Brasília, 19 a 23 de setembro de 2016 - Nº 840.
Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.
SUMÁRIO
Plenário
Direito de reconhecimento de paternidade e princípio da dignidade da pessoa humana
Assistência jurídica e autonomia universitária
Discussão de verba trabalhista originária de período celetista e competência da Justiça comum Contratação em caráter temporário e concurso público
Art. 1º, parágrafo único, da Lei 8.666/1993 e Petrobras - 8
Repercussão Geral
Vínculo de filiação e reconhecimento de paternidade biológica
1ª Turma
Fixação de competência e Justiça Militar
2ª Turma
Deliberação negativa do CNJ e competência do STF
Repercussão Geral
Clipping do DJe
Transcrições - OAB e competência jurisdicional
PLENÁRIO
Direito de reconhecimento de paternidade e princípio da dignidade da pessoa humana
O Plenário acolheu embargos infringentes e julgou procedente pedido formulado em ação rescisória ajuizada com objetivo de desconstituir acórdão da Primeira Turma, a qual desprovera pleito de investigação de paternidade cumulada com petição de herança, sob o fundamento de que, se o autor havia nascido da constância do casamento, caberia, privativamente ao marido, o direito de contestar a legitimidade dos filhos nascidos de sua mulher. A Turma havia entendido, ainda, não bastar, sequer, o adultério da mulher, com quem o marido vivia sob o mesmo teto, para ilidir a presunção legal de legitimidade da prole. Tampouco, não seria suficiente a confissão materna para excluir a paternidade.
O Tribunal enfatizou que, ao apreciar a ação rescisória, a Turma acolhera a paternidade presumida em detrimento das provas constantes dos autos. Assentara que, não sendo comprovada a separação do casal nem contestada a paternidade pelo marido, prevaleceria a presunção desta, de acordo com o disposto no art. 344 do CC/1916. Dessa forma, teria afastado o alegado erro de fato suscitado pelo embargante na ação rescisória.
Ao assim decidir, a Turma teria potencializado o processo em detrimento do direito, inviabilizando-se o direito do filho em ter reconhecida sua verdadeira paternidade. Além de contrariado os princípios da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana, teria tornado o processo mero ato de força formalizado em palavras sem forma de Direito e sem objetivo de Justiça. Além disso, teria esquecido que o fim de todos os procedimentos judiciais aos quais as partes se submetem seria a realização da Justiça, razão pela qual o procedimento, mais do que ser legal, deveria ser justo, e a jurisprudência sedimentada não poderia servir de dogma para sustentar uma injustiça flagrante.
AR 1244 EI/MG, rel. min. Cármen Lúcia, julgamento em 22-9-2016.
Assistência jurídica e autonomia universitária
O Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade da Lei 8.865/2006 do Estado do Rio Grande do Norte. O diploma impugnado determina que os escritórios de prática jurídica da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN) mantenham plantão criminal para atendimento, nos finais de semana e feriados, dos hipossuficientes presos em flagrante delito.
O Colegiado, de início, destacou a autonomia universitária, conforme previsão do art. 207 da CF/1988. Lembrou que, embora esse predicado não tenha caráter de independência (típico dos Poderes da República), a autonomia impossibilita o exercício de tutela ou a indevida ingerência no âmago de suas funções, assegurando à universidade a discricionariedade de dispor ou propor sobre sua estrutura e funcionamento administrativo, bem como sobre suas atividades pedagógicas.
Segundo consignou, a determinação de que escritório de prática jurídica preste serviço aos finais de semana, para atender hipossuficientes presos em flagrante delito, implica necessariamente a criação ou, ao menos, a modificação de atribuições conferidas ao corpo administrativo que serve ao curso de Direito da universidade.
Ademais, como os atendimentos seriam realizados pelos acadêmicos de Direito matriculados no estágio obrigatório, a universidade teria que alterar as grades curriculares e horárias dos estudantes para que desenvolvessem essas atividades em regime de plantão, ou seja, aos sábados, domingos e feriados. Assim, o diploma questionado fere a autonomia administrativa, financeira e didático-científica da instituição, pois não há anuência para criação ou modificação do novo serviço a ser prestado.
Assentou, em contrapartida, que o escopo da legislação é o suprimento parcial da deficiência do poder público em assegurar aos hipossuficientes o direito à assistência judiciária integral e gratuita, bem como o amplo acesso à justiça.
Lembrou que o poder público procurara mitigar as deficiências da Defensoria Pública em desempenhar esse dever fundamental (CF/1988, art. 134), ao impor, nos casos de ausência de defensor público constituído, que essa função fosse desempenhada por estudantes de universidades estaduais. Tais instituições, embora tenham por principal objetivo as atividades de ensino superior, aos finais de semana passariam a desempenhar, obrigatoriamente, por meio de seu corpo de alunos e professores, funções de assistência jurídica integral e gratuita aos hipossuficientes. Essa atividade, nos termos da lei impugnada, prevê, inclusive, remuneração ao plantonista.
