EREsp 1.520.294-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 26/08/2020, DJe 02/09/2020
DIREITO CIVIL
Copropriedade com terceiro anterior à abertura da sucessão. Título aquisitivo estranho à relação hereditária. Direito real de habitação. Reconhecimento. Impossibilidade.
A copropriedade anterior à abertura da sucessão impede o reconhecimento do direito real de habitação.
O direito real de habitação possui como finalidade precípua garantir o direito à moradia ao cônjuge/companheiro supérstite, preservando o imóvel que era destinado à residência da família, qualquer que fosse o regime de bens adotado.
Trata-se de instituto intrinsecamente ligado à sucessão, razão pela qual os direitos de propriedade originados da transmissão da herança sofrem mitigação temporária em prol da manutenção da posse exercida pelos membros do casal.
Hipóteses distintas e que não podem ser objeto de interpretação extensiva, visto que o direito real de habitação já é oriundo de exceção imposta pelo legislador, são aquelas referentes à existência de copropriedade anterior com terceiros do imóvel vindicado, visto que estranhos à relação sucessória que ampararia o direito em debate.
Como pontuado pela Ministra Nancy Andrighi, relatora do REsp 1.184.492/SE, a causa do direito real de habitação é tão somente "a solidariedade interna do grupo familiar que prevê recíprocas relações de ajuda".
Entendimento diverso possibilitaria, inclusive, a instituição de direito real de habitação sobre imóvel de propriedade de terceiros estranhos à sucessão, o que contraria a mens legis acima exposta.
CC 163.818-ES, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 23/09/2020, DJe 29/09/2020
DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO FALIMENTAR
Juízo falimentar e recuperação judicial. Competência absoluta. Principal estabelecimento do devedor. Momento da propositura da ação.
É absoluta a competência do local em que se encontra o principal estabelecimento para processar e julgar pedido de recuperação judicial, que deve ser aferido no momento de propositura da demanda, sendo irrelevantes para esse fim modificações posteriores de volume negocial.
O Juízo competente para processar e julgar pedido de recuperação judicial é aquele situado no local do principal estabelecimento (art. 3º da Lei n. 11.101/2005), compreendido este como o local em que se encontra "o centro vital das principais atividades do devedor".
Embora utilizado o critério em razão do local, a regra legal estabelece critério de competência funcional, encerrando hipótese legal de competência absoluta, inderrogável e improrrogável, devendo ser aferido no momento da propositura da demanda - registro ou distribuição da petição inicial.
A utilização do critério funcional tem por finalidade o incremento da eficiência da prestação jurisdicional, orientando-se pela natureza da lide, assegurando coerência ao sistema processual e material.
Destaca-se que, no curso do processo de recuperação judicial, as modificações em relação ao principal estabelecimento, por dependerem exclusivamente de decisões de gestão de negócios, sujeitas ao crivo do devedor, não acarretam a alteração do juízo competente, uma vez que os negócios ocorridos no curso da demanda nem mesmo se sujeitam à recuperação judicial.
Assim, conclusão diversa, no sentido de modificar a competência sempre que haja correspondente alteração do local de maior volume negocial, abriria espaço para manipulações do Juízo natural e possível embaraço do andamento da própria recuperação. Com efeito, o devedor, enquanto gestor do negócio, detém o direito potestativo de centralização da atividade em locais distintos no curso da demanda, mas não o poder de movimentar a competência funcional já definida. Do contrário, o resultado seria o prolongamento da duração do processo e, provavelmente, a ampliação dos custos e do prejuízo dos credores, distorcendo a razão de ser do próprio instituto da recuperação judicial de empresas.
REsp 1.769.949-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 08/09/2020, DJe 02/10/2020
DIREITO PREVIDENCIÁRIO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Justiça multiportas. Valorização da composição amigável. Audiência de conciliação. Interesse do autor na realização do ato. Obrigatoriedade. Ausência do INSS. Multa devida. Art. 334, § 8° do CPC/2015.
É aplicável ao INSS a multa prevista no art. 334, § 8°, do CPC/2015, quando a parte autora manifestar interesse na realização da audiência de conciliação e a autarquia não comparecer no feito, mesmo que tenha manifestando seu desinteresse previamente.
A nova legislação processual civil instrumentaliza a denominada Justiça Multiportas, incentivando a solução consensual dos conflitos, especialmente por meio das modalidades de conciliação e mediação.
