8.666/1993.
Caberia, então, analisar se a lei estadual, ao dispor sobre licitações e contratos, limitou-se a sua competência estadual ou, a pretexto de suplementar a norma geral, teria recriado condições normativas que somente lei geral poderia prever.
Asseverou que, para ser considerada válida, a suplementação deverá passar por um teste constituído de duas etapas: a) a identificação, em face do modelo nacional concretamente fixado, das normas gerais do sistema; b) verificação da compatibilidade, direta e indireta, entre as normas gerais estabelecidas e as inovações fomentadas pelo direito local.
A Corte sublinhou que a lei atacada definitivamente não transporia o teste proposto. Ao criar requisito de habilitação obrigatório para a maioria dos contratos estaduais, o Estado-membro se arvorou na condição de intérprete primeiro do direito constitucional de participar de licitações. Criou, ainda, uma presunção legal, de sentido e alcance amplíssimos, segundo a qual a existência de registros desabonadores nos cadastros públicos de proteção do consumidor seria motivo suficiente para justificar o impedimento à contratação de pessoas físicas e jurídicas pela Administração local. Embora a CVDC se aplicasse apenas aos contratos de valores superiores a cinquenta UFERMS, a sua exigência estaria longe de configurar condição especificamente ligada a determinado tipo de objeto. Seria, ao revés, limitação não episódica, incidente linearmente à maioria dos contratos estaduais.
Consignou ainda que o diploma impugnado introduzira requisito genérico e inteiramente novo para habilitação em qualquer licitação. Ao assim prover, a legislação estadual se dissociou dos termos gerais do ordenamento nacional de licitações e contratos e se apropriou de competência que, pelo comando do art. 22, XXVII, da CF/1988, caberia privativamente à União.
Os ministros Luiz Fux e Ricardo Lewandowski (presidente) acompanharam o relator. Porém, por reputarem violados os princípios da proporcionalidade, razoabilidade, eficiência, economicidade e livre concorrência, julgaram procedente o pedido para declarar, também, a inconstitucionalidade material da norma.
Vencidos os ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, que julgavam o pleito improcedente. O ministro Marco Aurélio pontuava que o Estado-membro teria atuado com observância às normas gerais editadas pela União e a partir dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. O ministro Celso de Mello enfatizava que o diploma legislativo em comento teria sido editado de modo plenamente legítimo, no âmbito de sua própria competência normativa, e responderia, também, no plano material, a exigência que a Constituição imporia a todos os entes da Federação, no sentido de tornar viável e efetiva a proteção aos diretos básicos do consumidor.
ADI 3.735/MS, rel. min. Teori Zavascki, julgamento em 8-9-2016.
PRIMEIRA TURMA
Concurso público e suspeita de irregularidade de titulação - 4
Com base no princípio da segurança jurídica, a Primeira Turma, em conclusão de julgamento e por maioria, denegou mandado de segurança impetrado contra ato do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que invalidara critério estabelecido por comissão de concurso para aferir pontos de títulos de especialização em certame voltado à outorga de delegações de notas e registros.
Diversos candidatos teriam apresentado diplomas de pós-graduação, na modalidade especialização, que teriam sido inicialmente admitidos pela comissão do concurso. Diante da existência de suspeitas quanto à regularidade de muitas das titulações, a comissão interpretou o edital e a Resolução 81/2009/CNJ de modo a impedir que títulos inidôneos servissem à classificação, sem que antes fossem submetidos a avaliação da validade. Esse fato levou vários candidatos beneficiados pela contabilização de títulos a ingressarem com procedimentos de controle administrativo no CNJ para que fosse declarada a nulidade do ato da comissão, com a consequente divulgação do resultado definitivo do certame. Com o acolhimento parcial dos pedidos formulados, o CNJ afastou a orientação da comissão (v. Informativos 808 e 813).
A Turma afirmou que o edital de concurso público — enquanto estatuto de regência do certame — constituiria a lei interna dele. Os destinatários, portanto, estariam estritamente vinculados às suas cláusulas, desde que mantida a relação de harmonia, no plano hierárquico-normativo, com o texto da Constituição e com as leis da República. Além disso, nenhum ato de comissão de concurso poderia introduzir, no âmbito das relações de direito administrativo entre o Poder Público e os candidatos inscritos no certame, um fator de instabilidade e de incerteza, apto a frustrar, de maneira indevida, legítimas aspirações dos referidos candidatos.
Assim, não seria possível a aplicação retroativa de regra de limitação de títulos de pós-graduação, sob pena de afronta à segurança jurídica. A criação de critério “ad hoc” de contagem de títulos de pós-graduação, depois da abertura da fase de títulos, implicaria violação ao referido postulado normativo. As regras dispostas previamente no edital estariam de acordo com a Resolução 81/2009/CNJ, e não previam qualquer limitação para a contagem de títulos de especialização. Tampouco dispunham sobre formas de evitar a sobreposição e acumulação de certificados.
Segundo consignado, esse novo critério também ofenderia o princípio da impessoalidade, pois permitiria o favorecimento de alguns candidatos em detrimento de outros. Além disso, a solução de aferir cada um dos títulos apresentados, para evitar abusos, teria como consequência a perpetuidade do processo seletivo.
Por sua vez, aplicar a Resolução 187/2014/CNJ ao certame, com o fim de criar um limite para a contagem de títulos de pós-graduação, encontraria dois óbices: a) o CNJ determinara, com fundamento na segurança jurídica, que as modificações efetuadas por esse ato normativo não deveriam ser aplicadas aos processos seletivos em andamento; b) a jurisprudência do STF tem validado as decisões do CNJ que impedem a aplicação retroativa dos critérios dessa Resolução aos concursos de serventias extrajudiciais ainda não concluídos.
Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator) e Edson Fachin, que concediam a ordem em parte. Permitiam, no âmbito do controle de legalidade, ante as condições específicas dos candidatos e das instituições de ensino, a desconsideração de certificados emitidos em contrariedade ao disposto na legislação educacional ou em situações de superposições e acúmulos desarrazoados, fraudulentos ou abusivos.
MS 33.406/DF, rel. orig. min. Marco Aurélio, rel. p/ o acórdão min. Roberto Barroso, julgamento em 6-9-2016.
Injúria: ofensa recíproca e perdão judicial
Em virtude da incidência do perdão judicial (CP/1940, art. 107, IX), a Primeira Turma extinguiu ação penal e declarou extinta a punibilidade de deputado federal acusado de suposta prática de crime de injúria.
O deputado federal teria publicado em rede social declarações ofensivas à honra de governador de Estado-membro. A publicação, extraída do perfil pessoal do acusado, teria sido capturada por meio de “print screen”.
A Turma reconheceu a materialidade e autoria delitivas, e afastou a inviolabilidade parlamentar material, pois as declarações teriam sido proferidas fora do recinto parlamentar e em ambiente virtual. Observou, portanto, não haver relação entre as declarações e o exercício do mandato.
Reputou configurado, de um lado, o elemento subjetivo, constituído pela vontade livre e consciente de atribuir qualificações negativas ao ofendido. Por outro lado, entendeu que o comportamento do ofendido traria reflexos à punibilidade da conduta.