Frisou, entretanto, não haver impedimento a que o Estado-Membro realize convênio com a universidade para viabilizar a prestação de serviço de assistência judiciária aos necessitados.
Quanto à inconstitucionalidade formal, declarou que os arts. 2º e 3º da lei estadual padecem de vício de iniciativa. A criação de atribuições para as secretarias de Estado compete privativamente ao governador, e não ao parlamento.
Por fim, o Tribunal, por decisão majoritária, modulou os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, para que tenham início com a publicação da ata de julgamento. Invocou, para isso, o princípio da segurança jurídica.
Vencido, quanto à modulação, o ministro Marco Aurélio.
ADI 3792/RN, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 22-9-2016.
Discussão de verba trabalhista originária de período celetista e competência da Justiça comum
Reconhecido o vínculo estatutário entre o servidor público e a Administração, compete à Justiça comum processar e julgar a causa. Com base nesse entendimento, o Plenário deu provimento a agravo regimental para cassar decisão de Tribunal de Justiça local que declinara da competência para conhecer da demanda à Justiça do Trabalho.
No caso, a autora ajuizara ação na Justiça comum com o objetivo de receber diferença de vencimentos decorrente do reajuste do Índice de Preço ao Consumidor (IPC) de julho de 1987 e da Unidade de Referência de Preços (URP) de abril e maio de 1988. As diferenças salariais pleiteadas estariam fundamentadas em normas editadas antes de o vínculo de trabalho sofrer a mudança do regime celetista para o estatutário por meio da edição da lei que instituiu o regime jurídico único no Estado de Minas Gerais (Lei 10.254/1990).
Para o STF, é a natureza jurídica do vínculo existente entre o trabalhador e o Poder Público, vigente ao tempo da propositura da ação, que define a competência jurisdicional para a solução da controvérsia, independentemente de o direito pleiteado ter se originado no período celetista.
Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator), Rosa Weber, Luiz Fux e Edson Fachin, que negavam provimento ao agravo regimental. O relator e a ministra pontuavam que a competência seria da Justiça do Trabalho, pois o pedido e a causa de pedir relacionavam-se à existência de contrato de trabalho sob a regência da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
O ministro Luiz Fux ressaltava que, embora a natureza do vínculo atual entre o servidor e o Poder Público fosse estatutária, se a demanda envolvesse pretensões decorrentes de vínculo celetista referente a período anterior à conversão do regime operada pela referida lei estadual, a competência seria da justiça especializada.
Já o ministro Edson Fachin frisava que a situação dos autos não se inseria no âmbito de abrangência do comando liminar proferido na ADI 3.395 MC/DF (DJU de 10-11-2006), acórdão tido por desrespeitado. Consignava que esse aresto somente impede que a Justiça do Trabalho julgue demandas fundadas em relações estatutárias ou jurídico-administrativas entre o Poder Público e seus servidores.
Rcl 8909 AgR/MG, rel. orig. min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. min. Cármen Lúcia, julgamento em 22-9-2016.
Contratação em caráter temporário e concurso público 8
O Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 1º e 2º da Lei 6.697/1994 do Estado do Rio Grande do Norte. Os dispositivos impugnados asseguraram a permanência de servidores da Fundação Universidade Regional do Rio Grande do Norte (URRN) admitidos em caráter temporário, entre o período de 8 de janeiro de 1987 a 17 de junho de 1993, sem a prévia aprovação em concurso público, e tornaram sem efeitos os atos de direção da universidade que, de qualquer forma, excluíssem esses servidores do quadro de pessoal.
De início, assentou a inconstitucionalidade formal dos dispositivos. A proposição legislativa decorrera de iniciativa parlamentar, tendo sido usurpada a prerrogativa conferida constitucionalmente ao chefe do Poder Executivo quanto às matérias relacionadas ao regime jurídico dos servidores públicos (CF/1988, art. 61, § 1º, II, “c”).
Ademais, reputou haver ofensa ao princípio do concurso público (CF/1988, art. 37, II), haja vista a estabilização de servidores contratados apenas temporariamente. O art. 19 do ADCT concedera estabilidade excepcional somente aos servidores que, ao tempo da promulgação do texto, estavam em exercício há mais de cinco anos.
Por fim, o Colegiado, por maioria, determinou a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, que só valerão a partir de doze meses, contados da data da publicação da ata de julgamento. Nesse período, haverá tempo hábil para a realização de concurso público, nomeação e posse de novos servidores, evitando-se, assim, prejuízo à prestação do serviço público de ensino superior na URRN. Ademais, ressalvou dos efeitos da decisão os servidores que já estejam aposentados e aqueles que, até a data de publicação da ata deste julgamento, tenham preenchido os requisitos para a aposentadoria.
Vencido, quanto à modulação, o ministro Marco Aurélio.
ADI 1241/RN, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 22-9-2016.
Art. 1º, parágrafo único, da Lei 8.666/1993 e Petrobras - 8
O Plenário retomou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a aplicação, ou não, à Petrobras, do disposto no art. 1º, parágrafo único, da Lei 8.666/1993 (“Art. 1º Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Parágrafo único. Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.”).