Em seus artigos iniciais, o Código de Processo Civil prescreve que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos (art. 3º, § 2° do CPC/2015), recomendando que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução harmoniosa de conflitos sejam estimulados por Juízes, Advogados, Defensores Públicos e Membros do Ministério Público (art. 3°, § 3° do CPC/2015), inclusive no curso do processo judicial (art. 139, V do CPC/2015).
Reafirmando esse escopo, o CPC/2015, em seu art. 334, estabelece a obrigatoriedade da realização de audiência de conciliação ou de mediação após a citação do réu. Excepcionando a sua realização, tão somente, na hipótese de o direito controvertido não admitir autocomposição ou na hipótese de ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual (art. 334, § 4° do CPC/2015).
O caráter obrigatório da realização dessa audiência de conciliação é a grande mudança da nova Lei Processual Civil, mas o INSS, contudo, intenta repristinar a regra de 1994, que estabelecia ser optativa a audiência de conciliação (art. 125, IV do CPC/1973 com redação dada pela Lei n. 8.952/1994), retirando o efeito programado e esperado pela legislação processual civil adveniente.
No caso analisado, o INSS manifestou desinteresse na realização da audiência, contudo, a parte autora manifestou o seu interesse, o que torna obrigatória a realização da audiência de conciliação, com a indispensável presença das partes.
Assim, não comparecendo o INSS à audiência de conciliação, inevitável a aplicação da multa prevista no art. 334, § 8° do CPC/2015, que estabelece que o não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da Justiça e será sancionado com multa de até 2% da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado. Qualquer interpretação passadista desse dispositivo será um retrocesso na evolução do Direito pela via jurisdicional e um desserviço à Justiça.
RMS 58.769-RJ, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 15/09/2020, DJe 23/09/2020
DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO REGISTRAL
Registro imobiliário. Averbação de inquérito civil. Ministério Público. Requisição. Não cabimento.
Não é cabível a requisição da averbação de inquérito civil no registro imobiliário pelo Ministério Público, com fixação de prazo para o seu cumprimento.
Nos termos do art. 13, I, II e III, da Lei n. 6.015/1973, os atos do registro serão praticados por ordem judicial, a requerimento verbal ou escrito dos interessados e a requerimento do Ministério Público, quando a lei autorizar, excetuadas as anotações e averbações obrigatórias.
Assim, cabe ao Ministério Público requerer a averbação do inquérito civil no Registro Imobiliário e o Oficial Registrador, conforme seu entendimento, pode suscitar dúvida ao Juízo competente, em consonância com o procedimento disciplinado nos arts. 198 a 207 da Lei n. 6.015/1973.
O Parquet, no caso, ao invés de requerer a averbação, requisitou a sua realização, fixando prazo para o seu cumprimento, o que não encontra amparo na legislação.
Em que pese a importância de se dar publicidade à população acerca de eventuais irregularidades em parcelamentos, a fim de proteger terceiros de boa-fé, adquirentes de suas frações, e contribuir para a ordenada ocupação do solo, há que se observar o devido processo legal, assegurado no art. 5º, LIV, da CF, tal como previsto na Lei n. 6.015/1973.
REsp 1.836.846-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 22/09/2020, DJe 28/09/2020
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
Compra e venda de bem imóvel. Rescisão contratual. Reintegração de posse. Benfeitorias úteis ou necessárias. Indenização. Reconhecimento de ofício. Impossibilidade.
Não é possível o reconhecimento de ofício do direito ao recebimento de indenização por benfeitorias úteis ou necessárias em ação possessória.
Inicialmente, é imperioso ressaltar que os arts. 1.219 e 1.220 do Código Civil versam sobre o direito à indenização das benfeitorias, bem como de eventual exercício do direito de retenção. A legislação dispõe que o possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como tem a faculdade de levantar as benfeitorias voluptuárias se não lhe forem pagas, desde que o faça sem deteriorar a coisa. A configuração da boa-fé ainda permite o exercício do direito de retenção pelo valor das benfeitorias úteis ou necessárias.
De outro lado, os arts. 141 e 492 do CPC/2015 se reportam ao princípio dispositivo (ou da congruência ou da adstrição), segundo o qual o juiz irá julgar o mérito da ação nos limites propostos, sendo proibido conhecer de questões não alegadas a cujo respeito a legislação exigir iniciativa da parte.