O acusado postou as mensagens ofensivas menos de 24 horas depois de o ofendido publicar manifestação, também injuriosa, ao deputado. Seriam, assim, mensagens imediatamente posteriores às veiculadas pelo ofendido, e elaboradas em resposta a elas. Ao publicá-las, o acusado citou parte do conteúdo da mensagem postada pelo ofendido, comprovando o nexo de pertinência entre as condutas.
Dessa maneira, o ofendido não só, de forma reprovável, provocara a injúria, como também, em tese, praticara o mesmo delito, o que gerara a retorsão imediata do acusado. Sendo assim, estariam configuradas as hipóteses de perdão judicial, nos termos do art. 140, § 1º, do CP/1940 (“Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. § 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena: I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria; II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria”). Logo, não haveria razão moral para o Estado punir quem injuriou a pessoa que provocou.
AP 926/AC, rel. min. Rosa Weber, julgamento em 6-9-2016.
SEGUNDA TURMA
Pensão: comprovação de união estável e concubinato - 2
A Segunda Turma retomou o julgamento de mandado de segurança impetrado em face de ato do Tribunal de Contas da União (TCU) que determinara a cassação de pensão instituída em favor de companheira de servidor público federal. A Corte de Contas apontara como razão de decidir a ausência de comprovação do reconhecimento judicial de união estável. A impetrante sustenta ser beneficiária de pensão vitalícia instituída ainda em vida pelo servidor público mediante “ação de acordo de alimentos regularmente homologado” (v. Informativo 829).
Em voto-vista, o ministro Dias Toffoli divergiu, em parte, dos fundamentos do voto da ministra Cármen Lúcia (relatora) e concedeu a ordem. Acompanhou a relatora para rejeitar a suposta violação ao devido processo legal, por tratar-se de análise de legalidade de ato inicial de concessão de pensão. Sustentou que esse processo não se submeteria ao postulado do contraditório e da ampla defesa, nos termos do Enunciado 3 da Súmula Vinculante (“Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão”).
Consignou, no entanto, não haver controvérsia entre as alegações apresentadas pela impetrante, as provas constantes nos autos e as circunstâncias fáticas consideradas no acórdão do TCU acerca do fato de a pensão ter sido concedida pelo Ministério da Educação em favor da impetrante (em razão de relacionamento duradouro mantido com o instituidor do benefício) e do cônjuge feminino sobrevivente (cônjuge virago), com rateio entre as duas mulheres.
Para o ministro Dias Toffoli, o fundamento adotado pelo TCU quanto à ausência de título judicial a reconhecer o relacionamento entre a impetrante e o “de cujus”não subsistiria diante das provas apresentadas nos autos do presente “mandamus”. Nesse ponto, indicou a peça vestibular do acordo de alimentos, na qual a impetrante e o servidor falecido declararam terem convivido durante muitos anos, em união que gerou dois filhos. Mencionou, ainda, a sentença proferida naquele processo, na qual fora homologado o acordo de alimentos em favor da impetrante, a ser pago pelo “de cujus”, no percentual de 25% dos rendimentos brutos, salvo os descontos compulsórios.
Destacou que não haveria, na decisão do TCU, referência ao ato de oposição do cônjuge virago ao rateio da pensão concedida pelo Ministério da Educação com a impetrante. Entendeu que não se configuraria legítimo que, sob o fundamento de se preservar interesse não mais possível de ser exercido pela titular, se esvaziasse a força do título judicial formado nos autos de acordo de alimentos, ainda que o acórdão do TCU tivesse reconhecido o óbito do cônjuge sobrevivente.
Em seguida, pediu vista dos autos o ministro Teori Zavascki.
MS 32.652/DF, rel. min. Cármen Lúcia, julgamento em 6-9-2016.
Furto qualificado: dosimetria e circunstâncias judiciais - 2
A Segunda Turma retomou o julgamento de “habeas corpus” impetrado contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que mantivera decisão condenando o paciente à pena de três anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, pela prática do crime de furto qualificado (CP/1940, art. 155, § 4º). A defesa sustenta a desproporcionalidade da pena-base aplicada e pleiteia a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos.
O STJ considerara as seguintes circunstâncias desfavoráveis ao réu: a) presença de culpabilidade, uma vez que o paciente estaria consciente da ilicitude do seu comportamento; b) ocorrência de rompimento de obstáculo à subtração da coisa (CP/1940, art. 155, § 4º, I); c) caracterização de maus antecedentes, tendo em conta a existência de quatro processos criminais em curso (v. Informativo 759).
Em voto-vista, a ministra Cármen Lúcia denegou a ordem. Não verificou constrangimento ilegal quanto à alegação de ausência de fundamentação idônea para a fixação da pena-base acima do mínimo legal.
Por um lado, afastou a consciência da ilicitude (pressuposto da culpabilidade) e o rompimento de obstáculo (elementar do tipo) como circunstâncias idôneas a justificar a exacerbação da pena-base.
Por outro, verificou a existência de outras circunstâncias referidas pelo magistrado sentenciante, omitidas na fase do art. 59 do CP/1940, como o acusado haver escalado muro para furtar, ter retirado grande quantidade de objetos do local do delito e ter sido flagrado vendendo os produtos do crime. Essas circunstâncias foram expressamente invocadas no julgamento da apelação como suficientes para afirmar o acerto da pena, sem que sua utilização implicasse “reformatio in pejus”.
Ademais, considerou não se aplicar ao caso a suposta incompatibilidade entre a causa de aumento prevista no § 1º do art. 155 do CP/1940 (crime praticado durante o repouso noturno) e a forma qualificada do delito de furto, prevista no § 4º do mesmo artigo, invocada pelo ministro Gilmar Mendes (relator) para a concessão de ofício da ordem.
Explicou que se admite a compatibilidade entre a causa de aumento e a qualificadora do crime de furto, tendo em conta que os dois comandos normativos são conciliáveis. Nesse sentido, o furto qualificado pela destruição ou rompimento de obstáculo pode ou não ser praticado durante o repouso noturno, de modo que essas duas figuras não se excluem. Tal conduta é ainda mais reprovável, o que enseja a incidência da causa de aumento.
Por fim, entendeu não caber a substituição da pena por restritiva de direitos, consideradas as circunstâncias dos autos, em especial a quantidade de bens furtados, o “modus operandi” e os vários processos a que responde o paciente por delitos na mesma natureza, motivo pelo qual estava preso pouco antes do cometimento do crime.
Em seguida, pediu vista o ministro Teori Zavascki.
HC 122.940/PI, rel. min. Gilmar Mendes, julgamento em 6-9-2016.
Extradição e causas de interrupção da prescrição - 2
Por reconhecer a prescrição da pretensão executória quanto a um dos crimes, a Segunda Turma, em conclusão de julgamento, acolheu embargos de declaração com efeitos modificativos e indeferiu pedido de extradição.
Os embargos declaratórios foram opostos em face de acórdão que deferira pedido de extradição de nacional espanhol condenado pela prática dos crimes de “estafa” e de “falsificação de documento comercial”. No Brasil, tais delitos encontram correspondência aos crimes de estelionato e de falsificação de documento particular (CP/1940, arts. 171 e 298).