Na espécie, o tribunal local havia reformado sentença que concedeu indenização em favor das empresas recorrentes e havia assentado a não incidência do aludido dispositivo legal à Petrobras. Afinal, por ser uma sociedade de economia mista, seu regime jurídico seria de natureza privada.
As recorrentes sustentam violação ao art. 37, XXI, da CF/1988. Seria nulo o ato da Petrobras que havia cancelado contrato firmado com elas e submetido a outra empresa os serviços de afretamento de navios, sem observância à regra constitucional que exige licitação — v. Informativo 634.
Em voto-vista, o ministro Luiz Fux, acompanhado pelos ministros Dias Toffoli (relator) — que reajustou seu voto —, Teori Zavascki, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, conheceu em parte do recurso. Na parte conhecida, negou-lhe provimento.
Afirmou que a constitucionalidade do Decreto 2.745/1998, que instituiu o procedimento licitatório simplificado da companhia, não guarda relação com o tema em debate. No caso, a contratação descrita nos autos perdurara até 1994, período em que a Petrobras estava submetida à Lei 8.666/1993, inexistindo, na época, qualquer procedimento licitatório específico para as contratações. Além disso, a controvérsia é anterior à EC 19/1998, que alterou os artigos 22, XXI; e 173, § 1º, da CF/1988.
Ponderou ser a Petrobras pessoa jurídica de direito privado integrante da Administração Indireta. Sob a forma de sociedade de economia mista, explora atividade econômica em regime de concorrência. A companhia deve, assim, observar os princípios constitucionais da moralidade, impessoalidade, economicidade, publicidade e eficiência em todas as contratações, bem como os princípios da Administração Pública previstos em diplomas legais.
Obras, serviços, compras e alienações da empresa devem ser contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, ressalvados os casos especificados na legislação (CF/1988, art. 37, XXI). No ponto, a Lei 8.666/1993, que regulamenta o dispositivo constitucional, aplica-se às entidades integrantes da Administração até sobrevir legislação específica, conforme instituído pela EC 19/1998.
Ressaltou que o procedimento licitatório previsto nas normas gerais para licitações e contratos não é obrigatório quando a realização do certame possa comprometer o caráter concorrencial da empresa estatal. Isso se presume apenas nos casos em que o objeto do contrato corresponder ao objeto social ou se inserir na atividade preponderante da empresa. No entanto, a Petrobras, na disputa de espaço no mercado com particulares, não se desobriga da observância das normas jurídicas aplicáveis à Administração, visto que seu regime não é exclusivamente privado. Tal fato obriga-a a submeter-se ao controle do TCU, a realizar concurso público para a contratação de seus empregados e a realizar licitação para as suas contratações.
Frisou que as atividades desempenhadas pela Petrobras podem ser divididas em instrumentais e preponderantes. As primeiras são acessórias em relação ao objeto social da companhia e imprescindíveis para que ela funcione. Além de refinar e comercializar petróleo, derivados e gás natural, que configuram exemplos de sua atividade preponderante, a empresa também necessita adquirir material de escritório, limpeza, manutenção predial, além de outras atividades que não dizem respeito ao núcleo de negócios da companhia. Nesse sentido, a Lei 8.666/1993 deve ser aplicada integralmente às contratações realizadas pela Petrobras em relação à sua atividade instrumental.
Quanto à atividade preponderante, ou seja, diretamente relacionada ao objeto social da companhia e que afeta de imediato o negócio principal da sociedade, ela exige o acompanhamento da agilidade e fluidez do mercado competidor.
No caso, o estatuto social da Petrobras não deixa qualquer dúvida de que o transporte marítimo de petróleo e de outras substâncias é parte da atividade preponderante da empresa. Isso torna dispensável a realização de procedimento licitatório, nos moldes da Lei 8.666/1993. Entretanto, a inexigibilidade de a Petrobras promover certame licitatório não afasta o dever geral de fiel observância aos princípios gerais aplicáveis à Administração previstos na Constituição, especialmente os da moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência, bem como seus corolários, ainda que infraconstitucionais. Na espécie, estão ausentes as provas de que esses princípios foram descumpridos pela recorrida quando procedera à contratação de transportadora marítima no período.
Consignou que o art. 1º, parágrafo único, da Lei 8.666/1993 deve ser interpretado de forma a esclarecer que a Petrobras submete-se aos ditames dessa lei, salvo nos casos em que a realização do certame licitatório prejudicar a competitividade da empresa no exercício de sua atividade preponderante.
Ademais, o direito subjetivo à renovação do contrato de transporte celebrado entre a recorrente e a Petrobras revela a antijuridicidade do pedido quanto ao pagamento de perdas e danos. À semelhança de empresas concorrentes, a recorrente detinha mera expectativa futura de ser contratada. Dessa forma, ainda que a Petrobras tivesse adotado um procedimento de contratação inconstitucional, a recorrente não teria direito a indenização. Ao contrário, o reconhecimento de qualquer direito a indenização nessa fase processual exigiria reexame de provas, inviável na espécie.