Ademais, o referido princípio se encontra umbilicalmente ligado ao dever de tratamento isonômico das partes pelo juiz (art. 139, I, do CPC/2015), de maneira que esse não pode agir de ofício para sanar ou corrigir eventual omissão de qualquer das partes na prática de ato processual de incumbência exclusiva.
Não é possível, na hipótese, afastar a ocorrência de julgamento extra petita (fora do pedido) da indenização por benfeitorias ainda que por meio de interpretação lógica e sistemática, pois, não houve apresentação de contestação (em razão de revelia), bem como não ocorreu a formulação de pedido posterior nesse sentido.
Apesar do entendimento de que a indenização por benfeitorias passou a ser consequência lógica da resolução do contrato de compra e venda, a formulação de pedido não restou afastada. Esta Corte Superior, ao julgar o REsp 764.529/RS (3ª Turma, DJe 09/11/2010), apenas afastou o instituto da preclusão, de modo a possibilitar a formulação de pedido após a contestação. A jurisprudência do STJ, portanto, não excepciona a formulação de pedido referente à indenização das benfeitorias, somente o momento do requerimento e a forma como esse é realizado.
Por fim, o entendimento da ocorrência de julgamento extra petita não afasta o direito de pleitear indenização por eventuais realizações de benfeitorias, pois o prazo prescricional da referida pretensão indenizatória apenas tem início com o trânsito em julgado da ação de rescisão do contrato de compra e venda do imóvel (AgRg no AREsp 726.491/MS, 3ª Turma, DJe 09/11/2016).
REsp 1.570.452-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 22/09/2020, DJe 28/09/2020
DIREITO CIVIL
Ação de cobrança de cotas condominiais. Securitização de créditos. Fundos de Investimento em Direitos Creditórios - FIDCs. Cessão de crédito. Natureza jurídica. Preservação. Sub-rogação na mesma posição do condomínio cedente. Manutenção das prerrogativas legais.
Na atividade de securitização de créditos condominiais, os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) valem-se do instituto da cessão de créditos e, ao efetuarem o pagamento das cotas condominiais inadimplidas, sub-rogam-se na mesma posição do condomínio cedente, com todas as prerrogativas legais a ele conferidas.
Cinge-se a discussão à definição da natureza do crédito na hipótese de cessão. O Tribunal de origem entendeu que, com a cessão de crédito, o Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) passou a ser um credor comum, devendo habilitar seu crédito no inventário para recebimento dos respectivos valores. O recorrente defende que a natureza do crédito não se altera com a cessão, devendo, assim, o cessionário prosseguir na execução já iniciada.
Em julgamento realizado no ano de 2016, a Terceira Turma desta Corte, analisando questão distinta, mas que também perpassa pela interpretação dos arts. 286 e 287 do Código Civil, decidiu que "(...) não se transmitem ao cessionário (...) os direitos acessórios indissociáveis da pessoa do cedente, decorrentes de sua condição personalíssima, salvo, naturalmente, se o cessionário detiver a mesma condição pessoal do cedente".
Contudo, o Supremo Tribunal Federal, após reconhecer a existência de repercussão geral da matéria atinente à "transmudação da natureza de precatório alimentar em normal em virtude de cessão do direito nele estampado" (Tema n. 361/STF), decidiu que a cessão de crédito não implica a alteração da sua natureza.
Semelhante situação ocorre no caso analisado, haja vista que a transmutação da natureza do crédito cedido viria em prejuízo dos próprios condomínios, que se valem da cessão de seus créditos como meio de obtenção de recursos financeiros necessários ao custeio das despesas de conservação da coisa, desonerando, assim, os demais condôminos que mantêm as suas obrigações em dia.
Ressalta-se, por último, que, quando o legislador pretende modificar a natureza do crédito cedido, ele assim o faz expressamente, a exemplo da disposição contida no § 4º do art. 83 da Lei n. 11.101/2005, segundo o qual "Os créditos trabalhistas cedidos a terceiros serão considerados quirografários."
REsp 1.797.027-PB, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/09/2020, DJe 18/09/2020
DIREITO CIVIL
Hipoteca. Negócio jurídico firmado na vigência do CC/2002. Casamento sob o regime da separação total de bens na vigência do CC/1916. Autorização conjugal. Desnecessidade.