No recurso, sustentou-se a ocorrência de omissão e contradição no acórdão embargado na medida em que a data do protocolo do pedido de extensão da extradição foi considerada como marco interruptivo da prescrição. Segundo alegado, essa baliza não teria amparo legal. Tendo isso em conta, a prescrição da pretensão executória quanto ao crime de “estafa” (estelionato) estaria configurada (v. Informativo 837).
Preliminarmente, por decisão majoritária, o Colegiado não conheceu da proposta de desistência formulada pelo Estado requerente. Registrou que, apenas na hipótese de negativa da extradição, não seria admitido novo pedido baseado no mesmo fato (Lei 6.815/1980, art. 88). Diante da eventual possibilidade de reiteração do pedido extradicional, haveria que se enfrentar os embargos declaratórios em questão.
Vencidos, quanto à preliminar, os ministros Teori Zavascki e Cármen Lúcia, que entendiam caber ao STF homologar o pedido, independentemente da eventual concordância do extraditando.
No mérito, a Segunda Turma registrou que, no acórdão embargado, ficara consignado que não se teria operado a prescrição da pretensão executória quanto à pena mínima de 1 ano de reclusão cominada ao crime de estelionato, cujo prazo prescricional é de 4 anos, nos termos do art. 109, V, do CP/1940.
Esse lapso temporal não teria decorrido entre a data do trânsito em julgado e a data do protocolo, no STF, do pedido de extensão da extradição. Não teria sido indicado no julgado, todavia, o fundamento legal para se considerar a data do protocolo do pedido de extradição como marco interruptivo da prescrição, e nisso residiria a omissão.
O Código Penal e a Lei 6.815/1980 não preveem, como causa interruptiva da prescrição, a apresentação do pedido de extradição. Ademais, à míngua de previsão em tratado específico, por força do princípio da legalidade estrita, não haveria como se criar um marco interruptivo em desfavor do extraditando.
Considerando-se que a condenação do extraditando pelo crime de estelionato (“estafa”) transitou em julgado em 16-3-2011 e que, por falta de disposição expressa em tratado específico, o recebimento do pedido de extensão da extradição não constituiria causa interruptiva da prescrição, haveria que se reconhecer a prescrição da pretensão executória. Em face da pena mínima cominada ao delito em questão (1 ano de reclusão), a aludida causa extintiva de punibilidade ocorreria em 4 anos, nos termos do art. 109, V, do CP.
Ademais, nos termos do art. 117, V, do CP, o início ou a continuação do cumprimento da pena interrompem a prescrição. Caso se entendesse que, por se tratar de extradição executória, o cumprimento do mandado de prisão preventiva para extradição significaria início de cumprimento de pena, a prescrição teria se interrompido em 7-7-2014 e, portanto, não haveria que se falar em prescrição da pretensão executória.
Ocorre que, mesmo em extradição executória, a prisão preventiva não perderia sua natureza cautelar. Essa espécie de prisão seria condição de procedibilidade para o processo de extradição, destinada, em sua precípua função instrumental, a assegurar a execução de eventual ordem de extradição (Ext 579 QO/Governo da República Federal da Alemanha, DJ de 10-9-1993).
Ext 1.346 ED/DF, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 6-9-2016.
Cumprimento de pena em penitenciária federal de segurança máxima e progressão de regime
O cumprimento de pena em penitenciária federal de segurança máxima por motivo de segurança pública não é compatível com a progressão de regime prisional.
Com base nesse entendimento, a Segunda Turma, por maioria, não conheceu de “habeas corpus” em que se discutia a possibilidade da concessão do benefício em face de seu deferimento por juiz federal sem que houvesse a impugnação da decisão pela via recursal.
No caso, o juízo da execução penal suscitou conflito de competência ao ser comunicado de que a benesse da progressão de regime fora concedida ao paciente. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao resolver o conflito, cassou a progressão.
A Segunda Turma afirmou que a transferência do apenado para o sistema federal tem, em regra, como fundamento razões que atestam que, naquele momento, o condenado não tem mérito para progredir de regime. Observou que a transferência seria cabível no interesse da segurança pública ou do próprio preso (Lei 11.671/2008, art. 3º).
Frisou que o paciente seria líder de organização criminosa. Ademais, mesmo sem cometer infrações disciplinares, o preso que pertencesse à associação criminosa não satisfaria aos requisitos subjetivos para a progressão de regime. A pertinência à sociedade criminosa seria crime e também circunstância reveladora da falta de condições de progredir a regime prisional mais brando. A Segunda Turma ainda registrou que a manutenção do condenado em regime fechado, com base na falta de mérito do apenado, não seria incompatível com a jurisprudência do STF.
Vencida a ministra Cármen Lúcia, que concedia a ordem para que fosse assegurado ao condenado o regime semiaberto. Pontuava configurar constrangimento ilegal o afastamento pelo STJ, em conflito de competência, da decisão transitada em julgado que deferira ao paciente a progressão de regime.
HC 131.649/RJ, rel. orig. min. Cármen Lúcia, rel. p/ac. min. Dias Toffoli, julgamento em 6-9-2016.
Incidente de insanidade mental e obrigatoriedade
O incidente de insanidade mental é prova pericial constituída em favor da defesa. Logo, não é possível determiná-lo compulsoriamente na hipótese em que a defesa se oponha à sua realização.
Essa é a conclusão da Segunda Turma ao conceder a ordem em “habeas corpus” que discutiu a legitimidade de decisão judicial que deferira pedido formulado pelo Ministério Público Militar determinando a instauração de incidente de insanidade mental, com fundamento no art. 156 do Código de Processo Penal Militar (CPPM), a ser realizado por peritos médicos de hospital castrense.
A Segunda Turma afirmou que o Código Penal Militar (CPM) e o Código Penal (CP) teriam adotado o critério biopsicológico para a análise da inimputabilidade do acusado. Assim, a circunstância de o agente ter doença mental provisória ou definitiva, ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (critério biológico), não seria suficiente para ele ser considerado penalmente inimputável, sem análise específica dessa condição para aplicação da legislação penal.
Havendo dúvida sobre a imputabilidade, seria indispensável que, por meio de procedimento médico, se verificasse que, ao tempo da ação ou da omissão, o agente era totalmente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (critério psicológico).
Contudo, no caso em comento, a defesa não solicitara a realização do mencionado exame. Tendo isso em conta, o Colegiado asseverou que o paciente não estaria obrigado a se submeter a esse exame.
HC 133.078/RJ, rel. min. Cármen Lúcia, julgamento em 6-9-2016.
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8.9.2016 |
5 |
1ª Turma |
6.9.2016 |
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36 |
2ª Turma |
6.9.2016 |
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68 |
5 a 9 de setembro de 2016
HC N. 127.288-SP
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
Ementa: HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSO PENAL. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. ART. 288 DO CP (REDAÇÃO ANTERIOR À LEI 12.720/2012). FRAUDE A PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. ART. 90 DA LEI 8.666/1993. CORRUPÇÃO PASSIVA. ART. 317, § 1º, DO CP. EXTINÇÃO PREMATURA DA AÇÃO PENAL. QUESTÕES DE MÉRITO QUE DEVEM SER DECIDIDAS PELO JUIZ NATURAL DA CAUSA. DESMEMBRAMENTO DO PROCESSO. POSSIBILIDADE.
1. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a extinção da ação penal de forma prematura, via habeas corpus, somente se dá em hipóteses excepcionais, quando patentemente demonstrada (a) a atipicidade da conduta; (b) a ausência de indícios mínimos de autoria e materialidade delitivas; ou (c) a presença de causa extintiva da punibilidade.
2. A denúncia descreve de forma individualizada e objetiva as condutas atribuídas à paciente, correlacionando-as aos tipos penais em questão (art. 288, na redação originária, e art. 317, §1º, do CP e art. 90 da Lei 8.666/1993). Revela a existência de grupo de pessoas associadas e organizadas para a prática de fraudes licitatórias e corrupção passiva, com a indicação detalhada do modus operandi empregado na empreitada criminosa. As ações nela descritas possuem relevo para a esfera penal.
3. Avançar nas alegações postas na impetração, sobre a carência de provas concretas acerca da prática dos crimes narrados, revela-se inviável nesta ação constitucional, por pressuporem o revolvimento dos fatos e provas da causa.
4. O desmembramento do processo, como consectário do excessivo número de acusados, para imprimir maior celeridade processual, encontra respaldo no art. 80 do Código de Processo Penal. Precedentes. A reversão desse entendimento, com a posterior reunião dos processos, implicou a superação dessas questões, de modo que não há como avançar no exame da vulneração da paridade de armas e da ampla defesa quanto aos atos processuais realizados no período em que os autos permaneceram desmembrados, já que, sobre essa matéria específica, o STJ não se pronunciou.
5. Ordem denegada.
*noticiado no Informativo 836
MS N. 33.619-DF
RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. SUSPENSÃO DE INCLUSÃO DE NOVOS BENEFICIÁRIOS. OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE. GEAP. ÓBICE AO INGRESSO DE SERVIDOR DO PODER EXECUTIDO CEDIDO À JUSTIÇA FEDERAL, QUE, ACOMETIDO DE DOENÇA GRAVE, RETORNOU AO ÓRGÃO DE ORIGEM PARA APOSENTARIA POR INVALIDEZ. IMPOSSIBILIDADE DE INTERRUPÇÃO DO TRATAMENTO DA DOENÇA INICIADO DURANTE PERÍODO DE CESSÃO. VEDAÇÃO ADMINISTRATIVA EXCEPCIONADA PELAS PECULIARIDADES DA ESPÉCIE EM EXAME. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO DIREITO À SAÚDE. MANDADO DE SEGURANÇA CONCEDIDO.
*noticiado no Informativo 836
Inq N. 3.932-DF e Pet N. 5.243-DF
RELATOR: MIN. LUIZ FUX
Ementa: PENAL. DENÚNCIA E QUEIXA-CRIME. INCITAÇÃO AO CRIME, INJÚRIA E CALÚNIA. TRANSAÇÃO PENAL. NÃO OFERECIMENTO. MANIFESTAÇÃO DE DESINTERESSE PELO ACUSADO. IMUNIDADE PARLAMENTAR. INCIDÊNCIA QUANTO ÀS PALAVRAS PROFERIDAS NO RECINTO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. ENTREVISTA. AUSENTE CONEXÃO COM O DESEMPENHO DA FUNÇÃO LEGISLATIVA. INAPLICABILIDADE DO ART. 53 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL QUANTO AOS DELITOS DE INCITAÇÃO AO CRIME E DE INJÚRIA. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA E REJEIÇÃO PARCIAL DA QUEIXA-CRIME, QUANTO AO CRIME DE CALÚNIA.
1. Os Tratados de proteção à vida, à integridade física e à dignidade da mulher, com destaque para a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher - “Convenção de Belém do Pará” (1994); a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher – “Carta Internacional dos Direitos da Mulher” (1979); além das conferências internacionais sobre a mulher realizadas pela ONU – devem conduzir os pronunciamentos do Poder Judiciário na análise de atos potencialmente violadores de direitos previstos em nossa Constituição e que o Brasil se obrigou internacionalmente a proteger.
2. Os direitos humanos, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, são analisados sob o enfoque de que “em matéria de direitos humanos, a interpretação jurídica há de considerar, necessariamente, as regras e cláusulas do direito interno e do direito internacional, cujas prescrições tutelares se revelam – na interconexão normativa que se estabelece entre tais ordens jurídicas – elementos de proteção vocacionados a reforçar a imperatividade do direito constitucionalmente garantido” (HC 82.424, Tribunal Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, rel. para Acórdão Min. Maurício Corrêa, j. 17/09/2003, DJ 19/03/2004).
3. A Lei Maria da Penha inaugurou o novel paradigma que culminou, recentemente, no estabelecimento de pena mais grave o Feminicídio, não admite que se ignore o pano de fundo aterrador que levou à edição dessas normas, voltadas a coibir as cotidianas mortes, lesões e imposições de sofrimento físico e psicológico à mulher. Não é por outro motivo que o art. 6º da Lei 11.340/2006 estabelece que “A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos” e que, em seu art. 7º, o mesmo diploma preveja a proteção da mulher contra “a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação”.
4. Discursos que relativizam a gravidade e a abjeção do crime sexual contribuem para agravar a vitimização secundária produzida pelo estupro, porquanto a característica principal do sistema processual penal é um profundo desinteresse pela vítima. Deveras, conforme pesquisa de Claire Sherman Thomas, a defesa do criminoso sexual tende a justificar a conduta violenta por meio da atribuição de culpa à própria vítima.
5. A violência sexual deve ser lida como um processo consciente de intimidação pelo qual todos os homens mantêm todas as mulheres em estado de medo, sendo certo que o estupro é um crime não de luxúria, mas sim de exercício de violência e poder, conforme conceituação de aceitação internacional formulada por Susan Brownmiller.
6. O direito exerce importante papel na construção social das diversas e variadas subjetividades, donde decorre a necessidade de os operadores jurídicos considerarem a realidade das relações sociais, com o fim de consolidar um olhar distinto diante da discriminação e da violência que caracterizam as relações de gênero no país.
7. A incitação ao crime, enquanto delito contra a paz pública, traduz afronta a bem jurídico diverso daquele que é ofendido pela prática efetiva do crime objeto da instigação.
8. A incitação ao crime abrange tanto a influência psíquica, com o objetivo de fazer surgir no indivíduo (determinação ou induzimento) o propósito criminoso antes inexistente, quanto a instigação propriamente dita, que reforça eventual propósito existente. Consectariamente, o tipo penal do art. 286 do Código Penal alcança qualquer conduta apta a provocar ou a reforçar a intenção da prática criminosa. Na valiosa lição de Nelson Hungria, incita a prática do crime aquele que atira a primeira pedra contra a mulher adúltera.
9. In casu,
(i) o parlamentar é acusado de incitação ao crime de estupro, ao afirmar que não estupraria uma Deputada Federal porque ela “não merece”;
(ii) o emprego do vocábulo “merece”, no sentido e contexto presentes no caso sub judice, teve por fim conferir a este gravíssimo delito, que é o estupro, o atributo de um prêmio, um favor, uma benesse à mulher, revelando interpretação de que o homem estaria em posição de avaliar qual mulher “poderia” ou “mereceria” ser estuprada.