Assim, não conheceu do recurso quanto ao pleito de condenação em perdas e danos. Porém, quanto à alegada ofensa ao art. 37, XXI, da CF/1988, manteve o acórdão recorrido por fundamento distinto. Entendeu que a Petrobras deve observar as normas gerais de licitação e contratos, mas que fica dispensado o procedimento licitatório previsto na Lei 8.666/1993 quando a realização do certame puder comprometer a competitividade da empresa, o que se presume nos autos por tratar-se de atividade preponderante.
O ministro Edson Fachin, a seu turno, deu provimento ao recurso.
Reputou que a atuação da Petrobras não pode ser enfocada apenas sob a dimensão interna, em que se configura o monopólio. Ela atua em competição com outras empresas transnacionais, numa dimensão mundial. Portanto, aplicam-se a ela procedimentos contratuais apropriados a garantir-lhe condições de competitividade.
Consideradas essas premissas, concluiu pela violação, na espécie, do art. 37, XXI, da CF, à luz da EC 19/1998.
Por sua vez, a ministra Rosa Weber, acompanhada pela ministra Cármen Lúcia (presidente), conheceu em parte do recurso, na linha do voto proferido pelo ministro Luiz Fux. Na parte conhecida, deu-lhe provimento, no sentido do voto do ministro Edson Fachin.
Em seguida, o julgamento foi suspenso para aguardar-se o voto do ministro Gilmar Mendes.
RE 441280/RS, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 22-9-2016.
REPERCUSSÃO GERAL
Vínculo de filiação e reconhecimento de paternidade biológica
A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios.
Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, negou provimento a recurso extraordinário em que se discutia a prevalência da paternidade socioafetiva sobre a biológica.
No caso, a autora, ora recorrida, é filha biológica do recorrente, conforme demonstrado por exames de DNA. Por ocasião do seu nascimento, a autora foi registrada como filha de pai afetivo, que cuidara dela, por mais de vinte anos, como se sua filha biológica fosse.
O Supremo Tribunal Federal afirmou que o sobreprincípio da dignidade humana, na sua dimensão de tutela da felicidade e realização pessoal dos indivíduos a partir de suas próprias configurações existenciais, impõe o reconhecimento, pelo ordenamento jurídico, de modelos familiares diversos da concepção tradicional.
O espectro legal deve acolher tanto vínculos de filiação construídos pela relação afetiva entre os envolvidos quanto aqueles originados da ascendência biológica, por imposição do princípio da paternidade responsável, enunciado expressamente no art. 226, § 7º, da CF. Dessa forma, atualmente não cabe decidir entre a filiação afetiva e a biológica quando o melhor interesse do descendente é o reconhecimento jurídico de ambos os vínculos.
A omissão do legislador brasileiro quanto ao reconhecimento dos mais diversos arranjos familiares não pode servir de escusa para a negativa de proteção a situações de pluriparentalidade. Portanto, é importante reconhecer os vínculos parentais de origem afetiva e biológica. Todos os pais devem assumir os encargos decorrentes do poder familiar, e o filho deve poder desfrutar de direitos com relação a todos não só no âmbito do direito das famílias, mas também em sede sucessória.
A Corte reputou ainda ser imperioso o reconhecimento da dupla parentalidade e manteve o acórdão de origem, que reconheceu os efeitos jurídicos de vínculo genético relativo ao nome, aos alimentos e à herança.
Vencido o Ministro Edson Fachin, que provia parcialmente o recurso, sob o argumento de que o parentesco socioafetivo não é prioritário ou subsidiário à paternidade biológica, tampouco um parentesco de segunda classe. Trata-se de fonte de paternidade, maternidade e filiação dotada da mesma dignidade jurídica da adoção constituída judicialmente, que afasta o parentesco jurídico daqueles que detêm apenas vínculo biológico.
Dessa forma, segundo o ministro Edson Fachin, havendo vínculo socioafetivo com um pai e biológico com outro genitor, o vínculo socioafetivo se impõe juridicamente. O parentesco socioafetivo não é menos parentesco do que aquele estabelecido por adoção formal. Assim como o filho adotivo não pode constituir paternidade jurídica com outrem sob o fundamento biológico, também não pode o filho socioafetivo.
Vencido, também, o Ministro Teori Zavascki, que provia integralmente o recurso, sob o fundamento de que a paternidade biológica não gera, necessariamente, a relação de paternidade do ponto de vista jurídico, com as consequências daí decorrentes. O ministro rememorou, ainda, que havia, no caso, uma paternidade socioafetiva que persistiu e persiste. E, como não pode ser considerada menos importante do que qualquer outra forma de paternidade, ela deve ser preservada.
RE 898060/SC, rel. min. Luiz Fux, julgamento em 21 e 22-9-2016.