É válida hipoteca firmada na vigência do CC/2002 exclusivamente por cônjuge casado sob o regime da separação total de bens na vigência do CC/1916.
Conceitualmente, o art. 2.039 do CC/2002, ao estabelecer uma regra de transição quanto ao regime de bens, teve por finalidade específica disciplinar as relações familiares entre os cônjuges na perspectiva patrimonial, ditando o modo pelo qual se dará, por exemplo, a partilha de seus bens por ocasião da dissolução do vínculo conjugal, bem como a possibilidade de alteração motivada e judicial do regime de bens posteriormente consagrada pela jurisprudência desta Corte.
Dessa forma, a referida regra de direito transitório não deve influenciar, na perspectiva da definição da legislação aplicável, as hipóteses em que deveria ser dada a autorização conjugal, pois esse instituto, a despeito de se relacionar com o regime de bens, é, na realidade, uma condição de eficácia do negócio jurídico cuja validade se examina.
Assim, em se tratando de casamento celebrado na vigência do CC/1916 sob o regime da separação convencional de bens, somente aos negócios jurídicos celebrados na vigência da legislação revogada é que se poderá aplicar a regra do art. 235, I, do CC/1916, que previa a necessidade de autorização conjugal como condição de eficácia da hipoteca, independentemente do regime de bens.
Contudo, aos negócios jurídicos celebrados após a entrada em vigor do CC/2002, deverá ser aplicada a regra do art. 1.647, I, do CC/2002, que prevê a dispensa de autorização conjugal como condição de eficácia da hipoteca quando o regime de bens for o da separação absoluta, ainda que se trate de casamento celebrado na vigência da legislação civil revogada.
REsp 1.879.503-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/09/2020, DJe 18/09/2020
DIREITO CIVIL
Plano de saúde coletivo empresarial. Rompimento do vínculo empregatício. Manutenção do ex-empregado e sua esposa como beneficiários do plano de saúde por 10 anos. Exclusão indevida pelo ex-empregador. Responsabilidade pela confiança. Abuso do direito. Supressio.
Ex-empregado mantido no plano de saúde por mais de dez anos após a demissão, por liberalidade do ex-empregador e com assunção de custeio integral do serviço, não poderá ser excluído da cobertura do seguro.
Cinge-se a controvérsia a definir a obrigação de o ex-empregador em manter, com base na proteção da confiança (supressio), o plano de saúde oferecido ao ex-empregado, transcorridos mais de 10 anos do rompimento do vínculo empregatício.
Com efeito, não se nega que o art. 30, § 1º, da Lei n. 9.656/1998 permite que o ex-empregado demitido e seu grupo familiar se mantenham no plano de saúde coletivo empresarial, após o rompimento do vínculo empregatício, pelo período de um terço do tempo de permanência como beneficiários, com um mínimo assegurado de seis meses e um máximo de vinte e quatro meses.
Há, no entanto, uma circunstância relevante na hipótese, o empregado e sua esposa permaneceram, depois da demissão do primeiro, vinculados ao mesmo plano, nas mesmas condições, por mais dez anos, tendo, apenas, assumido o custeio integral do serviço, circunstância que, segundo o Tribunal de origem, é apta "a despertar no autor a confiança legítima na manutenção vitalícia do benefício". O desate da controvérsia exige, portanto, a análise desse cenário à luz da chamada responsabilidade pela confiança.
Confiança, a propósito, é, na lição doutrinária, "a face subjetiva do princípio da boa-fé"; "é a legítima expectativa que resulta de uma relação jurídica fundada na boa-fé"; e, por isso, segundo a doutrina, "frustração é o sentimento que ocupa o lugar de uma expectativa não satisfeita".
A responsabilidade pela confiança constitui, portanto, uma das vertentes da boa-fé objetiva, enquanto princípio limitador do exercício dos direitos subjetivos, e coíbe o exercício abusivo do direito, o qual, no particular, se revela como uma espécie de não-exercício abusivo do direito, de que é exemplo a supressio. A supressio, por usa vez, indica a possibilidade de se considerar suprimida determinada obrigação contratual na hipótese em que o não exercício do direito correspondente, pelo credor, gerar no devedor a legítima expectativa de que esse não exercício se prorrogará no tempo.