10. A relativização do valor do bem jurídico protegido – a honra, a integridade psíquica e a liberdade sexual da mulher – pode gerar, naqueles que não respeitam as normas penais, a tendência a considerar mulheres que, por seus dotes físicos ou por outras razões, aos olhos de potenciais criminosos, “mereceriam” ser vítimas de estupro.
11. O desprezo demonstrado pelo bem jurídico protegido (dignidade sexual) reforça e incentiva a perpetuação dos traços de uma cultura que ainda subjuga a mulher, com potencial de instigar variados grupos a lançarem sobre a própria vítima a culpa por ser alvo de criminosos sexuais, deixando, a depender da situação, de reprovar a violação sexual, como seria exigível mercê da expectativa normativa.
12. As recentes notícias de estupros coletivos reforçam a necessidade de preocupação com discursos que intensifiquem a vulnerabilidade das mulheres.
13. In casu,
(i) a entrevista concedida a veículo de imprensa não atrai a imunidade parlamentar, porquanto as manifestações se revelam estranhas ao exercício do mandato legislativo, ao afirmar que “não estupraria” Deputada Federal porque ela “não merece”;
(ii) o fato de o parlamentar estar em seu gabinete no momento em que concedeu a entrevista é fato meramente acidental, já que não foi ali que se tornaram públicas as ofensas, mas sim através da imprensa e da internet;
(iii) a campanha “#eu não mereço ser estuprada”, iniciada na internet em seguida à divulgação das declarações do Acusado, pretendeu expor o que se considerou uma ofensa grave contra as mulheres do país, distinguindo-se da conduta narrada na denúncia, em que o vocábulo “merece” foi empregado em aparente desprezo à dignidade sexual da mulher.
14. (i) A incitação ao crime, por consubstanciar crime formal, de perigo abstrato, independe da produção de resultado naturalístico.
(ii) A idoneidade da incitação para provocar a prática de crimes de estupro e outras violências, físicas ou psíquicas, contra as mulheres, é matéria a ser analisada no curso da ação penal.
(iii) As declarações narradas na denúncia revelam, em tese, o potencial de reforçar eventual propósito existente em parte daqueles que ouviram ou leram as declarações, no sentido da prática de violência física e psíquica contra a mulher, inclusive novos crimes contra a honra de mulheres em geral.
(iv) Conclusão contrária significaria tolerar a reprodução do discurso narrado na inicial e, consequentemente, fragilizar a proteção das mulheres perante o ordenamento jurídico, ampliando sua vitimização.
15. (i) A imunidade parlamentar incide quando as palavras tenham sido proferidas do recinto da Câmara dos Deputados: “Despiciendo, nesse caso, perquirir sobre a pertinência entre o teor das afirmações supostamente contumeliosas e o exercício do mandato parlamentar” (Inq. 3814, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, unânime, j. 07/10/2014, DJE 21/10/2014).
(ii) Os atos praticados em local distinto escapam à proteção da imunidade, quando as manifestações não guardem pertinência, por um nexo de causalidade, com o desempenho das funções do mandato parlamentar.
16. A incitação ao crime, mercê da pena máxima de seis meses prevista no art. 286 do Código Penal, se enquadra no conceito de crime de menor potencial ofensivo, à luz do art. 61 da Lei 9.099/95.
17. Os benefícios previstos nos arts. 76 e 89 da Lei nº 9.099/95 não podem ser concedidos pelo Poder Judiciário sem que o titular da ação penal tenha oferecido a proposta (Inq. 3438, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, unânime, DJE 10/02/2015). Consecteriamente, abre-se a fase de análise da viabilidade da denúncia, máxime quando o acusado manifesta desinteresse na transação penal.
18. O concurso formal, in foco, justifica o julgamento conjunto da queixa-crime oferecida por crimes de injúria e calúnia.
19. À luz das premissas teóricas anteriormente estabelecidas na análise do tipo penal do art. 286 do Código Penal, verifica-se a adequação da conduta ao tipo penal objetivo do crime de injúria, diante da exposição da imagem da Querelante à humilhação pública, preenchendo, ainda, o elemento subjetivo do art. 140 do Código Penal, concretizado no animus injuriandi e no animus offendendi.
20. A dúvida razoável sobre ter sido a resposta proporcional a eventuais ofensas sofridas não restou comprovada, porquanto não foi mencionada expressamente qualquer provocação pessoal, direta e censurável da Querelante ao Querelado, na data dos fatos narrados na Inicial da Queixa-Crime.
21. O crime de calúnia somente se configura quando seja atribuída à vítima a prática de fato criminoso específico, com intenção de ofender sua reputação (INQ 2084, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 09/09/2005), por isso que, no caso sub examine, a inicial da Queixa-Crime deve ser parcialmente rejeitada, porquanto não narra de que maneira a afirmação do Deputado, de que teria sido chamado de “estuprador” pela Querelante, poderia ter ofendido a honra da Deputada Federal.
22. Ex positis, à luz dos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, recebo a denúncia pela prática, em tese, de incitação ao crime; e recebo parcialmente a queixa-crime, apenas quanto ao delito de injúria. Rejeito a Queixa-Crime quanto à imputação do crime de calúnia.
*noticiado no Informativo 831
Ext N. 1.423-DF
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
Ementa: EXTRADIÇÃO. “CUMPLICIDADE” EM CASO DE MALVERSAÇÃO. ART. 266 DO CÓDIGO PENAL ALEMÃO. FALTA DE JUNTADA DE CÓPIA DA LEGISLAÇÃO REFERENTE À PRESCRIÇÃO. POSSIBILIDADE DE COMPLEMENTAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. DUPLA TIPICIDADE DO TIPO ESTRANGEIRO COM OS DELITOS DOS ARTS. 171 E 172 DO CÓDIGO PENAL. PUNIBILIDADE DEMONSTRADA, ANTE A AUSÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. EXTRADIÇÃO DEFERIDA.
1. Conforme reiterados pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, é possível ao Estado requerente, no âmbito da extradição, complementar a documentação considerada insuficiente.
2. O requisito da dupla tipicidade independe da compatibilidade abstrata dos tipos penais, sendo atendido pelo exame das imputações dos fatos tidos por ilícitos, consoante posto na Lei 6.815/1980. No caso, as ações previstas no art. 266 do Código Penal alemão, claramente descritas no pedido de extradição, correspondem, no mínimo, aos tipos penais de estelionato e/ou duplicata simulada, constantes nos arts. 171 e 172 do Código Penal.
3. Não se encontra configurada a prescrição em quaisquer das legislações penais.
4. Agravo regimental desprovido e pedido extradicional deferido.
HC N. 135.248-BA
RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA
EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. RÁDIO CLANDESTINA. POTENCIAL LESIVO ATESTADO PELAS AUTORIDADES COMPETENTES. IMPOSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INCABÍVEL REEXAME DE PROVA. ORDEM DENEGADA.
1. Não se pode perceber a tipicidade penal como o trivial exercício de adequação do fato concreto à norma abstrata. Além da correspondência formal, para a configuração da tipicidade, necessária a análise materialmente valorativa das circunstâncias do caso concreto para verificar-se a ocorrência de lesão grave, contundente e penalmente relevante do bem jurídico tutelado.
2. Na espécie vertente, a análise dos documentos trazidos com o pedido e dos argumentos articulados na inicial demonstra a inexistência dos requisitos essenciais à incidência desse princípio, sendo determinante para o deslinde de controvérsia como a dos autos o relevo do bem jurídico tutelado na situação cuidada.