1ª Parte :
2ª Parte :
3ª Parte :
4ª Parte :
5ª Parte :
PRIMEIRA TURMA
Fixação de competência e Justiça Militar
Compete à Justiça Castrense julgar ação penal destinada à apuração de crime cujo autor e vítima sejam militares caso ambos estejam em serviço e em local sujeito à administração militar. Esse foi o entendimento da Primeira Turma, que indeferiu a ordem em “habeas corpus”.
A Turma reafirmou a jurisprudência consolidada na matéria. Assim, compete à Justiça Castrense o julgamento de delito cometido por agente contra vítima também militar nos casos em que haja vínculo direto com o desempenho de atividade militar (HC 121.778/AM, DJe de 1º-7-2014).
Haja vista que, no momento do crime, paciente e vítima, ambos militares, estariam em atividade no interior da caserna, seria necessário ratificar a competência da Justiça Militar para processar e julgar a ação penal de origem, nos termos do art. 9º, II, “a”, do Código Penal Militar (CPM).
HC 135019/SP, rel. min. Rosa Weber, julgamento em 20-9-2016.
SEGUNDA TURMA
Deliberação negativa do CNJ e competência do STF
Não compete ao Supremo Tribunal Federal (STF) apreciar originariamente pronunciamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que tenha julgado improcedente pedido de cassação de ato normativo editado por vara judicial.
A Segunda Turma reiterou, assim, jurisprudência firmada no sentido de que não cabe ao STF o controle de deliberações negativas do CNJ, isto é, daquelas que simplesmente tenham mantido decisões de outros órgãos (MS 32.729 AgR/RJ, rel. min. Celso de Mello, 2ª T, DJe de 10-2-2015).
MS 33085/DF, rel. min. Teori Zavascki, julgamento em 20-9-2016.
Sessões |
Ordinárias |
Extraordinárias |
Julgamentos |
Pleno |
21.9.2016 |
22.9.2016 |
10 |
1ª Turma |
20.9.2016 |
— |
43 |
2ª Turma |
20.9.2016 |
— |
10 |
R E P E R C U S S Ã O G E R A L
DJe de 19 a 23 de setembro de 2016
REPERCUSSÃO GERAL NO ARE N. 957.842-AL
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
Ementa: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. IMPOSTO DE RENDA PESSOA JURÍDICA (IRPJ) E CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO (CSLL). BASE DE CÁLCULO. INCLUSÃO DOS CRÉDITOS ESCRITURAIS DA CONTRIBUIÇÃO AO PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO SOCIAL (PIS) E DA CONTRIBUIÇÃO PARA O FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL (COFINS). MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
1. Possui natureza infraconstitucional a controvérsia relativa à inclusão, na base de cálculo do IRPJ e da CSLL, dos créditos escriturais apurados no regime não cumulativo da contribuição ao PIS e da COFINS.
2. É cabível a atribuição dos efeitos da declaração de ausência de repercussão geral quando não há matéria constitucional a ser apreciada ou quando eventual ofensa à Carta Magna ocorra de forma indireta ou reflexa (RE 584.608-RG, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJe de 13/3/2009).
3. Ausência de repercussão geral da questão suscitada, nos termos do art. 1.035 do CPC/2015.
REPERCUSSÃO GERAL NO RE N. 765.320-MS
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
Ementa: ADMINISTRATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO CONTRATADO POR TEMPO DETERMINADO PARA ATENDIMENTO DE NECESSIDADE TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO. REQUISITOS DE VALIDADE (RE 658.026, REL. MIN. DIAS TOFFOLI, DJE DE 31/10/2014, TEMA 612). DESCUMPRIMENTO. EFEITOS JURÍDICOS. DIREITO À PERCEPÇÃO DOS SALÁRIOS REFERENTES AO PERÍODO TRABALHADO E, NOS TERMOS DO ART. 19-A DA LEI 8.036/1990, AO LEVANTAMENTO DOS DEPÓSITOS EFETUADOS NO FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO – FGTS.
1. Reafirma-se, para fins de repercussão geral, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público realizada em desconformidade com os preceitos do art. 37, IX, da Constituição Federal não gera quaisquer efeitos jurídicos válidos em relação aos servidores contratados, com exceção do direito à percepção dos salários referentes ao período trabalhado e, nos termos do art. 19-A da Lei 8.036/1990, ao levantamento dos depósitos efetuados no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS.
2. Recurso extraordinário a que se dá parcial provimento, com o reconhecimento da repercussão geral do tema e a reafirmação da jurisprudência sobre a matéria.
REPERCUSSÃO GERAL NO ARE 723.307-PB
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
Constitucional e Previdenciário. 2. Execução contra a Fazenda Pública. Obrigação de fazer. Fracionamento da execução para que uma parte seja paga antes do trânsito em julgado, por meio de Complemento Positivo, e outra depois do trânsito, mediante Precatório ou RPV. Impossibilidade. 3. Repercussão geral da questão constitucional reconhecida. 4. Reafirmação de jurisprudência. Precedentes. 5. Conhecimento do agravo e provimento do recurso extraordinário para afastar o fracionamento da execução.