Implica, assim, a redução do conteúdo obrigacional pela inércia qualificada de uma das partes, ao longo da execução do contrato, em exercer determinado direito ou faculdade, criando para a outra a percepção válida e plausível – a ser apurada casuisticamente – de ter havido a renúncia àquela prerrogativa.
Convém ressaltar, nessa toada, que o abuso do direito – aqui caracterizado pela supressio – é qualificado pelo legislador como espécie de ato ilícito (art. 187 do CC/2002), no qual, em verdade, não há desrespeito à regra de comportamento extraída da lei, mas à sua valoração; o agente atua conforme a legalidade estrita, mas ofende o elemento teleológico que a sustenta, descurando do dever ético que confere a adequação de sua conduta ao ordenamento jurídico.
Sob essa ótica, verifica-se que o ex-empregado e sua esposa se mantiveram vinculados ao contrato de plano de saúde por 10 anos, superando – e muito – o prazo legal que autorizava a sua exclusão, o que, evidentemente, despertou naqueles a justa expectativa de que não perderiam o benefício oferecido pelo ex-empregador.
E, de fato, o exercício reiterado dessa liberalidade, consolidado pelo decurso prolongado do tempo, é circunstância apta a criar a confiança na renúncia do direito de excluir o ex-empregado e seu grupo familiar do contrato de plano de saúde, de tal modo que, esse exercício agora, quando já passados 10 anos, e quando os beneficiários já contavam com idade avançada, gera uma situação de desequilíbrio inadmissível entre as partes, que se traduz no indesejado sentimento de frustação. Diante desse panorama, o princípio da boa-fé objetiva torna inviável a exclusão do ex-empregado e sua esposa do plano de saúde coletivo empresarial.
REsp 1.759.652-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 22/09/2020, DJe 25/09/2020
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
Ação de reconhecimento e dissolução de união estável post mortem. Inclusão de herdeiros colaterais no polo passivo. Desnecessidade. Assistência simples. Possibilidade.
É desnecessária a inclusão dos parentes colaterais do de cujus no polo passivo da ação de reconhecimento e dissolução de união estável post mortem.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar os Recursos Extraordinários 646.721/RS e 878.694/MG, ambos com repercussão geral reconhecida, fixou a tese de que "é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002".
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, após o reconhecimento da inconstitucionalidade da distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, os parentes colaterais, tais como irmãos, tios e sobrinhos, são herdeiros de quarta e última classe na ordem de vocação hereditária, herdando apenas na ausência de descendentes, ascendentes e cônjuge ou companheiro, em virtude da ordem legal de vocação hereditária.
Verifica-se que, apesar de não haver dúvida de que os parentes colaterais da falecida possuem interesse no resultado da ação de reconhecimento e dissolução de união estável, esse interesse não é direto e imediato, mas apenas reflexo, não os qualificando como litisconsortes passivos necessários, pois, nessa demanda movida contra o espólio, não há nenhum pedido contra eles dirigido. Em outras palavras, os parentes colaterais não possuem relação jurídica de direito material com a convivente supérstite, sendo que somente serão eventual e reflexamente atingidos pela decisão.
Ademais, é temeroso adotar o posicionamento de que quaisquer pessoas que compõem a vocação hereditária possuem legitimidade passiva necessária em ações de reconhecimento e dissolução de união estável pelo simples fato de que poderão, em tese, ser impactadas em futuro e distinto processo, devendo a referida vocação ser examinada em seara própria.
Dessa forma, o interesse dos parentes colaterais da falecida serve apenas para qualificá-los à habilitação voluntária no processo como assistentes simples do espólio.
Anota-se que a presente nota informativa vem retificar o que fora publicado no Informativo n. 678 e para tal transcreve-se trecho do voto do Exmo. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: "Eminentes Colegas. Prefacialmente, destaco que a apresentação do presente voto, nesta sessão de julgamento, decorre da existência de evidente erro material contido no acórdão anteriormente publicado, tendo em vista que o referido julgado não retratou o entendimento firmado na sessão de julgamento ocorrida em 23.06.2020".
REsp 1.829.821-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 25/08/2020, DJe 31/08/2020
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
Ação de obrigação de fazer. Provedores de aplicações de internet. Fornecimento de dados pessoais. Qualificação e endereço. Impossibilidade. Marco Civil da Internet. Delimitação. Proteção à privacidade.