3. Embora haja precedentes deste Supremo Tribunal no sentido da aplicação do princípio da insignificância aos crimes de rádio clandestina, naqueles julgados foram debatidas situações nas quais a inexistência de lesividade estava comprovada pelas autoridades competentes, diferente do que se tem na espécie em exame. É incontroverso nestes autos que, embora a potência do transmissor utilizado pelo Paciente seja de 25W, o potencial lesivo está demonstrado.
4. Para prosperar a pretensão da Impetrante de incidência do princípio da insignificância na espécie, necessário reexaminar fatos e provas dos autos para afastar-se a premissa do potencial lesivo da aparelhagem apreendida com o Paciente.
5. Ordem denegada.
Acórdãos Publicados: 117
Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
Mandado de Segurança Preventivo - Superveniência do Ato Receado - Prejudicialidade - Inocorrência - Informações Oficiais - Presunção de Veracidade (Transcrições)
MS 34.217-MC/DF*
RELATOR: Ministro Celso de Mello
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. SUPERVENIÊNCIA, NO CURSO DO PROCESSO MANDAMENTAL, DO ATO QUE SE DESEJA IMPEDIR. INOCORRÊNCIA DE PREJUDICIALIDADE. CONSEQUENTE PROSSEGUIMENTO DO “WRIT” MANDAMENTAL. PRECEDENTES (STF). PRETENSÃO APOIADA EM FATOS REVESTIDOS DE APARENTE ILIQUIDEZ. POSSÍVEL CONFLITO, QUANTO AO SUPORTE FÁTICO, ENTRE AS ALEGAÇÕES DO IMPETRANTE E AS AFIRMAÇÕES DA AUTORIDADE APONTADA COMO COATORA. A QUESTÃO DA PRESUNÇÃO “JURIS TANTUM” DE VERACIDADE DAS INFORMAÇÕES OFICIAIS. DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA. SITUAÇÃO DE DÚVIDA OBJETIVA QUE DESCARACTERIZA A PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DA POSTULAÇÃO CAUTELAR. PROVIMENTO LIMINAR CUJA CONCESSÃO DEPENDE DA SATISFAÇÃO CUMULATIVA DOS REQUISITOS PERTINENTES AO “FUMUS BONI JURIS” E AO “PERICULUM IN MORA”. LIMINAR INDEFERIDA.
DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança, com pedido de medida liminar, impetrado contra o eminente Senhor Presidente e dois ilustres Senhores Conselheiros do E. Conselho Nacional do Ministério Público, com a finalidade de assegurar ao autor deste “writ” constitucional a permanência e o exercício no cargo de Procurador da República, amparando-o “contra qualquer ato de demissão administrativa”, e de fazer cessar a ordem emanada do CNMP que “suspendeu (…) o exercício e o estágio probatório do impetrante”.
Esta impetração mandamental sustenta-se, em síntese, nos seguintes fundamentos:
“A decisão proferida pelo CNMP no PAD relegou por absoluto o que fora julgado pelo Conselho Superior do MPF, assim como desconsiderou o vitaliciamento do Impetrante ocorrido no curso do feito disciplinar, violando seu direito líquido e certo.
No mesmo sentido, a liminar concedida pelo mesmo Órgão impetrado que suspendeu o exercício funcional do Impetrante com o único e claro objetivo de evitar o seu vitaliciamento é ilegal, pois está em absoluta contradição às garantias funcionais previstas aos membros do Ministério Público no art. 60, § 2º, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei 8.625-1993) e à própria Lei Orgânica do MPU (LC 75-1993):
…...................................................................................................
Nota-se, facilmente, que qualquer pretensão de suspender o curso do prazo decadencial para vitaliciamento não encontra amparo legal. Muito ao contrário, eventual suspensão fere flagrantemente a lei, pois o servidor público segue as regras da legalidade estrita, não podendo inovar sem que haja lei formal e material para tanto.
Portanto, considerando que o trânsito em julgado da decisão que recomendou a penalidade de demissão do Impetrante ocorreu após o prazo de seu vitaliciamento e a evidente ilegalidade da decisão liminar que determinou a suspensão do prazo de contagem do estágio probatório (‘ex vi’ dos arts. 60, § 2º, da Lei Orgânica Nacional do MP, e 260, § 3º, da Lei Orgânica do MPU), urge que a iminente demissão administrativa do Impetrante fere seu direito líquido e certo de ser considerado vitaliciado e consequentemente necessitar de ação judicial para perda do cargo, nos termos do artigo 128 da Constituição Federal.
Em razão disso, seja recebida a decisão do CNMP como recomendação para ajuizamento da ação civil para perda do cargo, nos termos do art. 259, IV, ‘a’, da LOMPU assim como entende a própria jurisprudência deste próprio Supremo Tribunal Federal, o qual já se deparou com caso semelhante sob a relatoria do Exmo. Sr. Ministro Celso de Mello: (…).
…...................................................................................................
Pois bem, além da ilegalidade de uma demissão administrativa, considerando que o Impetrante já deve ser considerado para fins legais como vitalício, a liminar concedida pelo CNMP que suspendeu o exercício funcional do Impetrante também está flagrantemente viciada por desvio de finalidade.
Ora, conceder uma liminar monocrática – por conselheiro diverso daquele que julgou o PAD/CNMP 162-2015 – além de ser uma flagrante ilegalidade importa evidente abuso de poder por desvio de finalidade, uma vez que o único objetivo perseguido pelo CNMP foi impedir o exercício funcional do Impetrante para, prorrogando fictamente o término do prazo de seu estágio probatório (que se encerraria em 14.5.2016), obstar ilegalmente o vitaliciamento do Impetrante.
…...................................................................................................
Ressalta-se que a liminar para a suspensão foi concedida no dia 30 de março de 2016, 01 (um) dia depois do CNMP já ter votado por maioria pela demissão do Impetrante, restando alguns outros votos, os quais foram colhidos em sessão ocorrida em 10 de abril de 2016.
Ora, se o objetivo era afastá-lo da carreira, a pena de demissão alcança o objetivo pretendido pelo Órgão, pois extingue o vínculo funcional do agente público com o MPF. Além disso, não se pode admitir uma medida cautelar inominada (não existente na lei) em procedimento administrativo de modo a suspender o prazo para vitaliciamento, de natureza decadencial, para resguardar a eficácia da punição do Impetrante.
Pois o que aconteceu foi justamente o seguinte: no julgamento no dia 29 de abril de 2016, constatou-se que havia maioria para a recomendação da pena de demissão. Dito isto, decidiu-se tomar medida ‘cautelar’, no dia seguinte, não existente no ordenamento jurídico para suspender o prazo de vitaliciamento de maneira que se garantisse a punição do Impetrante. Uma manobra espúria e ilegal, a qual afrontou o direito líquido e certo ao vitaliciamento, em afronta às garantias funcionais na Lei Nacional do MP e na Lei Orgânica do MPU.
Portanto, flagrante o desvio de finalidade, a desproporção e o atropelo por parte do Conselho Nacional do Ministério Público.
…...................................................................................................