Decisões Publicadas: 3
19 a 23 de setembro de 2016
AG.REG. NA PET N. 6.164-DF
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
Ementa: PENAL. PROCESSO PENAL. COLABORAÇÃO PREMIADA. PEDIDO DE ACESSO AO CONTEÚDO DE DEPOIMENTOS COLHIDOS. DECLARAÇÕES RESGUARDADAS PELO SIGILO NOS TERMOS DA LEI 12.850/2013.
1. O conteúdo dos depoimentos prestados em regime de colaboração premiada está sujeito a regime de sigilo, nos termos da Lei 12.850/2013, que visa, segundo a lei de regência, a dois objetivos básicos: (a) preservar os direitos assegurados ao colaborador, dentre os quais o de “ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados” (art. 5º, II) e o de “não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito” (art. 5º, V, da Lei 12.850/2013); e (b) “garantir o êxito das investigações” (arts. 7º, § 2º).
2. O sigilo perdura, em princípio, enquanto não “(…) recebida a denúncia” (art. 7º, § 3º) e especialmente no período anterior à formal instauração de inquérito. Entretanto, instaurado formalmente o inquérito propriamente dito, o acordo de colaboração e os correspondentes depoimentos permanecem sob sigilo, mas com a ressalva do art. 7º, § 2º da Lei 12.850/2013, a saber: “o acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações, assegurando-se ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento” (Rcl 22009-AgR, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, DJe de 12.5.2016).
3. Assegurado o acesso do investigado aos elementos de prova carreados na fase de inquérito, o regime de sigilo consagrado na Lei 12.850/2013 guarda perfeita compatibilidade com a Súmula Vinculante 14, que garante ao defensor legalmente constituído “o direito de pleno acesso ao inquérito (parlamentar, policial ou administrativo), mesmo que sujeito a regime de sigilo (sempre excepcional), desde que se trate de provas já produzidas e formalmente incorporadas ao procedimento investigatório, excluídas, consequentemente, as informações e providências investigatórias ainda em curso de execução e, por isso mesmo, não documentados no próprio inquérito ou processo judicial” (HC 93.767, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, DJe de 1º.4.2014).
4. É certo, portanto, que a simples especulação jornalística a respeito da existência de acordo de colaboração premiada ou da sua homologação judicial ou de declarações que teriam sido prestadas pelo colaborador não é causa juridicamente suficiente para a quebra do regime de sigilo, sobretudo porque poderia comprometer a investigação.
5. Agravo regimental a que se nega provimento.
ACO N. 924-PR
RELATOR: MIN. LUIZ FUX
Ementa: CONSTITUCIONAL. CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES ENTRE MINISTÉRIOS PÚBLICOS. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROMOVER A TUTELA COLETIVA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS DOTADOS DE RELEVÂNCIA SOCIAL. POSSIBILIDADE DE ATUAÇÃO DO PARQUET EM FAVOR DE MUTUÁRIOS EM CONTRATOS DE FINANCIAMENTO PELO SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. QUESTÃO PRELIMINAR. ALCANCE DO ARTIGO 102, INCISO I, ALÍNEA F DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. DISPOSITIVO DIRECIONADO PARA ATRIBUIR COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA AO STF EM CASOS DE CONFLITO FEDERATIVO. REVISITAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA ASSENTADA PELA CORTE (ACO 1.109/SP E PET 3.528/BA). MERO CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES QUANTO À ATUAÇÃO ENTRE DIFERENTES ÓRGÃOS MINISTERIAIS DA FEDERAÇÃO. SITUAÇÃO INSTITUCIONAL E NORMATIVA INCAPAZ DE COMPROMETER O PACTO FEDERATIVO AFASTA A REGRA QUE ATRIBUI COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA AO STF. NÃO CONHECIMENTO DA AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA E REMESSA DOS AUTOS AO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA (PGR) – (PRECEDENTE FIXADO PELA ACO 1.394/RN).
1. In casu: (i) cuida-se de conflito negativo de atribuições entre diferentes órgãos do ministério público para se definir a legitimidade para a instauração de Inquérito Civil em investigação de possível superfaturamento na construção de conjuntos habitacionais no Município de Umuarama/PR; e (ii) há suspeita de que construtoras obtiveram, por intermédio da Caixa Econômica Federal, verbas do Sistema Financeiro de Habitação, em valor superior ao necessário para a construção dos conjuntos habitacionais, excesso esse que teria sido repassado aos mutuários da CEF.
2. Em sede preliminar, o tema enseja revisitação da jurisprudência assentada por esta Corte (ACO 1.109/SP e, especificamente, PET 3.528/BA), para não conhecer da presente Ação Cível Originária (ACO). Nesses precedentes, firmou-se o entendimento no sentido de que simples existência de conflito de atribuições entre Ministérios Públicos vinculados a entes federativos diversos não é apta, per si, para promover a configuração de típico conflito federativo, nos termos da alínea f do Inciso I do art. 102 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988). O caso dos autos remete, consectariamente, a mero conflito de atribuições entre órgãos ministeriais vinculados a diferentes entes federativos.