Os provedores de aplicações de internet não são obrigados a guardar e fornecer dados pessoais dos usuários, sendo suficiente a apresentação dos registros de número IP.
Inicialmente cumpre salientar que de acordo com os precedentes deste STJ, não se pode considerar de risco a atividade desenvolvida pelos provedores de conteúdo e sequer é possível exigir a fiscalização prévia das informações disponibilizadas em aplicações de internet.
Por outro lado, esta mesma Corte exige que o provedor tenha o cuidado de propiciar meios para que se possa identificar cada um desses usuários, coibindo o anonimato e atribuindo a cada manifestação uma autoria certa e determinada.
Portanto, espera-se que o provedor adote providências que, conforme as circunstâncias específicas de cada caso, estiverem ao seu alcance para permitir a identificação dos usuários de determinada aplicação de internet.
Ainda que não exija os dados pessoais dos seus usuários, o provedor de conteúdo, que registra o número de protocolo na internet (IP) dos computadores utilizados para o cadastramento de cada conta, mantém um meio razoavelmente eficiente de rastreamento dos seus usuários, medida de segurança que corresponde à diligência média esperada dessa modalidade de provedor de serviço de internet.
A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é consolidada no sentido de – para adimplir sua obrigação de identificar usuários que eventualmente publiquem conteúdos considerados ofensivos por terceiros – é suficiente o fornecimento do número IP correspondente à publicação ofensiva indicada pela parte.
Os endereços IPs, ressalte-se, são essenciais na arquitetura da internet, que permite a bilhões de pessoas e dispositivos se conectarem à rede, permitindo que trocas de volumes gigantescos de dados sejam operadas com sucesso. Assim, quando se trata de investigações civis ou criminais que necessitam identificar a autoria de ilícitos ocorridos na Internet, trata-se de informação essencial, a fim de permitir localizar o terminal e, por consequência, a pessoal que o utilizava para a realização de ilícitos. Por isso, determinou-se um dever de guarda e armazenamento de um conjunto de informações utilizadas pelos usuários na internet, entre eles, o número IP.
No Marco Civil da Internet, há duas categorias de dados que devem ser obrigatoriamente armazenados: os registros de conexão e os registros de acesso à aplicação. A previsão legal para guarda desses dados objetiva facilitar a identificação de usuários da internet pelas autoridades competentes e mediante ordem judicial, porque a responsabilização dos usuários é um dos princípios do uso da internet no Brasil, conforme o art. 3º, VI, da mencionada lei. Essa distinção entre as duas categorias de agentes, provedores de conexão e de aplicação, visa garantir a privacidade e a proteção da vida privada dos cidadãos usuários da Internet. Diminui-se, assim, a quantidade de dados pessoais que cada um dos atores da internet possui, como forma de prevenção ao
abuso da posse dessas informações.
Além disso, no art. 13, § 2º, do Decreto n. 8.771/2016 também fica estabelecido que os provedores de aplicações de internet "devem reter a menor quantidade possível de dados pessoais", o que reforça a inexigibilidade jurídica do armazenamento e fornecimento de dados que não sejam os registros de acesso, expressamente apontados pelo Marco Civil da Internet como os únicos que os provedores de aplicações devem guardar e, eventualmente, fornecer em juízo.
É certo que a limitação dos dados a serem obrigatoriamente guardados pelos provedores de aplicações de internet tem uma razão de ser, que é a tutela jurídica da intimidade e da privacidade, consagrada no art. 5º, inciso X, da Constituição Federal de 1988, foi expressamente encampada pelo Marco Civil da Internet, que assegura como direitos dos usuários da rede a proteção à privacidade.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi criado pela Constituição Federal de 1988 com a finalidade de preservar a uniformidade da interpretação das leis federais em todo o território brasileiro. Endereço: SAFS - Quadra 06 - Lote 01 - Trecho III. CEP 70095-900 | Brasília/DF. Telefone: (61) 3319-8000 | Fax: (61) 3319-8700. Home page: www.stj.jus.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. Informativo 680 do STJ - 2020 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 out 2020, 16:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Informativos dos Tribunais/56268/informativo-680-do-stj-2020. Acesso em: 23 nov 2024.
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
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