Assim, presentes os requisitos, pede-se (...), LIMINARMENTE, de forma cautelosa, a suspensão do ato ilegal e coator que suspendeu o exercício funcional do Impetrante (PCA sob nº 158.2016-72), para em claro desvio de finalidade impedir seu vitaliciamento, até que se proceda ao julgamento do mérito da presente impetração.
Assim como, preventivamente, requer seja impedido ato coator e ilegal por parte do Exmo. Sr. Procurador-Geral da República consistente na demissão administrativa do Impetrante, em razão da garantia constitucional prevista no art. 128, § 5º, I.
Por fim, observa-se que do descumprimento da eventual liminar concedida, deva decorrer multa diária, sequestro de valores dos cofres públicos, crime de desobediência e sanções administrativas, nos termos do artigo 26 da Lei n.º 12.016/2009.” (grifei)
Ao prestar as informações que lhe foram solicitadas, o eminente Senhor Presidente do E. Conselho Nacional do Ministério Público, sustentando a plena legitimidade jurídica dos atos, assim se pronunciou:
“2. Após o trâmite regular de todo o procedimento, fora proferida decisão, na 1ª Sessão Extraordinária do CNMP, em 05/04/2016, fundamentada resumidamente assim, naquilo que importa ao Mandado de Segurança:
…..........................................................................................
b. Aplicação da Pena de demissão ao membro, pela prática de incontinência pública e escandalosa que comprometa gravemente, por sua habitualidade, a dignidade da Instituição, frente às provas coesas e harmônicas que demonstraram a existência dos fatos narrados pela Portaria CNMP – CONS/GAB/CC nº 65/2015 (fls. 687/728). (…):
…...................................................................................................
4. O feito transitou em julgado em 07/06/2016, conforme certidão de fl. 1093.
Importa acrescentar que o julgamento do feito se deu anteriormente à data alegada pelo membro como a de seu vitaliciamento (14 de maio de 2016). Constou então na decisão que a pena de demissão poderia ser aplicada sem a necessidade de ajuizamento de ação de perda de cargo.” (grifei)
Registro, preliminarmente, que, não obstante o caráter preponderantemente preventivo do presente mandado de segurança, este “writ” constitucional não está prejudicado, muito embora haja sobrevindo, no curso do processo mandamental, o ato cuja prática busca-se impedir, considerado o próprio objeto desta impetração, consistente em assegurar-se ao impetrante, “de forma preventiva, seu exercício no cargo contra qualquer ato de demissão administrativa em razão de recomendação no julgamento do PAD de nº 1.00162-2015 até que seja discutido o mérito desse ‘Writ’”.
O Supremo Tribunal Federal, em precedentes que guardam pertinência com a espécie ora em exame, firmou orientação no sentido de reconhecer ausente situação de prejudicialidade do mandado de segurança naquelas hipóteses em que, impetrado preventivamente, registre-se a superveniência do ato cuja consumação pretendia-se evitar (MS 30.272/MG, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – MS 33.821/DF, Rel. Min. DIAS TOFFOLI – MS 33.922-MC/DF, Rel. Min. EDSON FACHIN, v.g.):
“MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. CONSTITUCIONAL. SUPLENTES DE DEPUTADO FEDERAL. ORDEM DE SUBSTITUIÇÃO FIXADA SEGUNDO A ORDEM DA COLIGAÇÃO. REJEIÇÃO DAS PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE ATIVA E DE PERDA DO OBJETO DA AÇÃO. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. SEGURANÇA DENEGADA.
…...................................................................................................
2. Mandado de segurança preventivo. A circunstância de a ameaça de lesão ao direito pretensamente titularizado pelo Impetrante ter-se convolado em dano concreto não acarreta perda de objeto da ação.
…...................................................................................................
9. Segurança denegada.”
(MS 30.260/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – grifei)
“(…) Diferentemente do que defendido pela autoridade impetrada e pela União, entendo que a superveniência do Acórdão nº 4795/2012 – TCU – 1ª Câmara, alterando a moldura fática subjacente à impetração, não evidencia a perda de objeto do ‘mandamus’, mas tem o condão de converter o mandado de segurança preventivo em repressivo. (…).”
(MS 31.557/DF, Rel. Min. DIAS TOFFOLI – grifei)
“ I. Reclamação: alegação de desrespeito à autoridade da decisão proferida pelo Supremo Tribunal no RE 245.075-8: procedência.
…...................................................................................................
II. Mandado de segurança preventivo: traz implícito o pedido de desconstituição do ato que se quer evitar; consumado o ato após o ajuizamento da ação, a impetração não fica prejudicada. (…).”
(Rcl 4.190/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei)
Sendo esse o contexto, passo a examinar o pedido de medida cautelar formulado pelo ora impetrante. E, ao fazê-lo, entendo, embora em juízo de estrita delibação, não lhe assistir razão, sem prejuízo, contudo, de ulterior análise da matéria em questão em momento oportuno.
O exame dos autos, efetuado em sede de cognição incompleta (“non plena cognitio”), parece revelar que não teria ocorrido a alegada transgressão à garantia constitucional da vitaliciedade (CF, art. 128, § 5º, I, “a”), que representa o aspecto central da presente impetração, ainda mais se se confrontar tal pretensão com o conteúdo veiculado nas informações oficiais prestadas pelo eminente Senhor Presidente do CNMP.
O antagonismo existente entre, de um lado, a alegação do impetrante de que já concluiu o biênio constitucional para efeito de aquisição do predicamento da vitaliciedade (CF, art. 128, § 5º, I, “a”) e, de outro, a afirmação do Senhor Presidente do CNMP de que a punição administrativa imposta ao autor deste “writ” foi aplicada antes de consumado aquele lapso temporal parece evidenciar possível situação de iliquidez em torno dos fatos subjacentes à presente impetração.
Não se desconhece que a existência de controvérsia sobre matéria de fato revela-se bastante para descaracterizar a liquidez necessária à configuração de situação amparável pela ação de mandado de segurança:
“Mandado de Segurança. Servidor Público. Processo Administrativo. Pena disciplinar de demissão. Alegação de decisão contrária às provas dos autos e consequente desvio de finalidade do procedimento. Pretensão de reexame do conjunto fático-probatório coligido no processo disciplinar inconciliável com o rito do ‘writ’.
Recurso ordinário a que se nega provimento.”
(RMS 23.988/DF, Rel. Min. ELLEN GRACIE – grifei)
Registre-se que esta Corte, em sucessivas decisões, tem assinalado que o direito líquido e certo, apto a autorizar o ajuizamento da ação de mandado de segurança, é, tão somente, aquele que concerne a fatos incontroversos, constatáveis, de plano, mediante prova literal inequívoca (RE 269.464/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO):
“(…) direito líquido e certo é o que resulta de fato certo, e fato certo é aquele capaz de ser comprovado, de plano, por documento inequívoco.”
(RTJ 83/130, Rel. Min. SOARES MUÑOZ – grifei)
“O mandado de segurança labora em torno de fatos certos e como tais se entendem aqueles cuja existência resulta de prova documental inequívoca (…).”
(RTJ 83/855, Rel. Min. SOARES MUÑOZ – grifei)
“(…) É da essência do processo de mandado de segurança a característica de somente admitir prova literal pré-constituída, ressalvadas as situações excepcionais previstas em lei (Lei nº 1533/51, art. 6º e seu parágrafo único).”