3. Em conclusão, essa situação institucional e normativa é incapaz de comprometer o pacto federativo e, por essa razão, afasta a regra que, em tese, atribui competência originária ao STF. Ademais, em consonância com o entendimento firmado por este Tribunal no julgamento da ACO 1.394/RN, o caso é de não conhecimento da ação cível originária, com a respectiva remessa dos autos ao Procurador-Geral da República para a oportuna resolução do conflito de atribuições.
*noticiado no Informativo 707
AG. REG. NO MS N. 26.125-DF
RELATOR: MIN. EDSON FACHIN
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. URP. DEVOLUÇÃO DE PARCELAS RECEBIDAS POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTE ESPECÍFICO DO PLENÁRIO PARA SITUAÇÃO IDÊNTICA. PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E DA SEGURANÇA JURÍDICA.
1. Quando do julgamento do MS 25.430, o Supremo Tribunal Federal assentou, por 10 votos a 1, que as verbas recebidas em virtude de liminar deferida por este Tribunal não terão que ser devolvidas por ocasião do julgamento final do mandado de segurança, em função dos princípios da boa-fé e da segurança jurídica e tendo em conta expressiva mudança de jurisprudência relativamente à eventual ofensa à coisa julgada de parcela vencimental incorporada à remuneração por força de decisão judicial. Precedentes.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.
ADI N. 4.509-PA
RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DELIBERAÇÃO SOBRE PARCELA REMUNERATÓRIA POR CONVOCAÇÃO PARA SESSÃO LEGISLATIVA EXTRAORDINÁRIA. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 47/2010 DA CONSTITUIÇÃO DO PARÁ. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL: ART. 57, § 7º, C/C ART. 27, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.
1. A remissão expressa do art. 27, § 2º, da Constituição da República ao seu art. 57, § 7º, estende aos deputados estaduais a proibição de percepção de qualquer parcela indenizatória por convocação extraordinária.
2. Confirmação da medida cautelar deferida à unanimidade.
3. Ação julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n. 47/2010 da Constituição do Pará.
*noticiado no Informativo 622
HC N. 130.502-RJ
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
PRESO – SAÍDAS TEMPORÁRIAS – CRIVO. Uma vez observada a forma alusiva à saída temporária – gênero –, manifestando-se os órgãos técnicos, o Ministério Público e o Juízo da Vara de Execuções, as subsequentes mostram-se consectário legal, descabendo a burocratização a ponto de, a cada uma delas, ter-se que formalizar novo processo. A primeira decisão, não vindo o preso a cometer falta grave, respalda as saídas posteriores. Interpretação teleológica da ordem jurídica em vigor consentânea com a organicidade do Direito e, mais do que isso, com princípio básico da República, a direcionar à preservação da dignidade do homem.
*noticiado no Informativo 831
Acórdãos Publicados: 381
Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
OAB e competência jurisdicional
(v. Informativo 837)
RE 595.332/PR*
RELATOR: Ministro Marco Aurélio
EMENTA: COMPETÊNCIA – ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – ANUIDADES. Ante a natureza jurídica de autarquia corporativista, cumpre à Justiça Federal, a teor do disposto no artigo 109, inciso I, da Carta da República, processar e julgar ações em que figure na relação processual quer o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, quer seccional.
Relatório: Adoto, como relatório, as informações prestadas pelo assessor Dr. Alexandre Freire:
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por maioria, no julgamento do agravo de instrumento nº 2008.04.00.003786-1/PR, caber à Justiça estadual processar execuções ajuizadas pela Ordem dos Advogados do Brasil – OAB contra inscritos inadimplentes quanto ao pagamento das anuidades. Consignou que, consoante dispõe a Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil), a anuidade devida à Ordem constitui título executivo extrajudicial e a cobrança submete-se ao regime do Código de Processo Civil. Ressaltou o caráter nacional da advocacia como função essencial à Justiça. Citou o entendimento assentado pelo Supremo a respeito da dimensão nacional do Poder Judiciário. Afastou possível analogia com as ações de mandado de segurança. Destacou que a competência da Justiça Federal é atraída, tão somente, caso o Conselho Federal da Ordem dos Advogados figure como autoridade coatora.
O acórdão impugnado encontra-se assim ementado:
EXECUÇÃO FISCAL DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. OAB. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.
Se a profissão da advocacia é função essencial à justiça, conforme o art. 133 da Constituição, ela o é a todas as espécies da Justiça brasileira – estadual, do trabalho, federal, militar. Recorde-se que o STF, recentemente, ressaltou o caráter nacional do Poder Judiciário, de que as distintas justiças era, em realidade, repartições de competência para melhorar a apreciação dos feitos. Ademais, tal serviço fiscalizatório, essencial à manutenção de uma democracia, e mais essencial à manutenção de um dos Poderes da República – o Judiciário – ele o é nas esferas da autonomia dos Estados-membros, tanto que a fiscalização, a ordenação dos inscritos e a cobrança das anuidades se fazem no âmbito estadual.