(RTJ 137/663, Red. p/ o acórdão Min. CELSO DE MELLO)
É por esse motivo que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, tendo em conta o caráter marcadamente documental do processo de mandado de segurança, em cujo âmbito não se admite a possibilidade de instauração incidental de dilação probatória (RTJ 176/692-693, v.g.), proferiu, em 16/02/2016, julgamento cujas razões descaracterizariam a plausibilidade jurídica da pretensão cautelar deduzida pelo ora impetrante:
“MANDADO DE SEGURANÇA. MAGISTRADA DA JUSTIÇA DO PARÁ. ALEGADA ATUAÇÃO IRREGULAR EM AÇÃO DE USUCAPIÃO. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA: INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR E AFASTAMENTO CAUTELAR DA IMPETRANTE DAS FUNÇÕES JUDICANTES. ALEGAÇÃO DE DESPROPORCIONALIDADE: IMPOSSIBILIDADE DE REDISCUTIR FATOS E PROVAS EM MANDADO DE SEGURANÇA. PRECEDENTES. ANÁLISE RESTRITA À ADEQUAÇÃO DOS MOTIVOS DO ATO ADMINISTRATIVO (INOBSERVÂNCIA DO DEVER DE INDEPENDÊNCIA, IMPARCIALIDADE E PRUDÊNCIA) COM A MEDIDA ADOTADA: AUSÊNCIA DE EXCESSO DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA. MANDADO DE SEGURANÇA DENEGADO.”
(MS 33.081/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – grifei)
Assinalo, neste ponto, por necessário, que não guardaria pertinência com a presente causa a decisão por mim proferida, como Relator, no MS 31.354-MC/DF, pois, em referido processo, inexistia qualquer situação de dúvida objetiva em torno dos fatos comprobatórios da aquisição, por determinado representante do Ministério Público, da garantia constitucional da vitaliciedade.
Há a considerar, ainda, sempre na perspectiva do aparente conflito entre as alegações do impetrante, de um lado, e as objeções do Senhor Presidente do CNMP, de outro, o fato de que as declarações emanadas de agentes públicos, quando prestadas, como no caso, em razão do ofício que exercem, qualificam-se pela nota da veracidade, prevalecendo eficazes até que sobrevenha prova idônea e inequívoca em sentido contrário.
E a razão é uma só: precisamente porque constantes de documento subscrito por agente estatal, tais informações devem prevalecer, pois, como se sabe, as declarações emanadas de agente público gozam, quanto ao seu conteúdo, da presunção de veracidade, consoante assinala autorizado magistério doutrinário (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 419, item n. 66, 28ª ed., 2010, Malheiros; MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, “Direito Administrativo”, p. 197/198, item n. 7.6.1, 22ª ed., 2009, Atlas; DIOGENES GASPARINI, “Direito Administrativo”, p. 74/75, item n. 7.1, 2008, Saraiva; JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, “Direito Administrativo Brasileiro”, p. 54, item n. 43, 1999, Forense; JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, “Manual de Direito Administrativo”, p. 111/112, item n. 2, 19ª ed., 2008, Lumen Juris).
Esse entendimento – que põe em evidência o atributo de veracidade inerente aos atos emanados do Poder Público e de seus agentes – tem o beneplácito da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 86/212 – RTJ 133/1235-1236 – RTJ 161/572-573, v.g.):
“– As informações prestadas em mandado de segurança pela autoridade apontada como coatora gozam da presunção ‘juris tantum’ de veracidade.”
(MS 20.882/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
“PRESUNÇÃO ‘JURIS TANTUM’ DE VERACIDADE DAS INFORMAÇÕES OFICIAIS PRESTADAS PELA AUTORIDADE APONTADA COMO COATORA E DAS DECLARAÇÕES EMANADAS DE AGENTES PÚBLICOS.
– As informações que a autoridade apontada como coatora prestar em mandado de segurança, bem assim as declarações oficiais que agentes públicos formularem no exercício de seu ofício, revestem-se de presunção relativa (‘juris tantum’) de veracidade, devendo prevalecer até que sobrevenha prova juridicamente idônea, em sentido contrário, que as desautorize. Doutrina. Precedentes. Declaração subscrita por agente público atestando a ciência inequívoca, pelo impetrante, do início dos trabalhos de vistoria. Presunção de veracidade não elidida no caso em exame. (…).”
(MS 24.307/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
As razões que venho de expor convencem-me, embora em sede de sumária cognição, de que se mostra inacolhível a postulação cautelar deduzida pelo ora impetrante.
É importante rememorar, neste ponto, que o deferimento da medida liminar, resultante do concreto exercício do poder geral de cautela outorgado aos juízes e Tribunais, somente se justifica em face de situações que se ajustem aos pressupostos referidos no art. 7º, III, da Lei nº 12.016/2009: a existência de plausibilidade jurídica (“fumus boni juris”), de um lado, e a possibilidade de lesão irreparável ou de difícil reparação (“periculum in mora”), de outro.
Sem que concorram esses dois requisitos – que são necessários, essenciais e cumulativos –, não se legitima a concessão da medida liminar, consoante enfatiza a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
“Mandado de segurança. Liminar. Embora esta medida tenha caráter cautelar, os motivos para a sua concessão estão especificados no art. 7º, II, da Lei nº 1.533/51, a saber: a) relevância do fundamento da impetração; b) que do ato impugnado possa resultar a ineficácia da medida, caso seja deferida a segurança.
Não concorrendo estes dois requisitos, deve ser denegada a liminar.”
(RTJ 112/140, Rel. Min. ALFREDO BUZAID – grifei)
Sendo assim, em juízo de estrita delibação, e sem prejuízo de ulterior reexame da pretensão mandamental deduzida na presente sede processual, indefiro o pedido de medida liminar.
2. Defiro o pretendido benefício da gratuidade, tendo em vista a afirmação que a parte ora impetrante fez nos termos e para os fins a que se refere a legislação processual (CPC/15, arts. 98 e 99, “caput” e §§ 3º e 4º, c/c o RISTF, art. 21, XIX).
3. Ouça-se, em sua condição de “custos legis”, o Ministério Público Federal.
Publique-se.
Brasília, 22 de agosto de 2016.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator
*decisão publicada no DJe de 25.8.2016
Secretaria de Documentação – SDO
Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD
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O Supremo Tribunal Federal é o órgão de cúpula do Poder Judiciário, e a ele compete, precipuamente, a guarda da Constituição, conforme definido no art. 102 da Constituição da República. É composto por onze Ministros, todos brasileiros natos (art. 12, § 3º, inc. IV, da CF/1988), escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada (art. 101 da CF/1988), e nomeados pelo Presidente da República, após aprovação da escolha pela maioria absoluta do Senado Federal (art. 101, parágrafo único, da CF/1988). Entre suas principais atribuições está a de julgar a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, a arguição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da própria Constituição e a extradição solicitada por Estado estrangeiro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STF - Supremo Tribunal Federal. Informativo 838 do STF - 2016 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 set 2016, 16:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Informativos dos Tribunais/49320/informativo-838-do-stf-2016. Acesso em: 23 nov 2024.
Por: STF - Supremo Tribunal Federal Brasil
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