A esfera, pois, de competência de tais feitos é, nos termos da Constituição Federal, da Justiça Estadual.
Os embargos de declaração interpostos foram desprovidos.
No extraordinário, protocolado com alegada base na alínea “a” do permissivo constitucional, a recorrente aponta ofensa ao artigo 109, inciso I, da Carta Federal. Consoante argui nas razões recursais, afirma ser a Ordem dos Advogados do Brasil prestadora de serviço público federal, especializado e permanente, mostrando-se impossível qualificá-la como entidade de direito privado. Requer a admissão e provimento do extraordinário, para assentar-se que cumpre à Justiça Federal processar e julgar a ação de execução de título extrajudicial.
Sob o ângulo da repercussão geral, anota que o pressuposto de admissibilidade revela-se no fato de o acórdão recorrido contrariar a jurisprudência deste Tribunal. Sustenta haver relevância política, social e jurídica, pois a matéria atinente às contribuições e anuidades devidas pelos inscritos a entidade de classe repercute em toda a categoria profissional.
Não houve apresentação de contrarrazões.
Em 18 de março de 2010, o Supremo concluiu pela repercussão geral do tema, sob os seguintes fundamentos:
COMPETÊNCIA – ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – JUSTIÇA FEDERAL VERSUS ESTADUAL – REPERCUSSÃO GERAL. Surge com repercussão geral a discussão de tema alusivo à competência para julgar ação em que envolvida a Ordem dos Advogados do Brasil.
O Ministério Público Federal opina pelo não conhecimento do recurso, ante a inexistência de pressuposto de de desenvolvimento válido e regular do processo, porquanto não houve a devida sucessão processual após o falecimento do executado.
Admitiu-se a participação, como terceiro, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
É o relatório.
Voto: Na interposição deste recurso, atendeu-se aos pressupostos gerais de recorribilidade. A peça, subscrita por profissional da advocacia credenciado mediante a procuração de folha 59, foi protocolada no prazo legal. Disponibilizado o acórdão atacado em 20 de maio de 2008 (terça-feira), foi publicado no dia 4 de junho seguinte. Formalizou-se o extraordinário no dia 12 imediato (quinta-feira). Conheço.
O não conhecimento suscitado pela Procuradoria-Geral da República não procede. Até aqui, tem-se acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região no qual confirmada a sentença que implicou o deslocamento do processo para a Justiça comum. A questão atinente ao óbito do recorrido – possível sucessão – não foi analisada pelo Juízo. Há o interesse jurídico do recorrente na continuidade do julgamento do processo, mostrando-se necessário elucidar-se a competência para apreciá-lo.
A Ordem dos Advogados do Brasil, quer sob o ângulo do Conselho Federal, quer das seccionais, não é associação, pessoa jurídica de direito privado, em relação à qual é vedada a interferência estatal no funcionamento – inciso XVIII do artigo 5º da Carta da República. Consubstancia órgão de classe, com disciplina legal – Lei nº 8.906/1994 –, cabendo-lhe impor contribuição anual e exercer atividade fiscalizadora e censória. É, por isso mesmo, autarquia corporativista, o que atrai, a teor do artigo 109, inciso I, do Diploma Maior, a competência da Justiça Federal para exame de ações – seja qual for a natureza – nas quais integre a relação processual. Surge impróprio estabelecer distinção considerados os demais conselhos existentes.
Provejo o recurso interposto para assentar a competência da Justiça Federal, devendo o processo retornar à Quinta Vara Federal de Curitiba para que enfrente, inclusive, a problemática alusiva ao falecimento do recorrido, analisando possível habilitação de sucessores.
Eis a tese deste voto:
Compete à Justiça Federal processar e julgar ações em que a Ordem dos Advogados do Brasil, quer mediante o Conselho Federal, quer seccional, figure na relação processual.
É como voto.
* acórdão pendente de publicação
Secretaria de Documentação – SDO
Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD
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Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados
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O Supremo Tribunal Federal é o órgão de cúpula do Poder Judiciário, e a ele compete, precipuamente, a guarda da Constituição, conforme definido no art. 102 da Constituição da República. É composto por onze Ministros, todos brasileiros natos (art. 12, § 3º, inc. IV, da CF/1988), escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada (art. 101 da CF/1988), e nomeados pelo Presidente da República, após aprovação da escolha pela maioria absoluta do Senado Federal (art. 101, parágrafo único, da CF/1988). Entre suas principais atribuições está a de julgar a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, a arguição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da própria Constituição e a extradição solicitada por Estado estrangeiro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STF - Supremo Tribunal Federal. Informativo 840 do STF - 2016 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 set 2016, 17:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Informativos dos Tribunais/49340/informativo-840-do-stf-2016. Acesso em: 23 nov 2024.
Por: STF - Supremo Tribunal Federal Brasil
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